PROVA DE OFAS – 2009.
1. De acordo com o parecer CNE/CEB N° 04/98 – Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, as escolas deverão estabelecer, como norteadores suas ações pedagógicas os seguintes princípios:
a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao bem comum e os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática;
b) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao bem comum e os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da Diversidade de manifestações Artísticas e culturais;
c) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática e os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da Diversidade de manifestações Artísticas e culturais;
d) Princípios Éticos da Autonomia, Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade e os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade;
e) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao bem comum; Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática e os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da Diversidade de manifestações Artísticas e culturais.
2. Parecer CNE/CEB nº 04/98 e Resolução CNE/CEB nº 02/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Quais são os conceitos que envolvem o currículo:
a) currículo formal, currículo em ação e currículo oculto;
b) currículo formal e currículo em ação;
c) currículo em ação e currículo oculto;
d) currículo formal e currículo oculto;
e) todas as alternativas estão corretas.
3. Parecer CNE/CEB nº 04/98 e Resolução CNE/CEB nº 02/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. O que é currículo oculto?
a) planos e propostas pedagógicas;
b) aquilo que efetivamente acontece nas salas de aula e nas escolas;
c) o não dito, aquilo que tanto alunos, quanto professores trazem, carregado de sentidos próprios criando as formas de relacionamento, poder e convivência nas salas de aula;
d) é o currículo presente nos planos de ensino dos professores;
e) é o currículo escondido.
4. RESOLUÇÃO CEB Nº 2/1998, que institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. (artigo 3° inciso I, alíneas a, b e c). De acordo com as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, as escolas deverão estabelecer como norteadores de suas ações pedagógicas:
a) os princípios de liberdade, ideais de solidariedade humana, pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho;
b) princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum;
c) os princípios dos Direitos e Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;
d) os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais;
e) as alternativas B, C e D estão corretas.
5. RESOLUÇÃO CEB Nº 2/1998, que institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. (artigo 3° inciso IV, alínea a). De acordo com as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, A base comum nacional e sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como:
a) a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social e o meio ambiente;
b) o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura e as linguagens;
c) Língua Portuguesa, Língua Materna, para populações indígenas e migrantes, Matemática, Ciências, Geografia e História;
d) Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação Religiosa;
e) as alternativas A e B estão corretas.
6. RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 03/98, que institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio (artigo 3°, Incisos I, II e III). A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:
a) a estética da sensibilidade; a política da igualdade e a ética da identidade;
b) a responsabilidade e a solidariedade e a solidariedade;
c) a identidade, diversidade e a autonomia;
d) interdisciplinaridade, contextualização e autonomia;
e) a responsabilidade, a diversidade e a autonomia.
7. Nos termos da Resolução CNE/CEB nº. 03/98 (artigo 10, Incisos I, II e III). A Base Nacional Comum dos Currículos de Ensino Médio será organizada em áreas de conhecimento, a saber:
a) Comunicação e Expressão; Matemática e Ciências Físicas e Biológicas; Ciências Humanas e Sociais;
b) Linguagens Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias;
c) Estética da Sensibilidade; Política da Igualdade e Ética da Identidade;
d) Identidade; Diversidade e Autonomia; Interdisciplinaridade e contextualização;
e) Competências Básicas e Habilidades Necessárias.
8. Nos termos da Resolução CNE/CEB nº. 03/98 (artigo 10, § 2°, alínea A e artigo 11, Inciso V ). São disciplinas obrigatórias as seguintes disciplinas no ensino médio:
a) a Filosofia e a Sociologia;
b) a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia;
c) a Educação Física, a Arte e a Filosofia
d) a Educação Física, a Arte e a língua estrangeira moderna;
e) a Educação Física, a Arte, a língua estrangeira moderna, a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia.
9. De acordo com a Resolução CEB N° 3, de 26 de Junho de 1998, no seu artigo 11 a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada, do Ensino Médio terão a duração mínima de:
a) 1.600 (um mil e seiscentas) horas;
b) 1.200 (um mil e duzentas) horas;
c) 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas;
d) 3.200 (três mil e duzentas) horas;
e) 800 (oitocentas) horas.
10. PARECER CNE/CEB Nº 15/98, que institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio.
As três grandes áreas em que se divide o conhecimento é composto:
I. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
II. CIÊNCIAS DA NATUREZA, MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS;
III. CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS.
QUAIS AS DISCIPLINAS DE CADA ÀREA DE CONHECIMENTO RESPECTIVAMENTE:
I II III
a) língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física. história, geografia, sociologia, psicologia e filosofia.
matemática, física, química e biologia.
b) história, geografia, sociologia, psicologia e filosofia.
língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física. matemática, física, química e biologia.
c) matemática, física, química e biologia. história, geografia, sociologia, psicologia e filosofia.
língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física.
d) língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física. matemática, física, química e biologia. história, geografia, sociologia, psicologia e filosofia.
e) História, geografia, sociologia, psicologia e filosofia.
matemática, física, química e biologia. língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física.
11. (BRASIL. ENEM: Fundamentação Teórico-Metodológica. Por que competências e habilidades, hoje?) O que são competências e habilidades:
a) As competências/habilidades são inseparáveis da ação, mas exigem domínio de conhecimentos;
b) Competências se constituem num conjunto de conhecimentos, atitudes, capacidades e aptidões que habilitam alguém para vários desempenhos da vida;
c) Habilidades se ligam a atributos relacionados não apenas ao saber-conhecer mas ao saber-fazer, saber-conviver e ao saber-ser;
d) As competências pressupõem operações mentais, capacidades para usar as habilidades, emprego de atitudes, adequadas à realização de tarefas e conhecimentos;
e) Todas estão corretas.
12. (BRASIL. ENEM: Fundamentação Teórico-Metodológica. Exercício ou problema?). O que são
exercícios ou problemas?
I. caminhar é um exercício quando já adquirimos essa habilidade, o exercício supõe, então, a repetição de uma aquisição – motora;
II. problemas, interpretação do desafio proposto no contexto, planejamento da solução ou das soluções possíveis, execução da solução planejada e avaliação dos resultados;
III. problema é aquilo que se enfrenta e cuja solução, já conhecida ou incorporada, não é suficiente, ao menos como conteúdo.
IV. exercício é fazer contas;
V. o problema é realizar uma conta para a qual não se estava suficientemente preparado.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II e III;
b) III, IV e V;
c) I, IV e V;
d) I, II, III, IV e V;
e) I, II, III e IV.
13. (BRASIL. ENEM: Fundamentação Teórico-Metodológica. As formas de competência). As formas de competências, são entendidas dos seguintes modos:
I. Competência como condição prévia do sujeito, herdada ou adquirida. Saber respirar, mamar, por exemplo, são capacidades herdadas. Nascemos com competência comunicativa, isto é, herdamos nossa aptidão para a linguagem. Ao mesmo tempo, temos de adquirir competência em uma ou mais línguas, pois essas não são herdadas, mas aprendidas e se constituem patrimônio de nossa cultura e de nossa possibilidade de comunicação;
II. Competência como condição do objeto, independente do sujeito que o utiliza. Referese à competência da máquina ou do objeto. Por exemplo, a competência ou habilidade de um motorista não tem relação direta com a potência de seu automóvel. O mesmo acontece com
relação aos computadores e seus usuários. Uma coisa é nossa condição de operar certo programa. Outra é a potência do computador, sua velocidade de processar informações, memória;
III. Competência relacional. Essa forma de competência é interdependente, ou seja,
não basta ser muito entendido em uma matéria, não basta possuir objetos potentes e adequados, pois o importante aqui é “como esses fatores interagem”. A competência relacional expressa esse jogo de interações. É comum na escola um professor saber relatar bem um problema que está acontecendo em sala de aula, mas na própria aula não saber resolver situações relacionadas com a indisciplina, espaço ou tempo.
IV. os incisos I, II e III estão corretos;
V. os incisos I, II e III estão incorretos.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I está correto;
b) II está correto
c) IV está correto;
d) III está correto;
e) V está correto.
14. (BRASIL. ENEM: Fundamentação Teórico-Metodológica. Competição, competência e concorrência). O que significa os termos competência, competição e concorrência, em uma perspectiva relacional?
a) Competição. Competir quer dizer “com-petir”, isto é, “pedir junto”. O prefixo “com” significa ao mesmo tempo, simultaneamente. O radical “petir” significa pedir. Filhos, marido, telefone, etc., muitas vezes pedem ao mesmo tempo a atenção da mesma pessoa (a mãe, a esposa, a filha, sintetizadas numa única mulher). Não lhe é possível atender igualmente a todos. Numa sala de aula, por exemplo, alunos, diretora, orientadora, horário, agenda de trabalho referem-se às múltiplas tarefas de que a professora deve cuidar – de preferência, ao mesmo tempo. Então, ao que dar prioridade; que decisões tomar? Jogadores, adversários em uma mesma partida, pedem – igualmente – a vitória, mesmo sabendo que ela caberá a apenas um deles;
b) Concorrência, em uma sala de aula. O professor – espera-se – deve cuidar adequadamente da multiplicidade de aspectos importantes (conteúdo a ser ensinado, interesses e necessidades de cada aluno, horário, etc.). Lembro esses exemplos para dizer que, na perspectiva da concorrência, muitos fatores, cada qual com sua importância particular, correm juntos. Não é correto dizer que competem, nos termos lembrados acima, mas que concorrem, porque todos necessitam ser atendidos e considerados;
c) Competência. Como coordenar competição com concorrência? Com competência. Competência, em sua perspectiva relacional, é uma equação que expressa o equilíbrio entre dois opostos complementares. A competição como fim buscado (necessidade), e a concorrência como repertório (disponibilidade) de coisas independentes quanto a um fim particular, mas que, na perspectiva do sujeito, qualificam os meios de certa realização;
IV. os incisos I, II e III estão corretos;
V. os incisos I, II e III estão incorretos.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I está correto;
b) IV está correto
c) II está correto;
d) III está correto;
e) V está correto.
15. (BRASIL. ENEM: Fundamentação Teórico-Metodológica. Competição, competência e concorrência). Quais são as competências do ENEM?
I. Competência I - Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica;
II. Competência II - Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas;
III. Competência III - Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema;
IV. Competência IV - Relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente;
V. Competência V - Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de
propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III, IV e V;
b) I, II, III e IV;
c) I, II e III;
d) I e II;
e) I.
16. (IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo INEP em 2007 e representa a iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação:
a) fluxo escolar e médias de desempenho das avaliações;
b) capacidade de aprendizagens dos alunos em Língua Portuguesa e médias de desempenho das avaliações;
c) capacidade de aprendizagens dos alunos em Matemática e médias de desempenho das avaliações;
d) verificar o nível de aprendizagens dos alunos e a capacidade dos professores de ensinar;
e) fluxo escolar e a capacidade dos professores de ensinar.
17. (IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O IDEB também é importante por ser condutor de política pública em prol da qualidade da educação. É a ferramenta para acompanhamento das metas de qualidade do PDE para a educação básica. O Plano de Desenvolvimento da Educação estabelece, como metas:
a) que em 2012 o IDEB do Brasil seja 5,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos;
b) que em 2022 o IDEB do Brasil seja 6,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos;
c) que em 2012 o IDEB do Brasil seja 7,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos;
d) que em 2022 o IDEB do Brasil seja 7,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos;
e) que em 2022 o IDEB do Brasil seja 8,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos.
18. (IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O IDEB é mais que um indicador estatístico. Ele nasceu como condutor de política pública pela:
a) melhoria da qualidade da educação, no âmbito nacional. Sua composição possibilita não apenas o diagnóstico atualizado da situação educacional na esfera nacional, mas também a projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino;
b) melhoria da qualidade da educação, no âmbito estadual. Sua composição possibilita não apenas o diagnóstico atualizado da situação educacional na esfera estadual, mas também a projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino paulista;
c) melhoria da qualidade da educação, no âmbito municipal. Sua composição possibilita não apenas o diagnóstico atualizado da situação educacional na esfera municipal, mas também a projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino;
d) melhoria da qualidade da educação, tanto no âmbito nacional, como nos estados, municípios e escolas. Sua composição possibilita não apenas o diagnóstico atualizado da situação educacional em todas essas esferas, mas também a projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino;
e) todas as alternativas estão corretas.
19. (IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Foi o INEP quem estabeleceu parâmetros técnicos de comparação entre a qualidade dos sistemas de ensino do Brasil com os de países da OCDE. Ou seja, a referência à OCDE é parâmetro técnico em busca da qualidade, e não um critério externo às políticas públicas educacionais desenvolvidas pelo MEC, no âmbito da realidade brasileira. As metas do IDEB são:
a) metas são iguais para cada rede e escola. As metas são iguais para todos, e são apresentadas bienalmente de 2007 a 2021. Estados, municípios e escolas deverão melhorar seus índices e contribuir, em conjunto, para que o Brasil chegue à meta 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência;
b) metas são iguais para cada rede e diferente para cada escola. As metas podem ser iguais ou diferentes para cada um, e são apresentadas bienalmente de 2007 a 2021. Estados, municípios e escolas deverão melhorar seus índices e contribuir, em conjunto, para que o Brasil chegue à meta 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência;
c) metas são diferenciadas para cada rede e escola. As metas são diferenciadas para todos, e são apresentadas bienalmente de 2007 a 2021. Estados, municípios e escolas deverão melhorar seus índices e contribuir, em conjunto, para que o Brasil chegue à meta 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência;
d) metas são diferenciadas para cada rede e escola. As metas são diferenciadas para todos, mais exige mais dos Estados, visto que eles têm mais recursos da Educação para aplicar;
e) todas as alternativas estão corretas, pois o IDEB é um índice flexível mensurando todas as realidades da Educação do Brasil.
20. (IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O IDEB é calculado a partir de dois componentes:
I. taxa de rendimento escolar (aprovação);
II. médias de desempenho nos exames padronizados aplicados pelo INEP;
III. médias de desempenho nos exames padronizados aplicados pela Prova Brasil;
IV. médias de desempenho nos exames padronizados aplicados pelo ENEM;
V. médias de desempenho nos exames padronizados aplicados pelo SARESP.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e V;
b) I e IV;
c) I e III;
d) I, III e V;
e) I e II.
21. (Prova Brasil e o SAEB). O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado pelo INEP/MEC, abrange estudantes das redes públicas e privadas do país, localizados em área rural e urbana, matriculados:
I. na 4ª e 8ª séries (ou 5º e 9º anos) do ensino fundamental;
II. no 3º ano do ensino médio;
III. na 2ª e 6ª séries do ensino fundamental;
IV. no 2º ano do ensino médio;
V. na 3ª e 5ª séries do ensino fundamental.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e II;
b) II e III;
c) III e IV;
d) IV e V;
e) I e IV.
22. (Prova Brasil e o SAEB). A Prova Brasil e o SAEB avaliam as habilidades em:
I. Matemática ((com foco em leitura);
II. Língua Portuguesa com foco na resolução de problemas);
III. Matemática (com foco na resolução de problemas);
IV. Língua Portuguesa (com foco em leitura);
V. todas as alternativas estão corretas.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e II;
b) II e III;
c) III e IV;
d) IV e V;
e) I e IV.
23. (Prova Brasil e o SAEB). Quem não participa da Prova Brasil?
I. as turmas de Educação de Jovens e Adultos;
II. as escolas que ensinam apenas a língua indígena materna;
III. as turmas multisseriadas;
IV. crianças com necessidades educativas especiais poderão participar da avaliação conforme suas possibilidades e utilizando os recursos de acesso existentes na própria escola;
V. todas as alternativas estão corretas.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e II;
b) I, II e III;
c) II e III;
d) IV e V;
e) V.
24. (Prova Brasil e o SAEB). Quais as escolas participarão da Prova Brasil/SAEB 2009?
a) todas as escolas públicas, localizadas na zona urbana;
b) todas as escolas públicas e privadas, localizadas na zona urbana e rural;
c) todas as escolas públicas e privadas, localizadas na zona urbana;
d) todas as escolas públicas, localizadas na zona urbana e rural,
e) todas as escolas públicas, privadas, comunitária, filantrópica ou confessional, localizadas na zona urbana e rural.
25. (Prova Brasil e o SAEB). Em avaliações com as características apresentadas pela Prova Brasil não é possível avaliar todas as habilidades previstas nos currículos escolares. Dessa forma, foi produzida uma Matriz de Referência para cada série e disciplina. As matrizes foram elaboradas a partir de uma análise das:
a) propostas curriculares das secretarias municipais de educação;
b) propostas curriculares das secretarias estaduais de educação;
c) propostas curriculares da Secretaria Nacional de Ensino Fundamental;
d) propostas curriculares da Secretaria Nacional de Ensino Fundamental e Mádio;
e) propostas curriculares das secretarias estaduais de educação e dos livros didáticos utilizados em todo o País, selecionando-se o que havia de comum e passível de ser avaliado nacionalmente em um teste padronizado.
26. (PCNs. Introdução. 3° e 4° Ciclos do Ensino Fundamental). De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, os quatro os Pilares do Conhecimento são:
I. Aprender a Conhecer: seleção de cultura geral com espírito investigativo e crítico. Aprender a aprender sempre;
II. Aprender a Fazer: competência de se relacionar, de resolver problemas e adquirir qualificação profissional;
III. Aprender a Viver com os Outros: compreensão do outro e percepção de interdependências;
IV. Aprender a Ser: desenvolvimento da personalidade e da autonomia. Assumir responsabilidades pessoais;
V. Aprender a Ser Cidadão: consciente dos seus direitos e deveres.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III e IV;
b) II, III, IV e V;
c) I, III, IV e V;
d) I, II, IV e V;
e) I, II, III e V.
27. (PCNs. Introdução. 3° e 4° Ciclos do Ensino Fundamental). Quais são os temas transversais?
I. Ética e Saúde;
II. Meio Ambiente e Pluralidade Cultural;
III. Orientação Sexual, Trabalho e Consumo;
IV. Cidadania e Consumo;
V. Trabalho e Cidadania.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II e IV;
b) I, II e III;
c) II, III e IV;
d) III, IV e V;
e) I, IV e V.
28. (PCNs. Introdução. 3° e 4° Ciclos do Ensino Fundamental). Seleção de conteúdos: relevância social e contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno. Rompe com a linearidade e o acúmulo, estabelecendo uma teia de significados com outros objetos do conhecimento. É formado por conteúdos:
I. Conteúdos de Natureza Social;
II. Conteúdos de Natureza Ambiental
III. Conteúdos de Natureza Conceitual;
IV. Conteúdos de Natureza Procedimental;
V. Conteúdo de Natureza Atitudinal;
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II e IV;
b) I, II e III;
c) II, III e IV;
d) III, IV e V;
e) I, IV e V.
29. (PCNs. Introdução. 3° e 4° Ciclos do Ensino Fundamental). Sobre avaliação podemos dizer de acordo com os PCN’s:
I. ocorre durante todo o processo em de ensino e aprendizagem;
II. ajusta a intervenção pedagógica;
III. usa diversos instrumentos de situações;
IV. realiza a avaliação por meio de observação sistemática;
V. analisa a produção dos alunos e de atividades específicas de avaliação.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II e III;
b) I, II, III e IV;
c) I, II, III, IV e V;
d) II, III, IV e V;
e) III, IV e V.
30. (PCNs. Introdução. 3° e 4° Ciclos do Ensino Fundamental). Sobre o uso do computador e das novas tecnologias podemos afirmar que:
I. é ao mesmo tempo ferramenta e instrumento de mediação. Ferramenta na medida em que permite realizar atividades que seriam muito difíceis ou impossíveis sem ele;
II. instrumento de mediação na medida em que possibilita novas relações para a construção do conhecimento e novas formas de atividade mental;
III. Importa menos manter-se atualizado com a tecnologia e do que aprender a se relacionar com ela;
IV. é necessário aprender sempre e a maioria dos software promove automaticamente aprendizagem;
V. utilizar recursos tecnológicos garante a aprendizagem.
Assinale a (s) alternativa (s) incorreta (s):
a) I e II;
b) II e III;
c) III e IV;
d) I e V;
e) IV e V.
31. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio). O Ensino Médio, como parte da educação escolar, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Art.1º § 2º da Lei nº 9.394/96). Essa vinculação é orgânica e deve contaminar toda a prática educativa escolar. Em suma, a Lei estabelece uma perspectiva para esse nível de ensino que integra, numa mesma e única modalidade, finalidades até então dissociadas, para oferecer, de forma articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educandos:
I. a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências necessárias à
integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade em que se situa;
II. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
III. a preparação e orientação básica para a sua integração ao mundo do trabalho, com as
competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as
mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo;
IV. o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e
crítica, em níveis mais complexos de estudos.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II estão corretas;
b) I, II e III estão corretas;
c) I, II, III e IV estão corretas;
d) II e IV estão corretas;
e) II, III e IV estão corretas.
32. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio). Nessa perspectiva, incorporam-se como diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular as quatro premissas apontadas pela UNESCO como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea:
I. aprender a conhecer;
II. aprender a fazer;
III. aprender a viver;
IV. aprender a ser;
V. aprender a ver.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e II estão corretas;
b) II e III estão corretas;
c) III, IV e V estão corretas;
d) I, II, III e IV estão corretas;
e) todas estão corretas.
33. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio). O Ensino Médio estabelece a divisão do conhecimento escolar em áreas, uma vez que entende os conhecimentos cada vez mais imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja no âmbito do cotidiano da vida social. Quais são as áreas de conhecimento?
I. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
II. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias;
III. Ciências Humanas e suas Tecnologias;
IV. Ciências Sociais e suas Tecnologias;
V. Língua Estrangeira Moderna e suas Tecnologias.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III e V estão corretas;
b) I, II e III estão corretas;
c) I, II, III e IV estão corretas;
d) II, III e IV estão corretas;
e) I, II, III, IV e V estão corretas.
34. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio). A parte diversificada do currículo destina-se a atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (Art. 26 da LDB). Complementa a Base Nacional Comum e será definida:
I. em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar;
II. em cada sistema de ensino;
III. em cada Conselho Municipal de Educação;
IV. em cada Conselho Estadual de Educação;
V. em cada estabelecimento de ensino.
Assinale a alternativa correta:
a) apenas I está correta;
b) apenas II está correta;
c) apenas III está correta;
d) apenas IV está correta;
e) apenas V está correta.
35. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio). A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de políticas, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de aprendizagem, os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com os valores estéticos, políticos e éticos que inspiram a Constituição e a LDB, organizados sob três consignas:
Assinale a alternativa correta:
a) fraternidade, igualdade e identidade;
b) liberdade, igualdade e identidade;
c) solidariedade, igualdade e identidade;
d) sensibilidade, igualdade e identidade;
e) todas as alternativas estão corretas.
36. (Proposta Curricular Geral do Estado de São Paulo). O que são competências e habilidades:
I. habilidades: São as capacidades técnicas para realizar determinadas tarefas, desenvolvidas através de teorias e práticas. Ex: dirigir um carro ou usar um computador;
II. competências: As habilidades são desenvolvidas através da teoria ou prática. Ex: dirigir um carro em rodovias de alta velocidade ou digitar rapidamente um texto no computador;
III. competências: São as capacidades técnicas para realizar determinadas tarefas, desenvolvidas através de teorias e práticas. Ex: dirigir um carro ou usar um computador;
IV. habilidades: As habilidades são desenvolvidas através da teoria ou prática. Ex: dirigir um carro em rodovias de alta velocidade ou digitar rapidamente um texto no computador;
V. todas as alternativas estão corretas.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I e III;
b) II e IV;
c) I e III;
d) III e IV;
e) V.
37. (Proposta Curricular Geral do Estado de São Paulo). Quais são os quatro pilares da UNESCO sobre a aprendizagem:
I. aprender a ver.
II. aprender a conhecer;
III. aprender a fazer;
IV. aprender a viver;
V. aprender a ser;
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III e IV estão corretas;
b) II, III, IV e V estão corretas;
c) I e II estão corretas;
d) II e III estão corretas;
e) todas estão corretas.
38. (Proposta Curricular Geral do Estado de São Paulo). As competências medidas no ENEM são cinco:
I. expressar tudo que existe na cultura transpondo para situações de aprendizagem;
II. ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos produzidos;
III. dominar a norma culta das linguagens;
IV. construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos, processos e manifestações;
V. selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações para tomar decisões;
VI. relacionar informações, representadas em diferentes formas e conhecimentos disponíveis em situações concretas para construir argumentos;
VII. recorrer aos conhecimentos para propor intervenções solidárias respeitando as diversidades.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III, IV e V;
b) II, III, IV, V e VI;
c) III, IV, V, VI e VII;
d) I, II, III, VI e VII;
e) II, III, IV, VI e VII;
39. (Proposta Curricular Geral do Estado de São Paulo). De acordo com o artigo 35 da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV. a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina;
V. o ensino médio, atenderá a formação para o exercício de profissões técnicas.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II, III e IV estão corretas;
b) II, III, IV e V estão corretas;
c) I e II estão corretas;
d) II e III estão corretas;
e) todas estão corretas.
40. (Proposta Curricular Geral do Estado de São Paulo). As áreas do conhecimento são as seguintes:
I. Área de Ciências e suas Tecnologias: Ciências, Biologia, Física e Química.
II. Matemática e as áreas do Conhecimento: Matemática
III. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna (LEM), Arte e Educação Física.
IV. Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias: História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Psicologia,
V. Área de Ciências e suas Tecnologias: Matemática, Ciências, Biologia, Física e Química.
Assinale a (s) alternativa (s) correta (s):
a) I, II e III;
b) II, III e IV;
c) I, II e IV;
d) II, III, IV e V;
e) I, II, III e IV.
GABARITO:
01 E 21 A
02 A 22 C
03 C 23 B
04 E 24 D
05 E 25 E
06 A 26 A
07 B 27 B
08 D 28 D
09 C 29 C
10 D 30 E
11 E 31 C
12 D 32 E
13 C 33 B
14 B 34 A
15 A 35 D
16 A 36 D
17 B 37 B
18 D 38 C
19 C 39 A
20 E 40 E
domingo, 13 de dezembro de 2009
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
APOSTILA PBI PARTE PEDAGOGICA.
ÍNDICE
1. CURTO, Lluís Maruny; MORILLO, Maribel M. & TEIXIDÓ,Manuel M. Escrever e ler - Volume I e II. Porto Alegre. Artmed, 2000.
2. DOLZ , J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
3. ECHEVERRÍA, M. P. P.; POZO, J. I. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. In: POZO, J. I. (Org.). A solução de problemas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
4. FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Editora Cortez,1996.
5. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:Editora Cortez,1996.
6. FERREIRO, Emília. Cultura escrita e educação: conversas de Emilia Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa MariaTorres. Porto Alegre: Artmed, 2001.
7. FIORIN, J. L. In: Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.
8. GERALDI, J. W. Linguagem e Ensino. Exercícios de militância e divulgação. Campinas (SP): ALB - Mercado de Letras, 1996.
9. LATAILLE, Yves et alii. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. SP, Summus, 1992
10. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola. O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002
11. LERNER, D. e SADOVSKY, P. O sistema de numeração:um problema didático. In: PARRA, Cecília; SAIZ Irmã; [et al] (Org.). Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógicas. Tradução por Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 73-155.
12. NEMIROVSKY, Myriam. O Ensino da Linguagem escrita. Artmed, 2002.
13. SCHNEUWLY, Bernard. Palavra e ficcionalização: Um caminho para o ensino da linguagem oral. In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
14. SMOLKA, Ana Luíza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita. Alfabetização como processo discursivo. São Paulo (SP): Cortez; Campinas (SP): Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2003.
15. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.
16. TEBEROSKY, Ana, COLOMER, Teresa. Aprender a Ler e a Escrever - uma proposta construtivista. Porto Alegre Artmed. 2002.
17. ZABALA, Antoni. A Prática Educativa - Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
18. VYGOTSKY. L.S. Formação social da mente. Martins Fontes. São Paulo. 2007.
19. WEISZ, Telma. O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002.
1. CURTO, L. M.; MORILLO, M. M. E TEIXIDÓ, M. M. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Porto Alegre: Artmed, 2000. v. I e II
Introdução
Esse material foi escrito por uma equipe de psicólogos e pedagogos da Catalunha (Barcelona - Espanha), em¬bora eles tenham sido elaborados pelos professores de diferentes escolas daquela região. Em contato com os alunos que não conseguiam apren¬der a ler e escrever, aqueles educa¬dores começaram a colocar em dúvida a concepção com a qual sem¬pre tinham trabalhado. O que mais os preocupava era o fato dos alunos sempre dizerem "não sei" a qualquer proposta de trabalho com a leitura e escrita. Ocorreu-lhes então pergun¬tar se não haveria outras formas de propor a leitura e a escrita e alguém lhes falou sobre o trabalho de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro. Entraram em contato com Ana e acabaram des¬cobrindo que suas crianças compar¬tilhavam das hipóteses que compro¬vavam que todas as crianças elabo¬ram teorias próprias sobre a lingua¬gem escrita. E assim, aproximaram-se do construtivismo. No presente material esses professores se pro¬põem a compartilhar o trabalho que desenvolveram e ainda desenvolvem com seus alunos que têm idades entre três e oito anos (segundo ciclo da Educação Infantil e ciclo inicial do Ensino Fundamental) e convidam cada professor a, com base nele, re¬construir suas ideias sobre o ensino da linguagem escrita. É necessário que fique claro que as autoras não compartilham a ideia de que a ques¬tão da aprendizagem da linguagem escrita seja uma questão de "bons" métodos. Para a concepção construtivista essa é uma falsa questão.
Este material está estruturado em dois volumes relativamente indepen¬dentes. No volume 1 os objetivos são: mostrar o que as crianças sabem so¬bre a linguagem escrita; mostrar a necessidade da escola renovar em profundidade suas concepções; apre¬sentar as bases psicopedagógicas para o professor que decida ensinar a ler e a escrever partindo do que as crian¬ças pensam. Após essa aproximação ao tema o material traz idéias e expe¬riências pedagógicas que fundamen¬tam a proposta das autoras para o ensino da linguagem escrita. Os exem¬plos de escrita incluídos no material são reais e correspondem a situações educativas com meninos/as entre 3 e 8 anos em sala de aula e foram obtidos entre os anos de 1986 a 1993.
PARTE I: O QUE AS CRIANÇAS SABEM
CAPÍTULO 1: IDEIAS INFANTIS SOBRE A ESCRITA
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1979) dedicaram-se à pesquisa do pensamento infantil sobre a leitura e escrita guiadas por algumas idéias prévias: que a criança não se depara com a linguagem escrita apenas no primeiro dia de aula; que deveríamos avaliar o que a criança sabe sobre a linguagem escrita antes da escola tentar ensinar-lhe. Situam-se, assim, numa perspectiva genética, evolutiva, considerando também os estudos sobre a psicologia da educação e a psicolinguística. Em sua pesquisa descobriram o processo pelo qual as crianças constroem seu próprio sis¬tema de leitura e escrita. Esse pro¬cesso é o seguinte:
Escrever não é a mesma coisa que desenhar
A primeira diferenciação que as crianças estabelecem é a distinção entre os desenhos e outros signos como letras, números, grafias diver¬sas. A maioria das crianças quando chega à escola já estabeleceu essas diferenças.
Grafismos primitivos: rabiscos, pseudoletras
Nas primeiras tentativas para escre¬ver as crianças produzem signos que não são desenhos, mas tampouco são letras convencionais. São grafias que tentam se parecer com letras.
Diferenças entre letras e números
A criança logo notará que há dois tipos de signos gráficos além dos desenhos: letras e números, mas os usa, no começo, indistintamente. A essa altura a criança já tem outras ideias sobre, por exemplo, aspectos convencionais da escrita: formas das letras, alinhamento do que se escre¬ve, orientação direita/esquerda. Esses aspectos vão sendo aprendidos du¬rante o próprio ato de escrever.
Escritas sem controle de quantidade
Já sabendo que para escrever se usam signos especiais, como se po¬dem, então, escrever coisas diferen¬tes? Para algumas crianças as escri¬tas devem ocupar toda a largura da página!
Escritas fixas
Aqui as crianças já podem escre¬ver os nomes das coisas, das pesso¬as etc. Trata-se de uma autêntica escrita, mas ainda "não comunicá¬vel" porque tem regras próprias. As nossas escritas também não são comunicáveis para as crianças até que elas sejam lidas. Elas se mara¬vilham ao ver que nossos rabiscos têm significado. Nessas primeiras tentativas as crianças usam o mes¬mo conjunto de signos para escre¬ver coisas diferentes.
Escritas diferenciadas
Logo as crianças estarão fazendo diferenciações: escrevem palavras longas e curtas; letras grandes e pe¬quenas. Tem ideias pessoais e inte¬ressantes sobre a gramática do es-crito: as palavras se diferenciam se¬gundo as características do objeto de conhecimento; há uma diferenci¬ação na quantidade, na ordem ou na variedade das letras quando querem escrever palavras diferentes.
Escritas silábicas
As crianças vão descobrindo que nossa forma de escrever não é regida por princípios ideográficos o que as leva a inventar a escrita silábica: uma letra para cada som. Como a unida¬de de som que se percebe é a sílaba, cada sílaba é representada por uma letra ou uma grafia. Quase sempre as crianças escolhem a vogal para representar as sílabas. É maravilho¬so poder escrever qualquer palavra, notícias e até longuíssimos contos! Mas, as crianças logo descobrem que a escrita não funciona assim. As escritas dos adultos colocam-nas em con¬flito. Criam problemas:
• Como escrever palavras monos¬silábicas?
• Palavras com todas as letras iguais?
• Palavras diferentes são escritas da mesma maneira?
• Os nomes próprios não podem ser escritos pela metade!
• As consoantes: a solução!
Escritas silábico-alfabéticas
As crianças descobrem que po¬dem escrever uma sílaba com uma consoante e uma vogal. Mas a hipótese silábica é tão potente e satisfatória que elas custam renunci¬ar a ela. Por um período de tempo combinam o critério silábico com escritas parcialmente alfabéticas.
Escritas alfabéticas
Quando chegam aqui são capa¬zes de escrever todas as letras que nós adultos usamos para representar uma palavra. No entanto novos problemas aparecem. A ortografia das palavras, as letras maiúsculas ou mi¬núsculas, a separação das palavras, a pontuação...
Ana: a história de uma escrita
CAPÍTULO 2: IDEIAS INFANTIS SOBRE A LEITURA
Simular a leitura
Algumas crianças quando chegam à escola já possuem uma conduta de imitação da leitura e com frequência a linguagem que utilizam não é a co¬loquial, mas uma imitação da lingua¬gem que se escreve! Essa atitude de imitação faz supor que a criança sabe o que é ler, uma aprendizagem que só é possível se a criança tem uma experiência direta e habitual de ver os adultos lerem em voz alta para ela. É fundamental conseguir essa condu¬ta com nossos alunos se queremos formar bons leitores. O modo de fa¬zer isso é servir de modelo na tarefa de ler. O sentido dessas leituras mar¬ca, sem dúvida, a motivação das cri¬anças para aprender a ler.
O que se pode e o que não se pode ler
As crianças têm ideias sobre o que se pode ou não ler. Se entregarmos para as crianças cartões com alguns signos, veremos que: o cartão vazio é rejeita¬do, não pode ser lido; alguns podem ser lidos (ou não) porque são núme¬ros; porque não há letras suficientes; porque todas as letras são iguais. Num ponto há concordância. Para que um escrito possa ser lido é necessário que tenha pelos menos três letras e estas sejam diferentes entre si.
Interpretação de textos acompanhados de imagem
As crianças também têm suas pró¬prias ideias sobre o que pode estar escrito. Numa imagem mostrando um rapaz jogando futebol e onde está escrita a palavra "futebol" abaixo da imagem, a criança pode "ler" futebol ou bola, criança ou jogador, leituras igualmente plausíveis!
Em uma frase como "Este carro anda muito depressa" que acompa¬nha a imagem de um carro, pode estar escrito: carro, rodas, volante, faróis, janela! Algumas crianças sustentarão que cada palavra é uma sílaba e lerão "CAR-RO-RÁ-PI-DO" Essas interpretações respondem uma lógica infantil diferente da do adulto, mas perfeitamente coerente.
Interpretação a partir de indicadores textuais
Sem saber decifrar completamente, mas já conhecendo algumas le¬tras, as crianças podem localizar certas palavras nos textos a partir indicadores (letras ou palavras conhecidas) e de alguns procedimentos muito eficazes (começa com tal letra; tem a letra do meu nome; é igual a do livro de leitura etc.). Na escola, texto que vai ser interpretado tem que oferecer dicas, para que a crian¬ça possa ler ainda que não saiba ler:
• A presença de imagem.
• O contexto ou situação de lei¬tura é limitado.
• O texto oferecido para leitura já se sabe de cor (canções, parlendas)
• Pode-se ler em companhia de um leitor mais experiente que vá dando "dicas".
Interpretação da própria escrita
Nas primeiras etapas da aprendiza¬gem da leitura e escrita, ler serve para controlar o escrito Quando pergunta¬mos à criança o que é que ela queria escrever, pedimos-lhe que leia. A cri¬ança precisa ler o que escreveu para poder avançar. Pode ser que a criança lembre o que escreveu, mas pode ser que não! Essa possibilidade constitui um conflito para a criança. Todas es¬sas situações fazem com que a crian¬ça continue refletindo sobre a escrita.
Leitura adequada ao texto: estratégias de compreensão
Ler é compreender um texto e isso é mais do que decodificá-lo. É uma atividade mental: não podemos com¬preender se não lermos de forma ativa. Por isso é preciso ler sempre tex¬tos autênticos. Ler requer além dos conhecimentos prévios acerca do es¬crito, estratégias para que possamos aprender a partir da leitura e isso pre¬cisa ser ensinado desde o começo.
CAPÍTULO 3: MAIS IDEIAS DAS CRIANÇAS SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA: OS TEXTOS
O que elas sabem sobre os textos
As crianças dispõem de uma gran¬de quantidade de informação sobre a estrutura da linguagem escrita, suas diferenças em relação à linguagem oral, a sintaxe e estrutura textual pró¬prias dos diferentes tipos de texto. Esse conhecimento depende da ex-periência prévia de cada criança com textos de uso social. Na escola as crianças podem conhecer as carac¬terísticas dos diferentes tipos de tex¬to pela leitura que o adulto faz. Esse conhecimento é aprofundado na si¬tuação de escrever textos como notí¬cias, cartas, o que a criança já pode fazer, por si mesma, desde muito pequena, desde que o professor sir¬va de secretario ou escrivão.
Escrever contos
Quase todas as crianças sabem que quando se lê "Era uma vez..." trata-se de um conto, de uma história infantil e sabem o que podem espe¬rar dessa leitura. Esse conhecimento permite às crianças, além de reco¬nhecer, reproduzir (reconstruir) o texto de uma história conhecida.
Escrever notícias
Um texto, como por exemplo, "Em Sevilha, houve um incêndio num edi¬fício da EXPO-92", poderá ser reconhecido, por uma criança, como uma notícia e não um conto.
Escrever anúncios
Ao pedir que as crianças escrevam um anúncio a partir da imagem de um produto elas: utilizarão o impe¬rativo (tempo verbal) sem necessida¬de de explicação prévia; construirão um texto breve e argumentativo; cons¬truirão frases do tipo slogan; apare¬cerão recursos expressivos próprios dos anúncios.
Escrever textos expositivos
Se o caso é explicar um tema tra¬balhado na sala de aula, as crianças utilizam estruturas próprias do texto expositivo.
As crianças da Educação Infantil e do Ciclo Inicial do Ensino Funda¬mental têm conhecimentos e procedimentos muito consistentes para entender, compor e escrever ou ditar textos complexos se tiverem contato com tais textos. Ao trabalhar com textos de uso social, as crianças aprendem a verdadeira linguagem escrita em toda a sua complexidade. Naturalmente necessitam de ajuda, mas é assim que se aprende.
PARTE II: ENSINAR A ESCREVER E A LER (Bases psicopedagógicos)
CAPÍTULO 4: A TAREFA DA ESCOLA: ENSINAR A LÍNGUA ESCRITA
Resumo dos capítulos anteriores
As crianças não são tabulas ra¬sas. Estão cheias de ideias, hipótesés, de teorias e de convicções pessoais que são muito profundas e ar¬raigadas no que se refere à lingua¬gem escrita. Entre três e quatro anos as crianças já possuem competência oral tão complexa quanto a dos adul¬tos. Além disso, possuem conheci¬mento acerca das características dos diferentes tipos de texto.
...Mas não se aprende espontaneamente: a importância da escola
As crianças aprendem a falar es¬pontaneamente. No entanto, não se aprende espontaneamente a ler nem a escrever. Ninguém o faz sem que lhe seja ensinado de forma intencional. Ensinar a ler e a escrever é tare¬fa da escola. O pensamento das cri-anças sobre a língua escrita, no en¬tanto, levanta uma série de questões tanto sobre os conteúdos escolares como sobre a metodologia usada para ensinar a linguagem escrita.
CAPÍTULO 5: AS IDEIAS DA ESCOLA SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA
Começar pelo l?
Os métodos tradicionais de alfabetização (métodos fonéticos) utilizam uma metodologia que vai contra todas as hipóteses que a criança tem em relação à leitura e es¬crita. Ensinam primeiro as vogais, uma por vez, quando as crianças es¬tão firmemente convencidas de que uma só letra [i] não é matéria nem de leitura, nem de escrita . Apresen¬tam palavras monossílabas (pa-ma-ta), com pouca variação interna e de letras, o que para as crianças "não serve para ler", utilizam letra manus¬crita (ao invés de letra de forma) difi¬cultando a importante tarefa de con¬tar quantas letras têm uma palavra. Pedem que a criança realize uma aná¬lise fonética simples, quando ela está convencida que a menor unidade de escrita é a sílaba. O mais grave é que as tarefas escolares baseadas nos métodos tradicionais negam à criança a possibilidade de pensar por conta própria.
Algumas perguntas para os professores
Cada professor deve se pergun¬tar o porquê e o para quê das atividades que propõem às crianças para que possa decidir quais delas são mais adequadas para uma melhor aprendizagem. Para isso devem-se revisar algumas ideias relativas ao processo de ensino:
1° - Qual o objetivo do ensino escolar da linguagem escri¬ta? Formar escrivães ou es-critores?
2° - Iremos continuar transmitin¬do ideias às crianças ou as faremos pensar autonoma-mente? Podemos ensinar a pensar sem partir das idei¬as das crianças?
CAPÍTULO 6: POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LINGUAGEM ESCRITA
Construir o pensamento sobre a linguagem escrita
Nessa proposta o fundamental é o pensamento, as ideias das crian¬ças e as ideias do professor sobre o que é aprender e ensinar; sobre o que é ler e escrever, compreender e pro¬duzir linguagem escrita.
Aprender é ampliar as fronteiras do pensamen¬to. Ensinar é ajudar cada indivíduo a transformar suas ideias, uma aprendizagem significativa é aquela que se incorpora a um pensamento e o modifica para melhorá-lo.
O que é ler e escrever?
Ler é compreender um texto e escrever é produzir um texto. Com¬preender e produzir é pensar (saber), realizar (saber fazer), e fazê-lo da melhor maneira possível (saber ser). Pode-se ler e escrever desde muito cedo e se aprende ao longo de toda a vida, inclusive através das gerações.
Para que serve ler e escrever? Os textos
Lemos e escrevemos algo: os textos. O texto é a unidade básica de comunicação escrita que tem signifi¬cado. Ler e escrever são instrumen¬tos, pois usamos a linguagem para al-guma coisa. Lemos e escrevemos para:
• Lembrar, identificar, localizar, registrar, armazenar, averiguar etc. dados;
• Comunicar ou nos inteirar do que aconteceu, de como é um país, do que existe etc.
• Desfrutar, compartilhar senti¬mentos e emoções, desenvol¬ver a sensibilidade artística;
• Estudar, conhecer, aprender, aprofundar conhecimentos;
• Aprender como se fazem coi¬sas, etc.
Essas finalidades de uso da lingua¬gem escrita determinam também mo¬dos específicos de escrever e ler. Es¬crever sobre a primavera como con¬junto de dados meteorológicos é dife¬rente de escrever sobre a primavera como tema literário ou poético. O modo de ler um poema (como entre¬tenimento) é diferente do modo de ler se temos que estudar para um exame.
É isso que nossos alunos devem aprender a compreender e a produ¬zir. Deveríamos ensinar e aprender a linguagem escrita com significa¬do: textos para fazer algo útil, tal como os adultos fazem. Os autores concordam que o eixo organizador do ensino da língua escrita deva ser o enfoque comunicativo, isto é, esse enfoque considera não só o escrito, mas todo o conjunto da situação co¬municativa em que se produz ou se lê um texto (a intenção, o destinatá¬rio, o formato, o autor etc.), como objeto de estudo.
Atividades que permitem pensar
O importante numa atividade é que ela permita à criança pensar ao invés de exercícios nem sempre bem compreendidos pelas crianças onde o importante é encontrar a resposta certa.
Dá-se preferência a atividades abertas e de relativa complexidade que requeiram pensamento autônomo onde cada aluno tenha que to¬mar decisões sobre como desenvol¬ver a tarefa dando lugar a resultados que mostrem o que ele já sabe e o que ainda necessita aprender.
Uma construção progressiva da linguagem escrita
O processo de aprendizagem da linguagem escrita é um processo pro¬gressivo, mas não linear. Não apren¬demos uma letra hoje e outra ama¬nhã. Quando lemos algo novo em-preendemos um processo de aproxi¬mação ao novo conteúdo que neces¬sita ser ancorado em conhecimentos prévios sobre o assunto em questão. Podemos estabelecer uma sequência de aprendizagem. Por ex., em rela¬ção ao sistema alfabético:
1. Escrever = desenhar
2. Escrever = letras e números
3. Só letras. O número de letras e seu tamanho dependem das características dos objetos.
4. Tantas letras quantas sílabas têm o nome.
5. Tantas letras quantos fonemas.
Essa sequência, no entanto, é complexa porque:
• Às vezes elementos das diferen¬tes etapas coexistem
• Não existem aprendizagens próprias de um nível escolar
• Essa sequência na serve para sequenciar conteúdos (textos).
A aprendizagem, assim, seria se¬melhante a uma espiral que vai sen¬do aberta progressivamente, abran¬gendo cada vez mais conhecimento.
CAPÍTULO 7: EDUCAR NA DIVERSIDADE
Educar na diversidade
Os seres humanos são diferentes entre si sob todos os pontos de vista.
A escola foi criada para homoge¬neizar. Hoje, no entanto, se exige dela que avance para a integração e para uma cultura da diversidade, que viva as diferenças como uma riqueza e não como um obstáculo. Isso supõe mu¬danças profundas na escola. Supõe mudar, entre outras coisas, a concepção da atividade escolar. Ela deve ser capaz de conseguir que todos trabalhem e aprendam a partir de suas pró¬prias possibilidades. O primeiro pas¬so seria o de trabalhar a partir do pen¬samento de cada um, considerando com clareza o que cada um pode aprender em cada caso. Na opinião dos autores os ingredientes para edu-car na diversidade são: atividades sig¬nificativas, atividades motivadoras e funcionais, trabalho em grupos, ava¬liação formativa e personalizada.
Cada aluno é diferente
As ideias das crianças não são ina¬tas, não são adquiridas sem estí¬mulo (espontaneamente). A lingua¬gem escrita faz parte da realidade em que as crianças nascem (na rua, na TV, nos jornais, nos outdoors etc), mas, essa presença passiva não é su¬ficiente para que a criança aprenda; ela aprende mediante a atividade -externa e interna - com a linguagem escrita e para que a criança se mos¬tre ativa frente à linguagem escrita é necessário que tenha a experiência de ver os adultos utilizarem ativamente a leitura e a escrita. Já foi demons¬trada a estreita relação entre a ex¬periência de ter escutado histórias lidas e as possibilidades de êxito escolar de uma criança.
Da diferença à desigualdade?
A diversidade poderá transformar-se em desigualdade se a escola não agir positivamente para igualar as oportunidades de acesso de todos os alunos à cultura escrita. A mesma atividade, do mesmo modo, ao mesmo tempo, com a mesma ava¬liação mantém intactas as diferenças levando a desigualdades.
Educar na diversidade e aprendizagem significativa: duas faces da mesma moeda
Ler e escrever são atividades cognitivas bastante complexas, os rit¬mos de aprendizagem variam de uma criança para outra e muitas crianças demoram a aprender a ler e a escre-ver; algumas nem chegam a fazê-lo. O que afirmamos é que tanto a leitura como a escrita são atividades cogni¬tivas que requerem pensamento refle¬xivo. Escrever é muito mais do que um problema gráfico e ler é muito mais que reconhecer letras. Partir do pen¬samento infantil facilita o ensino; a cri¬ança deixa de dizer "não sei" e se per¬mite escrever e ler e sua reflexão é en¬tendida e estimulada. Os professores podem agir com maior tranquilidade quando entendem o que acontece na mente as crianças. Há dois argumen-tos fundamentais para se trabalhar com essa proposta: mais motivação e reflexão de todos os alunos e a própria di¬versidade que permite o trabalho em pequenos grupos o que estimula a dis¬cussão e a reflexão.
Aprendizagem precoce? Não!
Essa proposta não deve ser enten¬dida como uma forma de acelerar, precocemente, a aprendizagem da leitura e escrita. As situações propos¬tas em aula não supõem e nem exi¬gem que todos respondam no mes¬mo nível. Ao escrever todos apren¬dem e não se angustiam com uma tarefa que, tradicionalmente, parece impossível: todos podem responder embora cada resposta seja diferente.
Atenção! Não escolarizar a Educação Infantil
A Educação Infantil tem objetivos diferentes daqueles do Ensino Fun¬damental. As crianças devem ser es¬timuladas, devemos oferecer opor¬tunidades de acesso à linguagem escrita e não escolarizá-las.
CAPITULO 8: MOTIVAÇÃO: ESCREVER E LER TEM SENTIDO
A predisposição para a aprendizagem
São requisitos para aprender: olhar, falar e escutar. Em relação à lingua¬gem escrita ter contato com o escrito: olhar, tocar, falar dos livros, revistas; explicar, ler, escrever tanto por parte do professor como da criança. A partir daí é necessário estimular e manter a mo¬tivação para a aprendizagem.
Poder é querer: o professor e a auto-estima do aluno
As crianças devem sentir-se capazes de abordar qualquer tarefa com êxito; uma tarefa muito fácil torna-se chata; uma tarefa muito difícil as¬susta e inibe. A motivação está es-treitamente relacionada com a auto-estima e o autoconceito construídos na relação professor (adultos)-aluno.
Participação e envolvimento ) na tarefa
A tarefa deve permitir a iniciativa do aluno que precisa sentir-se pes¬soalmente envolvido. São preferíveis tarefas com um certo grau de aber¬tura e flexibilidade.
O prazer de pensar
A vantagem da aprendizagem significativa é que permite que o aluno pense e há poucas coisas tão apaixonantes como pensar. O profes¬sor precisa entender a lógica do pen¬samento infantil e sentir prazer de reconhecer e compreender as ideias das crianças.
Escrever e ler para resolver necessidades
Além de a cultura escrita ser uma parte importante da cultura escolar, a leitura e a escrita são instrumentos para conseguir algo. Uma pergunta importante que o professor deve se fazer é: para quê ler e escrever? A lin¬guagem escrita que usamos na es¬cola deve ser funcional, isto é, deve ser a linguagem que se usa na socie¬dade. A escola deve aproveitar ao máximo as oportunidades que se apre¬sentam de ler e escrever como tare-fas necessárias: se for preciso man¬dar um bilhete aos pais, as crianças podem participar da sua construção.
A escrita e a leitura a serviço de projetos
Melhor ainda se o trabalho com a linguagem escrita estiver inserido num projeto escolhido com a partici¬pação ativa dos alunos e que corresponda a uma atividade real: fazer uma coleção, preparar uma vi¬agem, uma festa, representar uma peça teatral, editar um livro etc.
O projeto é diferente dos tradici¬onais Centros de Interesse de Decroly.
Nos projetos o tema é que determi¬na a atividade e implica a realização de tarefas de síntese incorporando conhecimentos, procedimentos e ati¬tudes de áreas distintas. Podem ser uma maneira de organizar todo o curso ou limitar-se a temas específi¬cos paralelos a outras atividades.
A motivação é altamente contagiosa
A atitude do professor frente à lei¬tura e a escrita é fundamental.
CAPÍTULO 9: INTERAÇÃO: O TRABALHO COOPERATIVO
Autonomia e interação na aprendizagem
Toda aprendizagem é uma cons¬trução social; aprende-se entre todos, em contato com algo ou com alguém. Sendo assim, não é só o professor que ensina, também os colegas, ao trabalhar juntos, ao discutir pontos de vista, ensinam muito. A escrita em duplas parece especialmente adequa¬da para melhorar a aprendizagem e a qualidade do que se escreve.
A organização da aula em grupos
O trabalho em grupos permite que o professor possa acompanhar de perto o processo de trabalho dos alunos, para poder ajudá-los no me¬lhor momento, isto é, enquanto es¬tão realizando sua tarefa. E essa in¬tervenção no processo que permite ao professor compreender como a criança pensa, quais são as suas di¬ficuldades e como pode ajudá-las. Existem muitas formas de trabalhar com grupos reduzidos de alunos. Esse trabalho é facilitado se dois profes¬sores puderem trabalhar, ao mesmo tempo, com a classe e se o grupo todo puder ser "desdobrado", por exemplo, com a ajuda de um profes¬sor especialista.
A organização da aula nos cantos da sala de aula
Outra possibilidade é a organiza¬ção do trabalho em cantos. Em cada canto as crianças trabalham autono¬mamente enquanto o professor acompanha de perto o trabalho de um grupo. Ao longo do horário es¬colar o professor está com todos os grupos. A presença do professor per¬mite descobrir o pensamento e a par¬ticipação de cada um na tarefa e dar ajuda quando necessário.
CAPÍTULO 10: A TAREFA DO PROFESSOR: ENSINAR A ESCREVER E LER
O professor em um enfoque construtivista
As crianças não aprendem espon¬taneamente. O professor é o prota¬gonista ativo da aprendizagem de seus alunos. Teoria, experiência, arte, tecnologia, valores, atitudes etc, to¬dos são ingredientes necessários à profissão docente, um professor construtivista:
• Organiza conteúdos e ativida¬des significativas que possam ser abordados por todos os alu¬nos respeitando a diversidade;
• Oferece materiais (físicos e mentais) necessários para re¬solver um problema;
• Oferece ajuda quando neces¬sário;
• Compreende o pensamento do aluno e parte dele para fazê-lo avançar;
• Estimula, apoia, avalia o esfor¬ço do aluno;
• Sabe muito e aprende mais;
• Conhece seus alunos;
• Organiza a aula e planeja as atividades;
• Avalia e oferece a ajuda neces¬sária;
• Trabalha em equipe.
O professor em ação
O que o professor faz
1° - Propõe uma tarefa estimulan¬te, de preferência "difícil".
2° - Avalia as possibilidades de aprendizagem.
3° - Propõe problemas e estimula a reflexão.
4° - Decide a ajuda necessária.
PROFESSOR: "Vamos ver... bem, o que querias escrever? Locomotora? Bem, escreveste OCOMOR, eu leio OCOMOR.
ALUNO: "Não, aí diz LOCOMOTORA, olha, olha...".
PROFESSOR: "Sim, eu vejo, tu querias escrever LOCOMOTORA, mas vamos
ler juntos."
PROFESSOR E ALUNO: "O...CO...MO...R".
PROFESSOR: "Viste? Não diz exatamente LOCOMOTORA. Tu escreveste
bem, mas vamos melhorar a palavra escrevendo juntos. Vamos ver, começa?
ALUNO: "LO...".
PROFESSOR: "Muito bem. Que letras ouves?"
ALUNO: "LO-LO-L-L-L-O-O-O; o [L] e o [O].
PROFESSOR: "Muito bem. Viste? Unhas esquecido o [L].
ALUNO: "Como se escreve o [L]?”.
PROFESSOR: "Pensa um pouco. Onde podes encontrá-la?”.
ALUNO: "Ah! Já sei, é de Laura".
Impossível? Ora!
É possível trabalhar com essa proposta com poucos ou com mui¬tos alunos, na zona urbana ou rural. E possível personalizar o ensino se confiamos na autonomia das crianças. É possível usar vários truques para uma organização mais aberta e flexí¬vel da aula. É possível pesquisar o pensamento das crianças e, ao mes¬mo tempo, compartilhar coletivamente, com colegas professores, outras decisões. É possível usar livros-textos, ou não! E possível usar muitos livros, e contos, jornais, revistas, catálogos e de tudo um pouco. E necessário que o professor leia, escreva, reflita, dis¬cuta e é melhor quando pode compartilhar sua experiência para analisá-la, criticá-la, corrigi-la.
PARTE III: CONTEÚDOS CURRICULARES E SEQUÊNCIAÇÃO
CAPÍTULO 11: ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS CURRICULARES
Desenvolvimento de capacidades e objetivos das etapas educativas
O objetivo tanto da Educação In¬fantil como do Ensino Fundamental é desenvolver o domínio das lingua¬gens oral e escrita que são conside¬radas capacidades fundamentais para viver na nossa sociedade. Qual seria o significado de saber lingua¬gem? Do conjunto de objetivos colocados para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental é possí¬vel deduzir como deve ser enfocado o ensino da linguagem dentro do currículo:
• É possível perceber a importân¬cia da postura (do corpo), do desenvolvimento do desenho, da grafia, do traço; da quali¬dade dos textos propostos; da valorização do que a criança já sabe. Enfim, uma forma de ensinar que ajude a criança a conhecer melhor a si mesma, expressar suas ideias, valori¬zar suas possibilidades, reco¬nhecer suas dificuldades, sen¬tir-se estimulada, auto avali¬ar-se para regular seu próprio processo de aprendizagem.
• Propõe-se uma forma de orga¬nizar a atividade escolar que es¬timule a participação pesso¬al, a iniciativa permitindo ao aluno pensar por conta própria e ser responsável por suas de¬cisões, que a relação com o professor inspire segurança e confiança em suas possibili¬dades.
• Trabalhar em grupo, em atividades complexas, que requei¬ram planejamento, desenvolvi¬mento e revisão conjunta.
• Aproveitar ao máximo a curio¬sidade das crianças; não tra¬balhar a partir de temas pre¬fixados.
• Aproveitar o que a comunida¬de em que vivemos oferece: cartazes, propagandas, folhe¬tos, festas, costumes etc.
• Trabalhar a partir do enfoque comunicativo.
• Ter clareza de que para apren¬der a ler e escrever não basta acertar, memorizar, reproduzir ou copiar, mas é necessário manipular dados, formular hipóteses, planejar estratégi¬as de resolução dos proble¬mas, buscar os recursos ne¬cessários, realizar, encontrar soluções e comprovar os resultados, corrigir e revisar.
A linguagem como área curricular: os objetivos da área
As capacidades fundamentais que se pretende desenvolver nos alunos, e que acabamos de relatar, desenham um modelo consistente acerca da orientação para o ensino da lingua¬gem, que vai continuar sendo deline¬ado com os objetivos de área.
Na Educação Infantil resolveu-se integrar numa só área a linguagem oral, a aproximação à linguagem es¬crita, a expressão plástica, musical e corporal, e a linguagem matemática incluída em relações, medida e repre¬sentação no espaço. Tenta-se estru¬turar o currículo a partir das princi¬pais linguagens de representação da realidade.
No Ensino Fundamental a ênfase está na comunicação e no intercâm¬bio, no uso dos diferentes códigos a serviço da expressão ajustada ao con¬texto. Língua e Literatura, por sua vez, constituem uma área específica que deve aprofundar os aspectos básicos da linguagem oral e escrita.
A ênfase está no uso comunicati¬vo. Trata-se de aprender a falar e a escutar, a ler e a escrever, a combi¬nar recursos, a explorar as possibili¬dades comunicativas de refletir sobre a linguagem, a identificar as situações e as intenções comunicativas (para que nos comunicamos).
O que devemos ensinar? Conteúdos e contentores
Os blocos de conteúdos devem articular as aprendizagens aos objeti¬vos da área e da etapa. A área de Lin¬guagem inclui o oral e o escrito. Es¬tes materiais tratam de uma parte dos conteúdos da área de Linguagem: a linguagem escrita Isso não significa, porém, que a linguagem oral esteja ausente dessa proposta: ao ler e es¬crever sempre se fala sobre o lido e o escrito ou sobre o que se vai escrever.
Embora a Educação Infantil não deva exigir das crianças determina¬das aprendizagens, deve oferecer-lhes uma aproximação completa à lin¬guagem escrita, pois, dessa forma, todos os alunos aprenderão conteú¬dos muito importantes, em diversos graus de profundidade. Partindo des¬se argumento os autores propõem organizar a tarefa de aprendizagem da linguagem escrita na Educação Infantil do mesmo modo que a orga-nizam no Ensino Fundamental, isto é, com os mesmo conteúdos. O que varia não é a linguagem escrita, mas o grau de construção que as crian¬ças alcançam em seus conceitos, procedimentos e atitudes sobre essa linguagem.
Os conteúdos da área de Lingua¬gem no Ensino Fundamental estão organizados em quatro blocos:
• Comunicação oral
• Comunicação escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria linguagem
• Sistema de comunicação ver¬bal e não verbal
Nessa proposta os autores não trabalham o bloco relativo à Comu¬nicação Oral e o bloco relativo à Comunicação Escrita vai ser ressaltado desenvolvendo-se em cinco sub-blocos ou módulos. Sendo assim os conteúdos ficarão organizados em sete módulos assim distribuídos:
• Relações entre linguagem oral e linguagem escrita
• O sistema alfabético: codifica¬ção e decodificação
• A escrita como produção de textos
• A leitura como interpretação e compreensão de textos
• Os textos como unidade bási¬ca da linguagem escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria língua
• Sistemas de comunicação ver¬bal e não verbal
A linguagem escrita presente nas demais áreas curriculares
A linguagem escrita deve ser con¬siderada um instrumento cultural que aparece em todas as áreas e âmbi¬tos de conhecimento e deve ser tra¬balhada praticamente em qualquer atividade escolar.
CAPÍTULO 12: CRITÉRIOS PARA A SEQUENCIAÇÃO
O que não é sequenciação em linguagem
Em uma proposta baseada na aprendizagem significativa da lingua¬gem escrita não tem sentido pensar em atividades específicas para cada "nível" de idade, já que a proposta aqui relatada não é um método e, portanto, não se pode identificar sequenciação com a programação por níveis do ensino tradicional. Há consciência, no entanto, que existem certos limites na compreensão dos alunos que podem ser determinados, de um lado por seu momento evolutivo e, por outro lado, por sua pouca habilidade no domínio da lin-guagem escrita. Essas limitações não afetam os conteúdos curriculares; o que deve se adaptar às possíveis li¬mitações dos alunos são as ativida¬des realizadas para a aprendizagem daqueles conteúdos. A proposta aqui relatada serve para iodos os níveis do Ensino fundamental porque a linguagem escrita não tem uma organiza¬ção hierárquica como outras áreas do conhecimento. Todos os conteú¬dos são trabalhados em todos os níveis de escolaridade.
Como sequênciar?
Como já foi dito o grau de exposi¬ção à cultura impressa influi signifi¬cativamente sobre a capacidade de ler e escrever e por esse motivo não é possível responder em que idade as crianças devem aprender a escre¬ver. O que podemos fazer são apro¬ximações estatísticas: a "maioria" das crianças utiliza uma hipótese silábi¬ca ao fim do nível de quatro anos da Educação Infantil. A ideia de nível está relacionada com uma concepção seletiva do ensino. Educar na diversi¬dade é outra coisa. Mão se trata de saber o quanto uma criança sabe sobre a linguagem escrita, mas como escreve e lê para que possamos ajudá-la a aprender.
As possibilidades de aprendizagem dos alunos
1- Os conhecimentos prévios a respeito da linguagem escrita, incluem, entre outros, os se¬guintes aspectos:
• Ideias sobre o que é escre¬ver, ler e linguagem escrita.
• Ideias sobre a finalidade e in¬tenção da linguagem escri¬ta: para que serve.
• Ideias sobre os procedimen¬tos: como a criança acha que se escreve ou se lê.
• Ideias sobre as característi¬cas dos textos que serão tra¬balhados.
• Ideias sobre o conteúdo dos textos que se propõe trabalhar.
• Conhecimentos sobre suas possibilidades de execução da tarefa, segurança, contro¬le de seu trabalho na tarefa, da intenção da atividade, do sentido que tem para ela, etc., ou seja, autoconceito, predisposição para a apren¬dizagem, metacognição, etc.
• Atitudes em relação à situa¬ção escolar, à aprendizagem, ao professor, aos colegas, ao esforço de aprendizagem, à interação e comunicação com os outros, ao valor que concede ao rendimento nas tarefas escolares, ao gosto pela qualidade do resultado de seu esforço, etc.
Esse conjunto de conheci¬mentos procede, fundamental¬mente, de sua experiência ativa em relação à linguagem escrita. Ao planejar as ativida¬des, o professor deve adequá-las à experiência prévia de seus alunos refrescando-lhes a memória (ou ativando-os) e partindo deles: situar-se na zona de desenvolvimento proximal dos alunos.
2 - Outro critério para a sequenciação das atividades é o grau de habilidade dos alunos no uso do sistema alfabético.
3- Além dos conhecimentos pré¬vios cada grupo possui certas características (dinâmica, ambiente, cultura etc.) que condicionam o planejamento das atividades. Essas caracte¬rísticas podem e devem ser tra¬balhadas pelo professor não se constituindo em impedimen¬to, mas em condições a ser considerada.
4- Ao propor atividades devemos sempre considerar a diversida¬de de nossos alunos.
As condições de realização da atividade
1 - Numa mesma atividade - es¬crever ou ler um texto - podem ser introduzidas variações que considerem as condições do grupo de alunos. Numa ativida¬de de escrita a pessoa que es¬creve pode variar: escreve o pro¬fessor, uma criança, todas as crianças. Também pode variar a unidade sobre a qual faremos a atividade: pode-se ler uma pa¬lavra, um título, um parágrafo, o texto completo. Desse modo um critério para sequenciar é o tipo de atividade que propomos a nossos alunos
.
2 - Outro critério diz respeito â tipologia dos textos a serem trabalhados nas atividades. Al¬guns tipos de texto são mais fáceis e adequados para crian¬ças pequenas ainda que esse seja um critério relativo e não deve ser entendido de manei¬ra rígida. Por ex.: é mais sim¬ples escrever um texto enumerativo (lista) do que um texto narrativo, mas estudos já de¬monstraram que a estrutura de um texto narrativo (um conto) é uma estrutura fácil de com¬preender desde que a criança é muito pequena. Por outro lado a estrutura de um texto expositivo ou prescritivo é mais complexo e requer um maior trabalho com modelos.
3 - Outro critério de sequenciação é a complexidade do texto. A nenhum professor ocorreria trabalhar a versão original de Dom Quixote com crianças pequenas.
4 - Outro aspecto da sequenciação é estabelecer os objetivos da atividade em cada caso con¬creto, em função das possibi¬lidades do grupo e de cada aluno em particular.
O critério definitivo: nossos alunos e nós
O critério definitivo, no entanto, somos nós e nossos alunos, isto é, são as características concretas de nossos alunos, de nosso grupo que decidirão a forma de sequênciar e programar atividades.
PARTE IV: ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS
Introdução
Já vimos que os autores pro¬põem-se a organizar os conteúdos de linguagem escrita em sete módulos:
• Relações entre linguagem oral e linguagem escrita
• O sistema alfabético: codifi¬cação e decodificação
• A escrita como produção de textos
• A leitura como interpretação e compreensão de textos
• Os textos como unidade bási¬ca da linguagem escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria língua
• Sistemas de comunicação ver¬bal e não verbal
Na proposta que está sendo rela¬tada esta forma de organizar os conteúdos nada têm a ver com a programação do ensino tradicional. To¬dos os conteúdos são trabalhados a partir de textos concretos: a partir de determinado texto cujo uso pode ser justificado por uma necessidade surgida na aula, propõe-se uma situ¬ação de ensino-aprendizagem em que poderão aparecer conteúdos dos vários módulos. Além disso, cada um dos sete módulos tem aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais que deverão ser trabalhados conjuntamente.
CAPÍTULO 13: RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
OR-ESC: A LINGUAGEM ESCRITA COMO VARIEDADE DA LINGUAGEM: RELAÇÕES ENTRE O ORAL E O ESCRITO.
1. Relações entre a língua oral e a língua escrita.
2. Necessidades e situações de comunicação escrita no meio habitual dos alunos.
3. Funções, intenção e finalidade da linguagem escrita.
4. Os instrumentos da linguagem escrita: livros, revistas, jornais, contos, cartazes, etiquetas, anúncios e outros. A biblioteca.
5. Variantes da língua escrita. Di¬versidade linguística e cultural na sociedade, no Brasil e no mundo.
Procedimentos
OR-ESC: PROCEDIMENTOS DE ARTICULAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA.
1. A verbalização do escrito:
1.1. Atenção e compreensão de narrações, contos e outras mensagens lidos por um adulto ou um colega.
1.2. Recapitulação oral do lido.
1.3. Reconstrução oral de con¬tos e narrações.
1.4. Recitar, dramatizar, cantar, expor, etc. textos escritos memorizados, empregando pronúncia, o ritmo, a entonação e a gesticulação adequados a seu conteúdo.
2. Elaboração oral do pré-texto que será escrito a seguir.
3. Preparação de exposições orais.
Atitudes
OR-ESÇ: ATITUDES EM RELAÇÃO À LINGUAGEM ESCRITA E SUA RELAÇÃO COM A LINGUAGEM ORAL.
1. Valorização da língua escrita como meio de informação e de transmissão de cultura, e como instrumento para planejar e realizar tarefas concretas.
2. Valorização da leitura e da es¬crita como fonte de prazer e di¬versão.
3. Motivação: curiosidade; inicia¬tiva pessoal; criatividade; atitu¬de interativa e cooperadora; respeito à diferença de seus colegas e auto-avaliação positiva, mas crítica, de si mesmo nas atividades relacionadas com a linguagem escrita.
4. Gosto e prazer por escutar e olhar contos e outros textos que o adulto lê às crianças.
5. Valorização e participação ativa em atividades de recitação, dramatização, exposição, etc. de textos em aula.
6. Valorização e participação ativa na reconstrução oral de con¬tos e narrações.
7. Participação ativa, reflexiva e construtiva na recapitulação de textos lidos.
8. Participação ativa, reflexiva e construtiva na elaboração do pré-texto.
9. Respeito e cuidado com os materiais e instrumentos da lin¬guagem escrita (livros, revistas, etc.).
10. Respeito e adaptação às normas de utilização das bibliotecas.
11. Valorização da diversidade lin¬guística e cultural da socieda¬de, no Brasil e no mundo.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Linguagem oral e linguagem escrita
Embora a linguagem oral e escri¬ta sejam duas variantes da linguagem
é fundamental para as crianças des¬cobrirem as diferenças entre uma e outra. Essas diferenças só são apren¬didas em contanto com a linguagem escrita.
A verbalização do escrito
Ao ler para as crianças o profes¬sor as põe em contato com textos escritos e também lhes oferece um modelo de como se lê. Após a leitura há procedimentos que as crianças precisam aprender: os procedimen¬tos de recapitulação (resumir, identi¬ficar as ideias principais); de recons¬trução oral do que foi lido (assimila¬ção dos aspectos formais dos textos); outros procedimentos de articulação entre o escrito e o oral (memorizar, recitar, dramatizar, cantar etc.)
A elaboração da linguagem oral para passá-la para a escrita
Escrever não é transcrever a lin¬guagem oral, portanto o processo de elaboração da linguagem oral para torná-la em linguagem escrita é um conteúdo fundamental no ensino da língua. Uma atividade pode ser, por ex., o preparo coletivo do texto que se vai escrever (o pré-texto).
Preparação, escrita, de exposições orais
Às vezes precisamos preparar, por escrito, o que vamos dizer. Por ex., as crianças devem comunicar um aviso ao professor ou aos colegas de outra sala e necessitam anotá-lo para lembrá-lo; na preparação de um tema para expor aos colegas.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Explicação do conteúdo de di¬ferentes textos.
• Leitura dos mais variados tipos de texto pelo professor.
• Reconstrução oral de contos e narrações para garantir a com¬preensão do texto e de suas características e para a criança lembrá-lo quando tiver que escrevê-lo.
• Ditar ao professor, por ex., o texto que foi reconstruído oral¬mente.
• Memorização de textos como canções, poemas, piadas etc.
• Recitação e dramatização
• Exposições orais em que, por meio de textos expositivos, e possível trabalhar-se as rela¬ções entre o oral e o escrito.
CAPÍTULO 14:
O SISTEMA ALFABÉTICO
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceito
ALF: O SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Diferenças entre a escrita e ou¬tras formas gráficas.
2. Conhecimento das letras e con¬venções da escrita (alinhamen¬to, orientação esquerda/ direi¬ta, etc.).
3. Conhecimento sobre o sistema de codificação da linguagem escrita (escrita).
4. Conhecimento sobre o sistema de decodificação da linguagem escrita (leitura).
Procedimentos
ALF: PROCEDIMENTOS DE CODIFICAÇÃO E DECODIFÍCAÇÃO NO SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Diferenciação entre as formas escritas e outras formas gráficas de expressão.
2. utilização do conhecimento das letras e das convenções do sistema: alinhamento, orientação esquerda/direita, distribuição do texto, o espaço, etc.
3. PROCEDIMENTOS DE CODI¬FICAÇÃO (escrita):
3.1. Uso de conhecimentos so¬bre o sistema alfabético:
• utilização de critérios quantitativos e qualitativos (variedade) no uso das letras (ou outras grafias para escrever nomes e/ou comparar palavras.
• Relação entre as letras e os sons da palavra. Identificação e segmenta¬ção silábica e fonética.
• Associação som - letras.
• Hipóteses ortográficas.
3.2. Procedimentos gráficos da escrita e das letras e das palavras.
4. PROCEDIMENTOS DE DECODIFICAÇÃO (leitura):
4.1. Uso de conhecimentos sobre o sistema alfabético:
• Reconhecimento do pró¬prio nome e outras pa¬lavras.
• utilização da imagem e o contexto como indicado¬res, utilização de índices textuais quantitativos para a interpretação do texto.
• utilização de índices qualitativos (letras) para a interpretação do texto.
• Leitura ajustada ao texto.
4.2. Procedimentos de vocali¬zação, silabação, leitura global e rapidez na leitura.
Atitudes
ALF: ATITUDES EM RELAÇÃO À APRENDIZAGEM DO SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Predisposição favorável à apren¬dizagem escolar: curiosidade, interesse pelo que se propõe na aula, atenção, autonomia, etc.
2. Reconhecimento do esforço pessoal de reflexão como fon¬te de aprendizagem e cresci¬mento pessoal.
3. Autoconceito positivo, valorizan¬do as próprias possibilidades de reflexão e argumentação sobre o que se escreve.
4. Consciência e aceitação das próprias limitações e valoriza¬ção das dificuldades como de¬safio a ser superado.
5. Predisposição à interação e ao trabalho cooperativo. Aceita¬ção da diversidade de ritmos e aprendizagens entre os colegas do grupo.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Aprender as letras escrevendo textos
Aprende-se a escrever e a ler, es¬crevendo e lendo textos. E não há por que separar essas atividades da aprendizagem do código de decifra¬ção e transcrição. Podemos escrever para a criança o que ela quer comu¬nicar ou completar o que ela escre¬veu; podemos escrever embaixo do que ela escreveu para ajudar outros a compreenderem sua escrita. A transcrição do professor ou de outro adulto faz com que a mensagem da criança alcance seu objetivo.
Escrever com maiúsculas
Por quê recomendamos o uso de letras maiúsculas?
• Porque são unidades discretas que podem ser diferenciadas e contadas; é mais fácil percebê-las e distinguí-las umas das outras e contar quantas letras tem um nome é muito impor¬tante para o desenvolvimento da escrita.
• Porque as maiúsculas são mais fáceis de escrever e não há ne¬nhum perigo das crianças não aprenderem a letra manuscrita que, depois que se sabe escre¬ver, é apenas uma "dificulda¬de" motora não cognitiva.
O nome próprio e o que as crianças aprendem a partir dele
O nome próprio é o texto primor¬dial, é o primeiro texto que uma cri¬ança quer escrever e ler. Também se interessa em aprender o nome dos pais, irmãos, colegas, professores, animais de estimação, objetos prefe¬ridos. Desde a Educação Infantil o nome de cada criança deve estar pre¬sente na sala de aula. Inúmeras ativi¬dades de leitura e escrita podem ser desenvolvidas tendo como conteúdo o nome próprio. Com essa atividade as crianças aprendem, por ex., a di¬ferença entre letras e desenhos e en¬tre letras e números; as distinções entre as diferentes letras; a orienta¬ção esquerda/direita do nome e da escrita; os nomes das letras; um amplo repertório de letras etc.
Outros textos para aprender o sistema alfabético: nomes comuns e listas
Durante um período de tempo (geralmente dos três aos cinco anos) a escrita é, para as crianças, uma escrita de nomes (hipótese do nome).
Os nomes são, nesse sentido, textos autônomos, cheios de significado quando cumprem algumas condições como: etiquetar, nomear; fazer parte de um campo semântico (nome de brinquedos, de animais etc.) cuja enumeração seja útil para algo; fazer uma lista (compras do supermerca¬do, ingredientes de uma receita, materiais que devem ser trazidos para a escola etc.).
Títulos, legendas de fotos, anúncios...
Embora a criança vá descobrindo as características dos textos escritos a partir da leitura de textos comple¬tos que o professor deve fazer, duran¬te certo tempo ela escreverá nomes em listas. Se o professor propõe à cri¬ança escrever um conto conhecido, algumas delas escreverão uma lista dos nomes dos personagens. Certos tipos de texto facilitam o acesso da criança à escrita sintática: os títulos de contos, as manchetes das notíci¬as, os anúncios, a legenda de fotos, as receitas culinárias simples.
As etapas de construção da escrita
Ao escrever, as crianças seguirão leis e princípios que não correspon¬dem aos do sistema alfabético e uti¬lizarão procedimentos característicos do pensamento infantil.
Diferença entre letras, desenhos e números
• Conhecimento das letras
• Conhecimento de outras con¬venções
• Hipóteses pré-silábicas
• Hipóteses silábicas
• Escritas silábico-alfabéticas
• Escritas alfabéticas
• Hipóteses ortográficas
A construção da leitura
É no próprio decorrer da aprendi¬zagem da escrita (produção a partir de seus conhecimentos) que a crian¬ça começa a compreender (ler) o que os outros escreveram (ajustar-se à intenção e pensamento do outro).
Suas teorias sobre a escrita condi¬cionam suas ideias ao ler. Por ex.: diferenciação texto-imagem; o escri¬to são nomes; precisa-se de uma quantidade mínima de letras para poder ler um nome (hipótese de quan¬tidade mínima); o conjunto de letras deve ser variado para permitir a lei¬tura (hipótese de variedade).
Outros indícios também colaboram para que a criança possa inter¬pretar o escrito: reconhecimento de palavras significativas (coca-cola, fanta etc.); interpretação a partir das imagens que acompanham o texto; interpretação a partir de indicadores quantitativos (quantas palavras, quantas letras, quantos fonemas); interpretação a partir de indicadores qualitativos (letras conhecidas, rela¬ção entre a letra e a fonética da pala¬vra: termina com [o]..., tem o [g] de gato...); leitura ajustada ao texto.
Aprender: conflito e mudanças cognitivas
A mudança conceitual acontece quando se acumulam circunstâncias: evidências de que aquilo que a criança está fazendo não está mais funcionan¬do. Por ex., ao tentar escrever MALE¬TA faz AEA, mas se tiver que escrever, ao mesmo tempo, PLANETA como AEA, esta situação toma-se problemá¬tica porque não é lógico para a crian¬ça que palavras diferentes em signifi¬cado sejam escritas do mesmo modo.
Esse "problema" pode acontecer nas mais variadas situações e, em algum momento, a criança perderá a segu¬rança e pensará que talvez possa se escrever de outro modo. Esse é um processo que não se pode forçar, mas o professor pode ajudar criando mui¬tas situações que a obriguem a pen¬sar. O mesmo processo acontece com a aprendizagem da ortografia.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Múltiplas situações para dife¬renciar letras de desenhos e de números.
• Escrita e reconhecimento do próprio nome.
• Escrita coletiva de palavras e textos (em dupla, em peque¬nos grupos).
• Completar a escrita de palavras (combinar leitura e escrita).
• Confeccionar palavras com le¬tras móveis, carimbos, compu¬tadores.
• Interpretação da própria escrita (mecanismo de confrontação entre o que a criança "queria escrever" e o que realmente aparece escrito).
• Interpretação de textos com imagem como atividade ideal na preparação e motivação para a leitura (requer a presen¬ça e ajuda do professor).
• Leitura de textos memorizados.
• Interpretação de textos a par¬tir da localização, escolha, ati¬vidade de completar palavras.
CAPÍTULO 15: A ESCRITA COMO PRODUÇÃO DE TEXTOS
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
ESC: A ESCRITA COMO PRODUÇÃO DE TEXTOS
1. Conhecimentos necessários pa¬ra escrever sobre:
• Conteúdo que se quer comu¬nicar.
• Intencionalidade da escrita.
• Características do destinatário e da situação comunicativa.
• Tipos de texto suscetíveis de serem utilizados.
• Hierarquia das ideias a se¬rem transmitidas e sua orde¬nação.
• Estilo que se pretende e re¬cursos adequados.
• Formato, edição, encaderna¬ção e arquivamento do texto.
Procedimentos
ESC: PROCEDIMENTOS GERAIS DE ESCRITA
1. Decidir o tema e a situação de escrita.
2. Explicitar a finalidade e inten¬ção da escrita.
3. Decidir o destinatário.
4. Considerar as características do texto.
5. Elaboração do pré-texto: con¬teúdo.
6. Escrita interativa. Re-elaboração do pré-texto. Identificação e re¬solução de problemas de codificação.
7. Revisar: Reler, avaliar e corrigir o escrito, conforme critérios decididos previamente.
8. Passar a limpo: Edição e repro¬dução do texto.
Atitudes
ESC: ATITUDES EM RELAÇÃO À ESCRITA
1. Valorização da escrita como meio de comunicação, estudo, prazer e diversão.
2. Curiosidade ativa frente à escri¬ta de palavras e textos novos.
3. Atitude ativa, reflexiva, autôno¬ma e criativa na preparação do texto que será escrito.
4. Interação e capacidade de co¬operação e respeito pela diver¬sidade na elaboração coletiva de textos.
5. Atividade e vigilância auto-avaliadora durante o processo de escrita. Identificação de dúvidas e esforço para solucioná-las
6. Atitude de busca de canais co¬municativos, criativos e pesso¬ais na escrita de textos.
7. Auto-exigência na realização das próprias produções e valoriza¬ção da clareza, da ordem e da limpeza nos textos para alcan¬çar uma melhor comunicação.
8. Hábitos de revisar com atenção a correção do escrito.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Complexidade da escrita
Escrever é uma tarefa cognitiva muito complexa; supõe um número enorme de decisões e de processos quase simultâneos.
O processo da escrita de textos
• Preparar-se para escrever (o quê, para quê, para quem, como).
• Escrever (elaboração do pre¬texto, o ato de escrever).
• Revisar (reler, avaliar e corrigir).
• Passar a limpo: editar
O professor precisa "ensinar" es¬ses aspectos que não são evidentes para as crianças.
Decidir o tema e a situação de escrita (o quê)
O tema é sempre determinado pela situação ou projeto de escrita que está sendo desenvolvido na aula e o professor deve se assegurar de que as crianças tiveram acesso a mode¬los (textos semelhantes) ao que lhes propôs escrever.
Estabelecer claramente a finalidade da escrita (para quê)
É preciso lembrar que cada tipo de texto (enumerativo, informa¬tivo, expositivo, literário, prescritivo) serve a uma finalidade (lembrar, co¬municar informação, estudar, por pra¬zer, para dar instruções). Cada um desses tipos de texto requer procedi¬mentos e técnicas específicas de es¬crita que a escola deve ensinar.
Decidir o destinatário do texto (para quem)
Quando se escreve somente para o professor ler se está distorcendo o elemento característico da escrita: a ausência do interlocutor, que obri¬ga a explicitar, no escrito, todos os elementos contextuais imprescindí¬veis para a compreensão do texto.
Como escrever: características do texto
Cada tipo de texto tem caracte¬rísticas próprias que é preciso respei¬tar: uma notícia não se escreve com o mesmo formato de uma carta, um conto não é escrito como uma recei¬ta culinária. Devemos usar os textos respeitando seu uso social. Os alu¬nos devem ter claro como é o tipo de texto que vão produzir.
Elaboração do pré-texto
Para escrever é necessário se dis¬por de muita informação (leituras pré¬vias, explicações) e, além disso, ativá-las e pô-las em ação no momento de escrever. A elaboração do pré-texto com as crianças deve ser uma preparação coletiva da atividade de escri¬ta. Seu objetivo é ajudaras crianças a se apropriarem das características do modelo que vão escrever/reconstruir. Trata-se de organizar o pensamento antes de escrever. Além disso, essa atividade é uma verdadeira correção pré¬via do que as crianças irão escrever.
O ato de escrever
É importante que as crianças te¬nham bem claro o que devem escre¬ver para que possam se concentrar no como vão realizar a atividade, iden¬tificar suas dúvidas e buscar ajuda e recursos para resolvê-las. A regra de ouro para o professor, no ensino da linguagem escrita, é ficar atento ao que ocorre no momento em que a criança está escrevendo ou lendo. Se nos limitamos a ver somente o re¬sultado final perdemos a informação mais preciosa e a oportunidade de interferir para ajudar a criança.
Revisar: reler, avaliar e corrigir o escrito
Apesar de importante, o hábito de revisar o escrito é difícil de ser automatizado pelas crianças se esse procedimento só ocorre como uma avaliação final. Revisar deve ser uma atividade interativa que faz parte do processo de ensino-aprendizagem. A correção deve ser iniciada antes de escrever (na elaboração do pré-tex¬to), deve continuar durante o proces¬so de escrita e é completada com o processo de revisão do escrito. É um trabalho compartilhado pelo profes¬sor e o aluno ou grupo de alunos.
Passara limpo: edição e reprodução de textos
Quase nunca um texto fica bem escrito na primeira vez. Após a revi¬são e correção muitas vezes é neces¬sário refazê-lo e passá-lo a limpo é a conclusão do processo. Convém cri¬ar situações especiais onde a neces¬sidade de "polir", melhorar, deixar o texto apresentável, se justifique.
TIPOS DE ATIVIDADES
• A cópia de textos se justifica em muitas ocasiões
• Ditados: ditar ao professor, di¬tado de um aluno a outro, do professor aos alunos.
• Escrever textos memorizados
• Reescrever textos conhecidos
• Completar textos.
• Escrever textos originais.
• Atividades de edição, reprodução e impressão.
CAPÍTULO 16: A LEITURA COMO INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DE TEXTOS
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
LEI: A LEITURA COMO INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DE TEXTOS
1. Conhecimentos necessários para a leitura:
• Sobre a necessidade e finalidade da leitura.
• Sobre os indicadores do contexto úteis para antecipar a leitura (situação, ilustrações, tipografia, suporte matéria do texto, etc.).
• Sobre o tema.
• Sobre a estrutura do texto segundo sua tipologia.
• Sobre o vocabulário, o léxico, as construções típicas, etc.
• Sobre os aspectos gramaticais específicos do texto.
Procedimentos
LEI: PROCEDIMENTOS GERAIS DE LEITURA
1. Explicitação da finalidade da leitura e do tema do texto.
2. Antecipação do conteúdo:
• Ativação de conhecimento prévios.
• uso do contexto e outros indicadores para a compreensão do texto.
• Formulação de questões guia de leitura.
3. Leitura interativa:
• Construção progressiva do significado do texto.
• Verificação e reformulação de hipóteses.
• Identificação e análise dos erros de leitura.
4. Recapitulação.
5. Ampliação da leitura.
Atitudes
LEI: ATIVIDADES RELATIVAS À LEITURA
1. Motivação, curiosidade e inte¬resse pela leitura de textos que rodeiam a criança.
2. Auto-exigência na leitura e va¬lorização da própria compreen¬são do texto.
Auto-avaliação do grau de com¬preensão e das dificuldades na leitura.
3. Atitude crítica diante de mensa¬gens transmitidas pelos textos escritos, mostrando especial sensibilidade para com aqueles que supõem descriminação social, sexual, racial, etc.
4. Atitude ativa e inquisitiva dian¬te do texto: fazer-se perguntas, estabelecer relações com o já sabido, formular hipóteses, formular julgamentos e opi¬niões pessoais, etc.
5. Atenção, concentração, silên¬cio e ordem na leitura indivi¬dual ou em grupo e participa¬ção ativa em tarefas de prepa¬ração e comentário do texto.
6. Hábitos de leitura na escola e em casa. Uso de bibliotecas.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Motivação e entusiasmo pela leitura
Pouco valor tem a escola que não consegue entusiasmar as crian¬ças para a leitura e gerar hábitos de leitura. Gerar hábitos de leitura sig¬nifica ler muito e ler bem, em aula e fora da escola. Motivar para a leitura é propor textos de qualidade e ade¬quados às crianças, propor situações agradáveis para ler, propor tarefas que sejam desafiantes e que estimulem o pensamento e imaginação.
Nem sempre lemos do mesmo modo: a finalidade e os objetivos da leitura
É fundamental estabelecer com clareza PARA QUE vamos ler.
• A leitura depende da situação: ler na cama é diferente de ler na biblioteca.
• Depende do tipo de texto: não se lê do mesmo modo um ro¬mance policial e um tratado de filosofia.
• Depende da intenção do lei¬tor: ler para divertir-se é dife¬rente de ler para preparar-se para um exame
Na escola também não há uma única forma de ler. Pode-se fazer em silêncio, em voz alta, para o profes¬sor, para os colegas, para estudar, para ter prazer etc. A leitura em aula tam-bém tem objetivos diferentes: pode¬mos ler para medir nossa rapidez, para fazer um resumo, para responder per¬guntas etc. O modo de ler é condicio¬nado pelas características do tipo de texto e a finalidade da leitura. É útil distinguir os seguintes modos de ler:
• Localização e manejo de dados (textos enumerativos).
• Comunicação e informação geral (textos informativos).
• Estudo (textos expositivos).
• Prazer e literatura (textos lite¬rários).
• Para aprender a fazer algo (tex¬tos prescritivos).
Antecipar o conteúdo
Os leitores experientes aproxi¬mam-se do texto (olham sua exten¬são, as ilustrações, a tipografia etc.) antes de começarem a ler. Isso lhes dá informação útil para antecipar o conteúdo da leitura. Essa antecipa¬ção permite elaborar um guia para a leitura. Esse passo prévio e importan¬te à leitura deve ser ensinado às cri¬anças na escola através:
• Da ativação de conhecimen¬tos prévios sobre a estrutura típica do texto a ser lido (notí¬cias, contos); lembrar que as palavras que lemos também ativam nossos conhecimentos prévios (Cristóvão Colombo "combina" com palavras como descobrir, América, caravelas, mas não com África, polonês, aeroporto).
• uso do contexto e outros indi¬cadores para ajudar, a antecipar o conteúdo do texto: a situa¬ção em que se produz leitura marca o modo e os procedimen¬tos para ler (ler sozinho é dife¬rente de ler para o professor; ler silenciosamente é diferente de ler em voz alta etc.). Pelo con¬texto podemos prever que o conteúdo de um cartaz não será igual à de um folheto; também será diferente se for um jornal sério ou uma publicação humo¬rística etc. As ilustrações, os indicadores tipográficos (tipo de letra, tabelas, sub-títulos), o título, o sumário, o índice, tam¬bém trazem informações sobre o conteúdo dos textos.
• A formulação de questões fun¬ciona como um verdadeiro guia para a leitura e serve para pre¬parar mentalmente a atividade de ler: uma ilustração sobre um conto sugerirá perguntas sobre os personagens, sua origem, vestimentas etc.; o título de um texto expositivo permite formu¬lar perguntas sobre os aspec¬tos que esperamos encontrar. Trata-se de abordar o texto de um modo ativo.
Leitura interativa
Construção progressiva do significado
Ao ler, o texto vai se revelando para nós pouco a pouco. Durante a leitu¬ra não permanecemos passivos, pelo contrário, se queremos nos aprofun¬dar no significado do texto pensamos, avaliamos, criticamos, retrocede¬mos, aceleramos o ritmo, pulamos parágrafos, nos emocionamos. Es¬ses procedimentos de leitura ativa podem ser ensinados. Primeiro a partir do modelo do professor que lê e que mostra aos seus alunos que pensa enquanto lê. A partir da leitu¬ras coletivas, fazendo interrupções, recapitulando o que foi lido, comen¬tando uma expressão, perguntando sobre o que poderia acontecer a se¬guir, assegurando a compreensão básica daquilo que se lê.
Verificação e reformulação de hipóteses
Construímos nossas hipóteses sobre o escrito a partir do seu con¬teúdo, da coerência das frases e ideias. Para ler com rapidez não é preci¬so decifrar todas as letras e palavras do texto. As crianças cometerão me¬nos erros de leitura à medida que:
• O conteúdo do que se vai ser lido seja mais conhecido e es¬teja mais presente na cons¬ciência (leitura prévia do texto pelo professor, resumo, ante¬cipação das ideias principais).
• O contexto seja o mais explíci¬to possível (preparar a leitura, definir seu objetivo, folhear o texto, comentar as ilustrações)
• A atitude da criança seja a mais ativa possível (se formule per¬guntas, antecipe possibilidades)
• A qualidade, a rapidez e o automatismo na decifração seja maior.
Identificação e correção dos erros de leitura
As crianças, como os adultos, cometem erros ao ler. Erros de com¬preensão ou decifração. Nem todos têm a mesma importância e alguns podem ser ignorados. Os erros que afetam a compreensão do texto de¬vem ser identificados rapidamente ou comprometeram o entendimen¬to. Analisar a causa do erro, ao invés de só corrigi-lo, é um procedimento mais lento, mas é uma atividade muito mais valiosa para aprender a partir do erro.
Recapitulação da leitura
Ao final da leitura é conveni¬ente elaborar uma representação glo¬bal do texto e de sua compreensão. Essa atividade tanto pode funcionar como uma avaliação sobre a com-preensão do que foi lido como é per¬feita para que as crianças aprendam a construir um texto com as carac¬terísticas do escrito.
Ampliação da leitura
Ler o jornal, um livro, uma re¬vista etc. se justifica por si mesmo. Deve-se ter muito cuidado com os trabalhos posteriores à leitura, que tradicionalmente a escola solicita. O melhor modo de desperdiçar um texto importante é obrigar os alunos a fa¬zerem um "trabalho" sobre ele.
Avaliação da compreensão da leitura
Deve-se tomar cuidado com as perguntas usuais que aparecem nos livros didáticos, supostamente, para avaliar a compreensão. Em geral, elas simplesmente avaliam a memória, a habilidade de localização e a cópia. Alguns critérios podem orientar a ati-vidade de avaliação de compreensão do texto:
• A avaliação deve corresponder às perguntas do guia de leitu¬ra que foi preparado anterior¬mente pelo professor e alunos.
• As perguntas devem estimular a reflexão e a aprendizagem de procedimentos para melhorar a compreensão: procedimen¬tos de deduzir pelo contexto; selecionar as palavras chave para a compreensão do texto; fazer inferências; identificar os elementos mais importantes do texto; propor títulos para um texto; escolher o melhor resu¬mo entre vários possíveis.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Leitura por parte do professor
• Leitura em voz alta ou silenci¬osa (tem objetivos diferentes)
• Leitura de textos com lacunas, incompletos (são importantes para a aprendizagem de estra¬tégias de antecipação).
• Reconstruir textos fragmenta¬dos e desordenados (atividade extremamente complexa)
• Relacionar ou classificar textos distintos (atividades de leitura que exigem compreensão)
• Resumo e identificação da ideia principal (é imprescindível no trabalho com textos exposi¬tivos)
• Atividades na biblioteca (da escola, da comunidade, da sala de aula)
• Atividades de arquivamento e classificação de textos (úteis para aprender o abecedário).
CAPITULO 17: OS TEXTOS COMO UNIDADE BÁSICA DA LINGUAGEM ESCRITA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
TEX: OS TEXTOS COMO UNIDADE BÁSICA DA LINGUAGEM ESCRITA
1. O texto como unidade básica da linguagem escrita tal como é usado na sociedade. Diver¬sidade de textos escritos.
2. Tipologias textuais, uso do cri¬tério de intencionalidade da leitura e da escrita, como organizador da tipologia de tex¬tos.
3. Estrutura, características e tra¬ços diferenciadores dos tipos de texto mais usuais na socie¬dade e no trabalho escolar:
3.1. Finalidade e intencio¬nalidade (manipulação de dados, informação, pra¬zer, estudo, fazer).
3.2. Função específica de cada texto.
3.3. Modelos do texto que exis¬tem na realidade social.
3.4. Conteúdos específicos de cada texto.
3.5. Formato e suporte mate¬rial próprios do texto.
3.6. Gramática do texto (morfossintaxe, léxico, macro-estrutura, etc.)
Procedimentos
TEX: PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS PRÓPRIOS DO TIPO DE TEXTO
1. Procedimentos específicos de escrita conforme a finalidade e características do texto:
1.1. Textos enumerativos
1.2. Textos informativos
1.3. Textos literários
1.4. Textos expositivos
a. Textos prescritivos
2. Procedimentos específicos de leitura em relação ao tipo de texto e à intencionalidade da leitura.
2.1. De localização e manipu¬lação de dados em textos enumerativos.
2.2. De identificação do tema e traços marcantes do escrito em textos de infor¬mação geral.
2.3. De sensibilização estética e entretenimento nos textos literários.
2.4. De aprendizagem e estudo de textos expositivos: tema, ideia principal, resumo do texto, relação entre as par¬tes do texto (esquema), vo¬cabulário específico, etc.
2.5. De realização de tarefas sim¬ples, conforme as instruções de um texto prescritivo.
Atitudes
TEX: ATITUDES EM RELAÇÃO AOS TEXTOS
1. Valorização da língua escrita como meio de comunicação adaptável a diferentes finalida¬des e situações.
2. Respeito e atenção à diversidade de textos e sua adequação ao propósito de leitura e escrita, à situação e contexto e outras con¬dições da leitura e da escrita.
3. Precisão na localização e trans¬missão de dados em textos enumerativos.
4. Valorização da clareza, brevida¬de e amenidade dos textos in¬formativos.
5. Valorização da sensibilidade estética e humana em textos literários.
6. Atitude positiva e hábitos de atenção, estudo e reflexão em textos expositivos.
7. Valorização da clareza, detalhe e precisão das instruções em textos prescritivos.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Os textos: um conteúdo transversal
A comunicação por meio da lin¬guagem escrita só se dá em textos. Todas as características da linguagem escrita podem ser aprendidas a partir de textos. Somente por meio dos tex¬tos a aprendizagem da linguagem es¬crita adquire significação e sentido.
Cada texto possui características próprias que constituem conteúdos a serem aprendidos (conceitos, proce¬dimentos e atitudes), no entanto, es¬ses conteúdos não são aprendidas a partir de atividades específicas, mas a partir da própria atividade de ler e escrever. Por isso os textos apresen¬tam-se como um conteúdo transver¬sal que percorre todos os outros con¬teúdos e organiza toda a atividade es¬colar em linguagem escrita.
Nossa proposta de tipologia textual
Embora haja diversas tipologias textuais propostas por diversos auto¬res, a primeira questão que os auto¬res se colocaram foi a de estabelecer com clareza as diferenças entre os procedimentos a serem usados para escrever e ler um texto ou outro.
Pareceu-lhes que o critério a utili¬zar deveria ser o caráter instrumental do texto a serviço de uma finalidade comunicativa, ou seja: Para que escre¬vemos ou lemos? Os autores conside¬ram que as estratégias que utilizamos, principalmente ao ler, não dependem tanto do texto, mas da nossa inten¬ção ao lê-lo. Portanto, a intenção do autor e do escritor é o determinante principal na organização do conjunto dos textos. Os autores destacam, além disso, duas outras ideias: a necessida¬de de ensinar e aprender a escrever e a ler todo tipo de textos e não apenas os literários como acontece tradicionalmente na escola; a necessidade de dispor de uma classificação que iden¬tificasse os principais modelos de tex¬tos que existem na sociedade. A proposta dos autores é:
Recordar, registrar, localizar, manipular, ordenar etc. dados concretos, informações específicas.
Informar e nos informar sobre temas gerais, aconte¬cimentos, fatos, etc.
Ter prazer, expressar-nos pessoalmente, passar um bom momento, desenvolver a sensibilidade artística, etc.
Estudar, aprender, ensinar, demonstrar, comunicar conhecimentos, discutir ideias, etc.
Para ensinar a aprender a fazer coisas, comunicar instruções, regular o comportamento, etc.
Para ensinar a aprender a fazer coisas, comunicar instruções, regular o comportamento, etc.
TEXTOS EXPOSITIVOS
TEXTOS EXPOSITIVOS
Características de cada tipo de texto
As características de cada um dos tipos de texto delimitam os procedimentos de escrita que lhe são próprios: a função, os modelos sociais que incluem o conteúdo, o formato, as ca¬racterísticas gramaticais. E, além disso, procedimentos específicos de leitura para cada um. Essas caracte¬rísticas são conteúdos de aprendizagem escolar. O professor deve conhecer essas características para poder ensiná-las a seus alunos. Não como "lição", mas pelo contato cotidiano com textos, sua leitura, sua escrita, a reflexão sobre suas características etc.
Características dos textos enumerativos
• Função
1. Localizar informações concretas.
2. Recordar dados, etc.
3. Etiquetar, classificar, etc.
4. Comunicar resultados.
5. Anunciar acontecimentos.
6. Ordenar, arquivar, etc. informações.
• Modelos
1. Listas (de compra, de brin¬quedos, etc.)
2. Etiquetas.
3. Horários (cinema, TV, trans¬portes, atividades escolares, etc.)
4. Guias (telefônicos, de ruas, etc.) e agendas pessoais.
5. Formulários, impressos ofi¬ciais, etc.
6. Cartazes, pasquins, folhetos, etc.
TEXTOS ENUMERATIVOS
TEXTOS INFORMATIVOS
TEXTOS LITERÁRIOS
TEXTOS EXPOSITIVOS
7. Índices (livros, revistas, Atlas, etc.).
8. Enciclopédias, dicionários, Atlas, etc.
9. Catálogos (comerciais, de exposição, etc.).
10. Menus (escolares, de res¬taurantes, etc.).
• Conteúdo
1. Nomes ou títulos.
2. Cifras.
• Formato
1. Disposição vertical, ou em quadros, ou tabelas (dupla entrada ou mais)
2. Uso de travessão, asteriscos.
3. Escrita em colunas.
4. Podem constituir textos espe¬cíficos ou estar incorporado em textos mais amplos (o índice de um livro, por exem¬plo, ou uma ilustração).
• Gramática
1. Construções sintéticas centradas no nome ou em frases que atuam como substantivos.
2. Estrutura repetitiva.
3. Léxico específico do tema em campos semânticos de¬finidos.
• Procedimentos de leitura
1. De aproximação progressi¬va e localização.
2. Uso de critérios de ordena¬ção (alfabético, numérico, temático, etc.)
3. Uso de listas, tabelas de dupla entrada, horários, ín¬dices, etc.
Características dos textos informativos
• Função
1. Conhecer, ou transmitir, ex¬plicações e informações de caráter geral.
2. Seu objetivo é compreender, ou comunicar, as caracte¬rísticas principais do tema, sem maior
profundidade.
• Modelos
1. Jornais e revistas.
2. Livros de divulgação, folhetos.
3. Notícias.
4. Artigos e reportagens.
5. Anúncios e propaganda.
6. Avisos, anúncios públicos.
7. Correspondência pessoal ou comercial.
8. Convites.
9. Entrevistas.
• Conteúdo
1. Muito diverso, em função do tema (notícia, anúncios, cartas, etc.)
• Formato
1. Texto em prosa, com carac¬terísticas específicas de cada modelo (ver quadros adjuntos).
• Gramática
1. Características morfológicas e sintáticas variáveis em função do modelo.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de sinais de aproxima¬ção ao conteúdo (títulos, fotos, imagens, tipografia, seções de jornais, etc.).
2. Identificação do tema da in¬formação.
3. Identificação da ideia prin¬cipal.
4. Identificação dos detalhes principais.
Características dos textos literários
• Função
1. Induzir o leitor a sentimen¬tos e emoções especiais
2. Entretenimento e diversão.
3. Comunicar fantasias ou fa¬tos extraordinários.
4. Lembrar-se de acontecimen¬tos e emoções vividas pelo grupo ou pela própria pessoa.
5. Transmitir valores culturais, sociais e morais.
• Modelos
1. Contos, narrações, lendas, etc.
2. Poesia, refrães, canções, adi¬vinhações, etc.
3. Teatro, fantoches, etc.
4. Histórias em quadrinhos e gibis.
• Conteúdo
1. Fórmulas estabelecidas para o princípio e o final das his¬tórias (Era uma vez ..., e viveram felizes para sempre, etc.)
2. Descrição de personagens e situações, ambientes, etc.
3. Narração de fatos vividos ou fantásticos.
4. Comunicação de sentimen¬tos e emoções.
• Formato
1. Composição de texto e imagem em forma de livro, com capa, etc.
2. Valor da pontuação, para di¬ferenciar a narração do diá¬logo, por exemplo.
3. Poesia: organização em ver¬sos, estrofes, etc.
5. Possível utilização com ou¬tros recursos expressivos: teatro, música, dança, audiovisuais, etc.
• Gramática
1. Contos e narrações: formas sintáticas na 3a pessoa. Verbos no passado.
2. Formas de discurso direto na Ia pessoa: diálogos. Fi¬guras literárias, etc.
2. Poesia: frequente alteração das estruturas sintáticas habituais. Efeitos de rima, estilo, figuras, etc.
• Procedimentos de leitura
1. Leitura silenciosa e pessoal.
2. Importância da entonação na leitura em voz alta, reci¬tação, etc.
3. Identificação do esquema narrativo: situação, conflito e desenlace.
4. Identificação de recursos li¬terários especiais (estilo, fi¬guras, léxico, etc.).
Características dos textos expositivos
• Função
1. Compreender ou transmitir novos conhecimentos.
2. Estudar em profundidade.
• Modelos
1. Livros-texto, escolares.
2. Livros de consulta, divulga¬ção.
3. Artigos temáticos, relatórios.
4. Biografias.
5. Preparação de exposições orais e conferências.
6. Resenhas.
• Conteúdo
1. Definições e enunciados.
2. Descrições.
3. Explicação de processos.
4. Resumos.
5. Argumentações.
6. Hipóteses e discussão dos resultados, etc.
7. Roteiros, índices, esquemas, mapas semânticos, etc.
• Formato
1. Presença de títulos, subtítu¬los, gráficos, esquemas e caracteres tipográficos (su-blinhado, negrito, itálico, etc.) de importância para a compreensão o texto.
• Gramática
1. Uso de um vocabulário pre¬ciso e rigoroso, que deve ser definido.
2. Predomínio de substantivos.
3. Construções impessoais na 3a pessoa.
4. Grande importância semân¬tica dos nexos e partículas de relação (causa, consequ-ência, modo, localizadores, quantificadores etc.).
• Procedimentos de leitura
1. Uso do título e subtítulos como resumo do tema e ideia principal.
2. Uso de recursos tipográficos para ressaltar aspectos im¬portantes (sublinhado, nu-meração, etc.)
3. Identificação do tema e da ideia principal.
4. Uso de técnicas de resumo.
5. Reconstrução do roteiro a partir das perguntas que podem ser respondidas com o texto.
6. Identificação de termos des¬conhecidos ou duvidosos.
7. Identificação de nexos e par¬tículas de relação.
Característicos dos textos prescritivos
. Função
1. Regular de forma precisa o comportamento humano para a realização de algum objetivo.
. Modelos
2. Instruções escolares.
3. Receitas culinárias.
4. Regulamentos, códigos, nor¬mas: de jogo, de compor¬tamento, etc.
5. Instruções de utilização de materiais, aparelhos, etc.
6. Instruções para a realização de trabalhos manuais, etc.
Conteúdo
1. Explicação detalhada de como fazer determinada tarefa.
2. Presença de gráficos e sig¬nos para ilustrar o conteúdo.
Formato
1. Texto em prosa, diferencia¬do graficamente do restante do texto (por exemplo, da enumeração de materiais necessários).
2. Uso de formas de ordena¬ção e esquematização: nu¬meração dos passos a se¬rem seguidos, roteiros, etc.
Gramática
1. Frases curtas e precisas. Uso de léxico específico do tema, especialmente verbos de ação.
2. Uso de formas impessoais no presente ou da 2ª pes¬soa no imperativo.
3. Importância de partículas temporais para ordenar a sequência de ações.
Procedimentos de leitura
1. Uso de imagens, gráficos e ilustrações como comple¬mento da informação tex¬tual.
2. Identificação das etapas do processo temporal (a qual é o primeiro, o seguinte, etc.).
3. Identificação e compreensão dos verbos de ação.
4. Procedimentos de consulta no transcurso da realização da tarefa.
CAPITULO 18: ANALISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
REFL: ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Necessidade da forma come meio de obter um melhor uso da língua.
2. Estruturas básicas da língua (em nível de texto, de oração e de palavra) e seu funcionamen¬to dentro do texto.
3. Adequação dos textos. Varie¬dade das formas de expressão de uma mensagem em relação ao contexto e à situação de comunicação. Variações con¬forme a intenção do autor, o destinatário, o tipo de texto e o contexto de comunicação. Níveis de uso da linguagem.
4. Coerência do texto. Estrutura do texto e coerência do con¬teúdo. Léxico: regras de deri¬vação, sinonímia, polissemia. Recursos literários para mati¬zar ou enfatizar a expressivi¬dade do texto.
5. Coesão do texto. Aspectos morfossintáticos. Concordân¬cia, uso dos tempos e modos verbais relacionados com a si¬tuação comunicativa. Uso de localizadores, nexos, conetivos, etc. para articular o conteúdo.
6. Ortografia: separação de pala¬vras; correspondências estáveis som / letra e introdução de nor¬mas arbitrárias simples. Uso de maiúsculas e minúsculas. Intro-dução às normas de pontuação.
7. Introdução à literatura: aspec¬tos estilísticos, figuras literári¬as e gêneros relacionados com os textos lidos na escola (con¬tos, poemas, teatro, histórias em quadrinhos, etc.). Introdu¬ção à obra de alguns autores escolhidos.
Procedimentos
REFL: PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Exploração das estruturas bá¬sicas da língua (morfossintaxe, ortografia, léxico, etc.) a partir de situações de compreensão e produção de textos.
2. Observação de relações entre as estruturas morfossintáticas dos textos e o sentido e intencionalidade da mensagem.
3. Observação de regularidades sintéticas, morfológicas e or¬tográficas nas produções ver¬bais e escritas.
4. Formulação e comprovação de hipóteses sobre o funciona¬mento das estruturas básicas da língua em tarefas de com¬preensão e produção de textos.
5. Formulação e comprovação de hipóteses sobre as convenções ortográficas.
6. Verbalização das observações realizadas, identificando as normas sintáticas, morfológi¬cas e ortográficas básicas.
7. Procedimentos de correção dos textos escritos conforme crité¬rios previamente estabelecidos. Identificação de dúvidas na compreensão e na produção de textos. Resolução de proble¬mas usando fontes de informa¬ção acessíveis ao aluno.
Atitudes
REFL: ATITUDES RELACIONADAS COM A ANÁLISE E A REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Gosto pela qualidade dos tex¬tos próprios e alheios (sua ade¬quação, coerência e correção) como meio de assegurar uma comunicação fluente e clara.
2. Aceitação e respeito pelas nor¬mas básicas da língua.
3. Adoção de uma posição crítica positiva em relação à própria escrita, que conduza ao hábito de revisar e corrigir o escrito.
4. Atitude ativa na identificação de problemas gramaticais e na busca de recursos para solu¬cioná-los.
5. Interesse pela busca de canais comunicativos pessoais e cri¬ativos no uso da língua.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Ensinar gramática significativamente
A gramática e a reflexão sobre a linguagem devem estar a serviço da melhor compreensão e expressão das crianças. Não é imprescindível conhe¬cer os verbos, mas é imprescindível usá-los corretamente. No estudo da gramática:
• Deve-se partir do USO da lin¬guagem sem separá-la da re¬flexão gramatical.
• Ò USO da linguagem escrita refere-se à compreensão e pro¬dução de TEXTOS.
• A reflexão gramatical consiste em estabelecer relações entre as estruturas básicas da língua e o sentido global da mensagem.
As crianças também têm ideias sobre a gramática
Em relação à aprendizagem da gramática também se trata de dis¬cutir e refletir, de escutar o que as crianças dizem e confrontá-las com a realidade dos textos escritos que utilizam, para confirmar ou refutar suas teorias.
A gramática nos textos
Os aspectos gramaticais devem ser incorporados aos comentários, à preparação, junto com os aspectos do conteúdo e características do tex¬to. Esses aspectos referem-se a três grandes campos: a adequação à si¬tuação comunicativa, a coerência do conteúdo e a coesão gramatical. To¬dos esses aspectos existem integra¬dos aos textos e assim devem ser tra¬balhados. O espaço privilegiado para refletir sobre os aspectos gramaticais são os da preparação, supervisão e correção posterior da escrita.
A ortografia se pensa
A aprendizagem da ortografia está em linha de continuidade com a aprendizagem do sistema alfabético Aprende-se ortografia pensando e refletindo sobre a linguagem escrita.
AS ATIVIDADES DE CORREÇÃO GRAMATICAL
Considera-se que as atividades de gramática são ensinadas e aprendi¬das em todas as atividades de lin¬guagem escrita. A correção faz par¬te da tarefa de ensinar em qualquer atividade de linguagem desde o iní¬cio da escolaridade.
Ao corrigir:
• Convém valorizar os acertos e não os erros.
• O mais importante é verificar se o texto consegue comuni¬car uma mensagem clara e compreensível.
• Não é possível corrigir tudo e nem corrigir sempre.
• O interesse da correção, e sua necessidade são de que a cri¬ança aprenda a melhorar e aprenda significativamente.
• Como corrigir serve para aprender, todos devem partici¬par da tarefa de correção; essa não deve ser uma prerrogativa do professor.
CAPÍTULO 19: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
VnãoV: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
1. Necessidade e significado do gesto e da expressão corporal na língua oral e na verbalização do escrito.
2. Conhecimentos acerca de logotipos significativos para os alunos, sinais icônicos e outros símbolos gráficos nas ruas, na escola, etc.
3. Necessidade e significado do som e da imagem associados a textos escritos em filmes, montagens audiovisuais, etc. de uso na escola.
4. Elementos lingüísticos e não-linguisticos da comunicação escrita. A ilustração e a tipografia como fontes de informação acerca do texto que será lido.
5. Valor semântico da imagem em textos, tais como anúncios, cartazes, revistas em quadrinhos, piadas, etc. e sua rela¬ção com o texto escrito.
Procedimentos
VnãoV: PROCEDIMENTOS DE ARTICULAÇÃO ENTRE ELEMENTOS LINGUÍSTICOS E NÃO-LINGUÍSTICOS NOS TEXTOS
1. Interpretação e produção de logotipos, ícones e outros pro¬cedimentos de simbolização gráfica.
2. Interpretação e produção de imagens, sozinhas ou sequenciadas.
3. Interpretação e produção de ilustrações associadas aos tex¬tos, uso das mesmas como indicadores do conteúdo do texto e para expressar diversas intenções.
4. Interpretação e produção de textos associados a imagens (e/ ou sons), tais como legenda de foto, anúncios, cartazes, histó¬rias em quadrinhos, piadas, vídeos, diapositivos, etc.
5. Procedimentos de recitação, dramatização, leitura em voz alta, etc. com expressão corporal.
6. Relação entre texto e música, em canções, contos musicais, etc.
7. Análise dos significados introdu¬zidos pelo som e pela imagem em produções audiovisuais e sua relação com o texto. Interpreta¬ção da intenção pretendida.
Atitudes
VnãoV: ATITUDES RELACIONADAS COM OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
1. Sensibilidade estética frente à forma de coordenar sistemas de comunicação verbal e não-verbal (ordem, clareza, equilí¬brio, ritmo, etc.).
2. Atitude crítica frente às mensa¬gens que transmitem os mei¬os de comunicação social e a publicidade, mostrando espe¬cial sensibilidade pelas. Que supõem discriminações soci¬ais, sexuais, raciais, etc.
Desenvolvimento dos Contéudos
Palavras, imagens, sons e gestos
Esse também é um bloco trans¬versal. Além de raramente a palavra aparecer isolada (literatura infantil), a linguagem é um dos meios de expres¬são junto a outros (música, expressão corporal, plástica etc.), além disso, a linguagem é um instrumento dê apoio para quase todas as ações humanas.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Interpretação de logotipos e símbolos gráficos; Leitura de imagens; Sequenciação de imagens;
• Relação texto-ilustração; Dra¬matização e representação; Re¬lação texto-música; Relação texto-imagens audiovisuais
PARTE V: INSTRUMENTOS PARA A AVALIAÇÃO
Introdução
A avaliação formativa
A avaliação deve funcionar para permitirão aluno ver com clareza em que está melhorando, onde se encon¬tra estacionado e em que direção pode, e deve, avançar. Isso significa tornar o aluno consciente do seu pro¬cesso de aprendizagem e monitorá-lo. A avaliação não deve ser apenas uma sanção externa, do professor e da sociedade, em relação ao aluno. O conhecimento de si mesmo tem a ver com a própria predisposição para a aprendizagem. A imagem de si mesmo é determinante do êxito ou do fracasso em tarefas escolares.
Os critérios de avaliação
A ênfase deve estar na capacidade do aluno para participar do trabalho coletivo na aula: captar o sentido dos textos orais, produzir textos orais, cap¬tar o sentido dos textos escritos, usar estratégias de compreensão, ler tex¬tos diversos, escrever textos diversos, respeitar as normas gramaticais etc.
Instrumentos para a avaliação do processo de ensino e de aprendizagem
A avaliação é um processo contí¬nuo que é realizado em cada uma das atividades escolares que devem ser avaliadas a partir das características concretas de cada atividade, de cada texto, de cada situação.
Os autores distinguem três momentos diferentes do processo de avaliação:
A avaliação inicial de construção do sistema alfabético: consiste em avaliar os conhecimentos e possibili¬dades de aprendizagem antes de rea¬lizar a atividade de leitura e escrita, com o objetivo de ajustar a orientação e a atividade a esse conhecimento.
• A avaliação contínua do pro¬cesso de aprendizagem: requer o planejamento de atividades específicas de avaliação lem¬brando que a finalidade da ava¬liação formativa não é a nota, mas conhecer, em cada mo¬mento, qual é o nível de com-petência do aluno em relação aos objetivos que o professor estabeleceu para saber o que ficou por aprender.
• A avaliação do processo de ensino: o professor também deve avaliar o processo de en¬sino e as atividades que reali¬za. Ao analisar seu próprio tra¬balho adquire critérios e ele¬mentos para introduzir mudan¬ças no processo de ensino.
Capítulo 20: Avaliação inicial dos níveis de construção do sistema alfabético
Avaliação inicial dos procedimentos de escrita
Ao pedir que a criança pequena escreva seu nome ela pode pensar que escrever é o mesmo que desenhar. Sabemos então que é preciso ler para ela muitos contos, mostrar-lhe escritas diferentes, com desenhos ou sem eles, em livros, cartazes, etc. Ao pedir às crianças que produ¬zam outras escritas, como por exem¬plo, palavras como BORBOLETA, ESQUILO, PEIXE, GATO e da frase O GATO PEDE LEITE, a produção da criança corresponderá a algumas possibilidades evolutivas:
• escritas sem relação entre som e representação escrita da pa¬lavra (escritas pré-silábicas)
• escritas que relacionam o va¬lor sonoro da palavra à repre¬sentação escrita.
Outros procedimentos de avalia¬ção da escrita inicial são feitos a par¬tir de textos memorizados e da reescrita de um texto conhecido.
Avaliação inicial dos procedimentos de leitura
O que tem no cartão serve para ler
O objetivo dessa atividade é ave¬riguar as primeiras ideias pessoais das crianças sobre a linguagem escrita: como interpretar os signos gráficos e que condições devem reunir esses signos para que tenham significados.
Hipóteses sobre o conteúdo escrito
Atividades iniciais: a partir da "lei¬tura" do seu nome deve-se observar: o tipo de leitura, o tipo de segmentação. A partir de uma atividade de relacionar
a imagem (animal) ao seu nome po¬demos observar como interpreta o es¬crito e que indícios utilizou:
número de letras, vogais, letra inicial etc.
Interpretação de textos com ima¬gem: observar que tipo de interpre¬tação recebe o texto escrito a partir da informação que a imagem que o acompanha fornece.
Outros procedimentos de avalia¬ção de leitura a partir da decifração são feitos usando-se textos memori¬zados ou muito conhecidos e textos desconhecidos.
CAPÍTULO 21: AVALIAÇÃO CONTÍNUA DA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
Avaliação das atividades, em vez de atividades de avaliação.
• Observação e registro sistemá¬tico
• Diversificação das atividades e
• Trabalhar com grupos reduzidos sob supervisão do professor
A avaliação começa ao se decidir a atividade
Ao decidir que tema tratar, com que tipo de texto e que objetivos es¬pecíficos de linguagem o professor se propõe ensinar aos alunos, ele já está definindo os critérios de avalia¬ção da atividade, sendo assim a ava¬liação vai sendo definida no decor¬rer da atividade.
A avaliação é registrada por escrito
A elaboração de grades em que colocamos o conjunto de alunos do grupo e uma lista dos principais ob¬jetivos da atividade que queremos concretamente avaliar, é um instru-mento facilitador do processo de avaliação.
CAPITULO 22: A AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO
Os autores propõem um roteiro para analisar e avaliar o processo de ensino de uma atividade:
• Grau de significatividade da tarefa proposta
• Grau de adaptação à diversi¬dade
• Motivação e clima de trabalho (por quê, para quê)
• Nível de realização da atividade
• Intervenção do professor
• Resultados e produções dos alunos
O caráter formativo da avaliação do processo de ensino
O interesse desse tipo de análise é, fundamentalmente, que possamos identificar os aspectos que precisa¬mos melhorar e que possamos fazê-lo de forma compartilhada com ou¬tros colegas o que é uma ótima via de formação permanente.
VOLUME 2
Introdução
Este volume oferece aos profes¬sores um conjunto de sugestões prá¬ticas para o trabalho com a lingua¬gem escrita. O Capítulo I mostra como na organização e nas atividades cotidianas de sala de aula apare¬cem várias situações que levam, na¬turalmente, ao uso de textos para escrever e para ler. Todas as atividades são feitas a partir de textos com-pletos, significativos, que se relacio¬nam com as tarefas e às necessida¬des que são abordadas na aula: fa¬lar, ler, escrever e se comunicar. São utilizados vários tipos de texto como eixo estruturador da apresentação das atividades sugeridas.
Para cada tipo de texto os autores oferecem diversas sugestões para: professor preparar as atividades que irá propor aos seus alunos:
• As características de cada tipo de texto que constituem o con¬teúdo que as crianças precisam aprender.
• Esquemas didáticos (sequenciação, planejamento das tare¬fas) onde é especificado o pro¬cesso sugerido para trabalhar cada tipo de texto.
• um conjunto de sugestões concretas sobre diversas ativi¬dades possíveis em relação a cada tipo de texto (quadro, exemplo de atividade, outras atividades possíveis)
• Alguns exemplos de pautas de avaliação das atividades.
CAPITULO 1 - Como aproveitar as rotinas da aula para ler e escrever
Há uma série de atividades de roti¬na e atividades de identificação e rotulação que permitem familiarizar as crianças com a linguagem escrita: lista dos alunos que faltaram; rotular cabi¬des e materiais individuais; uso do calendário, de murais etc. Essa presença do escrito não é forçada nem artificial, pois utilizamos a linguagem escrita em atividades da vida cotidiana. Também é aconselhável disponibilizar muitos livros (material escrito "vivo") para as crian¬ças: a biblioteca de sala, jornais, revis¬tas, dicionários, Atlas. Pode-se, também, dispor de um quadro para anunciar as atividades infantis, festas, comemora-ções. E, finalmente, muitas matérias de escrita: lápis, pincel atômico, letras re¬cortadas, carimbos, computador.
O professor também pode e deve ler e escrever muitas coisas na sala de aula; ele funciona como modelo no uso da linguagem escrita.
Há, também, uma série de roti¬nas escolares com o uso de diferen¬tes tipos de texto que proporcionam material para o trabalho do profes¬sor em sala de aula:
• Texto enumerativo: rotulação, listas, quadros e tabelas.
• Texto informativo: diário de aula, jornais, revistas.
• Texto expositivo: registro de observações do tempo, rese¬nhas de trabalhos coletivos.
• Texto literário: literatura popu¬lar, poemas e canções, contos.
• Texto prescritivo: instruções, regulamentos, atas.
CAPÍTULO 2-Textos enumerativos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
São inúmeras as ocasiões em que precisamos ler e escrever textos com a finalidade de comunicar, ou localizar, um ou vários dados concretos. Possi¬velmente, estes sejam os textos mais funcionais na vida cotidiana. Por sua
relevância e especificidade merecem ser ensinados na escola. Além disso, por suas características básicas (nomes, lis¬tas) são textos adequados para os pri¬meiros níveis de escolaridade.
Características dos textos enumerativos
• Função
1. Localizar informações con¬cretas.
2. Recordar dados, etc.
3. Etiquetar, classificar, etc.
4. Comunicar resultados.
5. Anunciar acontecimentos.
6. Ordenar, arquivar, etc. infor¬mações.
• Modelos
1. Listas (de compra, de brin¬quedos, etc.)
2. Etiquetas.
3. Horários (cinema, TV, trans¬portes, atividades escolares, etc.)
4. Guias (telefônicos, de ruas, etc.) e agendas pessoais.
5. Formulários, impressos ofi¬ciais, etc.
6. Cartazes, pasquins, folhetos, etc.
7. Índices (livros, revistas, Atlas, etc.).
8. Enciclopédias, dicionários, Atlas, etc.
9. Catálogos (comerciais, de exposição, etc.).
10. Menus (escolares, de res¬taurantes, etc.).
• Conteúdo
1. Nomes ou títulos.
2. Cifras.
• Formato
2. Disposição vertical, ou em quadros, ou tabelas (dupla entrada ou mais)
3. Uso de travessão, asteriscos.
4. Escrita em colunas.
5. Pode constituir textos espe¬cíficos ou estar incorporado em textos mais amplos (o índice de um livro, por exem¬plo, ou uma ilustração).
• Gramática
1. Construções sintáticas cen¬tradas no nome ou em fra¬ses que atuam como subs-tantivos.
2. Estrutura repetitiva.
3. Léxico específico do tema em campos semânticos definidos.
• Procedimentos de leitura
2. De aproximação progressi¬va e localização.
3. Uso de critérios de ordena¬ção (alfabético, numérico, temático, etc.)
4. Uso de listas, tabelas de dupla entrada, horários, índices, etc.
Esquemas didáticos: escrita de nomes
1. SELECIONAR as situações em que se faz necessário escrever e ler nomes: o próprio nome nos trabalhos escolares, na pas¬ta e materiais pessoais, na lista de alunos, etc.; nomes comuns para rotular trabalhos escolares, para completar, para intitular imagens ou desenhos, etc.
2. LER/INTERPRETAR nomes escritos na aula, nos materiais, nas legendas de figuras, etc.; relação entre o nome e o tema ou a imagem, etc.
3. PREPARAÇÃO ORAL DA ES¬CRITA: discutir qual é o nome mais adequado a ser escrito em cada lugar.
4. EXPLICITAR A RECOMENDA¬ÇÃO: especificar o que deverá ser escrito, onde fazê-lo, como (alinhamento, orientação, etc.), tipo de letra se for o caso, etc., materiais, condições de realiza¬ção (individualmente, em du¬plas, em grupo, coletivamente diante do quadro, etc).
5. ESCRITA DO NOME. Presta¬mos atenção à: adequação à re¬comendação (onde, como, etc.); adequação do conteúdo (a palavra escolhida é adequa¬da?); nível de construção do sis¬tema alfabético (codificação).
6. REVISAR E CORRIGIR: releitura do escrito por parte do aluno em função de suas possibilida¬des; exigir do aluno a escrita que é capaz de fazer autonomamen¬te (silábica, alfabética, etc.); correção do que foi escrito pro¬vendo ajuda que permita que ele melhore a sua produção.
Exemplo de atividade – Reconhecimento do próprio nome entre os nomes dos colegas de mesa.
Outras atividades possíveis
• Escrita do próprio nome
• Escrita dos rótulos necessários para a organização da aula
• Escrita de nomes em murais temáticos
Esquemas didáticos: listas
1. Aproveitar todas as situações da aula nas quais for necessário ou útil escrever e ler listas: listas de alunos, de elementos de um campo temático, de materiais que é preciso trazer, de tarefas pendentes, de livros da biblioteca, de brinquedos, etc.
2. PREPARAÇÃO ORAL: discu¬te-se em classe o objetivo da lista que será feita e se discu-tem critérios sobre que infor¬mações devem ser incluídas, ou não, na lista. Propõem-se exemplos de palavras adequa¬das para a lista.
3. INSTRUÇÕES PARA A ATIVI¬DADE: o professor explicita a tarefa que será feita, resumindo as discussões prévias, e dá as condições de trabalho: a atividade será feita individualmente em duplas, grupos, etc.; materiais necessários, título, etc.
4. PRODUÇÃO: deve-se prestar atenção, especialmente:
• À escrita diferenciada do título.
• À adequação de cada elemento da lista a seu conteúdo e finalidade.
• À disposição gráfica do texto na vertical, abaixo do títuIo (um elemento em cada linha).
• Ao nível de construção do sistema alfabético (codificação).
• Ao respeito às condições de ditado, em caso de escrita em grupo: esperar a vez, pro-nunciar com clareza, esperar que o outro termine de es¬crever a palavra anterior, con¬trolar a escrita da palavra di¬tada e corrigi-la se for o caso.
5. LEITURA/INTERPRETAÇÃO da lista por parte dos alunos. Dado que cada aluno sabe o conteú¬do da lista ou, ao menos, o tema a que se refere, pode levantar hipóteses ao ler, confirmá-las com indicadores quantitativos ou qualitativos da palavra escri¬ta, etc. Quando a criança aca¬ba de escrever a lista, a sua lei¬tura serve para revisar a correção do que foi escrito, seu ajus¬te ao componente fonético da palavra, discutir com o colega se está bem escrita, etc.
6. REVISÃO E CORREÇÃO POR PARTE DO PROFESSOR: se¬rão respeitados os critérios mencionados no processo de produção (título, adequação, verticalidade, codificação, dita¬do, etc.). Não serão admitidas escritas de qualidade inferior a que o aluno pode conseguir au¬tonomamente. Se possível, ajudar-se-á o aluno a melhorar si produção, no que possa conseguir com ajuda: ajustar número de letras ao de sílabas, acrescentar letras que pode discriminar, etc.
Exemplo de atividade – Escrita de uma lista de nomes comuns: o que não se deve esquecer de levar para ir a excursões escolares. (pijama, saco de dormir, pente, sabonete, colônia, roupa, toalha).
Outra atividade possível
• Escrita de uma lista dos nomes dos alunos
Esquemas didáticos: cartazes e programas
1. Selecionar a situação favorável para a confecção e leitura de cartazes e programas na aula:
festas, excursões, exposições, concursos, convocações, espetáculos infantis, etc.
2. OLHAR, OBSERVAR, ANALISAR modelos de cartazes e programas que chegam à aula,
ou às casas, etc. Prestar atenção e analisar:
• A quem são dirigidos: destinatários.
• Intencionalidade do cartaz: relação que tem com o planejamento gráfico ou o tipo de texto que se apresenta.
• Características do texto do cartaz: conciso, chamativo, etc.
• Presença e valor da imagem e / ou recursos tipográficos, etc.
3. LEITURA: por parte do professor ou dos próprios alunos, antecipando o conteúdo (o que deve ser?,
onde?, quando?, será interessante?...), comentando as informações que contem, diferenciando os
fragmentos persuasivos (slogan, argumentação persuasiva, etc.).
Relacionar o conteúdo com a forma gráfica, etc.
4. PREPARAÇÃO ORAL DA ESCRITA: debater com o grupo a função do cartaz ou programa que será
realizado: o que pretende, a quem se dirige, que informação imprescindível deve conter, que
tamanho, características gráficas (se há desenho ou não; que tipo de ilustração, etc.).
5. EXPLICITAR AS INSTRUÇÕES: características da atividade que será feita, condições de realização,
materiais, grupos, etc. Conforme idade e características dos alunos, o professor pode dar mais ou menos
pautas e/ou ajuda: pôr no quadro o texto necessário corretamente escrito; dar indicações precisas
acerca do formato, distribuição do texto, distribuição de espaços gráficos, etc.
6. ELABORAÇÃO COLETIVA DE RASCUNHOS: corresponder aos critérios dados quanto ao
conteúdo (informativo, persuasivo) e à diagramação (distribuição de espaços, ilustrações, etc.).
7. REVISÃO E CORREÇÃO DOS RASCUNHOS: por parte dos alunos e, posteriormente, do professor,
em relação aos critérios combinados.
8. CONFECÇÃO DO CARTAZ OU PROGRAMA: ao passar a limpo, zelar pela correção do texto, a
realização tipográfica e gráfica, colorido, etc. indivi¬dualmente ou em grupo.
9. EXPOSIÇÃO COLETIVA DOS TRABALHOS: leitura, revisão, discussão e correção dos tra¬balhos
realizados. Em caso necessário, escolher-se-á o trabalho que será posteriormente editado.
10. EDIÇÃO, REPRODUÇÃO E DIFUSÃO DO TRABALHO: utilizando os meios técnicos pertinentes,
discutindo opções, plano de difusão, etc.
Outras atividades possíveis
• Leitura de um cartaz
• Escrita da data
• Escrita da agenda pessoal
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da lista dos nomes das crianças da mesa
Neste caso, o professor registra alguns dos objetivos que se propôs. Para a escrita do próprio nome:
1. Uso de letras e não de outros sinais gráficos.
2. Pôr todas as letras e na ordem adequada.
3. Conhecer o nome das letras de seu nome.
Em relação à escrita dos nomes de outras crianças:
1. Que recorra à observação do modelo, se precisarem (os cartões com os nomes das crianças que
estão em algum lugar da sala de aula).
2. Que escrevam os nomes em forma de lista vertical.
3. Que usem letras convencionais.
Finalmente, o professor deixa um espaço para registrar comentários sobre o uso de recursos para
resolver o problema da escrita dos nomes, etc.
• Pautas de avaliação para a atividade: leitura e classificação de uma lista de nomes comuns, conforme
critérios dados.
As crianças devem interpretar uma série de nomes e classificá-los em grupos (por exemplo, veículos
terrestres, marítimos e aéreos). O professor estabeleceu os seguintes objetivos:
1. Registrar o nível de escrita, considerando que podiam recorrer ao modelo que deviam ler.
2. Registrar o nível de leitura (início da decifração; decifração insegura e grau de compreensão que
alcançam; decifração completa e compreensão significativa de palavra).
3. Outros aspectos: escrita em lista vertical; aplicação correta do critério de classificação, caligrafia, tamanho, alinhamento da escrita, etc.
Exemplo de atividade – Confecção do cartaz que anuncia uma festa escolar. As crianças deveriam copiar os dados imprescindíveis: nome da escola, município, data, horário da festa na parte superior e escrever um ou dois slogans originais na parte inferior.
Modelo de pauta de avaliação da escrita dos nomes das crianças da mesa
Capítulo 3 - Textos Informativos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A finalidade dos textos informati¬vos é a de comunicar ou adquirir in¬formação geral sobre um tema, fato, etc. São textos organizados em frases e parágrafos e sua intenção é acessar informações gerais sem preocupação em aprofundar conhecimentos. Estão incluídos nesse tipo de textos todos os que se referem ao jornalismo: jor¬nais, revistas, folhetos, com suas di¬ferentes variedades (notícias, reporta¬gens, artigos diversos, anúncios, etc.). Também são incluídas as cartas (cor¬respondência), pois a maior parte das que enviamos tem como finalidade informar(se) sobre algo concreto. Tra¬balhar com o jornal gera preocupa¬ção nos professores pelo tipo de notí¬cia veiculada; catástrofes, acidentes, guerra, violência, etc. Deve-se lembrar que é preferível que o professor as comente criticamente ao invés de ignorá-las. Em relação aos anúncios comerciais o professor deve escolher os que lhe pareçam mais convenien¬tes. Os autores justificam a sua inclu¬são porque os anúncios fazem parte da realidade da maioria das crianças, em nossa sociedade e, além do mais, constituem tipos de texto adequados à crianças pequenas, por suas carac¬terísticas de brevidade, uso de modos e tempos verbais específicos, combinação de texto/imagem.
Características dos textos informativos
• Função
2. Conhecer, ou transmitir, ex¬plicações e informações de caráter geral.
3. Seu objetivo é compreender, ou comunicar, as caracte¬rísticas principais do tema, sem maior profundidade.
• Modelos
5. Jornais e revistas.
6. Livros de divulgação, fo¬lhetos.
7. Notícias.
8. Artigos e reportagens.
9. Anúncios e propaganda.
10. Avisos, anúncios públicos.
11. Correspondência pessoal ou comercial.
12. Convites.
13. Entrevistas.
• Conteúdo
1. Muito diverso, em função do tema (notícia, anúncios, cartas, etc.).
• Formato
1. Texto em prosa (com carac¬terísticas específicas de cada modelo).
• Gramática
1. Características morfológicas e sintáticas variáveis em função do modelo.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de sinais de aproxima¬ção ao conteúdo (títulos, fotos, imagens, tipo grafia, seções de jornais, etc.).
2. Identificação do tema da in¬formação.
3. Identificação da ideia prin¬cipal.
4. Identificação dos detalhes principais.
Características das notícias
• Conteúdo
1. Baseado em fatos reais, destacando os detalhes sig¬nificativos, com escassa opinião pessoal do escritor.
2. Estrutura clássica: o que* aconteceu, onde, quando, como, por que e que con-sequências tem.
3. Existem classificações te¬máticas das notícias: se¬ções do jornal.
Formato
1. Manchetes destacadas que resumem o essencial; lead (o que, qual, quando, onde e porquê do fato ocorrido); subtítulos. Tipografia relati¬va à importância da notícia.
2. Indicação de data e lugar da notícia. Assinatura, agência, correspondente.
3. Presença de fotografias, ou gráficos com sua legenda correspondente.
4. Escrita em colunas.
5. Na TV: formato dos noticiá¬rios, resumo inicial dos des¬taques. Ampliação posteri¬or acompanhada de ima¬gens filmadas. Possibilida¬de de comentários posteri¬ores em entrevistas, etc. Relação texto-imagem.
Gramática
1. Manchetes: frases curtas, sintéticas, com elementos para chamar a atenção do leitor e despertar sua curiosidade (voz passiva, verbos impessoais, supressão do verbo, deslocamento de sintagmas, jogos de pala¬vras, etc.),
2. Texto em formas nominais, com complementos de pre¬cisão (vocativos, adjetivos relativos, etc.), formas verbais com indicativos para expressar simultaneidade.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de elementos contex¬tuais (foto, imagens) como aproximação ao texto.
2. Uso do título como resumo da notícia.
3. Uso de subtítulos, legendas, data, etc., para ampliar a in¬formação do título.
4. Identificação do que acon¬teceu, como, onde, quan¬do, por que e consequên¬cias do acontecimento.
Esquemas didáticos: notícias
1. SELECIONAR situações em sala de aula nas quais seja jus¬tificado o uso de textos infor¬mativos diversos: notícias im¬portantes; revisar diariamente o jornal como rotina escolar; informações relativas ao tema que se está trabalhando; ela¬boração de murais, dossiês temáticos, etc.; notícias da ci¬dade ou bairro, etc.
2. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: apresentar o jornal na sala de aula como documento infor¬mativo escrito: o que é, para que serve, como é, o que traz, como se organiza o conteúdo (seções, formato, etc.), quais o aluno conhece, quem os lê, que conhecimentos prévios têm so¬bre jornais, etc. Dada à impor¬tância e complexidade deste tipo de texto, essa apresenta¬ção deverá ser feita em várias sessões ou de forma habitual, ou ao longo do ano em relação com o trabalho que será feito.
3. LEITURA DO JORNAL: é pre¬ferível que seja organizada como uma tarefa habitual e não-esporádica. Comentário das notíci¬as de atualidade, interessantes para o grupo, ou das notícias trazidas pelos alunos.
4. SELEÇÃO DA(S) NOTÍCIA(S):
a partir dos conhecimentos prévios dos alunos (da TV, do rádio, de comentários em casa, etc.), da leitura das manche¬tes por parte do professor, da observação de fotografias e ilustrações, etc.
5. LEITURA DA NOTICIA:
• Explicitar o objetivo da leitura: informar-se, comprovar infor¬mações, aperfeiçoar os dados, comparar notícias de diferen¬tes meios informativos, realizar uma atividade posterior, etc.
• Leitura da manchete por par¬te do professor ou de um alu¬no. Comentário, intercâmbio de ideias sugeridas pelo títu¬lo, observação de fotos. An¬tecipação e formulação de hi¬póteses sobre o conteúdo da notícia.
• Leitura da notícia por parte do professor, centrando a atenção das crianças nos as-pectos mais relevantes: o quê, como, quando, onde, quem, por que, consequências, etc.
• Recapitulação oral do que foi lido e comentado. Assegurar-se de que o grupo inteiro com¬partilha a informação básica.
6. ESCRITA:
• Explicitar claramente a fina¬lidade e os objetivos da ati¬vidade de escrita: registrar in¬formações relevantes para o jornal escolar, confecção de um mural, acompanhamen¬to de acontecimentos espe¬ciais, etc. Explicitar as instru¬ções e condições da ativida¬de: escrever a manchete, a legenda de uma foto, o cor¬po da notícia; fazê-lo individualmente, em duplas, etc.
Com ou sem ilustração, etc
a) Educação Infantil
• Formulação oral e coletiva do pré-texto que será escrito: tema de notícia, manchete ou legenda de foto. O professor guia facilita, participa no processe de construção compartilhada do texto. Apropriação do conteúdo do texto e de suas características.
• Escrita do texto, individual 01 em pequeno grupo.
• Leitura e revisão coletiva dos textos escritos; comentários pessoais sobre as notícias tra¬balhadas.
• Edição e/ ou arquivo.
b) Ensino Fundamental:
• Elaboração coletiva do pré-tex¬to, respeitando o esquema de composição das notícias e dos aspectos gráficos e tipográficos.
• Produção escrita da notícia, individual ou em grupo (a es¬crita de notícias se presta para o trabalho em duplas).
• Leitura coletiva dos textos es¬critos e revisão dos aspectos de coerência do texto, de precisão do conteúdo, de precisão de dados concreto da notícia, etc.
• Escrita passada a limpo.
• Edição, reprodução e / ou ar¬quivo.
Texto informativo / jornal
Outras atividades possíveis
• Observação dos jornais como meios de informação
• Escrita da legenda de uma foto que corresponde a uma notí¬cia comentada em aula
• Relacionar legendas com as imagens correspondentes
• Escrita da manchete de uma notícia
• Classificar manchetes de notí¬cias em função das seções do jornal
• Relacionar manchetes com o texto da notícia
• Leituras de uma notícia
• Escrita de uma resenha jor¬nalística: crítica de filmes, li¬vros, jogos etc.
Características dos anúncios
• Conteúdo
2. Mensagens breves, com for¬te carga persuasiva centra¬da nas virtudes do produto ou estabelecimento.
3. Presença de associações emocionais acrescentadas ao fato comercial.
4. Slogans e canções fáceis de lembrar. Valor da repetição.
5. Presença de imagens suges¬tivas junto ao texto.
• Formato
7. Variedade de recursos tipo¬gráficos para hierarquizar a informação.
8. Presença de logotipos.
9. Imagens, cores, grafismos, etc.
• Gramática
2. Textos sintaticamente simples; com frequência, lexicais, não-verbais. Semelhança com textos enumerativos.
3. Uso de formas de imperativo, obrigação ou necessidade.
4. Uso de condicionais e fu¬turos.
5. Uso de formas na segunda pessoa.
• Procedimentos de leitura
7. Identificação do tipo de produto e marca.
8. Identificação do argumen¬to utilizado.
9. Leitura da imagem em re¬lação ao argumento.
10. uso de classificações temáticas de anúncios (por tipo de produtos, anúnci¬os por palavras, etc.).
Esquemas didáticos: anúncios
1. SELECIONAR as situações fa¬voráveis para incorporar na aula os anúncios comerciais como elementos de comunica¬ção escrita: anúncios, slogans, logotipos, etc. de produtos de consumo pessoal e familiar, dos quais as crianças possu¬em conhecimentos pelos mei¬os de comunicação.
2. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: pelo professor e/ ou pe¬los alunos, selecionados de diferentes meios informativos.
3. EXPOSIÇÃO, LEITURA E OB¬SERVAÇÃO COLETIVA dos materiais apresentados. Identi¬ficação dos produtos e do conteúdo informativo do anúncio, a partir de elementos textuais e do contexto (meio de comuni¬cação de que se trata, presen¬ça de imagens, recursos tipo¬gráficos, etc.). Compartilhar coletivamente a informação.
4. INFORMAÇÃO DADA PELO PROFESSOR sobre as carac¬terísticas da mensagem publi¬citária; textos persuasivos ou argumentativos, articulação texto-imagem, recursos tipográfi¬cos, etc., de acordo com sua função comercial. Comentar criticamente aspectos consumistas, discriminatórios, etc.
5. EXPLICITAR AS INSTRUÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABA¬LHO: decidir o tipo de texto que será produzido, agrupamento de alunos, materiais, etc.
6. ELABORAÇÃO DO PRÉ-TEX¬TO que será escrito, levando em conta as condições estabelecidas. Apropriação do conteúdo do tex¬to e de suas características.
7. ESCRITA do texto e elabora¬ção do anúncio (recortar e co¬lar, ilustrar, reproduzir ou criar um novo logotipo, etc.).
8. EXPOSIÇÃO coletiva dos dife¬rentes trabalhos realizados. Lei¬tura, revisão e correção confor¬me os critérios estabelecidos.
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Outras atividades possíveis
• Diferenciação entre escrita e outras formas gráficas a partir da observação de anúncios ou embalagens.
• Interpretação de logotipos
• Leitura de anúncios publicitá¬rios
Características da correspondência
• Conteúdo
1. Explicação dos objetivos da carta, resposta que se es¬pera e de como se espera.
2. Em cartas pessoais: informa¬ção do vivido, fórmulas ca¬rinhosas, interesse pelo destinatário, etc. Possibili¬dade de incluir elementos li¬terários.
• Formato
1. Tipo de papel.
2. Data, destinatário, sauda¬ção, texto, despedida e as¬sinatura.
3. Envelope: endereço, reme¬tente, posição do selo, etc.
• Gramática
1. Formas sintéticas de corte¬sia: saudação, apresentação, despedida.. Verbos no presente, passado, futuro
e condicional.
2. Frequência de formas inter¬rogativas.
Procedimentos de leitura
1. Identificação do destinatá¬rio, data e remetente.
2. Identificação do tipo de carta (pessoal, comercial, oficial, informativa, petição, etc.).
3. Identificação do tema e cir¬cunstâncias importantes.
4. Identificação de fórmulas de cortesia, de apresentação e de despedida.
5. Identificação da resposta que se espera por parte do remetente.
Esquemas didáticos: correspondência
1. SELEÇÃO DE SITUAÇÕES:
Favoráveis para a realização de cartas para serem enviadas e para informar-se das mensa¬gens que são recebidas pelo correio.
2. OBSERVAÇÃO DE MODELOS:
De cartas convencionais: pes¬soais, petições, comerciais, in¬formativas, envio de documen¬tos, etc. que são recebidas na escola e em casa. Especial re¬ferência à finalidade comunica¬tiva do documento como crité¬rio de conteúdo do texto e dos aspectos gráficos de diagramação, fórmulas de cortesia, etc.
3. INTERCÂMBIO ORAL COLETIVO sobre as ideias pessoais e conhecimentos prévios sobre as cartas.
4. EXPLICITAR AS INSTRU¬ÇÕES, objetivos e condições da tarefa que será realizada.
5. LEITURA:
Por parte do professor.
• Data, remetente, apresenta¬ção, etc.
• Intercâmbio oral sobre expec¬tativas acerca da mensagem.
• Leitura comentada ("pensar em voz alta").
• Recapitulação do que foi lido.
• Anotação, no quadro, dos aspectos relevantes do que foi lido.
Por parte dos alunos:
• Intercâmbio oral sobre ex¬pectativas acerca da men¬sagem.
• Leitura coletiva do texto: atenção aos aspectos con¬vencionais da carta; aos as-pectos textuais e ao seu con¬teúdo.
• Anotação de aspectos rele¬vantes.
• Recapitulação do que foi lido.
6. ESCRITA:
• Explicitação das instruções, dos objetivos e das condi¬ções da atividade.
• Elaboração oral coletiva do pré-texto, no caso de todo o grupo realizar a mesma ati-vidade.
• Escrita do texto:
• Por parte do professor: acompanhar o ditado das crianças. Este escre¬ve o texto e intervém no processo de construção do mesmo.
• Por parte dos alunos, individualmente ou em grupo.
• Leitura coletiva, revisão e correção conforme critérios com¬binados: que a mensagem seja realmente inteligível para o destinatário; aspectos conven¬cionais, formato, fórmulas tí¬picas, ortografia, etc.
• Passar a limpo.
• Escrita do envelope, selo e envio.
Outras atividades possíveis
• Leitura, pelo professor, de uma carta recebida.
• Ditado de um aviso dos alunos ao professor.
• Escrita de um bilhete.
• Escrita de um convite.
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: ditar ao professor manchetes de notícias co-nhecidas.
Os seguintes objetivos são avaliados:
1. A participação no processo pré¬vio de elaboração oral e coletiva do pré-texto.
2. A contribuição com detalhes a partir do conhecimento da no¬tícia.
3. A coerência entre o texto que se propõe e a imagem que deve acompanhar a manchete (a foto da notícia).
4. O respeito pela estrutura linguís¬tica própria da manchete.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da manchete e da legenda da foto de notícias lidas em aula
Nesta pauta, o professor se propõe observar e registrar o grau alcançado pelos alunos nos seguintes objetivos:
1. Chegar à escrita alfabética.
2. Apropriar-se dos conteúdos ela¬borados no pré-texto.
3. Conseguir uma estrutura correta do texto que se escreve.
4. Completar e detalhar a informa¬ção.
5. Participar na atividade.
• Pautas de avaliação para a atividade: classificação de notícias por seções, num mural.
Neste caso, o professor se propõe observar e registrar as habilidades dos alunos em relação à leitura, o uso de indícios para a interpretação, o nível de decifração, de integração do sig¬nificado, etc.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita de uma no¬tícia para o jornal da aula
Neste caso, o professor acentua, ao avaliar, a importância de respeitar a estrutura completa da notícia e seu formato, além da atitude demonstra¬da na atividade.
CAPITULO 4 - Textos literários: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A literatura é uma fonte inesgotá¬vel de temas de trabalho e se justifi¬ca por si mesma. Não devemos es¬quecer que a principal intenção da literatura é produzir prazer. As ativi¬dades com textos literários devem proporcionar às crianças prazer ao lê-los e ao escrevê-los. É importante variar os gêneros literários trabalha¬dos em aula: os contos clássicos, poesia, teatro, histórias em quadri¬nhos, canções, adivinhações, etc. É preferível sempre trabalhar com livros de literatura infantil e com textos ori¬ginais. Esses textos trazem algumas construções literárias que familiarizam as crianças com a beleza da lingua¬gem escrita. Não se deve esquecer, também, dos textos e conteúdos fun¬damentais que atuam como referên¬cia cultural; a literatura é a melhor forma de se aproximar da diversida¬de cultural. Se as crianças ainda não podem ler sozinhas, o professor de¬verá ler para elas.
Características dos textos literários
• Função
1. Induzir no leitor sentimen¬tos e emoções especiais.
2. Entretenimento e diversão.
3. Comunicar fantasias ou fa¬tos extraordinários.
4. Lembrança de aconteci¬mentos e emoções vividas pelo grupo ou pela própria pessoa.
5. Transmitir valores culturais, sociais e morais.
• Modelos
1. Contos, narrações, lendas etc.
2. Poesia, refrõs, canções, adi¬vinhações, etc.
3. Teatro, fantoches, etc.
4. Histórias em quadrinhos e gibis.
• Conteúdo
1. Fórmulas consagradas de começar e terminar contos de princípio e fim (Era uma vez... Colorim, colorado, esta história está acaba¬da...).
2. Descrições de personagens e situações, ambientes, etc.
3. Narração de fatos vividos ou fantásticos.
4. Comunicação de sentimen¬tos e emoções.
• Formato
1. Composição de texto e ima¬gem em forma de livro, com capa, etc.
2. Valor da pontuação, para di¬ferenciar a narração do diá¬logo, por exemplo.
3. Poesia: organização em ver¬sos, estrofes, etc.
4. Possível utilização com ou¬tros recursos expressivos: teatro, música, dança, audiovisuais, etc.
• Gramática
1. Contos e narrações: formas sintáticas em 3a pessoa. Verbos no passado. Formas de discurso direto na 1a pessoa: diálogos. Figuras li¬terárias, etc.
2. Poesia: frequente alteração das estruturas sintáticas habituais. Efeitos de rima, estilo, figuras, etc.
Modelo de pauta de avaliação de ditar ao professor manchetes de notícias conhecidas
Procedimentos de leitura
1. Leitura silenciosa e pessoal.
2. Importância da entonação na leitura em voz alta, reci¬tação, etc.
3. Identificação do esquema narrativo: situação, conflito e desenlace.
4. Identificação de recursos literários especiais (estilo, fi¬guras, léxico, etc.).
Esquemas didáticos: pontos e narrações
1. ORGANIZAR a biblioteca lite¬rária da aula. Dispor de varie¬dade de gêneros literários in¬fantis e do maior número pos¬sível de textos literários de qua¬lidade. Estimular as famílias para que comprem bons livros infantis. Encorajar as crianças a trazerem, para a escola, li¬vros de sua casa. Levar as cri¬anças à biblioteca da escola, visitar outras bibliotecas públi¬cas, conhecer seu modo de funcionamento, etc. Habituá-las à leitura sistemática de li¬teratura na escola e em casa.
2. SELECIONAR o conto que será lido:
Se for a criança que o escolhe:
Observar os critérios que utiliza para escolher o conto. Pedir-lhe que justifique sua es¬colha. Estimulá-la a conside¬rar outros critérios para a es¬colha: diversidade de textos; comentários elogiosos dos co¬legas; ajudá-la a valorizar cri¬térios estéticos mais amplos sobre as ilustrações daqueles que utiliza espontaneamente; educá-la criticamente diante da influência da televisão e do consumismo na seleção de li¬vros, etc.
Se for o professor que o escolhe:
Considerar a qualidade do texto e das ilustrações. Sua adequação à idade e aos inte-resses dos alunos, sem menos¬prezar suas possibilidades. Sua adequação, talvez, em relação ao tema que se está trabalhan¬do na aula. Os valores que transmite em relação à solida¬riedade, à diversidade cultural, ao papel da mulher, etc.
3. OBSERVAÇÃO do conto: folheá-lo, ler o título, avaliar a capa, comentar as caracterís-ticas da edição (tipo de papel, grafia, etc.), olhar todas as páginas e suas ilustrações (conteúdo e qualidade); ante¬cipar o conteúdo do conto: seu tema e seus personagens, for¬mular perguntas sobre o que deve acontecer; elaborar hipó¬teses sobre o conteúdo, etc.
4. LEITURA:
Por parte do professor:
Explicação e/ou. leitura teatralizada do conto, entonação ex¬pressiva ajustando a voz às ca¬racterísticas do personagem, enfatizar as pausas, efetuar co¬mentários no decorrer da leitu¬ra do tipo "pensar em voz alta" em relação ao que se vai lendo: verificar as hipóteses antecipa¬das antes, reconhecer as surpre¬sas que se produzem, efetuar perguntas sobre o que se leu ou o que virá a seguir, manter a atenção das crianças, etc.
Por parte dos alunos:
Leitura individual silencio¬sa do conto, ou de fragmen¬tos do mesmo. Combinar a lei¬tura individual com a leitura em voz alta e, inclusive, com a lei¬tura de fragmentos por parte do professor, para poder com¬partilhar melhor as estratégi¬as de compreensão do texto e os diferentes objetivos da lei¬tura: verificar hipóteses, reco¬lher informação nova, recapi¬tular o lido, etc.
5. RECAPITÜLAÇÁO DO QUE FOI LIDO e reconstrução co-letiva do texto. Dá-se ênfase à compreensão do esquema nar¬rativo, às circunstâncias impor¬tantes para o desenvolvimen¬to da ação e para levar ao de¬senlace; às características relevantes dos personagens, à justificação do título, etc.
6. TAREFAS DE AMPLIAÇÃO DA LEITURA, se for o caso:
• Comentário de texto: aspec¬tos de conteúdo, valores mostrados, originalidade, etc. Aspectos estilísticos e literários: léxico, figuras literárias, repetições, onomatopéias, fórmulas de início e fi¬nal, aspectos gramaticais evi¬dentes, etc. Salientar a orto¬grafia no que couber: escrita de palavras difíceis, nomes dos personagens, etc.
• Memorização de fragmentos; de canções incluídas no tex¬to. Dramatização do conto em sala de aula, representar personagens, imaginar cená¬rios, paisagens, etc. Dese-nhar personagens, cenas, si¬tuações, etc.
7. TAREFAS DE ESCRITA E RE-ESCRITA DO CONTO:
Educação Infantil:
1. Ditado, das crianças para o professor, de fragmentos previamente selecionados:
o professor escreve no qua¬dro e lê o que vai escrevendo; as crianças controlam o que está escrito e o que
falta escrever.
2. Ordenar sequências de ima¬gens relativas ao texto, re¬construindo-o.
3. Escrita, pelos alunos, do tí¬tulo; dos nomes dos perso¬nagens; de expressões típi-cas imutáveis, etc.
4. Escrita, pelos alunos, de al¬guns fragmentos seleciona¬dos (previamente memori-zados) acompanhados de ilustrações.
Ensino Fundamental:
1. Explicitar a tarefa, condições da releitura, objetivos, etc. (se deve ser um resumo, todo o conto ou apenas uma parte dele; se devem fazê-lo sozinhos, em duplas ou em grupos, etc.).
2. Elaboração coletiva do pre¬texto, por fragmentos. Apropriação do conteúdo do texto e de suas características.
3. Reescrita do texto, a partir da elaboração anterior.
Leitura e revisão individual e coletiva dos trabalhos realizados. Correção dos mesmos conforme critérios estabelecidos, em relação a aspectos de coerência textual, composição e conteúdo do texto. NÃO CONSIDE¬RAR AQUI ASPECTOS DE CODIFI-CAÇÃO Ou ORTOGRÁFICOS que possam nos afastar do objetivo fun¬damental: aprender a estrutura e téc¬nica da composição literária.
Passar a limpo, se for o caso, reelaborando o texto a partir da correção. Em caso de edição do texto, para difundir posteriormente, pode-se fazer uma correção ortográfica fi-nal do texto que se passou a limpo, para deixá-lo perfeito.
Outras atividades possíveis
• Leitura de um conto pelo pro¬fessor
• Leitura do título de um conto conhecido
• Interpretação de imagens seqüenciadas para ordená-las posteriormente
• Completar títulos de contos conhecidos a partir de uma lis¬ta de palavras possíveis
• Relacionar uma lista de perso¬nagens ou títulos de contos co¬nhecidos com suas imagens.
• Dramatização de um conto conhecido
• Ditado de um conto conheci¬do, dos alunos ao professor.
• Escrita do título de um conto conhecido
• Completar o texto de um con¬to com lacunas
• Reescrita de um conto conhe¬cido a partir das imagens or¬denadas
• Reescrita de um conto conhe¬cido sem imagens
• Reconstrução de um conto conhecido
• Elaboração de uma sequência de imagens com diálogo a par¬tir de um conto conhecido
Esquemas didáticos: poemas e canções
1. Organizar a presença frequente e constante de poemas, canções, refrões, adivinhações, em aula.
2. Selecionar a poesia que será lida/escrita de acordo com as necessidades do grupo, com a qualidade do texto, o interes¬se do conteúdo, a adequação aos temas de trabalho, etc.
3. LEITURA EXPRESSIVA PELO PROFESSOR, enfatizando a rima, o ritmo, a musicalidade do poema. Comentário coletivo: sentido do poema, relação do sentido Com as imagens poéti¬cas, a beleza, o ritmo, a rima, etc. Comentar a estrutura do poema.
4. MEMORIZAÇÃO E RECITA¬ÇÃO. Na recitação do poema, respeitar o ritmo, a entonação, o respeito às características do poema, etc.
5. LEITURA /INTERPRETAÇÃO PELOS ALUNOS. Se o poema foi memorizado, a atividade de lê-lo é muito útil para a aprendi¬zagem das características do sis¬tema alfabético e da decodificação. Ao saber o que o poema diz, a criança pode deter-se na análise da relação entre o que diz e o que está escrito, vendo a correspondência entre o som e a escrita: tamanho, variedade, letras conhecidas, etc. Se o po¬ema não está memorizado, ao lê-lo, devem-se observar suas características: separação em versos; rima, estrofes, ordena¬ção especial da frase, etc. Além disso, a interpretação do poe¬ma requer com frequência
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS
explicações adicionais e comentá¬rio do sentido figurado, associ¬ações poéticas entre objetos e imagens, comparações, etc. um poema conhecido, ou memori¬zado, permite uma atividade muito rica, como a de recons¬truí-lo a partir dos fragmentos desordenados pelo professor, usando os indicadores textuais (maiúsculas, localizadores tem¬porais, etc.).
6. ESCRITA E REESCRITA DO POEMA
Em poemas memorizados:
Os menores podem escre¬ver o título, completar lacunas no texto, etc.
Após recordar o poema, recitando-o, pode ser escrito individualmente ou por duplas. A reescrita de poemas por du¬plas facilita o controle do que dita sobre a adequação do que se vai escrevendo, com correção entre iguais, no próprio processo de escrita.
Correção, passar a limpo, edição, se for o caso.
Criação de poemas originais:
Muitas vezes, os poemas li¬dos em aula possuem uma estrutura fácil e repetitiva: quadrinhas, poemas encadeados, adivinhações, etc. Após observar, discutir, comentar, etc. estas características, as crianças, a partir de cinco anos, podem escrever poemas origi¬nais à maneira do modelo, apli¬cando os mesmos recursos e características a outros obje¬tos e/ou situações.
Outras atividades possíveis
• Localizar uma palavra numa canção memorizada
• Reconstruir o título de uma canção a partir das palavras que o compõem
• Reconstrução de uma canção memorizada previamente apre¬sentada desordenada
• Completar as lacunas de um poema memorizado
• Completar refrões a partir do primeiro verso
• Ditado de uma canção em du¬plas de alunos
• Escrever poesias e versos ori¬ginais
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: explicação de um conto pelo professor e reelaboração oral em grupo
O professor registra o nível de compreensão oral, de expressão oral e de participação na atividade. Posteriormente, ao trabalhar com peque¬nos grupos, acrescenta-se a capaci-dade da criança para identificar e ordenar as imagens do conto. Dá-se também atenção à lembrança dos nomes dos personagens e de expres¬sões típicas do conto.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da lista de personagens do conto
O professor registra nesta pauta o grau de domínio do sistema alfa¬bético, a assimilação do formato ver¬tical próprio da lista e a exatidão do conhecimento dos nomes dos perso-nagens.
• Pautas de avaliação para a atividade: reescrita de um conto com imagens
Trata-se de uma atividade comple¬xa, que dura várias sessões e que se faz após vários rascunhos coletivos, uma vez que o texto é bem conheci¬do pelas crianças. Neste caso, o pro¬fessor, ao avaliar o resultado, considera uma série de aspectos:
1. Domínio do sistema alfabético.
2. Conteúdo (fidelidade ao texto original; coerência narrativa).
3. Características textuais (ade¬quação às imagens; diferenci¬ação do título, das fórmulas de início e final, dos diálogos).
4. Formato (distribuição do tex¬to, título).
5. Ortografia (separação de pala¬vras, uso de maiúsculas e pon¬tuação).
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita de um con¬to conhecido
Também nesta atividade o profes¬sor optou por registrar diversos as¬pectos referentes à coerência do texto e sua fidelidade ao argumento original; à coesão gramatical (tempos verbais, léxico específico, etc.) e aspectos ortográficos.
• Pautas de avaliação para a atividade: selecionar, entre vários, o título correto de um conto conhecido e sua pos¬terior escrita.
Neste caso, o professor propôs uma atividade individual com o objetivo de registrar o grau atual de domínio que a criança alcança nas habilidades de leitura e escrita, para tê-Ia como ponto de referência do trabalho realizado e do que fica por fazer na aprendizagem dos procedimen¬tos do sistema alfabético.
Modelo de pauta para avaliação da escrita de uma lista de nomes
CAPITULO 5-Textos expositivos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A presença de textos expositivos na aula pode ocorrer desde o início da aprendizagem escolar. A aprendizagem da leitura e a escrita, como instrumentos "para aprender" outros conteúdos escolares, não pre¬cisa acorrer separadamente da apren¬dizagem do sistema alfabético. Não se ensina primeiro a ler e escrever (código) para depois utilizar a leitura e escrita para aprender mais. Essas aprendizagens ocorrem simultanea¬mente. Tarefas como identificar o tema do texto, localizar a ideia prin¬cipal, fazer um resumo, escrever usan¬do termos precisos, enunciados bre¬ves, problemas aritméticos etc., não são difíceis se o conteúdo for ade¬quado aos conhecimentos prévios e às possibilidades de aprendizagem de nossos alunos. O trabalho com tex¬tos expositivos pode ser feito a partir da Educação Infantil: explicando a definição das palavras, lendo biogra¬fias, elaborando-se dossiês, comentando-se murais temáticos, explican¬do e comentando processos de fa-bricação, produção etc. Podem ser usados também: guias de classifica¬ção, livros infantis sobre animais, países, épocas históricas, etc.
Características dos textos expositivos
• Função
1. Compreender ou transmitir novos conhecimentos.
2. Estudar em profundidade.
• Modelos
1. Livros-texto, escolares.
2. Livros de consulta, divulga¬ção.
3. Artigos temáticos, relatórios.
4. Biografias.
5. Preparação de exposições orais e conferências.
6. Resenhas.
• Conteúdo
1. Definições e enunciados.
2. Descrições.
3. Explicação de processos.
4. Resumos.
5. Argumentações.
6. Hipóteses e discussão do resultados, etc.
7. Roteiros, índices, esquemas mapas semânticos, etc.
• Formato
1. Presença de títulos, subtítulos, gráficos, esquemas caracteres tipográficos (sublinhado, negrito, itálico etc.) de importância para compreensão o texto.
• Gramática .
1. Uso de um vocabulário preciso e rigoroso, que deve ser definido.
2. Predomínio de substantivos
3. Construções impessoais na 3a pessoa.
3. Grande importância semân¬tica dos nexos e partículas de relação (causa, consequ¬ência, modo, localiza
dores, quantificadores etc.).
• Procedimentos de leitura
1. Uso do título e subtítulos como resumo do tema e ideia principal.
2. Uso de recursos tipográficos para ressaltar aspectos importantes (sublinhado, nu¬meração, etc.)
3. Identificação do tema e da ideia principal.
4. Uso de técnicas de resumo.
5. Reconstrução do roteiro a partir das perguntas que podem ser respondidas com o texto.
6. Identificação de termos des¬conhecidos ou duvidosos.
7. Identificação de nexos e par¬tículas de relação.
Esquemas didáticos: descrições e relatórios
O texto expositivo mais comum é o que descreve aspectos da realida¬de, explica as propriedades e carac¬terísticas de objetos etc. Outros tex¬tos como: enumeração de dados, definições, quadros, esquema, po¬dem vir incluídos nos textos expositivos. Nos textos expositivos, a intenção do autor é transmitir a in¬formação do modo mais preciso e exaustivo possível, uma diferença entre o texto informativo e o expositivo está na intenção do leitor. Diante de um texto expositivo, o leitor quer um conhecimento completo, detalhado da informação, o que o leva a utilizar alguns procedimentos de leitura mui¬to diferentes dos que usa quando lê uma informação numa revista ou jor¬nal, um componente importante nos textos expositivos são as descrições científicas, resultado da observação sistemática da realidade. Às vezes, a descrição científica aparece isolada: nos guias, nos fichários e nos dicio¬nários temáticos. Outras vezes, apa-rece incluída em relatórios mais am¬plos, nos quais as descrições são acompanhadas de outro tipo de ex¬plicação, argumentação, apresenta¬ção de dados, discussão de possibi-lidades, etc.
1. SELECIONAR temas de estu¬do em aula.
2. EXPLICAÇÃO ORAL DO PRO¬FESSOR referente à importân¬cia do tema, sentido que tem seu estudo, ativação de conhecimentos prévios por parte dos alunos e informação geral das características mais relevantes do tema e do processo de es¬tudo em sala de aula.
3. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: leitura pelo professor, dos textos relacionados com o tema, comentando não apenas seu conteúdo, mas também as características textuais própri¬as de um texto expositivo: tema, ideia principal, roteiro de desenvolvimento do tema, etc.
4. ELABORAÇÃO DE ROTEI¬ROS E ESQUEMAS DE TRA¬BALHO: ao tratar de descre¬ver ou informar sobre um as¬pecto do tema, o seu roteiro deverá ser estabelecido previ¬amente. Pode ser um roteiro ou pauta de observação sistemá¬tica (de urna planta, um ani¬mal, uma pedra, etc.), ou pode ser um roteiro geral do tema, que pode ser proposto como um conjunto de perguntas cuja resposta se quer investigar.
5. REALIZAÇÃO DE TAREFAS DE ESTUDO: podem ser lei¬turas, observações, experimen-tos, busca de informação di¬versa, etc., cujo objetivo é o de responder às perguntas formu¬ladas no roteiro prévio.
6. PREPARAÇÃO DA ESCRITA E O PRÉ-TEXTO: com o roteiro como referência, recopila-se a informação coletada em relação a cada item, ordena-se, resu¬me-se, compõe-se um texto escrito adequado que servirá de modelo interno para a elabora¬ção do tema pelos alunos.
7. ESCRITA DO RASCUNHO DA DESCRIÇÃO Ou RELATÓ¬RIO: individual ou em peque-nos grupos e correção do mes¬mo, respeitando critérios de coerência do conteúdo, com¬pletar a informação, etc.
8. REELABORAÇÃO DE RAS¬CUNHOS e correção de aspec¬tos gramaticais, ortográficos e de formato e apresentação.
9. ESCRITA DO TEXTO FINAL.
Exemplo de atividade -Relatório de síntese sobre o corpo humano
Outros atividades possíveis
• Ditado dos alunos para o pro¬fessor de uma descrição
• Escrita de uma descrição
• Elaboração de um fichário des¬critivo temático
• Elaboração de mapas concei¬tuais como síntese da infor¬mação
Esquemas didáticos: definições
1. SELECIONAR as situações e os termos que devem ser defi¬nidos com certa exatidão. Os termos podem ser relativos ao léxico que se encontra em tex¬tos ou em explicações do pro¬fessor e que é desconhecido, ou pode referir-se a conceitos, objetos, características e pro¬priedades dos objetos, rela¬ções, operações, etc.
2. ANALISAR DIFERENTES TI¬POS DE DEFINIÇÕES e es¬tabelecer claramente o que se quer que as crianças façam:
• EXPLICAÇÕES FINAIS:
Evolutivamente, é o tipo de definição que aparece em primeiro lugar no pensamen-to infantil; em torno dos qua¬tro anos, a definição se con¬funde com a finalidade ou o uso: por exemplo, uma cadeira É (serve) PARA se sen¬tar. Este tipo de definição res¬ponde à pergunta: "Para que serve?".
• EXPLICAÇÕES DESCRITI¬VAS: Mais adiante, a partir dos cinco anos, as crianças definem os objetos descre¬vendo-os: "a cadeira tem quatro pernas, é de madei¬ra...". Respondendo assim, à pergunta:"Como é...?".
• DEFINIÇÕES CATEGORIAIS: São muito mais abstratas e difíceis. Neste tipo de definição já não se diz que "cadeira é uma coisa que...". Começa-se dizendo "a cadei¬ra é um móvel que...". É mui¬to interessante
ensinar a clas¬sificar e a etiquetar os con¬juntos que as crianças elabo¬ram. O importante é respei¬tarmos seus critérios de clas¬sificação e de justificação.
• EXPLICAÇÕES LÉXICAS:
Neste tipo de definições, lan¬ça-se mão de sinônimos ou antônimos para precisar o significado de uma palavra, ou então se expõem frases nas quais se usa o termo, cujo significado esclarece o sentido da palavra. Por exem¬plo, a tarefa de definir a ope¬ração de somar, em matemá¬tica, pode ser facilitada acrescentando-se termos equiva¬lentes a somar, como au¬mentar, ganhar, comprar, crescer, mais, etc.
• DEFINIÇÕES INTEGRA¬DAS: Nos dicionários, frequentemente, os termos são definidos juntando todos os critérios anteriores. Expli¬ca-se a que categoria perten-ce o termo, como é e para que serve; além disso, podem-se incluir sinônimos, antônimos, frases típicas em que se usa a palavra, etc.
Ao propor ou comentar definições, devemos guiar nossos alunos, escla¬recendo que tipo de definição lhes pedimos ou propomos.
3. DEFINIR PALAVRAS CONHE¬CIDAS. Constitui uma excelen¬te aprendizagem das caracte¬rísticas de uma definição. As respostas das crianças à per¬gunta - "Que é...?" - podem ser anotadas no quadro, agrupa¬das conforme o tipo de defini¬ção (categorial, final, descriti¬va, léxica, etc.) de que se tra¬te, comentadas e discutidas no grande grupo.
4. LEITURA de definições corretas pelo professor ou pelos alu¬nos.
5. ESCRITA de definições previa¬mente pensadas e discutidas, individualmente, em dupla ou em pequenos grupos, etc.
6. CORREÇÁO e revisão das de¬finições produzidas pelas cri¬anças, respeitando os critéri¬os previamente estabelecidos e combinados.
7. PASSAR A LIMPO, editar e colecionar (no dicionário de aula, na caderneta de defini-ções, etc.).
Atividades possíveis
• Leitura de definições
• Completar definições com la¬cunas
• Escrita da definição de deter¬minados objetos
• Elaborar um dicionário de aula
Esquemas didáticos: resenhas
Consideramos resenha o texto expositivo que contém uma enume¬ração de passos convenientemente descritos e hierarquizados para dar conta de algo observado ou realiza¬do. Assim, por exemplo, resenhar um passeio ou visita, enumerando as eta¬pas e atividades realizadas; materiais necessários para realizar uma expe¬riência etc. A sequência temporal ou de processo é a característica dife¬rencial da resenha em relação, por exemplo, a um relato. Modelos de resenhas: itinerários, biografias, fichas de experiências ou de laboratório, etc
As atividades sobre este tipo de tex¬tos estão incluídas, habitualmente, em tarefas mais amplas, sejam pro¬jetos de trabalho, sejam dossiês temáticos, ou no conjunto de atividades escolares em tomo de um tema. Em cada caso, conforme o nível escolar, o objetivo ou o contexto ia atividade, o professor determinará a estrutura do texto, os critérios a serem usados, o formato e o roteiro da resenha.
1. SELECIONAR as situações adequadas para a realização de resenhas. Por exemplo, visita ao zoológico ou aquário, pas¬seio no campo para coletar materiais, escritórios, empre¬sas, parques naturais, etc.
2. COMENTAR MODELOS trazi¬dos pelo professo/alunos de re¬senhas semelhantes à proposta.
3. DECIDIR a estrutura, o roteiro prévio, o formato, os objetivos, etc. da atividade.
4. EXPLICITAR A RECOMENDA¬ÇÃO: as condições de realiza¬ção, a sequência de tarefas etc.
5. ATIVAR CONHECIMENTOS PRÉVIOS sobre o tema a ser tratado: aspectos interessantes a observar; compartilhar esses conhecimentos e recapitulá-los ordenando as ideias do grupo; avaliar esses conhecimentos prévios, formular questões que as crianças terão que respon¬der na resenha e, se for o caso, estabelecer hipóteses prévias sobre os resultados (de uma experiência, por exemplo).
6. ELABORAÇÃO COLETIVA DO PRÉ-TEXTO.
7. ESCRITA da resenha, em pe¬quenos grupos, com a presen¬ça do professor o que facilita a construção do texto.
8. LEITURA E REVISÃO dos re¬sultados, respeitando os crité¬rios estabelecidos (roteiro pré¬vio, formato, estrutura, etc.). Refazer a resenha e PASSAR A LIMPO. Incorporação da re¬senha ao dossiê, pasta, etc. correspondente.
Exemplo de atividade - Escrita dos aspectos relevantes de uma biografia.
Outras atividades possíveis
• Escrita da resenha de uma ati¬vidade: passeio escolar
• Resenha de um processo na¬tural (crescimento de uma planta ou animal)
• Escrita da resenha de uma ex¬periência
Esquemas didáticos: dossiês
Consideraremos o DOSSIÊ como uma recopilação de documentos rea¬lizados ou estudados pêlos alunos no contexto de um projeto. O dossiê in¬clui, habitualmente, documentos, como definições, resenhas, ilustra¬ções, resumos, fichas de trabalho, tex¬tos enumerativos, informativos, expositivos, prescritivos e / ou literári¬os. A elaboração do dossiê requer ta¬refas adicionais: elaboração da capa, índices, encadernação, títulos, etc.
1. SELECIONAR as situações adequadas para a realização de dossiês.
2. DECIDIR as condições da ati¬vidade: organização e critérios de ordenação dos materiais; elaboração de roteiros ou ín¬dices, títulos e subtítulos, pa¬ginação, encadernação, etc.
3. REVISÃO dos trabalhos reali¬zados que serão incorporados ao dossiê e revisão dos con¬teúdos correspondentes para reconstruir mentalmente o conjunto de tarefas.
4. EXPLICITAR AS INSTRU¬ÇÕES concretas para a elabo¬ração das atividades.
5. ELABORAR RASCUNHOS, individualmente, ou em grupo.
6. LER E REVISAR os rascunhos: em relação aos critérios com¬binados e em relação aos as¬pectos ortográficos e formais.
7. PASSAR A LIMPO.
8. REVISAR OS TRABALHOS, editar e encadernar.
Exemplo de atividade – Elaboração de um dossiê sobre a vida pré-histórica
Esquemas didáticos: leitura de textos expositivos
São tarefas necessárias para ga¬rantir a compreensão dos textos expositivos:
1. Definição do vocabulário técnico
2. Identificação correta do tema
3. Identificação da(s) idéia(s) principal(is)
4. Identificação de um bom resu¬mo do texto
5. Elaboração de um bom resumo
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: elaboração oral coletiva da descrição de um pás¬saro (o professor a escreve)
O objetivo da pauta é registrar, no grupo, o grau de reconhecimento dos nomes de pássaros a partir das imagens, a contribuição de cada aluno em relação às características físicas do pássaro que é descrito, a classificação dos traços em categorias e a atitude na atividade. A atividade é re¬alizada em pequenos grupos, o que facilita o registro exaustivo.
• Pautas de avaliação para a atividade: leitura individual de definições sobre temas es¬tudados
Nesta pauta, o professor diferen¬ciou os conhecimentos prévios do aluno sobre o tema e seu grau de compreensão do texto lido. Também se propôs a registrar a qualidade da explicação e argumentação que a criança consegue fazer de suas própri¬as interpretações.
• Pautas de avaliação para a atividade: elaboração de um relato sobre a visita a uma exposição
O professor se propôs a avaliar três momentos do processo de escrita: a preparação, a escrita - na qual priorizará o conteúdo - e a correção de aspectos convencionais (formato, apresentação, etc.).
CAPITULO 6-Textos prescritivos: característica, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
Os textos prescritivos são os que contêm informação acerca do modo de realizar uma atividade: são instru¬ções. Há instruções nos trabalhos manuais, nos jogos, no uso de apa¬relhos, nas receitas culinárias, nos regulamentos. Esse tipo de texto re¬quer maneiras específicas de ler que precisam ser ensinadas na escola.
Características dos textos prescritivos
• Função
1. Regular de forma precisa o comportamento humano para a realização de algum objetivo.
• Modelos
2. Instruções escolares.
3. Receitas culinárias.
4. Regulamentos, códigos, normas: de jogo, de com¬portamento, etc.
5. Instruções de utilização de materiais, aparelhos, etc.
6. Instruções para a realização de trabalhos manuais, etc.
• Conteúdo
1. Explicação detalhada de como fazer determinada tarefa.
2. Presença de gráficos e sig¬nos para ilustrar o conteúdo.
• Formato
1. Texto em prosa, diferencia¬do graficamente do restante do texto (por exemplo, da enumeração de materiais necessários).
2. Uso de formas de ordena¬ção e esquematização: nu¬meração dos passos a se¬rem seguidos, roteiros, etc.
• Gramática
1. Frases curtas e precisas, uso de léxico específico do tema, especialmente verbos de ação.
2. Uso de formas impessoais no presente ou da 2a pes¬soa no imperativo.
3. Importância de partículas temporais para ordenar a sequência de ações.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de imagens, gráficos e ilustrações como comple¬mento da informação tex¬tual.
2. Identificação das etapas do processo temporal (a qual é o primeiro, o seguinte, etc.).
3. Identificação e compreensão dos verbos de ação.
4. Procedimentos de consulta no transcurso da realização da tarefa.
Esquemas didáticos: textos prescritivos
1. SELEÇÃO do contexto e da si¬tuação favorável para o uso e ou produção deste tipo de tex¬to em relação a uma necessi¬dade concreta do trabalho da sala de aula.
2. COMENTÁRIO DE MODELOS
convencionais sobre o tema selecionado para permitir extrai: a informação necessária sobre suas características gráficas e linguísticas e ativar os conhe-cimentos prévios dos alunos sobre o tema que será tratado
3. EXPLICITAÇÃO DA RECO¬MENDAÇÃO e dos critérios de ordenação lógica do texto, de modo que permitam uma fácil interpretação de como realizar corretamente a atividade pro¬posta.
4. ELABORAÇÃO ORAL COLETIVA DO PRÉ-TEXTO, considerando:
1. Estrutura em blocos: lista de ingredientes ou materiais processo de elaboração, etc.
2. Uma ordenação, numerada caso se prefira, das tarefas seqüenciadas que são requeridas para a realização correta.
3. Uma organização sintática comum: oração simples, mesmos tempos e pesso¬as verbais, etc.
4. Características morfológicas concretas: uso de verbos de ação no infinitivo ou impe¬rativo (Ex: a ordem: recor¬te e cole).
5. ESCRITA
Por parte do professor:
• Construção coletiva do tex¬to, seguindo as pautas do pré-texto.
Por parte dos alunos:
• Na Educação Infantil, nor¬malmente, é proposta a es¬crita do primeiro bloco: a lista de ingredientes ou materiais de acordo com as pautas de escrita de listas de nomes co-muns.
• Produção individual, em du¬plas ou em grupo, seguindo as pautas do pré-texto e da instrução.
Texto prescritivo
6. EXPOSIÇÃO COLETIVA, LEI¬TURA E REVISÃO DO ES¬CRITO. Confrontação de dife-rentes produções sobre o mes¬mo tema.
7. CORREÇÃO COLETIVA, centrada em aspectos como completar o conteúdo, reorde¬ná-lo, especificar os verbos utilizados, os localizadores tem¬porais e espaciais, etc.
8. PASSAR A LIMPO, EDI TAR E INCORPORAR os materiais ao dossiê, pasta, etc. correspon¬dente.
Outras atividades possíveis
• Escrita da lista de ingredien¬tes de uma receita
• Escrita de uma receita culi¬nária
• Leitura das instruções de um trabalho manual
• Leitura de uma receita culiná¬ria
• Seleção do menu a partir da leitura de um livro de receita
• Relacionar receitas com seus títulos ou com os ingredientes
• Escrita de instruções para a manipulação de material de aula (aquário, biblioteca, labo¬ratório etc.)
• Leitura e/ou escrita das regras de um jogo
• Escritas de acordos feitos numa reunião de aula
CAPITULO 7 - Organização da atividade em projetos
Os projetos são excelentes formas de articular as situações de aprendi¬zagem. Um aspecto característico dos projetos é o protagonismo dos alu¬nos na decisão e gestão da tarefa. Alguns temas que podem ser traba¬lhados na Educação Infantil e no ciclo inicial do Ensino Fundamental:
• O corpo humano
• O universo
• Os dinossauros
• Os jogos Olímpicos
• Reciclagem do lixo doméstico
• Elaboração, edição e distribui¬ção de um jornal escolar.
Após a escolha do tema a discus¬são se centra em desenvolver um ro¬teiro com os conteúdos que podem ser desenvolvidos. Geralmente o ro¬teiro proposto inicialmente sempre pode ser melhorado no decorrer da atividade.
No processo de trabalho novos temas, novas perguntas, etc. são incorporados. Ao longo do pro¬cesso de realização do projeto sur¬gem tarefas muito diversas que po¬dem chegar a incluir todas as tipologias de texto.
Murais relacionados com temas de projetos trabalhados em aula
As revistas escolares
A edição de revistas escolares tem grande importância na proposta de linguagem que é apresentada nestes materiais. É um projeto que contri¬bui para dar sentido e funcionalida-de a uma parte das tarefas de lingua¬gem. É uma situação motivadora no sentido de conseguir produções de maior qualidade (afinal vamos publi¬car!). A introdução nas escolas do computador permite que os próprios alunos participem diretamente de toda a editoração: leitura de imagens com scanner, paginação em colunas ou com molduras, edição do texto e correção na tela etc. As revistas mos¬tradas possuem seções va¬riadas: capas, sumários, notícias, re¬portagens, passatempos, receitas, meteorologia etc. A maioria dessas produções foram feitas com papel A3 de modo que o formato se asseme-lha ao de um jornal.
2. DOLZ , J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
Luciana Cristina Salvatti Coutinho
Pedagoga pela Faculdade de Educação da Unicamp. Mestranda em Filosofia e História da Educação pela FE/Unicamp. Membro do grupo de estudos e pesquisas HISTEDBR.
Este livro reúne um conjunto de nove artigos de Schneuwly, Dolz e colaboradores, traduzidos e organizados por Rojo e Cordeiro, cuja análise centra-se no texto como “a base do ensino-aprendizagem de língua portuguesa.” (p.7).
1 Apresentação: Gêneros Orais e Escritos como objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer.
Foi na década de 1980, no Brasil, que estudos e práticas pedagógicas começaram a serem desenvolvidas tendo o texto como fundamento. De lá para cá, o texto, na maioria das vezes, vem sendo tomado como um objeto empírico através do qual se efetivam práticas de leitura, análise lingüística e produção de textos. Inserindo-se no rol de estudiosos do tema que criticam essa abordagem limitada do uso do texto, as organizadoras esclarecem que, a partir do século XXI, novas pesquisadas vêm sendo produzidas sobre leitura e produção de textos. Esses novos estudos, cujos autores dos artigos que compõe essa coletânea são representativos, fundamentam os atuais PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) orientando que, agora, “trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as propriedades formais que dão suporte a fundamentos cognitivos.” (p.11).
Os PCNs, como referenciais, objetivam apresentar os princípios e fundamentos nos quais deve se pautar a ação docente no ensino da linguagem oral e escrita e acabam apresentando dúvidas, aos professores, em como organizar o trabalho de ensino-aprendizagem com base nessas novas idéias. Eis a importância e o motivo principal da organização da presente obra, cujo objeto consiste em discutir modos de pensar e fazer a fim de orientar o trabalho docente.
2 Gêneros e Tipos de Discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas.
Este artigo foi escrito por Bernard Schneuwly e objetiva classificar as tipologias textuais de modo que ajude no processo de aquisição das diferentes formas de discurso.
Fundamentando-se em Vygotski, o autor define o gênero como um instrumento, de caráter psicológico, mediador do processo de aprendizagem da criança na leitura e na escrita possibilitando, assim, novos conhecimentos e novas ações. Gênero, por sua vez, de acordo com Bakhtin, tem um sentido amplo: são os diferentes tipos de textos orais e escritos que os sujeitos utilizam, socialmente, de acordo com funções definidas pelo contexto vivido. Cada gênero lingüístico possui determinadas características: 1.para cada situação social definida é elaborado um tipo específico de enunciado; 2.cada gênero apresenta conteúdo, estilo e composição própria; 3.a definição de cada gênero se dá em função da temática em foco, dos participantes envolvidos no contexto e na vontade do locutor. Desse modo, pode-se inferir que há uma relação de interconexão e dependência entre gênero e contexto que cria uma dupla necessidade: conhecimento do gênero em si e, também, do contexto do qual é expressão e ao qual se destina. Nas palavras de Schneuwly, “a ação discursiva é, portanto, ao menos parcialmente, prefigurada pelos meios.” (p.28).
O desenvolvimento lingüístico dos sujeitos se dá por um processo de continuidade e ruptura através dos usos de gêneros primários e secundários (categorias utilizadas por Bakhtin), ou seja, através de discursos que se originam de situações espontâneas (primários) ou de comunicações culturais (secundárias). A primeira se caracteriza, essencialmente, por discursos orais e o segundo por escritos envolvendo produção artística, científica e sociopolítica. Os gêneros primários constituem-se no nível real de desenvolvimento lingüístico das crianças (zona de desenvolvimento real) que, a partir deles, é possível desenvolverem os gêneros secundários através de intervenção sistemática (zona de desenvolvimento proximal). Por isso afirma-se, no texto, que “os gêneros primários são os instrumentos de criação dos gêneros secundários” (p.35).
Após esse percurso de análise, Schneuwly defende a tese de que a diversidade de tipos de textos aos quais as crianças são expostas possibilita a passagem dos gêneros primários para os secundários, constituindo-se, assim, “construções necessárias para gerar uma maior heterogeneidade nos gêneros, para oferecer possibilidades de escolha, para garantir um domínio consciente dos gêneros, em especial daqueles que jogam com a heterogeneidade.” (p.38).
3 Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para uma reflexão sobre uma experiência Suíça (Francófona)
Este artigo foi escrito por Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly e relata a experiência de elaboração de um currículo para o ensino da expressão oral e escrita em escola na Suíça Francófona.
Fundamentados em Coll (1992), os autores defendem que “um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino, informações concretas sobre os objetivos visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação.” (p.43) Na elaboração de uma proposta curricular para a linguagem oral e escrita deve-se levar em conta, também, a progressão, ou seja, a ordem temporal que deve seguir o processo de aprendizagem. Há uma tripla ordem temporal: a que se define em função dos objetivos propostos para cada série escolar, a que se destina às finalidades de cada ciclo e, ainda, à referente a cada unidade de ensino. A elaboração do currículo progressivo deve fundamentar-se na premissa vigotskiana de que a aprendizagem alavanca o processo de desenvolvimento das funções superiores dos sujeitos, incluindo, aqui, a linguagem.
Para a organização do trabalho, os professores devem levar devem partir de três fatores: “as especificidades das práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela sequência didática” (p.51). As sequências didáticas referem-se aos módulos de ensino dispostos sequencialmente a fim de levar o aluno a alcançar, ao final do processo, os objetivos propostos no planejamento pedagógico.
O desenvolvimento das capacidades lingüísticas das crianças se constitui, em parte, por um processo de reprodução de modelos socialmente legitimados. Estratégias sistemáticas e intencionais do processo de ensino-aprendizagem são necessárias para garantir o domínio desses instrumentos sociais por parte dos aprendizes. Cabe, portanto, à escola, e aos professores, essa tarefa.
Que critérios utilizar para a elaboração e desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem das expressões orais e escritas, na escola? “Nesse processo, o critério a privilegiar para tomar decisões é o da validade didática: as possibilidades efetivas de gestão do ensino proposto, a coerência dos conteúdos ensinados, assim como os ganhos de aprendizagem.” (p.67)
4 Os Gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino
A idéia central desse artigo escrito por Schneuwly e Dolz é “de que o gênero é (...) utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, mais particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos” (p.71).
As práticas sociais se dão nas relações que os sujeitos estabelecem ente si (relações sociais) de diferentes formas, sendo a linguagem uma delas. As diferentes expressões orais e escritas, suas formas, estilos, funções emergem das práticas sociais e se materializam em diferentes tipos de textos ou, em palavras mais técnicas, gêneros lingüísticos. É na escola que as expressões lingüísticas usadas nas práticas sociais são apropriadas pelas crianças. Esse processo de apropriações ocorre através dos diferentes gêneros lingüísticos.
Ao ser transposto ao ambiente escolar, o gênero é, além meio de comunicação, objeto de ensino-aprendizagem, transformando-se, portanto, em gênero escolar. O autor destaca três vertentes de práticas pedagógicas que enfocam um dos aspectos constitutivos do processo de apropriação da linguagem: a) desaparecimento da comunicação que resulta da redução dos gêneros em objetos de ensino esvaziados de suas funções sociais; b) a escola como lugar de comunicação, vertente na qual a própria instituição é tida como lugar de comunicação e, portanto, como espaço e finalidade da produção e uso de textos; c) negação da escola como lugar específico de comunicação, abordagem que nega a escola como parte da prática social geral buscando, assim, transpor, de forma direta, as expressões orais e escritas utilizadas na sociedade para o interior da escola.
Contrapondo-se a essas correntes que geram práticas limitadoras de ensino-aprendizagem da linguagem, o autor defende que os gêneros são “objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem” (p.80).
É apontada a necessidade de construir modelos didáticos de gêneros a partir dos quais seja possível elaborar sequências didáticas que possibilitem a apropriação dos gêneros pelas crianças sendo necessário o estudo das dimensões passíveis de serem ensinadas a respeito de cada gênero lingüístico. Para tanto, o autor propõe três princípios orientadores da elaboração desses modelos: a) legitimidade: que consiste em analisar os conhecimentos produzidos pelos especialistas sobre os gêneros; b) pertinência: refere-se “às capacidades dos alunos, às finalidades e aos objetivos da escola, aos processos de ensino-aprendizagem” (p.82); c) solidarização: tornando “coerentes os saberes em função dos objetivos visados” (p.82).
5 Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento
Buscando responder a pergunta “Como ensinar a expressão oral e escrita?” (p.95), esse texto de Joaquim Dolz, Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly, propõe a sequência didática como uma estratégia adequada para elaboração do processo de ensino-aprendizagem, compreendendo “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p.97). É sugerido um modelo de sequência didática contendo quadro momentos distintos mas articulados e interdependentes que serão apresentados a seguir.
1. Apresentação da situação: essa etapa é crucial pois é aqui que serão definidos o contexto, a forma e conteúdo do gênero a ser estudado e produzido envolvendo duas ações. A primeira refere-se a situação de comunicação e a escolha do gênero e a segunda diz respeito aos conteúdos a serem trabalhados. Para ajudar na preparação da primeira ação, são apresentadas 4 questões que devem necessariamente, serem respondidas: “Qual é o gênero que será abordado? A quem se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará da produção?” (p.99/100). A segunda dimensão refere-se ao tema e possíveis subtemas que serão abordados.
2. Primeira produção: Os alunos farão uma produção oral ou escrita dependendo do gênero que será trabalhado. Essa produção tem uma dupla importância: para os alunos será o momento de compreender o quanto sabem do gênero e do assunto a serem estudados e, ainda, se entenderam a situação de comunicação à qual terão de responder; para os professores tem o papel de analisar o que os alunos já sabem, identificar os problemas lingüísticos do gênero que deverão ser enfocados e definir a sequência didática.
3. Módulos: A quantidade e conteúdo dos módulos de ensino devem ser definidos de acordo com as informações colhidas pelo professor da primeira produção dos alunos. Cada módulo deve contemplar problemas específicos do gênero em questão a fim de garantir melhora dos alunos na compreensão e uso da expressão oral ou escrita estudada.
4. Produção final: Após o processo os alunos deverão realizar uma produção que demonstrará o domínio adquirido ao longo da aprendizagem acerca do gênero e do tema propostos e permitirá ao professor avaliar o trabalho desenvolvido.
Os autores esclarecem, contudo, ao final do texto, que “as sequências devem funcionar como exemplos à disposição dos professores. Elas assumirão seu papel pleno se os conduzirem, através de formação inicial ou contínua, a elaborar, por conta própria, outras sequências.” (p.128)
6 Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da linguagem oral
Este texto é de autoria de Bernard Schneuwly, fruto de uma Conferência no Programa de pós-graduação em Lingüística Aplicada e estudos da Linguagem (Lael) da PUC-SP, proferida em 1997. Sua tese é de que é possível trabalhar o ensino da linguagem oral materna na escola através de uma nova relação da linguagem.
Analisando a história do ensino da linguagem na escola, especificamente acerca da relação entre o oral e o escrito, o autor analisa criticamente duas vertentes comuns que orientam o processo de ensino-aprendizagem para, ao final, propor um caminho possível para se trabalhar a linguagem oral na escola.
A primeira abordagem discutida é aquela na qual os alunos são levados a desenvolver habilidades linguísticas orais tendo como referência a norma da linguagem escrita culta. São enfocados, aqui, as dimensões estruturais da linguagem (fonológicas, sintáticas, lexicais) e não trabalhados outros aspectos relevantes na linguagem oral como, por exemplo, os argumentos e a estrutura textual utilizados pelo aluno.
A segunda referência aborda a linguagem oral como uma expressão em si mesma bastando, apenas, que o aluno tenha espaços nos quais se expresse oralmente acerca de seus sentimentos. Não há, portanto, nessa concepção, objetivos didáticos estabelecidos para a linguagem oral na escola.
Schneuwly propõe que o trabalho da linguagem oral assuma uma outra dimensão na instituição escolar objetivando levar os alunos de uma oralidade espontânea a uma expressão oral gestada, ou seja, pensada e planejada intencionalmente pelos sujeitos em interlocução. Essa mudança do rumo que adquire a oralidade pressupõe uma certa ficcionalização, ou seja, uma elaboração abstrata de situações envolvendo quatro parâmetros: “enunciador, destinatário, finalidade ou objetivo, lugar social” (p.144).
7 O oral como texto: como construir um objeto de ensino
Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly escrevem este artigo com a colaboração de Sylvie Haller com o intuito de constituir a expressão oral em objeto de ensino em função da centralidade que ele ocupa nas práticas sociais desde a mais tenra idade até a fase adulta. Para tanto, é imprescindível definir, clara e objetivamente, quais são as características da linguagem oral que devem ser ensinadas. A partir da sua definição é possível traçar estratégias de ensino mais adequadas para o desenvolvimento das habilidades orais dos alunos.
A primeira dimensão do oral é de que ele consiste numa linguagem falada com entonação, acentuação e ritmos próprios envolvendo um aparelho fonador interligado com o aparelho respiratório, através dos quais se emitem sons articulados em fonemas (vogais e consoantes) combinados de modo a formarem sílabas. O oral pode ir do espontâneo que consiste numa fala improvisada diante de uma situação imediata vivenciada à escrita oralizada referente à vocalização de um texto escrito através da leitura ou do recital. A oralidade tem como marca, também, a linguagem corporal, através de mímicas, gestos, expressões faciais.
Outra questão a considerar é da relação entre oral e escrita. A linguagem, para os autores é um sistema global que envolve tanto a oralidade e a escrita. O que define qual expressão será usada (oral ou escrita) é a situação comunicacional na qual se está inserido. Assim, tomar o oral como objeto de ensino pressupõe que se conheça e compreenda as práticas orais e os saberes e linguísticos nelas implicados.
Toda relação comunicacional produz um texto entendido como “uma unidade de produção verbal que veicula uma mensagem organizada linguisticamente e que tende a produzir um efeito de coerência sobre seu destinatário” (p.169). Selecionar diferentes textos (orais) utilizados socialmente tornará o ensino mais significativo para os alunos e professores. Além da expressão oral propriamente dita, os autores consideram que a outra dimensão dessa expressão lingüística – a oralização da escrita – também é importante na apropriação por parte dos alunos das práticas e atividades lingüísticas socialmente construídas e legitimadas pela sociedade. Sugere-se, assim, também o trabalho com recitação, teatro e leitura para os outros.
Quais gêneros orais ensinar na escola? O papel da escola, para os autores, é o de instruir mais do que de educar a escolha dos textos deve-se recair, sobretudo, nos de caráter público formal, ou seja, aqueles frutos (e utilizados) de situações públicas formais (conferência, debate, entrevista jornalística, entre outros). Além disso, as expressões orais utilizadas nas situações públicas convencionais são mais complexas e requerem uma intervenção didática intencional para que seja possível sua apropriação e uso consciente e intencionalmente.
Cabe ao professor, portanto, conhecer os gêneros orais oriundos de situações públicas formais e fim de transformá-los em objetos de ensino através de sequências didáticas cujos princípios e proposta de um modelo são apresentados no artigo intitulado “Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento”.
8 Em busca do culpado. Metalinguagem dos alunos na redação de uma narrativa de enigma
Com o intuito de analisar “o papel das atividades metalingüísticas no ato de escrita, por meio do exemplo da narrativa de enigma” (p.190), Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly escrevem este artigo baseado em uma pesquisa realizada com um grupo de alunos, organizados em pares, produzindo uma narrativa de enigma (narrativa de um crime e seu processo de investigação). A escolha desse gênero fundamenta-se no fato de que, para escrever um texto desse tipo é necessário buscar compreender como ele se estrutura a fim de seguir seu “modelo” objetivando construir a narrativa.
A pesquisa foi realizada com um grupo de 24 pré-adolescentes subdividido em duplas. Das 12 duplas formadas, 8 foram submetidas a uma sequência didática na qual foram abordados alguns aspectos do gênero a ser trabalhado, além das instruções acerca do texto a ser produzido. As outras 4 duplas receberam somente as instruções para a realização do texto. Todas as duplas receberam um texto-base contendo o início da história informando acerca do crime cometido e um parágrafo final genérico no qual não aparecia o culpado do crime. A proposta consistia em completar a história.
Dos resultados obtidos, verificou-se que, a maioria das duplas realizou uma certa discussão acerca dos elementos principais que devia conter um texto de enigma sendo que, grande parte deles foram dos que participaram da atividade didática que precedeu a elaboração do texto.
Algumas conclusões ainda que iniciais, dado a amostra limitada que foi trabalhada na pesquisa, foram apresentadas:
1. A observação dos alunos durante o processo de elaboração de um texto permite estudar as atividades metalingüísticas por eles desenvolvidas;
2. O texto-base foi uma estratégia que colaborou para o desenvolvimento da proposta;
3. Uma das noções discutidas pelos alunos e que, nas narrativas enigmáticas é de suma importância, é de culpado;
4. A narrativa de enigma a ser elaborada possibilitou o surgimento de problemas relacionados com esse gênero lingüístico. Além disso, a elaboração da intriga, elemento central desse gênero literário, precisa de um trabalho sistemático que alavanque, nos alunos, a discussão sobre essa questão;
5. Dividir a classe em dois grupos – um que foi alvo de um trabalho didático e outro que não – possibilitou verificar o papel da intervenção didática na produção dos textos;
6. Nas discussões das duplas para definição das estratégias para elaboração do texto foram muito mais ricas do que o texto produzido por eles. Este não continha várias das questões levantadas e decididas pela dupla;
7. Didaticamente, é necessário intervenção para a produção das narrativas em três dimensões: processo de abdução que permite desvendar o crime e achar o culpado; a necessidade de criar suspeitos dando condições de se criar intrigas para retardar a descoberta do culpado e, enfim, necessidade de caracterizar os personagens através de diálogos, ações e descrições.
9 A exposição oral
O artigo em questão foi escrito por quatro autores: Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly, Jean-François de Pietro e Gabrielle Zahnd. Partindo da constatação de que a exposição oral, sobretudo o seminário, é muito utilizada nas salas de aula, os autores, com base em pesquisas realizadas, afirmam que, contudo, ele não se configura como objeto de ensino. Assim, não há um trabalho sistemático e intencional cujo objetivo seja possibilitar aos alunos a apropriação das características próprias desse gênero oral a fim de melhorar seu desempenho nas exposições orais.
Diante desse diagnóstico, os autores defendem que as exposições orais sejam utilizadas, na escola, como meio de comunicação e, também, como objeto de ensino. A exposição oral é um texto de caráter público e formal onde um sujeito transmitirá, de forma estruturada, informações acerca de um tema que domina a uma platéia com pré-disposição para aprender. O ensino desse gênero oral deve levar em consideração dimensões inerentes a ele: capacidade de comunicação, conteúdo específico e procedimentos linguísticos e discursivos.
A situação de comunicação deve ser objeto de análise: qual o tema, quais as problemáticas serão abordadas na exposição, quem são os interlocutores, o que eles já sabem sobre o tema, quais as conclusões as quais deve-se chegar.
O estudo do conteúdo a ser exposto também deve ser alvo de discussão. Os alunos devem procurar diversas fontes e utilizar, caso necessário, de gráficos, tabelas, enfim, do repertório de fontes como apoio à exposição do tema.
Após, passe-se à organização interna da exposição também considerando sete fases: abertura, introdução ao tema, apresentação do plano da exposição, desenvolvimento e encadeamento dos temas, recapitulação e síntese, conclusão e encerramento.
10 Relato da elaboração de uma sequência: o debate público
Este capítulo do livro escrito por Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly e Jean-François de Pietro, relata uma sequência didática aplicada a uma situação de ensino do debate como uma experiência prática de ensino de expressão oral, na escola.
O debate foi escolhido como objeto de ensino porque permite desenvolver várias habilidades necessárias para a vida em sociedade, tais como: capacidades lingüísticas (discurso, argumentação, retomada do discurso), cognitivas (crítica), social (ouvir e respeitar o outro) e individual (situar-se perante uma situação, tomar posição diante de um assunto, construir sua própria identidade).
Os autores apresentam três tipos de debate que se pode trabalhar:
1.de opiniões: aqui as crianças são levadas a colocar sua opinião e justificá-la a respeito de um tema sem, contudo, seja necessário chegar a uma conclusão;
2. deliberativo: aqui o que direciona o debate e a argumentação é a necessidade de se tomar uma decisão;
3.para resolução de problemas: a discussão do problema e suas possíveis soluções é o centro do trabalho.
Após a definição do tipo de debate a ser estudado, parte-se para a escolha do tema que deve levar em conta: os interesses dos alunos, a complexidade e saberes dos alunos sobre o tema, a relevância social, capacidade didática.
Enfim, chega-se à questão das formas de se tratar o conteúdo do debate. Nessa fase, sugere-se que sejam trabalhados temas cujos argumentos podem ser buscados no conteúdo das disciplinas que estão sendo desenvolvidos e buscar outras fontes, preferencialmente orais, de aumentar o repertório dos alunos acerca do assunto. Deve-se atentar, também, para questões de ordem prática que envolvem o ensino da oralidade na escola: duração da sequência didática e de seu conteúdo em função do nível de desenvolvimento que os alunos estão; inserir, no projeto de classe, trabalhos com oralidade; buscar formas para registrar esses trabalhos (gravação: só da fala ou com imagens); proporcionar aos alunos contato com modelos de expressões orais de caráter público formal.
No ensino das expressões orais, na escola, o papel do professor é primordial visto que, ao mesmo tempo, ele precisa gerenciar duas dimensões articuladamente: criar uma situação de comunicação motivadora e enriquecedora e desenvolver, nos alunos, suas capacidades argumentativas. Ao longo e ao final do processo é necessário, ainda, que o professor avalie tanto seu próprio trabalho como gestor do ensino bem como os trabalhos realizados pelos alunos que expressam o grau de desenvolvimento por eles alcançado.
3.ECHEVERRÍA, M. P. P.; POZO, J. I. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. In: POZO, J. I. (Org.). A solução de problemas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Jeferson Anibal Gonzalez
Pedagogo (FFCLRP/USP) e Mestrando em Educação (FE/UNICAMP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR (GT/UNICAMP).
Introdução: a solução de problemas como conteúdo da educação básica
Durante a execução da ação docente os professores aprendem que os problemas colocados por eles para os alunos em sala de aula diferenciam-se dos problemas que eles se deparam fora do ambiente escolar. Neste sentido, o que pode ser um problema significativo para um, pode ser entendido como algo trivial ou até mesmo carecer de sentido para o outro. A partir desta reflexão, o objetivo da Educação Básica é fazer como que os alunos não apenas coloquem determinados problemas, mas que principalmente, saibam resolvê-los.
Ressalta-se que no final da Educação Básica o aluno deve ter adquirido as habilidades de elaborar e desenvolver estratégias pessoais de identificação e solução de problemas nas principais áreas de conhecimentos por meio de hábitos de raciocínio objetivo, sistemático e rigoroso, e que aplique espontaneamente estas habilidades de resoluções de problemas em situações da vida cotidiana.
Entende-se que a solução de problemas deveria constituir enquanto um conteúdo neces¬sário das diversas áreas do currículo obrigatório. Assim, os alunos estariam aptos para buscarem de estratégias apropriadas para resoluções de problemas, não dando somente respostas adequadas aos problemas escolares, mas também aos problemas que se deparam na realidade cotidiana.
Ensinar os alunos a resolver problemas não significa somente dotar o aluno de habilidades e estratégias eficazes para lidar com questões matemáticas, significa também criar nestes alunos hábitos e atitudes de enfrentar a aprendizagem como um problema para o qual deve ser encontrada uma resposta.
Apreender a resolver problemas não é uma questão apenas de se ensinar a resolver os problemas, mas também de ensinar a propor os problemas para si mesmo e a transformar a realidade em um problema que mereça ser indagado, questionado, estudado e resolvido, pois o verdadeiro objetivo da aprendizagem da solução dos problemas é fazer com que os alunos adquiram o hábito de proporem-se problemas e resolvê-los como forma de aprender.
Do exercício ao problema
Por meio do exemplo de que consertar um circuito elétrico é um simples exercício para algumas pessoas, enquanto para outras é um problema bastante complexo e trabalhoso, surge à necessidade de distinção entre exercício e problemas.
O exercício e o problema relacionam-se com o contexto da tarefa em que o aluno enfrenta. Podemos resumir a realização de um exercício à habilidades e técnicas foram apreendidas pelo aluno, as quais ele utiliza para a execução do problema. Durante a execução de um problema que desconhecemos a sua resolução, buscamos técnicas e procedimento que já dominamos para resolução do mesmo, ou seja, um problema que apresenta uma situação inédita requer a utilização de estratégias e técnicas já apreendidas.
Ao resolver por diversas vezes um mesmo problema, este se tornará para o aluno um exercício. Assim, não é possível determinar se uma tarefa dada pelo professor em aula pode ser considerada um exercício ou um problema, pois isto depende da experiência e dos conhecimentos prévios dos alunos, assim como, dos objetivos que se estabelecem durante a realização tarefa.
O exercício permite consolidar habilidades e instrumentos básicos, mas isto não pode ser confundido com a idéia que a soluções de problemas exige o uso de estratégias a serem seguidas. O que se procura apontar é o fato que se um problema é repetitivamente resolvido, acaba por tornar-se um exercício.
Com isto, chama-se atenção dos professores para o fato de que em sala de aula deve existir uma distinção entre exercícios e problemas, pois é necessário que fique claro aos alunos que as tarefas não deve se resumir a exercícios repetitivos e sim ativação dos diversos tipos de conhecimentos que envolvem diferentes atitudes, motivações e conceitos.
As técnicas “sobreaprendidas”, ou seja, as técnicas já apreendidas pelos alunos devem ser constituídas enquanto meio, recurso instrumental necessário, mas não suficiente, para alcançar soluções.
Para a resolução dos problemas não caírem no automático é necessário indagar sobre como os alunos resolvem os problemas, caso contrário, sempre estaremos diante de exemplos como o menino que sabe andar de bicicleta, mas não consegue explicar ao seu colega como se equilibrar sobre a mesma.
As indagações sobre como resolver os problemas auxiliam os alunos a compreenderem melhor os processos que estão envolvidos na solução dos problemas. Não faz sentido falarmos em ensinar a resolver problemas, mas sim tratar os problemas em cada uma das áreas necessárias. O mais importante é incluirmos as soluções de problemas enquanto parte do currículo escolar.
As soluções dos problemas como uma habilidade geral
Existem inúmeras formas de se resolver problemas heterogêneos, mas que por trás da forma faz-se necessário estabelecer uma série de raciocínios e de habilidades comuns. Assim, maneiras diversas de resolução de problemas não se relacionam às diferenças de capacidades e sim a diferença na aprendizagem das pessoas que os resolvem.
Tipos de Problemas
Deparamo-nos com inúmeras classificações de possíveis estruturas dos problemas, sendo elas tanto em função da área as quais pertencem os conteúdos dos problemas, assim como, os tipos de operação e processos necessários para resolvê-los.
Um fator que dificulta a resolução dos problemas é a má estruturação do mesmo, ou seja, quando o ponto de partida encontra-se obscuro ou quando as normas que estipulam os passos necessários à resolução não se encontram bem formulados.
Presentes ou não estes fatores que dificultam a resolução, faz-se necessário que a resolução de qualquer problema acompanhe alguns requisitos básicos como prestar atenção em todos os elementos fornecidos, recordar alguns conhecimentos prévios e relacionar entre si certos elementos. Na maioria dos problemas estes elementos fazem parte de habilidades necessárias que nos levarão a resultados.
Passos para a solução de um problema
Para se resolver um problema é necessário estabelecer uma disposição para alcançar sua resposta. Sendo necessário também estabelecer alguns passos como compreender o problema, conceber um plano para resolvê-lo executar o plano estabelecido e ter uma visão retrospectiva sobre o que se fez, como é o que foi alcançado. Existem algumas técnicas que ajudam na resolução de problemas como realizar perguntas do tipo:
• O que entendi e não entendi relacionado ao enunciado do problema
• Qual a dificuldade do problema? Qual a meta?
• Quais dados utilizados como ponto de partido?
• Como concretizar o problema utilizando exemplos?
• Como agir quando o problema é muito específico?
Procedimento como realizar tentativas por meio de ensaio ou erro, dividir o problema em subproblemas, procurar problemas análogos e ir do conhecido para o desconhecido também fazem parte da resolução dos problemas.
Estes são alguns exemplos que mostram que a solução dos problemas se baseia em um processo relativamente geral e independente do conteúdo que devem ser ensinados aos alunos, pois fazem parte de habilidades e estratégias necessárias para alcançarmos alguns resultados.
A solução dos problemas como um processo específico:
diferenças entre especialistas e principiantes
A regra do “bom pensar” exclusivamente não garante a resolução do problema se não estivermos acompanhados de um conhecimento contextual específico. Assim, a maior eficiência na solução de um problema pelos especialistas não seria devido a uma maior capacidade cognitiva do sujeito e sim pelos seus conhecimentos específicos. Para resolver os problemas é necessário que o treinamento técnico seja complementado por um conhecimento estratégico que possibilite a utilização das técnicas de modo deliberativo nos contextos das tarefas, ou seja, no contexto dos problemas. A eficiência na solução dos problemas depende muito da disponibilidade e da ativação de conhecimentos conceituais adequados. Para tanto, defende-se que os alunos devem adquirir uma perícia específica em diversas áreas do currículo, pois assim, eles conseguirão resolver com eficiências os problemas surgidos.
As estratégias pessoais de especialistas e principiantes e as especificidades das áreas de conhecimento
A superioridade dos especialistas em resolver problemas relaciona-se à diferente maneira com que eles se relacionam com os mesmos, ou seja, eles adotam estratégias diferentes de resoluções comparadas com as dos principiantes.
O domínio de alguns procedimentos está condicionado pelos conteúdos conceituais das tarefas aos quais são aplicados, necessitando estabelecer uma grande conexão entre aquisição, reestruturação dos conceitos e soluções dos problemas, ou seja, entre conhecimentos procedimentais e declarativos no desempenho de especialistas comparado com o de principiantes.
O treinamento enquanto estratégia de resolução de problemas específicos para cada área do currículo relaciona-se às formas de raciocínio, com procedimentos adotados e ao tratamento com as informações.
A aquisição de hábitos do raciocínio objetivo
Atualmente modelos de raciocínio formal e lógico são substituídos por modelos de racionalidade pragmática, na qual o “bom pensar” está vinculado ao contexto e pelas as metas estabelecidas e buscadas durante o processo de solução dos problemas, deixando de lado concepções que estabelecem formas universais do “bom pensar”.
A psicologia do raciocínio trabalha com a racionalidade pragmática, intuitiva (conhecida também como procedimentos heurísticos), levando o aluno a estabelecer novas formas de raciocinar, de pensar. Isto gera uma contraposição entre o raciocínio cotidiano e cientifico, porém ressalta-se que a melhor forma de se resolver um problema encontra-se oriundo em critérios pragmáticos, ligados à vida dos alunos.
A transferência para a solução de problemas cotidianos
A transferência de um conhecimento adquirido para um novo contexto ou domínio constitui-se um entrave. Isto decorre do trabalho escolar segregado do cotidiano do aluno. Transferir uma habilidade ou um conhecimento adquirido em aula para um contexto mais informal é uma tarefa que exige maior semelhança entre o contexto de aprendizagem e o contexto vivenciado pelo aluno, ou seja, o contexto o qual será aplicado à transferência. É necessário que ocorra a transferência do uso técnico do conhecimento para seu uso estratégico, ou seja, é necessário que o aluno apreenda a solucionar problemas que possam ter utilidade em seu dia-a-dia. Para tanto, é necessário rompermos com soluções de problemas que treinamos alunos para as soluções prontas, construindo um processo de aprendizagem que os envolva de forma significativa nas resoluções de problemas.
4. FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Editora Cortez,1996.
A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO.
INTRODUÇÃO
Ferreiro inicia o texto destacando que, em dezembro de 1979 realizou-se na Cidade do México uma Conferência Regional de Ministros da Educação e de Ministros encarregados do Planejamento Econômico da América Latina e Caribe, no âmbito da Unesco. Essa conferência deu origem ao que se conhece por Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe.
No entanto, a década de 80 foi particularmente ruim para a educação em nossa região.
Ao final da década de 80, volta-se a ouvir a voz da Unesco, que declara 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização.
Porém, 1990 inicia-se com uma novidade: não somente os organismos internacionais tradicionalmente vinculados à educação (Unesco, Unicef) inauguram a década da alfabetização e da educação básica, mas também o Banco Mundial decide investir na educação básica e incidir sobre as políticas dos governos.
Apenas quatro anos separam 1988 e 1992; no entanto, muitas coisas estão ocorrendo (e não só no campo educativo). As quais afetarão profundamente a maneira em que iniciaremos o próximo século.
Para a autora é difícil falar de alfabetização evitando as posturas dominantes neste campo: por um lado, o discurso oficial e, por outro, o discurso meramente ideologizante, que chamarei “discurso da denúncia”. O discurso oficial centra-se nas estatísticas; o outro despreza essas cifras tratando de desvelar “a face oculta” da alfabetização. Onde o discurso oficial fala de quantidade de escolas inauguradas, o discurso da denúncia enfatiza a má qualidade dessas construções ou desses locais improvisados que carecem do indispensável para a realização de ações propriamente educativas. Onde o discurso oficial fala de quantidade de crianças matriculadas, a denúncia fala de classes superlotadas, professores mal pagos e poucas horas de permanência na escola.
Como pesquisadora Ferreiro tenta ajustar-me aos requisitos elementares de meu ofício, ao falar de um tema ao qual venho dedicando mais de dez anos seguidos de trabalho. Como latino-americana, não posso deixar de lado a indignação que deve provocar em nós a análise da situação da alfabetização na região.
INCORPORAÇÃO, RETENÇÃO E REPETÊNCIA.
Primeiro objetivo do Projeto Principal: “Conseguir, antes de 1999, a escolarização de todas as crianças em idade escolar, oferecendo-lhes uma educação geral mínima com duração de 8 a 10 anos”.
É importante considerar que, devido às altas taxas de crescimento populacional existente em vários países da região, o aumento da matrícula na primeira série resulta de esforços notáveis e persistentes. Por exemplo, o México passa de uma população de 1° Grau de aproximadamente 7 milhões, em 1965, a 9 250 000 em 1970, 15 milhões em 1980 e 15 400 000 em 1983. Nesses mesmos anos o Brasil passa de uma população de aproximadamente 5 milhões em 1965, para 17 milhões em 1970, 20 milhões em 1980 e 24 milhões em 1983.
As maiores taxas de repetência se situam nas três primeiras séries do 1° grau; o filtro mais severo está na passagem do primeiro para o segundo ano da escola primária, alcançando em alguns países da região cifras excessivas (no Brasil, por exemplo).
Segundo a autora, a criação de serviços de atendimento especializado como solução alternativa gera outras dificuldades. Esta medida parece contar com a opinião favorável de todos os setores: os professores estão de acordo, porque assim conseguem aliviar as classes superlotadas ou livrar-se dos alunos mais difíceis; os profissionais (psicólogos e terapeutas) estão de acordo porque se abre para eles um mercado de trabalho: a opinião pública é de que nesses serviços, tão especializados, se oferece certamente uma educação de “boa qualidade”. A primeira dificuldade desta alternativa tão bem recebida é no aspecto econômico; esses serviços encarecem muitíssimo o custo do atendimento educacional por aluno: são, portanto, impossíveis de ser considerados como uma medida generalizada em países endividados, que apenas podem pensar em expandir os empobrecidos serviços educativos de caráter geral.
A segunda dificuldade é talvez a mais séria: quando a criança é enviada a esses sistemas especializados (geralmente denominados “educação especial”) adota-se, com isso, uma atitude semelhante à que se adota frente às crianças realmente “especiais” ou “atípicas” (os deficientes sensoriais, por exemplo).
ASPECTOS QUALITATIVOS DA ALFABETIZAÇÃO
Ferreiro destaca que a alfabetização parece enfrentar-se com um dilema: ao estender o alcance dos serviços educativos, baixa-se a qualidade, e se consegue apenas um "mínimo de alfabetização". Isso é alcançar um nível "técnico rudimentar", apenas a possibilidade de decodificar textos breves e escrever algumas palavras (além de grafar quantidades e talvez as operações elementares), porém sem atingir a língua escrita como tal.
Para Ferreiro, de todos os grupos populacionais, as crianças são as mais facilmente alfabetizáveis. Ela têm mais tempo disponível para dedicar à alfabetização do que qualquer outro grupo de idade e estão em processo contínuo de aprendizagem (dentro e fora do contexto escolar), enquanto os adultos já fixaram formas de ação e de conhecimento mais difíceis de modificar. (Em muitos casos, os adultos elaboraram também “estratégias de sobrevivência” que lhes permitem viver no meio urbano sem sentir a necessidade de ler e escrever).
OS OBJETIVOS DA ALFABETIZAÇÃO INICIAL
Aqui a autora coloca que, antes de desenvolver o tema anterior, devemos perguntar-nos: quais são os objetivos da alfabetização inicial? Freqüentemente esses objetivos se definem de forma muito geral nos planos e programas, e de uma maneira muito contraditória na prática cotidiana e nos exercícios propostos para a aprendizagem.
Um dos objetivos sintomaticamente ausente dos programas de alfabetização de crianças é o de compreender as funções da língua escrita na sociedade. Como as crianças chegam a compreender essas funções? As crianças que crescem em famílias onde há pessoas alfabetizadas e onde ler e escrever são atividades cotidianas, recebem esta informação através da participação em atos sociais onde a língua escrita cumpre funções precisas. Por exemplo, a mãe escreve a lista e a consulta antes de terminar suas compras; sem querer, está transmitindo informações sobre uma das funções da língua escrita (serve para ampliar a memória, como lembrete para aliviar a memória). Busca-se na lista telefônica o nome, endereço e telefone de algum serviço de conserto de aparelhos quebrados; sem querer, essa leitura transmite informações sobre algo que não sabíamos antes de ler. Recebe-se uma carta ou alguém deixa um recado que deve ser lido por outro familiar ao chegar; sem querer, transmite-se informação sobre outra da função da língua escrita (serve para comunicar-se à distância, para dizer algo a alguém que não está presente no momento de se escrever a mensagem).
Na maioria das escolas se apresenta a escrita como um “objeto em si”, importante dentro da escola, já que regula a promoção ao ano escolar seguinte, e também importante “para quando crescer”, sem que se saiba na realidade de que maneira esse “saber fazer” estará ligado à vida adulta: prestígio social? Condições de trabalho? Acesso a mundos desconhecidos?
A LÍNGUA ESCRITA COMO OBJETO DA APRENDIZAGEM
Segundo Ferreiro, no decorrer dos séculos, a escola (como instituição) operou uma transmutação da escrita. Transformou-a de objeto social em objeto exclusivamente escolar, ocultando ao mesmo tempo suas funções extra-escolares: precisamente aquelas que historicamente deram origem à criação das representações escritas da linguagem. É imperioso (porém nada fácil de conseguir) restabelecer, no nível das práticas escolares, uma verdade elementar: a escrita é importante na escola porque é importante fora da escola, e não o inverso.
Com base em uma série de experiências inovadoras de alfabetização, que se vêm desenvolvendo em diversos países latino-americanos, parece viável estabelecer de maneira diferente os objetivos da alfabetização de crianças. Em dois anos de escolaridade, - um dos quais pode ser pré-escola - crianças muito marginalizadas (urbanas e rurais) podem conseguir uma alfabetização de melhor qualidade, entendendo por isso:
- compreensão do modo de representação da linguagem que corresponde ao sistema alfabético de escrita;
- compreensão das funções sociais da escrita, que determinam diferenças na organização da língua escrita e, portanto, geram diferentes expectativas a respeito do que se pode encontrar por escrito nos múltiplos objetos sociais que são portadores de escrita (livros diversos, jornais, cartas, embalagens de produtos comestíveis ou de medicamentos, cartazes na rua etc.);
- leitura compreensiva de textos que correspondem a diferentes registros de língua escrita (textos narrativos, informativos, jornalísticos, instruções, cartas, recados, listas etc.) enfatizando a leitura silenciosa mais que a oralidade convencional;
- produção de textos respeitando os modos de organização da língua escrita que correspondem a esses diferentes registros;
- atitude de curiosidade e falta de medo diante da língua escrita.
AS DIFICULDADES DESNECESSÁRIAS E SEU PAPEL DISCRIMINADOR
Ferreiro destaca que as crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais dedicam seus melhores esforços intelectuais).
São os adultos que têm dificultado o processo imaginando seqüências idealizadas de progressão cumulativa, estimulando modos idealizados de fala que estariam ligados à escrita e construindo definições de “fácil” e de “difícil”, que nunca levaram em conta de que maneira se define o fácil e o difícil para o ator principal da aprendizagem: a criança. Tudo isso tomou o processo mais difícil do que deveria ser, produziu fracassos escolares desnecessários, estigmatizou uma grande parte da população e transformou a experiência de alfabetização em uma experiência literalmente traumática para muitas crianças.
Para Ferreiro, não há nenhuma prova empírica que permita concluir que é necessário certo tipo de pronúncia para ter acesso à língua escrita. Melhor dizendo, a experiência empírica mostra o contrário: nos diferentes países latino-americanos de língua espanhola, os grupos privilegiados da população se alfabetizam sem dificuldade, apesar das marcadas diferenças dialetais que existem entre as chamadas “formas cultas” de fala desses diferentes países.
Toda escrita alfabética tem como princípio fundamental marcar as diferenças sonoras através de diferenças gráficas, mas no desenrolar histórico se produzem inevitavelmente defasagens entre esse princípio geral e as realizações concretas dos usuários.
Isto se dá por duas razões: a primeira tem a ver com uma variável temporal - as ortografias das línguas escritas evoluem muito mais lentamente do que a fala; a segunda razão é de caráter espacial na medida em que uma língua se estende a um número crescente de usuários dispersos numa área geográfica ampla, surgem variantes dialetais que se distanciam em maior ou menor medida do que se representa por escrito.
As pesquisas sobre os processos de aquisição da língua oral mostram claramente que a repetição desempenha um papel muito limitado nesse processo. Sabemos que as crianças aprendem muito mais construindo do que repetindo o que os outros disseram. Em língua escrita esses processos de construção estão proibidos. Nenhuma das metodologias tradicionais, ainda em voga na região, cogita que, desde o início do processo de alfabetização, as crianças possam escrever palavras que nunca antes copiaram, e que essas tentativas para construir uma representação são tão importantes nessa aprendizagem como as tentativas para dizer algo em língua oral. Nenhuma dessas metodologias pensa em dar instrumento ao professor para saber ler - quer dizer, interpretar - essas produções infantis, para poder traduzi-las sem desqualificá-las (tal como fazemos na língua oral, onde tratamos de entender o que a criança disse, dizendo-a a nossa maneira, sem necessidade de desqualificar sua emissão com um “Você não sabe falar!”).
A escrita lhes apresenta desafios intelectuais, problemas que terão que resolver, precisamente para chegar a entender quais são as regras de construção internas do sistema.
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Um fator freqüentemente mencionado como necessário para facilitar as ações de alfabetização é a produção de materiais. A esse respeito é preciso distinguir três tipos de materiais:
a) Materiais dirigidos aos professores como um modo de veicular uma proposta pedagógica e de fazer-lhes chegar informação atualizada que os ajudem a pensar criticamente sua própria prática profissional. Esses materiais são úteis na medida em que se evite a versão “receita culinária” (isto é, use os ingredientes em tal ordem e obterá um resultado comestível).
b) Materiais para ler (não para aprender a ler, mas para ler) - Eles são essenciais e tanto mais necessários quanto mais nos distanciamos das regiões urbanas.
c) Materiais para alfabetizar - É chegado o momento de desmistificar tais tipos de materiais, que não só não são necessários, mas que são freqüentemente contraproducentes. Para alfabetizar é preciso ter acesso à língua escrita (tanto como para aprender a falar é necessário ter acesso à língua oral) e é isso que está ausentes nas famosas cartilhas ou manuais "para aprender a ler".
Para Ferreiro, as seqüências didáticas tradicionais baseiam-se em uma série de falsos pressupostos que se mantêm com a inércia dos hábitos adquiridos e que resistem a qualquer análise racional. Não seria demasiado grave se não fosse porque essas didáticas tomam ainda mais difícil o processo para quem a escolarização já é uma empresa de "alto risco".
A ATENÇÃO A POPULAÇÃO DE 4 A 6 ANOS EM RELAÇÃO À ALFABETIZAÇÃO
Segundo relato da autora, um dos setores educativos com maior crescimento na região latino-americana é o que corresponde à população infantil de 4 a 6 anos. (Na maioria dos países latino-americanos, as crianças ingressam na escola de 1° grau aos 6 anos. Seria interessante perguntar-se por que o Brasil mantém 7 anos como idade de ingresso).
Estima-se que em 1970, 1 728 000 crianças menores de 5 anos freqüentavam algum tipo de instituição pré-escolar na região; em 1985 esta quantidade cresceu para 8 264 000, o que representa um incremento enorme: 478%. Esse aumento notável corresponde fundamentalmente às crianças de 5 anos e, em menor escala, às de 3 e 4 anos (cifras da Unesco-Orealc).
Em relação à alfabetização, as políticas relativas a esse nível educativo (impropriamente chamado pré-escolar) oscilaram entre duas posições extremas: antecipar a iniciação da leitura e da escrita, assumindo alguns dos conteúdos (e, sobretudo, das práticas) que correspondem tradicionalmente ao 1° ano da escola primária, ou então - posição oposta -evitar que a criança entre em contato com a língua escrita.
Assim como os objetivos da alfabetização do início da escola primária necessitam redefinir-se, também necessitam redefinir-se os objetivos da pré-escola com respeito à alfabetização. Não se trata, nesse nível, nem de adotaras práticas ruins da escola primária, seguindo este ou aquele método de ensinar a ler e a escrever, nem de manter as crianças assepticamente afastadas de todo o contato com a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia que se expressa na famosa pergunta: deve se ensinar a ler e a escrever na pré-escola ou não? Minha resposta é simples: não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança aprenda.
EXPERIÊNCIAS ALTERNATIVAS DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS
As experiências alternativas de alfabetização de crianças, cujo desenvolvimento tenho seguido, atentamente, utilizam como informação básica as descobertas sobre a psicogênese da língua escrita na criança, resultado de trabalhos de pesquisa que inicie em 1974 junto com Ana Teberosky e um grupo de colegas, e que logo receberam ampla confirmação em diferentes países e línguas.
Apesar de variar enormemente entre si, essas experiências compartilham os objetivos da alfabetização antes enunciados e algumas propostas fundamentais sobre o processo de alfabetização que indicarei esquematicamente:
a) Restituir à língua escrita seu caráter de objeto social
b) Desde o início (inclusive na pré-escola) aceita-se que todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual em seu nível.
c) Permite-se e estimula-se que as crianças tenham interação com a língua escrita, nos mais variados contextos.
d) Permite-se o acesso o quanto antes possível à escrita do nome próprio
e) Não se supervaloriza a criança, supondo que de imediato compreenderá a relação entre a escrita e a linguagem. Tampouco se subvaloriza a criança
f) Não se pede de imediata correção gráfica nem correção ortográfica
OBSERVAÇÕES FINAIS
Segundo Ferreiro, nesta última década do século abre-se um espaço para que a América Latina, que tem muito a dizer sobre alfabetização, faça ouvir bem alto a sua voz.
Há uma consciência crescente da importância da educação básica e do mais básico na educação: a alfabetização. Mas há também um risco de regressar à concepção da alfabetização como algo demasiado elementar, isto é, mínimos rudimentos de decodificação.
Há uma consciência crescente sobre a impossibilidade de aceitar as taxas de repetência que existem em nossa região. Não importa que os argumentos atuais sejam basicamente econômicos, desde que sirvam para recordar-nos que, se a escola não gera aprendizagem, não pode justificar-se como instituição social.
Há um risco sério de continuar gerando desigualdades através de velhos e novos esquemas de competitividade, eficiência e modernidade. No entanto, existe também um sólido pensamento teórico sobre a natureza da alfabetização, ao qual estão contribuindo lingüistas, historiadores, antropólogos, psicólogos, sociólogos e educadores. Esta nova visão multidisciplinar sobre a alfabetização não permite retornar a uma visão supersimplificadora e profundamente equivocada sobre o processo de alfabetização.
Particularmente em nossos países empobrecidos, e especialmente nos setores mais pobres de nossos países, os objetivos da alfabetização devem ser mais ambiciosos. Se as crianças crescem em comunidade iletradas e a escola não as introduz na linguagem escrita (em toda a sua complexidade), talvez cheguem a atingir esses "mínimos de alfabetização", que lhes permitam seguir instruções escritas e aumentar sua produtividade em uma fábrica, contudo não teremos formado cidadãos para este presente nem para o futuro próximo. Há que se alfabetizar para ler o que outros produzem ou produziram, mas também para que a capacidade de “dizer cor escrito” esteja mais democraticamente distribuída. Alguém que pode colocar no papel suas próprias palavras é alguém que não tem medo de falar em voz alta.
Necessitamos que muitos mais tenham a capacidade de dizer-nos por escrito quem são, para manter a diversidade cultural que é parte da riqueza de nosso mundo. Falamos muito da diversidade biogenética de plantas e animais, que constitui um de nossos mais prezados recursos para o porvir. Não esqueçamos a diversidade cultural. A alfabetização pode e deve contribuir para a compreensão, difusão e enriquecimento de nossa própria diversidade, histórica e atual.
ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS E FRACASSO ESCOLAR PROBLEMAS TEÓRICOS E EXIGÊNCIAS SOCIAIS.
Ferreiro ressalta que, todas as frases que expressam preocupação sobre a situação do analfabetismo na região já fazem parte do discurso oficial dos governos. Todos os diagnósticos coincidem: o analfabetismo se concentra nos bolsões de pobreza das grandes cidades, juntamente com a aglomeração urbana, falta de água potável, trabalho ocasional e mal-remunerado; o analfabetismo se concentra nas zonas rurais, onde os camponeses vivem com uma economia de subsistência, cultivando com métodos arcaicos terras empobrecidas; o analfabetismo se concentra nas populações indígenas (também camponesas) que falam alguma das muitas línguas originárias do continente, mas que não possuem recursos próprios para grafar sua própria língua.
A orientação das políticas de alfabetização
Há ainda muito por fazer no plano do diagnóstico e orientação das políticas para que se tome consciência da gravidade da situação e do escândalo de certas conjunturas. Para restabelecer a necessidade da indignação de que fala Paulo Freire.
Sabemos perfeitamente que o conjunto de conhecimentos que um indivíduo adquire no curso de seu desenvolvimento depende das exigências do meio cultural em que cresce. A cultura do campo exige conhecimentos diferentes da cultura da cidade. Uma pessoa do campo, transferida violentamente para a cidade, aparece como alguém depreciado, tanto quanto o seria um habitante da cidade transferido violentamente para o campo. Ocorre que o movimento social vai em direção à urbanização e não à ruralização... Por esse motivo não faz nenhum sentido caracterizar o adulto ou a criança do campo como um “carente”. Ambos só aparecem como tais em função das exigências da vida urbana.
Na realidade, o que ocorre na saúde e na educação é parte da tendência geral à privatização que se observa em quase todos os países da região: o Estado delega ao setor privado a maior parte de suas obrigações e retém somente aquelas de tipo “assistencial” para os setores cujo poder aquisitivo não lhe permite pagar por um serviço necessário.
A noção de “direito a saúde, moradia e educação” perde assim seu sentido global. Em lugar de os cidadãos reclamarem um direito, estabelece-se, como fosse “normal”, que eles “comprem serviços”. Aqueles que não podem comprá-los devem conformar-se com um ação assistencial do Estado, que se limita a dar o mínimo necessário (e, freqüentemente, bem abaixo do mínimo requerido para manter os níveis de subsistência e funcionamento social degradado dessa parcela da população).
Para ela, é preciso denunciar muito claramente e tantas vezes quantas forem necessárias, até criar uma consciência pública de que não é possível alcançar os objetivos educativos colocados para o final do século XX se não se modificar rapidamente a própria concepção da alfabetização. É aqui onde há muito a ser dito com respeito ao desenvolvimento teórico relativo aos processos de alfabetização.
ALGUNS PROBLEMAS TEÓRICOS VINCULADOS À ALFABETIZAÇÃO
Há domínios para os quais ninguém pergunta se a criança está ou não “pronta” ou “madura” para iniciar essa aprendizagem. O acesso ao computador é, hoje em dia, um deles: há programas de iniciação ao uso do computador (não a programação) para adultos profissionais e para crianças de pré-escola. Dada a velocidade com que está tecnologia ingressou na vida moderna, parece haver consciência de que “quanto antes, melhor”. Na medida em que não há ainda parâmetros claros com relação ao tempo adequado para utilizá-lo produtivamente, e na medida em que não faz parte do currículo escolar, a noção de “fracasso na aprendizagem” ainda não está instaurada.
O problema dos pré-requisitos para uma aprendizagem coloca-se de diferentes maneiras: (a) apresenta-se como uma noção escolar, como algo que uma criança "tem" ou "não tem", e que é avaliada mediante provas psicológicas ou psicopedagógicas; (b) é visto como um problema teórico.
a) Os pré-requisitos como problema escolar
Como problema escolar, os pré-requisitos estabelecem barreiras: os sujeitos devem demonstrar possuir as habilidades definidas como requisitos prévios para poder ingressarem certo nível da escola. Supõe-se a aquisição dessas habilidades vinculadas a uma sempre mal definida “maturação”. Tal “maturação” é entendida, às vezes, como maturação biológica, e a referência à biologia parecem dispensar outras determinações.
b) Os pré-requisitos como problema teórico
Para Ferreiro, se pensarmos agora no problema dos pré-requisitos como um problema teórico, veremos de imediato delinearem-se duas maneiras muito diferentes de defini-lo, segundo a perspectiva teórica adotada.
O estudo dos pré-requisitos, no sentido dos antecessores de aquisições posteriores no processo de desenvolvimento, é de extrema importância em geral, e é essencial numa perspectiva psicogenética construtivista.
Os trabalhos sobre a relação entre consciência fonológica e leitura, que se ocupam da incidência da ação escolar, contrastam crianças que estão submetidas a diferentes metodologias de ensino da leitura (fundamentalmente métodos globais versus métodos analíticos). Isto também é reduzir um problema muito mais complexo a um só de seus ingredientes. O método que o professor segue é apenas um dos ingredientes da maneira como o objeto social “língua escrita” é apresentado no contexto escolar.
O conhecimento das funções sociais da escrita é “natural” em crianças cujos pais são alfabetizados, mas não tem nada de “natural” em outras, que não tiveram as mesmas oportunidades sociais de interagir com os diferentes tipos de objetos sociais que portam marcas escritas, que não tiveram oportunidades de participar de ações sociais (literacy events) em que outros indivíduos utilizam a língua escrita, lendo ou escrevendo com propósitos definidos. Ocultando essas funções sociais, apresentando a língua escrita como um “objeto em si”, abstraído de seus usos sociais, se favorece a algumas crianças e se deixa outras na penumbra inicial.
Segundo Ferreiro, reduzir a língua escrita a um código de transcrição de sons em formas visuais reduz sua aprendizagem à aprendizagem de um código. Em termos educativos, o problema das atividades preparatórias coloca-se de maneira radicalmente diferente se aceitarmos que é função da escola introduzir a língua escrita como tal. Não se trata de um jogo de palavras. Introduzir a língua escrita que dizer, ao menos, o seguinte:
- permitir explorações ativas dos distintos tipos de objetos materiais que são portadores de escrita (e que, além disso, têm recebido nomes específicos: jornais, revista, dicionários, calendários, agendas, livros ilustrados, livros sem ilustrações, livros de poesias, livros de canções, enciclopédias, cartas, receitas, recibos, telegramas etc);
- ter acesso à leitura em voz alta de diferentes registros da língua escrita que aparecem nesses distintos materiais;
- poder escrever com diferentes propósitos e sem medo de cometer erros, em contextos onde as escritas são aceitas, analisadas e comparadas sem serem sancionadas;
- poder antecipar o conteúdo de um texto escrito, utilizando inteligentemente os dados contextuais e - na medida em que vai sendo possível - os dados textuais;
- participar em atos sociais de utilização funcional da escrita;
- poder perguntar e ser entendido; poder perguntar e obter respostas;
- poder interagir com a língua escrita para copiar formas, para saber o que diz, para julgar, para descobrir, para inventar.
c) Síntese
Em síntese, a argumentação da autora é a seguinte:
a) - Colocada com problema teórico, a questão dos pré-requisitos (como antecessores necessários de aquisições posteriores) e de suma importância; no entanto, a forma de tratar o problema difere marcadamente segundo a posição teórica adotada.
b) - Do ponto de vista construtivista, o problema dos pré-requisitos coloca-se da seguinte maneira: é essencial estabelecer os antecessores de qualquer conhecimento em um momento qualquer de seu desenvolvimento.
c) - Não se deve confundir a necessidade teórica de encontrar os antecessores psicogenéticos com a pseudo-necessidade institucional de encontrar maneiras de classificar as crianças como “aptos/não”, “maduros/ não maduros”, “prontos/ não” etc. Qualquer instrumento que se utilize terminara refletindo as diferenças sociais nas ocasiões de acesso a língua escrita. Portanto, e inevitável que os testes de maturidade (ou como se queira chamá-los) funcionem como instrumentos de descriminação social.
A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA NA CRIANÇA
Para Ferreiro, o termo construção, que uso para me referir a aquisição da língua escrita, não e muito comum; geralmente se fala em “aprendizagem”. Não é que aprendizagem seja um termo errôneo, porque efetivamente ha um processo de aprendizagem, porem a historia social dos termos tem impregnado o termo aprendizagem com uma forte conotação empirista que não e a que quero dar-lhe. O termo maturação esta excluído, uma vez que não se trata de um processo puramente maturativo. O termo desenvolvimento tem sido pouco usado na literatura espanhola, ainda que em inglês, hoje em dia, seja bastante corrente ouvir falar de developmental literacy.
Para ela, quando falamos de construção da escrita na criança, não estamos falando da emergência mais ou menos espontânea de idéias engenhosas, idéias curiosas, idéias as vezes extraordinárias que as crianças tem - o que em inglês se costuma dizer wonderful idéias. E algo mais que isso. Tampouco se trata de que algumas coisas que se constroem e em seguida ha uma espécie de adição linear do já construído.
Para ela, em uma visão construtivista p que interessa e a lógica do erro: trata-se as vezes de idéias que não são erradas em si mesmas, mas aparecem corno errôneas porque são sobregeneralizadas, sendo pertinentes apenas em alguns casos, ou de idéias que necessitam ser diferenciadas ou coordenadas, ou, as vezes, idéias que geram conflitos, que por sua vez desempenham papel de primeira importância na evolução.
Alguns desses conflitos entendemos muito bem; esperamos entender melhor outros em um futuro não muito distante.
Os processes de construção sempre supõem reconstrução: no entanto, o que e que se reconstrói? E precise reconstruir um saber construído em certo domínio para aplicá-lo a outro; ha reconstrução de um saber construído previamente com respeito a um domínio especifico para poder adquirir outros conhecimentos do mesmo domínio que, de algum modo, tem sido registrados sem poder ser compreendidos; também ha reconstrução do conhecimento da língua oral que a criança tem para poder utilizá-lo no domínio da escrita.
5. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:Editora Cortez,1996.
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PREFACIO
Telma Weisz, ao escrever o prefá¬cio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a autora (Fer¬reiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da alfabetização, por meio dos resul¬tados obtidos em suas pesquisas científicas.
Emília Ferreiro, Doutora pela uni¬versidade de Genebra, teve o privilé¬gio de ter sido orientanda e colabora¬dora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na Argentina, país onde nasceu e também no México.
Anteriormente às pesquisas de Ferreiro, a crença implícita quanto à questão de alfabetização era de que tal processo começava e acabava na sala de aula e que a aplicação do método correto garantia ao profes¬sor o controle do processo de alfa¬betização dos alunos.
Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se também o número do fracasso escolar. Na au¬sência de instrumentos para repensar a prática falida e os fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal momento promoveu uma revolu¬ção conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização.
As pesquisas de Ferreiro e de seus colaboradores romperam o imobilis¬mo lamuriento e acusatório, im¬pulsionando um esforço coletivo na busca novos caminhos para que o educador rompa o circulo vicioso da reprodução do analfabetismo.
APRESENTAÇÃO
Por Emília Ferreiro.
Ferreiro afirma que o livro apresen¬ta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabe¬tização nada tem de mecânico, do pon¬to de vista da criança que aprende.
Destaca que a criança desempenha um papel ativo na busca da compre-ensão desse objeto social, complexo, que é a escrita.
Capítulo17
-A REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.
Ferreiro destaca que, tradicionalmente, a alfabetização é considera¬da em função da relação entre o método utilizado e o estado de 'maturidade' ou de 'prontidão' da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem - quem ensina e quem aprende - têm sido considerados sem levar em consideração o terceiro ele¬mento da relação que é a natureza do objeto de conhecimento envolven¬do esta aprendizagem.
A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este ob¬jeto de conhecimento intervém no pro¬cesso utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representa¬ção alfabética da linguagem com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende (crianças) e as concepções dos que ensinam (professores), so-bre este objeto de conhecimento.
1. A Escrita como Sistema de Representação.
A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição grá¬fica das unidades sonoras. A autora destaca que a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação e não um sistema de codificação.
Dessa forma, se considerarmos o sistema de representação do número e o sistema de representação da lin¬guagem, no início da escolarização, as dificuldades que as crianças enfren¬tam são dificuldades conceituais se-melhantes às da construção do siste¬ma e por isso pode-se afirmar que, em ambos os casos, a criança reinventa esses sistemas, ou seja, para pode¬rem se servir desses elementos como elementos de um sistema, as crian¬ças devem compreender seu proces¬so de construção e suas regras de pro¬dução, o que coloca o problema epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre o real e a sua representação.
A partir dos trabalhos de Saussure já concebemos o signo linguístico como a união indissolúvel de um significante com um significado. É o caráter bifásico do signo linguístico, a natureza complexa que ele tem e a re¬lação de referencia o que está em jogo.
As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser caracterizadas como sistemas de re¬presentação cujo intuito é represen¬tar as diferenças entre os significantes; enquanto que as escritas do tipo ideográfico poderiam representar di¬ferenças nos significados.
Se concebermos a escrita como um código de transcrição do sono¬ro para o gráfico privilegiando-se o significante (grafia) dissociado do sig¬nificado, destruímos o signo linguístico por privilegiamos a técnica e a meca-nização.
Se concebermos aprendera língua escrita como a compreensão da cons-trução de um sistema de representa¬ção em que a grafia das palavras e seu significado estão associados, (apropriação de um novo objeto de conhecimento) estaremos realizando uma aprendizagem conceitual.
2 - As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita.
A criança realiza explorações para compreender a natureza da escrita e isto pode ser observado através das suas produções espontâneas, que são valiosos documentos que precisam ser interpretados para poder ser avaliados.
As escritas infantis têm sido con¬sideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja, interpretá-las é um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares tradicionais, há uma concepção de que a criança só aprende quando submetida a um en¬sino repetitivo. No entanto, elas igno¬ram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo a res¬peito de certo objeto não significa sa¬ber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber' significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade.
Ferreiro, analisando as produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou que as mesmas possuem hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentan¬do uma evolução psicogenética.
As primeiras escritas infantis apa¬recem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas, contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos re¬petidos. A aparência gráfica não é garantia de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção.
No referencial tradicional, as pro¬fessoras prestam atenção nos aspec¬tos gráficos das produções das cri¬anças, ignorando os aspectos cons-trutivos. Do ponto de vista construti¬vo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente re¬gular e podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões.
Para executar suas ideias (em seus escritos) a criança:
a) faz distinção entre a modo de representação icônico (figura¬tivo) e não icônico (não-figu¬rativo).
b) constrói formas de diferenciação; faz diferenciação intrafigural que consistem no estabelecimento de propriedades que um texto deve possuir para poder ser interpretável. Os critérios intrafigurais se expressam sobre o eixo quantitativo (mínimo de três letras) e sobre o eixo qualitativo (variação de caracteres); faz a di¬ferenciação interfigurais que é a criação de modos sistemáticos de diferenciação entre uma es¬crita e a seguinte, para garantir a diferença de interpretação que será atribuída,
c) desvela a fonetização da escri¬ta (descobre a relação som / grafia), começa com o perío¬do silábico e culmina no perío¬do alfabético.
Ferreiro, analisando a evolução da escrita infantil reconhece quatro pe-ríodos, que denomina como: perío¬do pré-silábico, período silábico, período silábico-alfabético e perío¬do alfabético.
a) Período Pré-Silábico
As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta sonora da palavra e a representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das escritas e relaciona a escri¬ta com o objetivo referente (Ex. colo¬ca mais letras na palavra "elefante' do que na palavra borboleta - Realis¬mo Nominal).Exemplos de escrita pré-silábica:
ILUSTRAÇÃO l a.
Escrita sem diferenciações interfigurais (Adriana - 4,5 anos).
1. O que você desenhou? Um boneco.
2. Ponha o nome. (Rabisco.) (a)
3. O que você colocou? Ale (-seu irmão).
4. Desenhe uma casinha. (Desenha)
5. O que é isso? uma casinha.
6. Ponha o nome. (Rabisco) (b).
7. O que você escreveu? Casinha
8. Você sabe colocar o seu nome? (Quatro rabiscos separados) (c).
9. O que é isso? Adriana.
10. Onde diz Adriana? (Assinala globalmente)
11. Por que tem quatro
pedacinhos?... porque sim.
12. O que diz aqui? (1°) Adriana.
13.E aqui (2°) Alberto (- seu pai).
14.E aqui? (3°). Ale (-seu irmão).
15.E aqui? (4°) Tia Picha.
(1) peixe; (2) o gato bebe leite; (3) galinha; (4) franguinho; (5) pato; (6) patos
l LUSTRAÇÃO 2
Escrita com diferenciação interfigurais (Carmelo 6,2 anos).
(1) Carmelo Enrique Castilho Avellano (uma letra para cada nome).
(2) vaca.
(3) mosca
(4) borboleta
(5) cavalo
(6) mamãe como tacos (comida típica mexicana)
b) Período Silábico
A escrita silábica é o resultado de um dos esquemas mais importantes e complexos que se constroem du¬rante o desenvolvimento da leitura escrita. É quando se dá a descober¬ta de que as representações escritas têm um vínculo com a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sí-laba; tantas letras quantas sílabas. No mesmo período - embora não necessariamente ao mesmo tempo - as letras podem começar a adquirir valores sonoros silábicos relativamen¬te estáveis as partes sonoras seme-lhantes entre as palavras.
ILUSTRAÇÃO 3a.
Escrita silábica (letras de forma convencional, mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional) cada letra vale por uma sílaba (Jorge, 6 anos).
(1) ga - to (gato)
(2) ma-ri-po-sa (borboleta)
(3) ca-ba-Ilo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el-ga-to-be-be-le-che
'(o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
ILUSTRAÇÃO 3b.
Escrita silábica (vagais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sílaba (Francisco, 6 anos).
1. FRAN-CIS-CO (Francisco)
2. MA-RI-PO-SA (borboleta)
3. PALOMA (pomba)
4. PA-JA-RO (pássaro)
5. GA-TO (gato)
6. PA- TO (pato)
7. PEZ (peixe)
8. PEZ (2ª tentativa) (peixe – 2ª tentativa )
C) Período Silábico-Alfabético
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas pré-vios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em vias de se-rem construídos. Os conflitos prove¬nientes do meio social desestabilizam a hipótese silábica e a criança tem coragem de se comprometer em um novo processo de construção.
ILUSTRAÇÃO 4
Escrito silábico-alfabética (Júlio César, 6 anos)
(1) gato (gato)
(2) mariposa (borboleta)
(3) cabaIlo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el gato bebe leche (o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
c) Período Alfabético
Consiste no período que a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade, mas que ela é por sua vez, reanalisável em elementos menores.
Neste momento, deve haver uma estruturação dos vários elementos que compõem o sistema de escrita. Trata-se de conhecer o valor sonoro convencional.
a) pelo lado quantitativo não pode estabelecer regularidade dupli¬cando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas com 1,2,3, ou mais letras).
b) pelo lado qualitativo, problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de letras nem a identidade de le¬tras a de sons).
Capítulo 2 - AS CONCEPÇÕES SOBRE A LÍNGUA SUBJACENTE À PRÁTICA DOCENTE
As discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado sobre os métodos utilizados: analíticos versus sintéticos; fonético versus global, etc.
Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crian¬ças sobre o sistema de escrita.
A nossa compreensão dos proble¬mas, tal como as crianças os colo¬cam e da sequência de soluções que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um tipo de in¬tervenção adequada á natureza do processo real da aprendizagem. Re¬duzir esta intervenção ao método uti¬lizado é limitar nossa indagação.
É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança é introduzida na linguagem escrita e como se apresenta este objetivo no contexto escolar?
Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que só pode ob¬ter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que le¬vam a pensar que "o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabele¬cido de coisas, fechado, sagrado, imu¬tável e não modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como espectador ou receptor mecânico, sem nunca encon¬trar respostas aos porquês.
Nenhuma prática pedagógica é neutra e estão apoiadas nas concep¬ções do processo ensino e aprendizagem, bem como o objeto dessa aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que têm efeitos no domínio da língua escrita ou em outros conhecimentos. A reflexão psicopedagógica necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica.
A autora destaca que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três dificuldades conceituais iniciais que necessitam ser esclarecidas:
a) a visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado);
b) confusão entre escrever e de¬senhar letras;
c) e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das le¬tras e seu valor convencional.
Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua escrita subjacentes a algumas dessas práticas:
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de escrita.
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de apresentação de le¬tras e de palavras, o que implica uma sequência do “fácil" ou "difícil".
A autora descreve as experiências pedagógicas realizadas por Ana Teberosky, em Barcelona, baseada em três ideias simples, porém fundamentais:
a) Deixar entrar e sair para buscar informação extra-escolar dis¬ponível, com todas as conse¬quências disso;
b) O professor não é mais o único que sabe ler e escrever na sala de aula; todos podem ler e escrever, cada um ao seu nível;
c) As crianças não alfabetizadas contribuem na própria alfabetização e na dos companheiros quan¬do a discussão a respeito da re-presentação escrita de linguagem se torna prática escolar.
CONCLUSÕES
É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização integral não se resolvem com um novo mé-todo de ensino; nem com novos tes¬tes de prontidão; nem com novos materiais didáticos.
Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos pas-sar o eixo central das nossas discussões. Para ela, temos uma imagem empo¬brecida da língua escrita e uma imagem empobrecida de criança que aprende, um novo método não resolve os pro¬blemas. É preciso reanalisar as práti¬cas de introdução da língua escrita.
Ferreiro acredita ter chegado a momento de se fazer uma revolução conceitual a respeito da alfabetização.
Capítulo 3 - A COMPREENSÃO DO SISTEMA DE ESCRITA: CONSTRUÇÕES ORIGINAIS DA CRIANÇA E INFORMAÇÃO ESPECÍFICA DOS ADULTOS
Escrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
A leitura e a escrita, há muito são consideradas como objeto de uma instrução sistemática e cuja aprendizagem, suporia o exercício de uma série de habilidades específicas. Mui¬tos trabalhos de psicólogos e educa-dores têm se orientado neste sentido.
As autoras realizaram pesquisas so¬bre os processos de compreensão da linguagem escrita e abandonaram es¬tas ideias, pois, para elas, as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da escolari¬zação como parte da atividade da ida¬de pré-escolar. Essa aprendizagem se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras.
A escrita não é um produto es¬colar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e tem meios concretos de existência especial-mente nas concentrações urbanas.
1. Construções Originais das Crianças
Por meio de diferentes situações experimentais, as autoras obtiveram dentre os resultados o seguinte:
• aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma marca gráfica possa ou não ser lida;
• o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figu¬rativo", por um lado, e o "não-figurativo", pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o crité¬rio de "quantidade" mínima de caracteres: ambos são constru¬ções próprias da criança.
2. Informações Específicas
No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a uma in¬fluência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São concep¬ções acerca das propriedades estru-turais e do modo de funcionamento de certo objeto.
Ao contrário, existem conhecimen¬tos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser adquiridos por meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores).
A criança que cresce em meio "le¬trado" está exposta a interações, se vê continuamente envolvida, como agente e observador no mundo "le¬trado". Os adultos lhes dão a possi¬bilidade de comportar-se como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente o essencial das práticas soci¬ais ligadas à escrita.
3. Algumas Implicações Pedagógicas
A dimensão das questões pode suscitar de imediato uma pergunta: se a compreensão da escrita come¬ça a se desenvolver antes de ser en¬sinada, qual é o papel, principalmen¬te dos professores no que tange à aprendizagem? E a escola?
A transformação desta prática é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e insubstituível, aju¬dando as crianças, especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos. O professor é quem pode minorar esta carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança.
Alguns aspectos sobre os quais os professores deveriam estar atentos:
a) Se a escrita remete de maneira óbvia e natural à linguagem, estaremos supervalorizando as capacidades da criança que pode estar longe de ter desco¬berta sua natureza fonética.
b) Em contrapartida, poderíamos menosprezar seus conheci¬mentos ao trabalhar exclusiva¬mente com base na escrita, como cópia e sonorização dos grafemas.
c) Não desvalorizar seus esforços para compreender as leis do sistema tratando suas produ¬ções como rabiscos.
d) Avaliar tendo em vista os pro¬cessos e intenções e não ape¬nas como certo ou errado, do ponto de vista ortográfico.
e) Ênfase na produção de traça¬do reduz a escrita a um objeto 'em si', de natureza exclusiva¬mente gráfica.
f) Os problemas que a criança en¬frenta em sua evolução não estão sujeitos á qualificativos em termos de "simples" ou "complexos". São os proble¬mas que ela pode resolver de forma coerente e não aleatória.
g) Finalmente, se só nos dirigir¬mos às crianças que compar¬tilhem alguns de nossos conhecimentos deixaremos dei lado uma grande parte da po¬pulação infantil estacionada em níveis anteriores a esta evolu¬ção condenando-a ao fracasso.
5. Processos de Aquisição da Língua Escrita no Contexto Escolar
Estamos acostumados a conside¬rar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de aprendizagem escolar (controle sistemá¬tico), que há grande dificuldade em considerar que o desenvolvimento da leitura / escrita acontece antes da escolarização.
As crianças ignoram este contro¬le e desde que nascem estão cons¬truindo objetos complexos de conhecimento e o sistema de escrita é um deles.
A construção de um objeto de conhecimento é muito mais que uma coleção de informações. Implica a construção de um esquema concei¬tual, que permite interpretar dados prévios e novos dados, isto é, que possa receber informação e transformá-la em conhecimentos; um esque¬ma conceitual que permita processos de interferência acerca das propriedades não-observáveis de um deter¬minado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado.
O propósito de controlar o pro¬cesso de aprendizagem supõe que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão da aprendi¬zagem.
Ferreiro adverte que os estudos de Piaget nos obrigaram a reconhecer a importância de considerar os proces¬sos da criança no desenvolvimento cognitivo, obrigando-nos a abando¬nar o ponto de vista do adultocentrismo.
A pesquisa de Ferreiro, além da análise qualitativa, apresenta dados quantitativos procurando evidenciar que não se está referindo a uma mi-noria de crianças.
Projeto de Pesquisa na Diretoria Geral de Educação Espacial-Ministério de Educação do México - 1980-1982.
Objetivo Principal Prático - conhe¬cer e descrever o processo de apren-dizagem que ocorre nas crianças antes de serem rotuladas como "crian-ças que fracassam".
Objetivo Teórico - saber se as cri¬anças que ingressam no 1°. Grau em níveis pré-alfabéticos de concepção leitura/escrita, seguirão com a mes¬ma progressão evidenciada por ou¬tras crianças antes de entrarem para a escola, a despeito do fato dos mé¬todos e procedimentos de ensino pro-curarem conduzi-los diretamente ao sistema alfabético da escrita.
População Alvo - (crianças repe¬tentes ou evadidas) de três cidades (México - centro, Monterrey – norte e Mérida - sul) -71 escolas - índice maior de "fracassos" e 159 classes de 1ª série que entravam pela primeira vez na escola.
Amostra - 959 crianças, entrevis¬tadas a cada dois meses e meio; fi¬nalizou-se o trabalho com 886 des¬sas mesmas crianças.
Testagem - foram propostas qua¬tro palavras dentro de um dado cam¬po semântico (nome de animais ou de alimentos) com variação sistemá¬tica no número de sílabas (de 1 a 4 sílabas).
Eventos - 80% de crianças come¬çaram o ano pré - silábicas; 13 cri¬anças nível alfabético e 11 crianças não terminaram a testagem. Os to¬tais finais - de 862 crianças e 3.448 entrevistas.
Padrões Evolutivos - Ao longo do ano escolar:
• 33% passam de um nível de conceitualização sem omitir passo.
• 38% seguiram passos seme¬lhantes, porém omitindo o ní¬vel silábico-alfabético.
• 13% não mostraram qualquer progressão de um nível ao se¬guinte e nenhuma permaneceu no silábico-alfabético.
• (25) crianças que entraram no nível silábico-alfabético não tiveram problemas.
• 16% passaram do pré-silábico ao alfabético (cumprem as ex-pectativas da escola).
• 71% passaram por outros tipos de escrita.
• 52% passaram pelo silábico (451 crianças).
• 87% ingressaram ao nível silá¬bico e chegaram ao alfabético.
De outra parte, as crianças que ingressaram no pré-silábico (708) não chegaram ao alfabético na mesma proporção.
• 55,5% (das 393) chegaram ao alfabético.
• 14,5% (103) chegaram ao si¬lábico-alfabético.
• 15% (107) chegaram ao nível silábico.
• 14,8% (105) permaneceram ao longo do processo sem com¬preender a relação escrita na pauta sonora das emissões.
CONCLUSÃO
A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou si-lábico-alfabético apresentam-se "ma¬duras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da escola sendo que são as que mais necessitam de escolarização.
CAPÍTULO 4 - DEVE-SE OU NÃO SE DEVE ENSINAR A LER E ESCREVER NA PRE-ESCOLA? UM PROBLEMA MAL COLOCADO.
A polêmica sobre a idade ótima para o acesso à língua escrita ocu¬pou milhares de páginas escritas por vários pesquisadores.
O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adul¬tos que decidem quando essa apren¬dizagem deverá ou não ser iniciada.
Para Ferreiro, a função da pré-escola deveria ser de permitir às cri¬anças que não tiveram convivência com a escrita, informações básicas sobre ela, em situações de uso so¬cial (não meramente escolar).
Para tanto é necessária imagina¬ção pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita:
• Formação psicológica para compreender as respostas e as perguntas das crianças.
• Entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais que a aprendizagem de um código de transcrição e sim a construção de sistema de representação.
6.FERREIRO, Emília. Cultura Escrita e Educação: Conversas de Emília Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa Maria Torres. Porto Alegre: Artmed, 2001.
Em "Cultura escrita e educação", des¬creve-se como a perspectiva obriga a recolocar aspectos tão importan¬tes como o que é errado e qual o seu papel na construção do conhecimen¬to, o que é legitimo esperar dos mé-todos de ensino, o papel do docente na aprendizagem, as fronteiras do sis¬tema escolar etc. O fio da pesquisa iniciada na descoberta de teorias es¬pontâneas das crianças sobre a es¬crita conduz à recolocação das rela-ções no interior do sistema educativo e, mais importante ainda, à análise da localização desse sistema no âm¬bito social.
"A escrita é importante na escola, por que é importante fora dela e não o contrário", uma afirmação, sobre a qual Ferreiro volta continuamente, já se anunciava nessa obra fundado¬ra como um diagnóstico do que era a escrita no sistema educativo (um objeto meramente escolar) e, ao mesmo tempo, uma proposta do que deveria ser para contribuir com a de-mocratização da língua escrita.
A obra também nos mostra como a veia aberta nessa aventura pionei¬ra, longe de se ter esgotado, conti¬nua sendo fonte de achados trans-cendentes. As perguntas formuladas conduziram a novos achados e a novas indagações, que agora são feitas de acordo com a recolocação da cul¬tura escrita em outras ciências. Este livro é o resultado de sete sessões de conversas que Emilia Ferreiro teve com José António Castorina, Rosa Maria Torres e com Daniel Goldin, entre dezembro de 1995 e fevereiro de 1996.
Primeira Jornada - A alfabetização como problema teórico e político
A primeira jornada relata a gênese do projeto e permite ao leitor uma compreensão cabal dos diversos pla¬nos imbricados no campo da aquisi-ção da língua escrita. Destacam-se as complexas relações entre a aproxima¬ção teórica e as práticas educativas, que trazem à discussão a dimensão política implícita na Educação.
Os testes: uma questão teórica?
Emília Ferreiro cita que o proble¬ma dos testes pode ser visto como um problema acadêmico e político. Recebera muitas propostas para elaborá-los, mas os considerava um negócio editorial e meros instrumen¬tos de discriminação. Ela sabia que era difícil propor uma política de não-discriminação. Seu argumento era: enquanto a língua escrita não esti¬ver democraticamente distribuída entre a população, o acesso à infor¬mação vinculada à língua escrita tampouco será acessível de uma maneira igualitária, e qualquer pro¬va de conhecimento sobre a língua escrita, aplicada no começo do Ensino fundamental, terá um efeito discriminador. Não era questão de substituir um mau teste por outro melhor, mas ir contra essa política.
Começar a pensar a aquisição da língua escrita
A autora relata que começou sua pesquisa na década de 70, após a conclusão de sua tese, em Genebra. Buenos Aires estava em meio a um processo de transição política, o que dificultou sua vida profissional na uni¬versidade. Então, passou a trabalhar com seu marido, em Montevidéu; isto coincidiu com o interesse pelo estu¬do do uso da linguagem oral no início do Ensino Fundamental. Ao fazer este trabalho, Ferreiro percebeu que a enor¬me quantidade de intercâmbios linguísticos tinha a ver com a escrita. A língua escrita passou a ser encara¬da como uma espécie de passagem inevitável pela escrita para voltar à lín¬gua oral. Voltou-se à língua oral, mas em termos completamente distintos.
A pesquisadora acredita estarem vinculadas a perspectiva puramente metodológica e a ideia de que as con¬dições de aprendizagem da escrita são puramente uma lista de habilidades sensório-motoras, mas que elas não são iguais. Ela cita que lutou contra os métodos, apesar deles serem muito discutidos. Em consequência disso, hoje alguns concluem que essa posi¬ção não conduz a nenhuma alternati¬va metodológica, ou que tais desen¬volvimentos teóricos inibem qualquer possibilidade de considerar alternativas pedagógicas gerais ou didáticas espe¬cíficas. O que não se compreende é que são momentos de um processo.
Ao começar sua pesquisa, foi ne¬cessário recolocar a discussão: "Vamos por os métodos entre parênteses; va¬mos fazer distinção necessária entre método de ensino e processo de aprendizagem".
Segundo Emilia, a proposta metodológica deve considerar os pro¬cessos de assimilação, que são meca¬nismos fundamentais para aquisição de conhecimento. Toda proposta do adul¬to, para ser realmente entendida, deve ser assimilada pela criança.
No início da vida escolar é que são detectadas as dificuldades com a es-crita. E, realmente, saber o que acon¬tece com aprendizagem da leitura é um dado crucial para entender os fenômenos de repetência inicial por¬que o fracasso escolar inicial está centrado na língua escrita.
Antigamente, a visão que existia era a instrumental, segundo a qual escri¬ta é uma técnica de transcrição de sons em formas gráficas e vice-versa. Ferreiro então argumenta: "Dessa perspectiva técnico-instrumental nada há que conhecer, simplesmente há coisas para memorizar e reter...". Nes-se sentido, Emilia afirma que uma vi¬são psicológica prévia deve estar vin-culada à metodologia de ensino, dei¬xando de lado a visão instrumental que se tinha. Isso foi difícil porque o co¬nhecimento sobre a escrita estava em estado virgem, e poucos linguistas da época falaram sobre o assunto.
A construção de um novo objeto conceitual
Ferreiro afirma que, para gerar novas práticas alfabetizadoras mais democráticas, é preciso promover pesquisas, e consequentes práticas. Deve-se mudar a ideia preestabele¬cida do objeto de estudo, e apoiar-se sobre mudanças já realizadas. Alfa¬betização implica um trabalho conceitual e o problema reside na concepção do sistema da escrita como sistema de representação, e não na noção pontual dos aspec¬tos sonoros da linguagem. Este pro¬blema tornou-se aparente, paulatina¬mente, a partir de seus estudos.
A pesquisadora formou um gru¬po na Argentina que gostaria de aprender mais sobre a escrita. Ele era formado por Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernández, Ana Maria Kaufman e Delia Lerner. Todas esta¬vam convencidas da importância da escola pública, e da necessidade de garantir o direito à alfabetização.
Inicialmente, elas interrogaram crianças de seis anos, e logo depois partiram para a faixa dos três anos, e as opiniões inesperadas apareceram. Apresentavam às crianças algumas palavras que sabiam ser usadas pelos professores, e perguntavam se elas as conheciam, usaram o método da palavra geradora, ou seja, que consiste em apresentar uma palavra, dividi-la primeiro em sílabas e logo depois em letras. Depois vai se juntando, isto é, fazendo o processo inverso - decompor e recompor. Algumas crianças disseram coisas muito interessantes, mas não foram obtidos resultados reveladores, pelo menos naquele momento.
Configurou-se, na pesquisa, o ingrediente de formação piagetiana: em um modelo de experimentação em que se trabalham com respostas corretas e erradas, as respostas exóticas não causam dificuldade, só são mais uma das erradas. Todavia, com a formação piagetiana clássica, sabe¬mos que justamente as respostas que apresentam desvios são as que dão melhor informação para entender como se pensa antes de pensar convencionalmente e como se chega a pensar convencionalmente.
Quando as crianças conseguem coordenar as semelhanças e as diferenças entre duas escritas, sendo uma transformação da outra, a interpretação das mesmas é resolvida mantendo-se uma família semântica. Esse princípio é o mesmo na história da escrita principalmente os textos de Gelb e Cohen. Gelb considerou as escritas silábicas como prévias às alfabéticas e isso foi visto nas crianças: no momento em que começam a entender que os rabiscos (as letras) têm algo em comum com pedaços da linguagem, buscam unidades menores que as palavras e encontram a sílaba. De diversos pontos de vista, é mais racional que se chegue a fazer um recorte em sílabas do que em fonemas; o fonema é uma entidade muito abstrata.
Sociogênese e psicogênese da língua escrita
Emilia Ferreiro afirma que é um ponto de vista muito conflitante a semelhança entre certos processos da história em geral e a biografia parti¬cular. Em Piaget, não há uma ideia central de que a psicogênese recapi¬tule a sociogênese. Existe, sim, a ideia que, tanto no desenvolvimento his¬tórico como no individual, certas di¬ficuldades epistemológicas necessi¬tam ser superadas para que se alcan¬ce a compreensão de certos objetos, ainda que o conteúdo dessas ideias e conceitos seja diferente em cada caso. A ideia de dificuldade epistemológica, e onde se situa tal dificul¬dade, importa mais do que as solu¬ções particulares que foram sendo encontradas. Ferreiro recorre à lite¬ratura sobre a história da escrita por¬que ela lhe forneceu outra maneira de pensar. Não poderia entender o desenvolvimento da criança se par-tisse de sua própria hipótese como usuária de um sistema alfabético.
Na literatura psicológica, são fil¬tradas todas as pressuposições que um adulto alfabetizado tem. Ferreiro começou a ver essa literatura de ou¬tra maneira, recuperando a visão do alfabeto que nós mesmos temos. Ao estudar os fatos históricos, a autora não estava buscando analogias, mas repensando seus próprios pressupos¬tos. Ela relata que, com sua pesqui-sa, ficou mais claro que a criança constrói sistemas interpretativos que são baseados mais em correspondên¬cias de significados do que em cor-respondências sonoras. E quando começa a estabelecer correspondên-cias sonoras, não iniciava com as unidades que pretendem os adultos, que são os fonemas, mas com outro tipo de unidade: a sílaba. Isso vai de encontro à visão escolar tradicional, que é atomística, alheia a toda noção de sistema.
A domesticação da escrita na escola
A pesquisadora piagetiana afirma que a escrita não era objeto de nin¬guém, com exceção do professor do primeiro ano do Ensino Fundamen¬tal, que havia se apropriado dele de tal maneira que o havia transforma¬do, ou seja, a escrita havia sido trans¬formada de objeto social para objeto escolar: a escola faz a domesticação do objeto. O objeto da escrita no mundo social é um objeto selvagem. A escola decide que letras e combi¬nações são apresentadas em certa ordem e constrói sequências com a boa intenção de facilitar a aprendiza¬gem. Essa transformação da escrita em um objeto de propriedade esco¬lar exclusiva fez com se perdesse al¬gumas funções que a justificaram como objeto de importância social. A escrita transformou-se em um ins¬trumento para passar de ano.
Pesquisar e atuar
Emilia cita que a pesquisa que fez é a chamada básica, a qual foi útil para compreender fenômenos de aprendizagem ignorados até então, mas sem ter pretendido de imediato modificar a realidade. A pesquisado¬ra apresenta, também, a importân¬cia da pesquisa para o professor como fonte de conhecimento e no¬vas práticas educativas. Isso influen¬cia sua atuação em sala de aula, pois possibilita a aplicação de novas idei¬as que surgiram a partir de pesqui¬sas realizadas. Ela considera que um professor deve ter uma atitude investigativa, porque isso quer dizer que é alguém que pensa e, portanto, continua aprendendo. E isso não cabe só ao professor: a atitude investigativa é boa para qualquer profissional.
O estudo de um novo campo
No diálogo entre Goldin e Ferrei¬ro, é citado que historiadores come¬çam a documentar práticas de leitura que abrangem outras disciplinas, o que ajuda na compreensão da complexi¬dade da alfabetização. As fronteiras entre as disciplinas começam a ser derrubadas, e inicia-se uma leitura antropológica, histórica, linguística e também psicológica da escrita. Isso modifica a concepção da escrita, pois abre espaço para diálogos inéditos.
Ferreiro cita o exemplo da histó¬ria evolutiva, como era conhecida a história da escrita nos anos 80. Ela começa com sistemas pictográficos que depois se transformam na pos¬sibilidade de utilizar um desenho não para referir-se ao objeto em questão, mas para aludir a outro objeto cujo nome soasse igual. Na história evolutiva, todos os sistemas prévios ao alfabeto foram considerados defi¬cientes: faltava alguma coisa a todos. Eram considerados preparatórios até a conquista do alfabeto. Este era con¬siderado perfeito: simples, econômi¬co, fácil de aprender; permitia escre¬ver tudo que se quisesse.
Mas com as novas descobertas, mudou-se a forma de apreciar os fe-nômenos. Emilia cita o exemplo de Piotr Michalowsky, que sustentou que os sistemas de escrita foram criados como sistemas e que em sua origem são mistos, isso porque no começo há signos ideográficos; há signos fônicos que geralmente são silábicos e há signos silenciosos, que indicam categorização dos elementos. Essa ideia não admitia uma origem pictográfica dos sistemas. Esse con¬ceito se estendeu a outros acadêmi-cos, que também recusaram a ideia da pictografia como primeira etapa da história da escrita, porque era muito duvidoso que o que chamavam de "a ordem do desenho" tivesse evo¬luído até se tornar a escrita, afinal o desenho teve seu desenvolvimento próprio, inclusive nesta época.
Ferreiro relata que naquele mo¬mento se deu conta do que se falta¬va fazer em relação às escritas: renunciar ao protótipo da escrita per¬feita, o alfabeto, e analisá-la por si mesma, sem compará-la ao protóti¬po. A partir daí, é possível ver a exis¬tência dos elementos não alfabéticos, como a separação entre palavras, por exemplo, ou até mesmo a pontuação. A pesquisadora piagetiana afirma que a evolução histórica dos sistemas al-fabéticos partiu do seguinte principio: introduziu elementos gráficos que apontam para o semântico, para ca¬tegorias do que se diz, violando os princípios alfabéticos.
A partir da grande descoberta do alfabeto, foram introduzidas marcas que já não correspondiam aos prin¬cípios fundamentais de criação des¬se sistema. Apenas recentemente as pessoas, inclusive os linguistas, ani-mam-se a falar do ideográfico den¬tro do sistema alfabético; porque an¬tes, se falássemos desse tipo de coi¬sas, parecia que se faltava com o res¬peito à sua própria escrita.
Os sistemas de escrita se desen¬volveram por distintas necessidades sociais, deparando-se com o fato de que não é possível mover-se em um só nível de análise. É compreensível que tanto os sistemas atuais como os originários sejam mistos, porque expressam os diferentes modos de analisar as unidades linguísticas e a necessidade de dar conta desses di-ferentes modos de analisar unidades e níveis de análise que a própria escrita ajudou a descobrir. Todos esses achados permitiram ver aspectos do processo de alfabetização que antes não podiam ser detectados.
Segunda Jornada - Com e a partir de Piaget
Ferreiro narra aqui a formação na Faculdade em Buenos Aires, a sua mudança para Genebra e o encontro com a figura intelectual que alterou o percurso de sua vida: Piaget. Mos¬tra também como, em afinidade com as posturas piagetianas, não se limi¬tou a realizar uma tradução mecâni¬ca da teoria psicogenética.
Ela pertenceu à primeira geração de psicólogos argentinos que, junto com os professores, praticamente inventou esse curso. Foi delegada estudantil no Conselho diretor da Faculdade e depois no Conselho Su¬perior da universidade de Buenos Aires. De suas lembranças, distingue dois tipos de professor: o que fala a partir de uma prática, ou o que fala somente a partir da leitura; estava se referindo às pessoas com grande ca¬pacidade pessoal que tinham se atualizado bastante para dar aulas, mas não tinham uma prática coerente com o seu ensino que o sustentasse.
Do mestre Piaget ficaram muitas lembranças e muitas lições. Mas, o que mais interessava era ver se a teoria de Piaget era realmente uma teoria geral de processo de aquisição de conheci¬mento, em cujo caso deveria colocá-la a prova em campos que não tinham sido os campos de desenvolvimento fundamental da teoria.
A psicolinguística contemporânea estava sendo construída. Naquela época, não se podia falar de lingua¬gem sem se falar de Chomsky, por¬que suas ideias estavam revolucionan¬do todo mundo. Ele convocou os psicólogos a mostrarem a realidade psicológica do modelo linguístico, e aí começou uma nova era da psi¬colinguística. Chomsky foi uma figu¬ra de referência, absoluta inevitável. Os chomskianos dedicaram-se a es¬tudar a linguagem em termos de como uma criança faz para desco¬brir que a língua particular é falada. Não se tentava construir linguagens, mas sim descobrir, entre todas as lín¬guas possíveis, que a criança podia criar a partir de seus universais, qual se fala, aqui neste lugar. Essa crian¬ça não é criança piagetiana, mas ti¬nha alguma coisa em comum: apro¬ximar-se da realidade por meio de uma teoria.
Ferreiro trabalhou como auxiliar de pesquisa com Herminie Sinclair, que tinha o primeiro grupo que realmen¬te se dedicou à análise da linguagem, e também trabalhou com Bärbel Inhelder, que notou o bom conheci¬mento em psicanálise de Ferreiro e a convidou para ajudar nesse tem em seu curso sobre teorias contemporâ¬neas em psicologia do desenvolvi¬mento.
Mas ela queria trabalhar com Piaget, e para isso, entrou no Centro de epistemologia Genética, onde es¬tava estudando a casualidade, ou seja, noções e relações físicas elementa¬res. Nesse tempo, Piaget possuía uma regra: dava oportunidade a quem solicitava; caso se saísse bem, ótimo, senão, adeus.
Geralmente ele desig¬nava um problema e dizia "desenvol¬vam-no". E assim ele o fez. Ferreiro deveria desenvolver um problema di¬fícil de movimento browniano. Feliz¬mente, Emilia conseguiu resolvê-lo; a partir daí, teve a confiança de Piaget. Nesse meio tempo, conheceu Alina Szeminska, escreveu com Piaget o li¬vro sobre a gênese do número na criança e que a ajudou em muitas de suas pesquisas.
A língua escrita a partir da teoria psicogenética
Piaget propunha uma função semiótica geral a partir do momento em que as crianças manifestam distinguir o significante do significado (jogo simbólico e linguagem são os melhores indicadores). Ele primeiro chamou-a de função simbólica e depois de função semiótica.
A autora sustenta em sua tese que a aquisição de um sistema de símbolos socialmente individuais não é a mesma coisa que a de um sistema organizado. A escrita tem uma existência social além das vontades individuais.
A visão que Piaget concebe da infância não é uma visão adocicada, é a visão de um criador intelectual, de um alguém que põe ordem no caos da experiência e que reconstrói a re¬alidade para poder possui-la.
Terceira Jornada - A importância da reflexão teórica
Talvez a maior densidade conceitual. Fala sobre a importância da teoria no campo da pesquisa cientifica em matéria de educação e sobre os diferentes conflitos epistêmicos que motivam o desenvolvimen¬to intelectual da criança. São anali¬sados temas como qual é o dado re¬levante na pesquisa, e a autora expli¬ca porque o objeto de seu interesse não é a escrita e nem a leitura, mas as ideias que as crianças têm em re¬lação à palavra escrita. Aborda-se também a discussão sobre se a escrita é representação ou codificação um tema que tem grande importân¬cia nas formulações pedagógicas re¬lativas à língua escrita.
O dado: leitura, escrita, ou as ideias sobre o escrito?
Paradoxalmente, Ferreiro diz que a ela não interessa a leitura e nem a escrita, o que a interessa é que tipos de ideias o sujeito constrói sobre o escrito. É importante considerar que o dado que manejamos não é a folha produzida por uma criança. O dado é o resultado das condições de pro-dução, que podem ser diferentes. O dado é a intenção, o próprio proces-so de produção, que está pronto e a interpretação que faz, uma vez que o produto está terminado conforme seu ponto de vista, diz Ferreiro.
Nem a leitura, nem a escrita lhe interessam porque sua intenção não foi fazer um modelo do processamento que ocorre no detalhe dos fatos para poder ler alguma coisa, senão que utilizou a leitura como um indicador a mais dentro de todos os indicadores que recolheu para enten¬der que tipo de ideias sobre o escrito as crianças constróem progressiva¬mente. Isso não altera o fato de que, em alguns trabalhos não tenha enfatizado a leitura como tal. Mo en¬tanto, construir modelos de funcionamento de um leitor e um produtor de textos seria fazer outra coisa, vin¬culada, mas diferente.
Emilia diz que se a escrita oferece uma representação, o leitor deve re-construir o objeto que não está ali, mas que foi representado, deixando de lado muitas de suas propriedades essenci¬ais para uma comunicação eficaz. Por outro lado, é preciso levar em conta que para a criança uma escrita é um conjunto de letras e não uma letra iso¬lada, ou seja, um composto de partes. Assim concebida a escrita, a letra não é interpretável; o que é interpretável é a composição de partes.
A pesquisadora cita o trabalho do linguista francês Claude Hagège, em que a escrita é uma análise linguísti¬ca com diversos graus de consciên¬cia. Uma língua escrita não é uma lín¬gua oral transcrita, é um novo fenô¬meno linguístico e cultural.
A escrita como representação
No processo de objetivação da lín¬gua, a escrita parece cumprir um papel fundamental, assim como na reflexão metalinguística, na criação de um vocabulário propriamente metalinguístico e na reflexão gramatical, diz Ferreiro.
A escrita foi depreciada ao ser con¬cebida como uma representação infi¬el da fala e, ao mesmo tempo, como uma simples convenção, uma pura atividade artificial. A partir dessa ideia puramente instrumental da escrita, há unidades na fala que têm correspon¬dência com unidades no escrito. As unidades parecem ser dadas; pelo aspecto gráfico, porque existem as letras, e pelo aspecto sonoro, porque os fonemas foram descritos.
Emilia afirma que há um proble¬ma com os termos que usamos: "representação" é um termo particularmente ambíguo e, em psicologia, é um termo que serve para tudo. Real¬mente, representação mental refere-se, sem dúvida, a um fenômeno in¬terior, mas o temo "representação" não tem por que aludir somente à interioridade. Representação é o con¬junto de atividades que as socieda¬des desenvolveram em graus diver¬sos, que consistem em dar conta de certo tipo de realidade, com certos tipos de propósitos, em uma forma bidimensional.
É necessário que tenhamos cons¬ciência de que a escrita é um sistema de representação cujo vínculo com a linguagem oral é muito mais comple¬xo do que alguns admitem. A autora dá exemplos de casos de fenômenos de entonação tão importantes na co¬municação oral: palavra com sentido irônico, depreciativo, elogioso, admira¬tivo, não transcreve a entonação; não há representação da entonação não escrita equivalente a representação das palavras. Ferreiro afirma que quando as crianças começam a aprendizagem sistemática da escrita, sabem que a entonação é muito importante e sabem disso perfeitamente: sabem distinguir perguntas de pseudoperguntas, afirma¬ções, ordens, etc.
Ressalta-se a importância do nome próprio; além de ser uma iden¬tificação insubstituível, ajuda a reconhecer que a ordem das letras no in¬terior de uma palavra não é aleatória e que a primeira tem um valor de in¬dicador fundamental para o restan¬te. Permite ter uma espécie de abecedário básico, com o qual algu¬mas crianças conseguem escrever quase tudo, utilizando as letras de seu nome, mas em outra ordem.
Teorizar para quê?
Emilia Ferreiro justifica seu inte¬resse pelas ideias das crianças por causa de sua formação piagetiana. "Se pensamos que os esquemas assimiladores são realmente impor¬tantes para entender a realidade, acre-ditamos também na importância das teorias, e as teorias são de ordem distinta, são teorias menores ou maio¬res, teorias mais gerais ou mais lo-cais, mas enfim, teorias. O que procuro é como a criança teoriza sobre a escrita, porque quero contribuir para criar a ciência da escrita, e essa ciência também será, em parte, uma reconstrução das teorizações que a “humanidade fez sobre a escrita".
Ferreiro relata que um dos benefí¬cios que se tem em conhecer as idei¬as das crianças é pôr em xeque a ideia ingênua que um adulto já alfabetiza¬do tem sobre o que é escrita. Uma das coisas que permite aos adultos relacionados com o ensino da escrita re¬pensarem sua própria relação com a escrita é entender que a criança tem uma visão legítima sobre a escrita, mesmo sendo diferente. A legitimação da visão da criança passa por lhe re¬conhecer a racionalidade e, no momento em que se estabelece isto, deve-se dialogar com essa racionalidade a partir de outra racionalidade, e não simplesmente descartá-la.
De alguma maneira, a educação não é contemplação e, por isso é, em certa medida, um ato de violência. O educa¬dor quer que a criança chegue a certo ponto, e não quer limitar-se a um ato de contemplação. Contudo, concebe as ideias originais que as crianças têm não como um conjunto de disparates ou ideias engraçadinhas, mas como um sistema coerente, entenderá que cons¬truir teorias é algo muito próprio da in-fância e dos adultos que continuam aprendendo, diz Ferreiro.
Quarta Jornada - Itinerários
Faz-se revisão da trajetória intelec¬tual e profissional de Ferreiro desde a publicação de "Psicogênese da língua escrita", e analisa-se como esse livro foi recebido. Mais uma vez evidencia-se a importância de dotar os profes¬sores de espaços teoricamente sus¬tentados para solucionar problemas fundamentais, tais como a evasão es¬colar. Nessa jornada, recapitula e anuncia as novas linhas de pesquisa em que trabalha atualmente.
A repercussão dos sistemas de escrita no desenvolvimento da criança
Emilia Ferreiro afirma que sua temporada no México deu-lhe mui¬tas oportunidades de trabalhar com o público que lhe interessava em sua pesquisa: as crianças de populações marginalizadas, que não tinham contato com a língua escrita, adultos analfabetos, grupos sociais para os quais a escolarização não é garantida e grupos indígenas.
Sobre a publicação do livro "Psicogênese da língua escrita", Castorina atribui essa difusão extraordinária nos âmbitos psicológicos e pedagógicos ao fato de ter produzido uma revolução profunda nos enfoques tradicionais da psicologia da alfabetização; produziu-se esse impacto porque as dificuldades nos processos de alfabetização tinham a ver, em boa parte, com a aplicação de teorias psicológicas totalmente falsas sobre o problema.
A pesquisadora diz que as pesso¬as que vinham de práticas inspiradas em Paulo Freire receberam bem o li¬vro. Encontraram algo que dava uma resposta técnica e não somente ideo¬lógica, porque embora o livro não seja didático, e não pretenda sê-lo, permi¬te a quem tem a inquietação de en¬contrar algo tecnicamente eficiente e que seja consistente em termos ideo¬lógicos de pensar didaticamente.
No Brasil, considerou-se que essa proposta era congruente com uma visão não-discriminadora, que não classificava as crianças em "as que não podem aprender" e "as que po¬dem", com uma ideia evolutiva que, por um lado, permite reconhecer co¬nhecimentos prévios mesmo nas cri¬anças marginalizadas e, por outro, caracteriza o professor como quem sabe mais, mas não como quem já sabe tudo.
Os períodos de evolução: problemas conceituais
Ferreiro relata que o modo de periodizar o desenvolvimento da cri¬ança é sempre muito complicado. Tem-se uma periodização de tipo macro em que todos podemos con¬cordar, mas, ao fazer uma periodiza¬ção mais detalhada, começa o problema do que é que se privilegia realmente.
As denominações usadas pela autora são: pré-silábico, silábico, e alfabético. O período silábico alfabético é quando, às vezes, a criança analisa algumas sílabas em termos de sons elementares, e outras, pare¬ce não analisar e propõe uma letra para uma sílaba e, às vezes, duas le¬tras para uma sílaba. Momentanea¬mente, ela descreveu como um perí¬odo de transição, em que há um fe¬nômeno misto, como algo a ser su¬perado, precisamente por que há uma oscilação entre um e outro tipo de regularidade.
Novas linhas de investigação
O multilinguismo e alfabetização é um dos temas fundamentais da esco¬la do século XXI, diz Ferreiro. Ou acei¬tamos que a globalização corre pare¬lha com o inglês como língua domi¬nante, ou defendemos a pluralidade lin-guística como algo que enriquece a es¬pécie humana. É necessário aprender a alfabetizar em contextos multilíngues, nem se fale em bilíngues.
Ferreiro afirma que antes é preciso denunciar certos preconceito. Toda in-vestigação sobre bilinguismo em nível oral tem uma distorção muito forte, a de considerar o bilinguismo como uma situação rara e o monolinguismo como uma situação normal. "Até agora vimos a alfabetização em uma língua e em um sistema de escrita; com se atrever a pensá-la em mais de uma língua e em vários sistemas de escrita? É preci¬so atrever-se a pensar que o multilin¬guismo é a situação normal e que tal¬vez o monolinguismo seja um déficit, ou seja, dar uma volta no eixo da nor¬malidade".
Dentro das novas linhas de inves¬tigação, além da defesa da pluralidade linguística como algo que enriquece a espécie humana, cita outro traba-lho: a construção de unidades de aná¬lise, em que se busca saber quais são as unidades do falante pré-alfabetizado e quais as que reconhece na fala depois de estar alfabetizado.
Quinta Jornada - A escrita descontextualizada, a escola em seu contexto
Nas três jornadas seguintes, o interlocutor principal de Emilia Fer¬reiro é Rosa Maria Torres, que tem ampla trajetória como assessora de programas de educação básica em numerosos países e instituições. Suas experiências em diferentes lugares levaram-na a uma revisão das cau¬sas e das implicações pelas quais a escrita tornou-se um objeto escolar e, simultaneamente, a situar os professores no sistema educativo e a escola no contexto social. A conver¬sa deriva para o tema da diversidade na escola: como a instituição escolar a encara e como a diversidade pode favorecer a aprendizagem.
A escola e o professor frente à mudança
A pesquisadora piagetiana afirma que a escola é uma das instituições mais conservadoras que existem na sociedade. As mudanças no sistema escolar são lentíssimas. "Desde a ci¬ência, estamos lutando com uma concepção pré-científica. Além do tema específico ser leitura, história ou geografia, lutamos contra um fenô¬meno universal que desemboca em uma incompreensão total do que é aprender e do que é ensinar".
O professor tem que falar, expli¬car, e as crianças têm que escutar, prestar atenção, repetir, reter. Supõe-se que assim funcionam as culturas de tradição oral.
Grande parte da experiência esco¬lar teria de ser o aprendizado das ro¬tas que levam ao saber acumulado durante séculos pela humanidade, mas continua sendo o professor o que sabe, e o sabe tudo. Ele é quem deci¬de quando recorrer ao livro, diz Emilia. Ela ainda afirma que os professores não estão preparados para trabalhar com livros, no plural; ele está capaci-tado para trabalhar com um livro, que é o que ele domestica a sua maneira. O professor deveria encarar isso como uma oportunidade sensacional de capacitação e deixar de ser o deposi¬tário de uma tradição que não o habi-lita a trabalhar com diversos livros.
A diversidade na escola e a escola frente à diversidade
Ferreiro diz que os espaços, os quais a cultura não escolástica criou para que outros espaços naturais da escrita dentro da sala de aula, geraram muito te¬mores, porque parece que se ultrapas¬sou uma fronteira. Há tempos fala-se que a escola tem que se abrir para a realidade, deixar a realidade entrar, sair em busca da realidade. Mas isso não acontece, as fronteiras entre o que é próprio e inerente à escola e o que é exterior ainda estão muito marcadas.
No caso dos livros, ainda tem-se muito que fazer. Deve-se romper as barreiras existentes entre os livros didáticos e os não-didáticos. O profes-sor deve aprender a lidar com muitos livros e deixar as crianças lerem, mes¬mo que seja uma leitura sem contro¬le. Ler é um bem em si mesmo.
Emilia afirma que o problema do livro-padrão ou do livro didático úni¬co está vinculado à criança única, à criança-padrão, à criança modelo in¬terno ou personificado em algum de seus tantos perfis das crianças de qua¬tro ou cinco anos. Qualquer criança que difira do padrão que os professo¬res de alguma maneira têm internalizado é uma possível candidata a não avançar no ritmo desejado, a não chegar na meta estipulada.
Segundo Emilia, negar a heteroge¬neidade e buscar a homogeneidade é querer aproximar-se de um mode¬lo, quer dizer, de um padrão social¬mente consensual. Porém, isso acon¬tece em todos os níveis.
Deve-se ver a diversidade entre as crianças como uma vantagem a ser explorada didaticamente, e não como um problema a ser resolvido.
Sexta Jornada - Críticas e Contracríticas
Rosa Maria Torres faz-se portavoz de alguns dos principais críticos de Ferreiro, e vemos como a autora es¬tabelece posições com clareza, co-meçando por defender o valor do pensamento científico na educação. Isto a conduz a refletir sobre quais os desafios de alfabetizar em um mun¬do de mudança.
Uma proposta sofisticada
Quando questionada sobre para que ter tanta sofisticação em suas propostas educacionais, Ferreiro ar¬gumenta dizendo:
• A pedagogia está longe de ter rigor científico de outras dis¬ciplinas, mas tenta; ela tem as mesmas possibilidades de ob¬ter avanços como as outras.
• Negar a possibilidade de ter um saber acumulado que vai sendo aperfeiçoado é grave, porque conduz a educação a qualquer um com boa vonta¬de e um pouco de entusiasmo.
• Acreditar na impossibilidade de investigação pedagógica é ne¬gar possibilidades de avanços.
O mito de que "nos velhos tem¬pos tudo foi melhor" teria de ser apro¬vado pelos fatos, conclui Ferreiro. A crise dos métodos tradicionais é agra¬vada, precisamente, quando se en¬frenta os desafios da alfabetização universal. É nesse ponto que a crise se torna mais aguda e que se torna evidente que alguns métodos funci¬onavam bem não porque o método fosse bom, mas porque se estava agindo sobre crianças que já tinham uma informação básica bastante só¬lida. Tal informação não foi verificada, nem é verificada hoje em dia, por que é mais fácil supor que chegaram ig-norantes à escola.
Proposta, método, didática ou teoria?
Emilia diz que nunca batizou com um nome seu trabalho. Ela se negou a fazer isso, e consequentemente, em cada lugar foi adotada uma nomen-clatura. No México, foi usada "pro¬posta" desde a Educação Especial. No Brasil, é usado o termo "Psicogênese". Ninguém nunca usou a palavra "método" porque isto sem¬pre foi algo que Ferreiro não gostaria de discutir: "todo mundo sabia que eu praguejava contra qualquer um que dissesse que eu elaborava uma proposta metodológica".
O que ela realmente fez foi tentar entender que tipo de relação é gerada entre uma criança definida como su¬jeito cognoscente, ou seja alguém que quer conhecer, e um objeto definido como objeto de conhecimento. Tentan¬do entender essa relação, começou a definir muito mais o objeto que o su¬jeito. O sujeito era-lhe bem conhecido graças a Piaget; porém a reconversão da escrita significou e continua significando um trabalho sério.
Alfabetizar em uma realidade mutante
Ferreiro afirma que não é neces¬sário ser um seguidor de Piaget, nem ter conhecimentos muito sofisticados para que o professor desenvolva um bom trabalho com as crianças. O profissional de ensino deve ser curi¬oso, ter a sensação e que não apren¬deu tudo, e que é possível continuar aprendendo. O principal é ter respei¬to pela criança.
Grande parte dos objetivos esco¬lares que estão vinculados à alfabeti-zação está totalmente defasada em relação às exigências extra-escolares. Parte do que percebemos como cri¬se mundial da alfabetização tem a ver om essa defasagem. Houve uma mudança substancial muito impor¬tante nas exigências da alfabetização extra-escolar, e a escola não quer se dar conta disso.
O mundo moderno é cada vez mais urbano, e a escrita tem um lugar cuja relevância não existe em âmbitos não-urbanos. O uso da in¬formação escrita tende a aumentar. Nas cidades mais desenvolvidas, os seres humanos são substituídos por cartazes com instruções e máquinas diante das quais é preciso reagir se¬guindo passos em certa ordem e seguindo instruções que é preciso com¬preender.
A defasagem entre a escola e o mundo externo existe de uma maneira muito drástica. O assunto de "por que tanto barulho" tem de ser colocado em termos das exigências de alfabetização que o mundo moderno exige e que a escola não pode ignorar. Houve mui¬tos diagnósticos sobre essa situação, os quais os franceses chamavam de illettrisme, ou seja, o iletrismo. Iletrismo é diferente de analfabetismo. Um anal¬fabeto seria aquele que não passou pela escola, que não aprendeu. O iletrado seria aquele que passou pela escola e, apesar disso, não lê.
Ferreiro afirma que a pessoa que sai da escola precisa ser capaz de continuar sua formação por seus pró¬prios meios. Deve saber buscar a informação e saber utilizá-la; saber selecionar, julgar, discernir.
Existe um grave problema quanto ao controle da informação; ela está sendo con¬trolada pelas grandes multinacionais. Supõe-se que teríamos a informação ao alcance das mãos, mas temos uma informação já selecionada. Saber encontrar a outra informação, a que não está a vista, será indispensável para que alguns graus de liberdade subsistam no mundo.
Sétima Jornada - Contraponto
Título da última jornada: Contra¬ponto. Fala de Paulo Freire, suas afinidades e suas diferenças. Mostra novamente a versatilidade do pensamento e da atividade de Emilia Fer¬reiro, expressa em temas como as relações complexas entre oralidade e escrita, os riscos e a perspectiva de centrar a pedagogia na compreensão do sujeito que aprende, a cultura es-crita na primeira infância ou o multiculturalismo e o bilinguismo.
Paulo Freire: afinidades e diferenças
Rosa Maria relata as afinidades entre Emilia Ferreiro e Paulo Freire. Ambos não puderam controlar suas interpretações: transformaram-nas em métodos; caminhos novos prar se chegar a uma cartilha e desenvolver um programa de alfabetização. Emilia diz que eles se parecem muito na busca, na convicção de que é preci¬so reformular o problema, de que não se pode continuar fazendo as mes¬mas coisas. O tipo de indivíduo que se quer conseguir por meio do pro¬cesso de alfabetização é bastante semelhante, assim como é semelhante o fato de imbricar a alfabetização com outros temas.
Falar e escrever
Ferreiro fala de seu novo projeto, feito em conjunto com Clotilde Pontecorvo. E a análise da reescrita de nar¬rativas tradicionais em várias línguas. Ele está centrado em um tema mui¬to geral: a relação entre oralidade e escrita. Na pesquisa, Emilia percebeu que as crianças incluíram formas repetitivas próprias do discurso oral nos textos. As crianças conseguem organizar a narrativa, mas tem difi¬culdade em manter diferenciados os espaços entre a narrativa e o discur¬so direto.
A pesquisadora piagetiana afirma que é preciso destacar as diferenças entre linguagem oral e linguagem escrita, porque é preciso romper com uma tradição na qual se supõe que primeiro tem-se que melhorar a ex-pressão oral senão a escrita será la¬mentável, uma das maneiras de me-lhorar a expressão oral é pronunciar uma palavra de maneira que sua pro-núncia corresponda à sua escrita.
Todo indivíduo, adulto ou crian¬ça, por mais analfabeto que seja, vive em uma cultura letrada, pode ante¬cipar algo sobre o que se escreve e estabelecer uma fronteira muito cla¬ra entre o que pertence ao domínio oral e o que é do domínio escrito. A diferença entre escrita e oralidade deve ser estabelecida desde o come¬ço. A separação não existe em nível oral. Ninguém fala fazendo pausas entre cada palavra, mas escrevemos assim, e o leitor usa a informação de separação de palavras bastante cedo.
Quem controla a aprendizagem?
Emilia Ferreiro afirma que há um grande problema ideológico em tor¬no desse controle. Em suas teorias, as crianças são livres para fazer o que bem entendem; não há normas para controlar a escrita correta, caligrafia e ortografia são secundárias. Muitas pessoas até identificam Ferreiro como uma grande instigadora da libertina¬gem total nas aulas. Existe uma gran¬de ruptura, diríamos total, com o a tradição.
A pesquisadora argumenta que o sujeito é ativo na construção do co-nhecimento e organizador da infor¬mação. A resistência reside na difi-culdade se reconhecer aprendizagens feitas em contextos não controlados e reconhecer na criança em desen¬volvimento uma grande organizadora da informação.
O problema da caligrafia, por exemplo, é fácil de resolver, diz Fer¬reiro. Temos a máquina de escrever, ou o teclado; este é um bom instru¬mento didático. Ela deixou de ser um valor em si mesmo, embora não em todas as culturas. O problema da legibilidade do escrito não é o mes¬mo que o problema da caligrafia; é um problema relativo à escrita ma¬nual. Em relação à ortografia, a cri¬ança deve aprender a ser revisor de si mesma, de seu próprio texto. Ela deve ver seu texto não como produ¬tora, mas como leitora.
A cultura escrita na primeira infância
Emilia afirma que as crianças de¬vem aprender a língua escrita na pré-escola, ou seja, aos quatro ou cinco anos de idade. É necessário expor a criança a um ambiente em que se possa aprender, que não proíba apren-der, que tenha livros, que circule a in¬formação sobre a língua escrita: é evi-dente que o ambiente por si não é o que alfabetiza. A simples presença do objeto não garante conhecimento, mas a ausência do objeto garante o desconhecimento, diz Ferreiro.
A pesquisadora relata que a repetência tem estreita relação a como se ensina e como se aprende a ler e escrever na escola. A repetência, para a pesquisadora, é a expressão muito mais a incapacida¬de do sistema escolar para dar conta de aprendizagens diferenciadas do que a incapacidade do indivíduo para aprender. Ela não é justificável nem psicológica, nem pedagogicamente.
Planejamento e avaliação de políticas educativas
A escola é uma instituição que deve gerar aprendizagem, inventando e medindo saberes escolares, onde é criada a possibilidade de se aproximar do conhecimento como um processo de produção que não é alheio, diz Emilia. O problema é que a vocação de ser professor está cada vez mais desprestigiada. Existe a deterioração da profissão em termos sociais.
O problema é complexo: os paí¬ses não se desenvolvem se a propor¬ção entre universitário e estudantes de educação básica não melhora. O milÊnio vai terminar sem que o prOblema da alfabetização tenha sido resolvido; não se pode depositar no sistema escolar toda a responsabili-dade da mudança. É preciso buscar outros agentes, para que haja um compromisso sério de toda a sociedade. Alguns agentes que seriam fun-damentais na mudança são os jor¬nalistas e os editores de jornal, sem falar de organismos internacionais, como a UNESCO, a UNICEF e a ONU. Mas o que acontece é que a úni¬ca instituição que pode ser contro¬lada é a escola, e é aquela que exigi¬mos mais mudanças, diz Ferreiro. E, sozinha, a escola não consegue re¬sultados.
O multilinguismo, o multiculturalismo e a questão indígena
A questão indígena preocupou Emilia desde sua chegada ao México porque o renascimento do problema indígena foi posto nos jornais cotidianos e fez com que o mundo desco¬brisse que os indígenas têm uma iden¬tidade assumida que defendem há 500 anos, e parecem dispostos a resistir por mais 500. Outra razão seria que o fracasso da alfabetização é mais notório nesses grupos e porque estava convencida que o bilinguismo não é um mal que deve ser combati¬do, mas um bem que se deve incen¬tivar e desenvolver. Se perdermos a diversidade cultural, perde-se algo que não saberemos como recuperar, diz Ferreiro.
Não se criam espaços para refletir sobre a estrutura das línguas indí-genas, sobre sua organização, para transformá-la realmente em objeto de reflexão. A língua indígena na educa¬ção indígena é considerada como lín-gua de alfabetização e nada mais.
No México, todo debate concen¬tra-se na língua de alfabetização. As gramáticas das línguas indígenas que existem são todas feitas por linguis-tas para linguistas; não há um texto de gramática da língua indígena aces-sível a um professor indígena comum e corrente.
Ferreiro afirma que é um assunto muito delicado, porque se trata de um conflito que se dá, por um lado, en¬tre dar prioridade à consolidação da escrita de uma língua e, por outro, dar prioridade às necessidades de aprendizagem das crianças.
O ofício de pesquisar
Quando questionada sobre como se sente sendo um mito, Ferreiro con-fessa quando se sente tratada como uma pregadora ou um guru, sua reação é manter a distância, porque esse assunto de ser admirada pelas massas às vezes vai seriamente con¬tra sua imagem acadêmica. Ela tem consciência de sua responsabilidade histórica, de todo impacto que sua teoria proporcionou. A pesquisadora acredita que cumpriu seu projeto ci-entífico.
Mas, quando questionada sobre o que gosta de fazer realmente, Ferreiro responde: "Pesquisar. O prazer que sin¬to quando, depois de estar brigando durante longo tempo com certos tipos de problema, com certo tipo de dados, de repente me dou conta de que en¬tendi. Quer dizer que construí certo encaixe teórico que dá conta de um pe¬daço da realidade que permanecia ininteligível. É uma satisfação difícil de descrever, não troco isso por nada."
7. FIORIN, J. L.. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) é um teórico da linguagem, que a despeito das mais extremas privações materiais, de doenças crônicas, de perseguições, prisão e exílio, legou uma produção intelectual de grande significado para as Ciências Humanas. Suas teorias vêm sendo descobertas, estudadas por diferentes áreas do conhecimento e difundidas pelo mundo, principalmente a partir de 1967, quando Julia Kristeva, intelectual búlgara radicada na França, publicou um estudo sobre Dostoievski e Rabelais com o título de: ‘Bakhtin, o discurso, o diálogo, o romance’.
Em suas reflexões, esse teórico russo desenvolveu e aprimorou uma teoria original e incitante, perpassando pelo estudo do indivíduo através de questões relativas à teoria geral da literatura e da cultura, pelo desenvolvimento histórico de ambas, fechando com a análise do povo e sua produção cultural. Ainda que o conjunto de sua obra se caracterize pela interdisciplinaridade, a partir de uma abordagem dialética de questões relacionadas à filosofia, lingüística, psicanálise, teologia, poética, teoria social e literária, manteve uma unidade de pensamento através da centralidade da linguagem.
Segundo Bakhtin, toda compreensão de um texto, falado ou escrito, implica uma responsividade e, conseqüentemente, um juízo de valor. O que isto quer dizer é que, ao se apropriar de um determinado texto, o leitor se posiciona em relação a ele, por meio de atitudes distintas: pode concordar ou não, pode adaptá-lo, pode acrescentar ou retirar informações, pode exaltá-lo. Ou seja, sua reação consiste numa resposta, o que significa uma compreensão responsiva ativa.
Buscando uma compreensão responsiva ativa a partir de uma aproximação com a trajetória e com os principais conceitos desenvolvidos por este teórico russo, José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Lingüística da USP, estudioso de temas como enunciação, estratégias discursivas, procedimentos de constituição do sentido do discurso e do texto, além de autor de vários artigos e livros, publica o livro Introdução ao pensamento de Bakhtin. A obra se desdobra em seis capítulos e numa introdução, onde Fiorin procura expor seus objetivos e justificar a seleção dos conceitos presentes nesta edição.
INTRODUÇÃO
Segundo o autor, Bakhtin é um estudioso da linguagem que está em voga e suas concepções são bastante utilizadas mas nem sempre compreendidas. Por esta razão, procurou apresentar apenas os termos mais banalizados, deixando de fora idéias como ideologia, arquitetônica, evento estético, tema e significação, dentre outras. Também não pretende investigar detalhadamente as concepções filosóficas assim como a dimensão ética da obra bakhtiniana.
Em seu livro, Fiorin aponta para a complexidade do trabalho de Bakhtin devido ao fato do russo não ter elaborado uma teoria ou uma metodologia prontas, acabadas. Sua obra é marcada pela diversidade, pela heterogeneidade e por um certo “inacabamento”. Outra característica que reforça este pensamento é a forma como seus escritos foram publicados. Fiorin aponta, aqui, dois problemas: obras cuja autoria lhe são atribuídas mas que não foram publicadas em seu nome e de obras publicadas postumamente. Isto porque a publicação de sua obra não seguiu a seqüência em que foram escritas. A polêmica em torno da autoria surgiu em meados da década de 70 e aponta como sendo de Bakhtin os livros assinados por V. N. Volochínov e P. N. Medviédiev. Essa problemática tem gerado inúmeras discussões e ainda não é de todo esclarecida. José Luiz Fiorin destaca os três argumentos que atualmente corroboram para esta controvérsia: os que seguem a afirmação do lingüista Viatcheslav V. Ivanov sobre quais são os textos de autoria de Bakhtin; os que consideram Bakhtin autor somente de textos que estão em seu nome ou encontrados em seus arquivos e ainda, aqueles que atribuem uma co-autoria entre Bakhtin e demais autores. Fiorin aponta para a fragilidade do primeiro argumento, simpatiza-se com o segundo, mas opta pela terceira posição por considerá-la mais tradicional.
Vida e obra
Este é o título do primeiro capítulo. De forma resumida, são apresentados alguns aspectos biográficos do filósofo que nasceu ao sul de Moscou, filho de fidalgos empobrecidos. Bakhtin morou e trabalhou em diversas cidades. Em São Petersburgo, concluiu seus estudos no Departamento de Letras Clássicas, formando-se em Letras, História e Filologia. Ao longo de sua vida constituiu um grupo de amigos intelectuais, entre eles o filósofo Matvei Kagan, que o iniciou na filosofia alemã e no pensamento de Kant. Além deste, manteve ainda relações com o pintor Chagall, com o poeta e músico Volochínov e com o crítico Medviédiev, com quem analisaria diversos temas de seu interesse. Este grupo de amigos será ampliado e mais tarde será conhecido como o Círculo de Bakhtin. Em 1929 foi preso e condenado por manter ligações com sociedades de caráter filosófico-religiosas que estavam banidas da União Soviética. Devido a sua saúde precária, a pena no campo de concentração foi comutada em exílio, por um período de seis anos na cidade de Kustanai, entre o Cazaquistão e a Sibéria. Findo o exílio, em 1940 apresentou ao Instituto Gorki sua tese de doutorado, “Rabelais e a cultura popular”, defendida apenas em 1946, devido à 2ª Grande Guerra. Após diversas polêmicas geradas pelo trabalho, o título de doutor lhe é negado em 1952. Faleceu em Moscou, em 1975.
O Dialogismo
No segundo capítulo, Fiorin destaca a importância deste princípio que percorreu todo o conjunto da obra de Bakhtin: o dialogismo. Esta noção foi aplicada no estudo da linguagem como fator determinante para a formulação de suas idéias. Baseando-se neste conceito, o teórico russo procurou demonstrar as diversas vozes presentes em um mesmo discurso e a sua historicidade, isto é, como se estabelece a relação de um discurso com o outro. Fiorin aponta para a importância dos diversos sentidos que esse conceito pode assumir, tais como: a) aquele que não é mostrado no enunciado, ainda que este tenha sido constituído em sua oposição. Ou seja, todo enunciado é uma réplica de um outro, constitui-se a partir de outro. Ouvem-se sempre, ao menos duas vozes, mesmo que elas não se manifestem no fio do discurso; b) aquele que se mostra através da incorporação de vozes de outros enunciados. Neste sentido, o discurso do outro pode ser inserido no enunciado de duas maneiras: abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante ou de forma não muito nítida, chamado bivocal; c) aquele que está relacionado com o indivíduo e o seu princípio de ação, ou seja, a resposta que cada pessoa dá às diversas vozes presentes na realidade em que está imerso.
Os gêneros do discurso
Aqui, Fiorin aponta para o fato de Bakhtin não se interessar pelas propriedades de caráter normativo que classifica os gêneros. O que importa para o teórico é como estes se constituem, sua conexão e interação com as atividades humanas, ou seja, seu processo de produção. Isto quer dizer que os gêneros estabelecem uma interconexão da linguagem com a vida social.
Prosa e Poesia
O quarto capítulo, além destes dois conceitos, prosa e poesia, trabalha com as noções de polifonia e monologia. Para Bakhtin, é no romance que está a pluralidade de vozes, por isso ele é caracterizado pela descentralização, interagindo com o discurso alheio, ao contrário da poesia, monológica. Apoiando-se na obra de Cristóvão Tezza, “Entre prosa e poesia: Bakhtn e o formalismo russo”, José Luiz Fiorin aponta a forma equivocada como foi traduzida e interpretada esta concepção bakhtiniana. Destaca aqui, outros autores, como o professor, tradutor e ensaísta Boris Schnaiderman que também diverge da distinção estabelecida pelo teórico russo em relação a esses dois gêneros literários. Em seu artigo intitulado “Bakhtin, Murilo, prosa/poesia”, utiliza como exemplo, a obra do poeta Murilo Mendes, cuja característica é um permanente diálogo com outras vozes, outras culturas, outros tempos e outros espaços.
A carnavalização
A carnavalização consiste na apropriação, pela literatura, das manifestações da cultura popular. Essas ações são caracterizadas por sua natureza não oficial, configurando, segundo Bakhtin, uma segunda vida do povo, através da suspensão de todas as hierarquias, transformando o mundo real às avessas. A percepção carnavalesca possibilita um contato familiar entre os elementos que estão dispersos, permite ao reprimido exprimir-se, utilizando uma linguagem repleta de obscenidade, livre das coerções da etiqueta, com o uso de atos e falas excêntricos e profanos. Neste capítulo, Fiorin discorre sobre a origem da literatura carnavalizada, que vem renovando-se e ressignificando-se por meio da evolução literária. Para a efetivação destas idéias, o autor percorre de forma sucinta, o período helenístico, o diálogo socrático, a sátira menipéia e o carnaval na Idade Média.
O romance
O sexto e último capítulo é sobre a teoria de Bakhtin sobre este gênero. O romance é considerado a pura expressão do dialogismo, por encerrar em seu contexto a diversidade, isto é, por incorporar todos os outros gêneros, mesclando- os, alternando estilos, entrelaçando-os, não respeitando os limites impostos pelo sistema literário. Mikhail Bakhtin estudou sua natureza e evolução, a partir de dois parâmetros: a percepção da linguagem e a representação do espaço e do tempo. Contrariamente a Georges Luckács, para quem este gênero estava associado à ascensão da burguesia, sendo, portanto, a epopéia de um mundo burguês, Bakhtin não considera o romance apenas mais um gênero como qualquer outro. O romance perpassa, segundo ele, toda a história da literatura e não está ligado somente à sociedade burguesa. Ou seja, o romance, tal como o conhecemos hoje, é apenas uma das formas históricas da expressão do gênero. Eis aí a razão de ser este o conceito privilegiado pelo filósofo russo ao longo de suas análises.
Bibliografia comentada
O livro “Introdução ao pensamento de Bakhtin” é concluído com uma bibliografia comentada sobre as obras do filósofo e estudioso da linguagem e de outras publicações de estudiosos nacionais com as quais Fiorin travou diálogo: Carlos Alberto Faraco, autor de “Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin”; Beth Brait, organizadora de “Bakhtin: conceitos-chaves” e Cristovão Tezza, que publicou “Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo”.
8.GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Ensino – exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado de Letras – ALB, 1996.
Trata-se de uma coletânea de textos escritos entre 1991 e 1994 que giram em torno da linguagem e do seu ensino, todos eles buscando um único interlocutor, o professor, organizados pelo autor em três grupos: primeiramente, os textos que tratam do ensino da língua materna; depois, textos que tratam mais especificamente da leitura; e, finalizando, de textos que apontam para um trabalho com base em textos produzidos por alunos. Os textos, segundo Geraldi, mostram suas preocupações, sua militância como professor universitário engajado em projetos de formação, onde – recorrendo a Paulo Freire – revela coerência com a opção política que assume.
Parte 1
Sobre o ensino de língua materna
1.O ensino e as diferentes instâncias de uso da linguagem
Neste texto, Geraldi argumenta que o estudo e o ensino de uma língua não podem deixar de considerar as diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e complexas instituições de uma dada formação social. A língua, enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da história presente, vem marcada pelos seus usos e pelos espaços sociais destes usos. Por conta disso, a língua nunca pode ser ensinada como algo pronto, acabado, fechado em si mesmo.
Ao olhar para a história da educação, Geraldi conclui que a preocupação com a linguagem, com o ensino da língua, não resulta da existência da escola, mas, pelo contrário, que a escola pode ter surgido justamente para atender a uma preocupação muito específica com a linguagem. A aprendizagem da linguagem que convence atravessa séculos justamente por ser uma necessidade das diferentes classes dominantes na história.
Para Comenius, a escola e a sua universalidade poderiam ser o contraponto ao poder de persuasão e convencimento do discurso (da palavra que convence) de posse, até então, das classes dominantes. Até porque a linguagem teria outra finalidade a ser buscada, a de guia para outras aprendizagens. Tendo como perspectiva que o objetivo da escola é a transmissão de conhecimentos, o domínio da linguagem permitiria o acesso a outros conhecimentos. Geraldi atenta, entretanto, para o risco presente nesta visão instrumental do ensino de língua que acaba por separar forma de conteúdo – como se houvesse dois momentos: um primeiro em que se aprende a linguagem e um segundo em que se aprende o conteúdo transmitido por essa linguagem – que é creditar legitimidade, conhecimento, somente aqueles que dominam a linguagem, com expressões, muitas vezes, totalmente alheios ao grupo social a que pertencem, no qual também se produz conhecimento a partir de uma outra linguagem, deficitária em relação a linguagem dominante, mas não em relação a ela mesma, uma vez que comunica aquilo que produzem. Encontra-se aqui uma cisão velha conhecida de todos: entre cultura popular e cultura erudita.
A escola se quisesse ser bem-sucedida numa direção diferente daquela em que ela hoje já é bem-sucedida (de discriminação), poderia proporcionar a maior diversidade possivel de interações. O significativo não seria aquilo que é necessário para acessar outros conhecimentos, mas o que encontra ancoragem nos conhecimentos anteriores, construídos em processos interlocutivos que antecederam à entrada na escola e que continuam existindo, fora dela, tendo peso sobre suas vidas e compreensão da realidade. Isto possibilitaria que a visão da linguagem como um repertório pronto e acabado e de um conjunto de regras a automatizar que, muitas vezes, só encontra sentido dentro do próprio espaço escolar, fosse apreendida em interação com o que lhe é externo, não para substituir a educação formal pelo informal, mas para fazer dela um ‘recurso didático’ para permitir que o senso comum, os conhecimentos ingênuos, fossem ao longo do processo de escolaridade sendo substituídos pelos saberes organizados e sistemáticos.
2. O ensino da unidade na diversidade lingüístico-cultural
Neste texto de 1994, fruto de uma mesa-redonda que debatia a aquisição da língua escrita e o ensino da língua materna, Geraldi discute a questão da concepção de linguagem e a questão das variedades lingüísticas. Parte aqui da mesma tese apresentada pelo texto anterior de que não cabe mais apostar num processo de ensino/aprendizagem da língua materna que partisse do suposto da existência de uma língua pronta e acabada nem de que não se trata mais de aprender uma língua para dela se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, aprendê-la. Começa apontando que a monologia própria dos processos escolares, que limita o mundo ao que é enunciado pela classe dominante, seria um dos principais obstáculos colocados pelo sistema escolar de reprodução de valores sociais à ‘eficiência’ do próprio sistema. Isto é, seria justamente o fato da escola ter como papel inculcar os valores de uma determinada classe sobre a outra que torna o processo de aprendizagem da língua materna um problema.
Geraldi lembra que qualquer falante já vive numa sociedade e numa sociedade que se caracteriza diferentemente em cada época em função das formas como se estrutura, isto é, o fato de obedecermos à determinadas regras em função das instituições no interior das quais falamos. Utiliza como exemplo uma sala de jantar de sua própria família onde ninguém precisa levantar a mão para pedir a palavra, pedir que lhe passem o sal, por exemplo, diferente de uma assembléia ou uma reunião formal, onde antes de falar é preciso inscrever-se e aguardar até que sua intervenção seja permitida.
O aluno traz para dentro da sala de aula o reconhecimento dessas diferentes instâncias, ocorre que a sala de aula é uma ‘instância pública’ de uso da linguagem e, muitas vezes, estes alunos que freqüentam outros espaços, não eram locutores mas interlocutores, compreendem as falas que se produzem nestes espaços, mas não, necessariamente, são falantes nestes mesmos espaços, como por exemplo, um culto religioso, um show de música, para os quais as falas são dirigidas, compreendidas, mas nos quais não se manifestam.
Geraldi identifica que muitas das ‘indisciplinas’ se dá justamente pelo não-domínio das regras de uso da linguagem em situações como as de sala de aula. Justamente porque a linguagem da sala de aula é aquela determinada por uma determinada classe, o que faz com que suas formas de se comunicar, sua linguagem seja estigmatizada pelo não respeito a variedade lingüística o que, por tabela, estigmatiza o próprio sujeito detentor desta linguagem estigmatizada. Entretanto, falantes de diferentes dialetos conseguem produzir compreensões aproximadamente semelhantes aquelas produzidas pelos detentores da ‘variedade culta’. Os alunos provenientes das classes populares falam e compreendem o mundo de um modo que a escola não aceita e às vezes sequer compreende. Neste sentido, a escrita passa a ser usada como forma de ‘normatizar’ a fala: para os letrados, o lugar utópico em que gostariam de estar quando falam (e que se imaginam ocupando quando falam); é o ‘falar como se escreve’ porque a escrita é que seria a ‘língua correta’. Assim, a escrita como ‘língua correta’ agiria dentro do ambiente escolar como a ‘variedade culta’ sobre aquele dialeto que os falantes das classes populares dominam e através do qual são estigmatizados e impedidos de utilizar mesmo que seja para entender a realidade em que se encontram, isto é, sua linguagem e o conhecimento produzido com ela são desconsiderados pela escola, esvaziando o sujeito da sua forma de se comunicar e da sua forma de compreender o mundo. Desta forma, somente aquilo que for transmitido através da ‘língua correta’ ensinada na escola poderia ser considerado também correto.
3. Construção de um novo modo de ensinar/aprender a língua portuguesa
Neste texto, Geraldi, na condição de consultor do Telecurso 2000, discute as Diretrizes para o Aperfeiçoamento do Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, elaborado pela Comissão Nacional nomeada pelo Ministério da Educação, em 1986. O documento sugere um ensino centrado em três atividades: a prática de leitura de textos, a prática da produção de textos e a prática da análise lingüística. Para que as práticas propostas não se tornem apenas outro rótulo para atividades tradicionais, Geraldi entende que é preciso retomar os pressupostos que inspiram a proposta, isto é, as contribuições essenciais da Lingüística ao ensino da língua materna. É o que ele faz ao longo do texto começando pela ‘concepção de linguagem’. Para Geraldi, a linguagem é mais do que uma capacidade humana de construir sistemas simbólicos, antes concebe-se a linguagem como uma atividade constitutiva, cujo espaço de realização é a interação verbal. Nascemos num mundo onde nos relacionamos uns com os outros e nesta relação criamos instrumentos para compreendermos e sermos compreendidos.
A língua é uma dessas formas de compreensão, de modo a dar a cada um os sentidos das coisas, das gentes e de suas relações. Recorrendo a Bakhtin, entende que a aquisição da linguagem se dá pela internalização da palavra alheia que é também a internalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheias vão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavras próprias (internas) que utilizamos para construir a compreensão de cada palavra, ininterruptamente. É a partir disso que Geraldi entende a linguagem como uma atividade constitutiva: pelo processo de internalização do que nos era exterior que nos constituímos como os sujeitos que somos e, com as palavras de que dispomos, trabalhamos na construção de novas palavras. Ou seja, no próprio ato de falarmos estamos, queiramos ou não, participando do processo de constituição da língua.
Outra contribuição da Lingüística que Geraldi traz para o debate são as variedades lingüísticas, isto é, aprendemos a língua no convívio com outros e estando as pessoas ocupando espaços sociais distintos, a variedade lingüística que aprendemos é aquela falada pelo grupo social ao qual pertencemos. Como a divisão social entre os homens não se faz sem conseqüências, também o acesso a herança do passado se dará de forma diferenciada de acordo com o grupo ao qual pertenço. Lembrando que a variedade lingüística é sempre tomada a partir daquela que é falada pelo grupo social dominante, isto é, que detém o poder econômico, político. E esta que também é uma variedade acabou sendo tomada como a base para a construção da escrita. O estranhamento de uma criança pertence a um grupo social desprivilegiado, ao entrar para a escola para ser alfabetizada, resulta também do fato de que o modo de compreender o mundo e sobre ele falar oferecido pela escola é diferente daquele ao qual se habituara nos espaços de convivio do qual participou/ou participa.
Por isso que no processo pedagógico, segundo Geraldi, não se trata de substituir uma variedade pela outra, mas de construir possibilidades de novas interações dos alunos e é nestes processos que o aluno vai internalizando novos recursos expressivos e, conseqüentemente, novas categorias de compreensão do mundo. Dessa forma, aprender a ler é, assim, ampliar as possibilidades de interlocução com o mundo, isto é, com pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, para interagirmos com ela de forma satisfatória, precisamos ser capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender as coisas, as gentes e suas relações. Enquanto que escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido e entendido por outros, o que significa, interagir com os outros.
Parte II – Sobre a Leitura
4. A Leitura em Momentos de Crise Social
Em um texto escrito para a conferência de abertura da nona edição do Cole – Congresso de Leitura do Brasil, realizada em 1993, Geraldi discute a leitura em momentos de crise social amparado por três textos: um poema escrito por um garoto de nove anos, uma notícia de jornal sobre o esquema PC Farias e uma reportagem da Veja sobre o linchamento de três adolescentes, vítimas inocentes de uma multidão enfurecida.
No primeiro texto, o poema do garoto, Geraldi identifica “um presente que empareda sonhos, que fecha portas, que destrói alternativas, que exclui...” (Geraldi, 1996, p. 85), que faz o autor ter vergonha do presente, daquele mundo presente que o garoto de nove anos obrigado a ler não vislumbra alguma saída, quando diz que para sobreviver precisa ser jogador de futebol embora seu desejo fosse o de ser poeta.
No texto sobre o esquema PC Farias, o jornalista Carlos Franciscato faz as contas de quantos carros ou bancos os ladrões deveriam assaltar para se igualar ao valor obtido pelo tesoureiro de campanha de Fernando Collor. Para Geraldi aqui há a necessidade de no diálogo com os seus alunos mostrar que a leitura mais do que um simples ato mecânico de reconhecimento, é também um processo de construção de compreensões dos objetos, do mundo e das pessoas, da nossa capacidade de se indignar ante o indevido, as atividades ‘pcfarianas’.
Por último, no texto sobre o linchamento, Geraldi mostra como a multidão enfurecida que linchou os três garotos, que acreditou ter feito justiça não sobre os três garotos, dos quais sequer foram vítimas, mas de toda a injustiça, de toda a violência, de toda a criminalidade que presenciam, agem da mesma forma que aqueles dos quais se consideram vítimas, tornam-se criminosos por conta da criminalidade que os ameaça.
5. Políticas de Inclusão em estruturas de exclusão
Compreendendo a leitura como interlocução entre sujeitos e, assim sendo, espaço de construção e circulação de sentidos, impossível descontextualizá-la do processo de constituição da subjetividade, ampliado pelas possibilidades múltiplas de interação que o domínio da escrita possibilitou e possibilita. A partir desta constatação, Geraldi busca em Bakhtin e em Vygotsky, a porta de acesso por que se espera compreender o processo de constituição da subjetividade, isto é, a linguagem. No sentido que a linguagem expressa a experiência vivida nas relações sociais. Isto é, a linguagem enquanto atividade implica que as línguas não se encontrando prontas e acabadas, nos são dadas, portanto, como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-las segundo suas necessidades e enquanto ‘instrumentos’ próprios construídos neste processo contínuo de interlocução, carregam consigo as precariedades do singular, do irrepetível, do insolúvel, mostrando sua vocação estrutural para a mudança. Por outro lado, o domínio da técnica escrita ampliou consideravelmente no espaço e no tempo, os horizontes de nossas possibilidades interativas, e, naturalmente, a constituição das nossas consciências.
Uma ‘tecnologia’ tão importante como a escrita não poderia deixar de ser ao mesmo tempo objeto de desejo e instrumento de dominação. Somente a uma minoria estrita o acesso ao mundo da escrita permitiu a façanha da seleção, da distribuição e do controle do discurso escrito, produzindo assim um mundo separado, impenetrável para o não-convidado, aquele que não domina esta ‘tecnologia’ uma vez que esta ‘cidade’ resulta desta mesma ‘tecnologia’. Apoderar-se da letra e da escolaridade que esta ‘cidade’ demanda para existir, resulta de uma luta por parte daqueles dela excluídos não tanto pela ausência da ‘leitura’, da ‘escrita’, mas pela própria condição social em que se encontram. Por isso, Geraldi conclui que apostar em ‘políticas de leitura’ como meras políticas de inclusão, sem associar a elas políticas de transformação e rupturas sociais mais amplas, pode ampliar o contingente dos habitantes desta ‘cidade’, mas não impede que ocupem nela também um papel subalterno.
6. A Propósito do Outro: Imagem, Construção e Cumplicidade
Trata-se de um texto-base para discussões de uma mesa-redonda coordenada pelo autor, onde ele destaca o tema que será debatido entre um escritor, um jornalista e uma crítica literária. Colocando-se na condição de ‘leitor’, Geraldi lembra que o texto produzido completa-se na leitura, aproximando o texto de uma perspectiva interacionista: o texto sozinho não seria responsável pelas significações que faz emergir; o texto é condição para a leitura; mas a leitura vivifica os textos. Embora o leitor busque nessa leitura construir os significados desejados pelo autor do texto que lê, o que faria da sua leitura uma leitura legitimada, deve-se reconhecer que nessa leitura existem outras possibilidades de leitura que não podem ser calculadas pelo autor e que não deixam de ser, por conta disso, leituras legítimas.
7. Algumas funções da leitura na formação de técnicos
Aqui, Geraldi discute a leitura em cursos de formação técnica. Lembra que na escola, não importa a modalidade, a leitura de textos nunca deixou de estar presente e em qualquer disciplina, seja ela técnica ou não. O autor observa que em virtude do curso técnico, professores de língua portuguesa costumam adotar duas posições: uma que insiste na leitura como uma espécie de contrapartida aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos nas oficinas profissionalizantes, entendendo que o trabalho ‘embrutece’ os sujeitos, enquanto a leitura de textos literários ‘humaniza’. Uma segunda atitude, perante o mesmo problema, é a adoção nas aulas de língua portuguesa de textos técnicos. Geraldi questiona ambas as soluções: segundo ele, excluir a leitura de textos ficcionais seria contribuir com a eternização da diferença enquanto que excluir a leitura de textos técnicos seria contribuir, da mesma forma, com esta mesma eternização, pois a capacidade profissional (técnica) é um dos maiores instrumentos da classe trabalhadora. Para Geraldi, não se trata de saber qual o tipo de texto mais adequado para ser trabalhado em sala de aula, mas de qual seria o melhor trabalho a ser feito em sala de aula para que os alunos de cursos técnicos sejam cidadãos leitores numa sociedade que tem expulsado, historicamente, os trabalhadores, qualificados ou não, das bibliotecas, das livrarias, dos cinemas, dos teatros etc.
Parte III – Sobre o trabalho com textos produzidos por alunos
8. Ensino de Gramática X Reflexão da Língua
A partir de uma discussão com a filha, quando aluna da quinta série a respeito de uma tarefa dada pela professora de identificar os verbos em um texto, Geraldi descreve como no ensino da gramática o aluno é impedido de refletir sobre aquilo que aprende. Lembra Geraldi que todo falante realiza, em suas atividades lingüísticas, avaliações dos recursos expressivos que emprega: se são adequados para a ocasião, se expressam o que deseja, o que é preciso dizer o que é preciso silenciar, etc. No entanto, as atividades de ensino de gramática não permitem que essas mesmos avaliações sejam feitas, uma vez que se apresenta como a verdadeira e única reflexão possível sobre os recursos expressivos de uma língua. E o que é mais problemático, as análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos ensinados são respostas à perguntas que sequer foram formuladas pelo aluno – como conseqüência disso, as respostas nada lhe dizem e os estudos gramaticais passam a ser aquilo que se deve estudar e conhecer sem que saiba muito bem o porque de aprendê-los. Geraldi lembra que o raciocínio classificatório que o aluno realiza no seu cotidiano – separando objetos, guardando roupas no armário, selecionando seus brinquedos, etc – não difere daquele proposto pelos exercícios em sala de aula a respeito dos recursos expressivos da língua. E não consegue compreender justamente porque no seu cotidiano, toda a separação que ele faz é baseado na própria experiência, nos próprios objetivos.
9. A escrita como trabalho: operações e meta-operações de construção de textos
A partir de uma concepção sociointeracionista da linguagem, Geraldi propõe uma compreensão do processo de elaboração de textos como uma forma, materializada na língua, de retorno ao interindividual do que se tornara intra-individual. Assim como um texto que não existe sem materializar-se nos recursos expressivos que nele trabalham; estes, por seu turno, não existem fora de sua remessa a sistemas de referências. Ambos, recursos e sistemas, constituem-se concomitantemente. Ou seja na elaboração de um texto é preciso entender que os recursos expressivos a serem empregados só ganham sentido dentro de um sistema de referências com o qual dialoga, interage, o que significa dizer que este sistema de referências não existiria sem tais recursos expressivos; nem estes seriam recursos expressivos fora deste sistema. Na construção de textos, portanto, mobilizam-se, concomitantemente, estas duas materialidades, concebidas como duas apenas como conseqüência do recorte analítico que releva dos interesses de diferentes programas de pesquisa. Da mesma forma que cada sujeito por constituir-se nos processos interacionais de que participa, não se torna por isso mesmo uma cópia em carbono daquele com o qual interage, ao tornar intra o que antes fora interindividual.
10. Da interpretação de processos indiciados nos produtos
O último texto do livro foi escrito para um debate com pesquisadores de um grupo de trabalho chamado “A Escrita como Trabalho: Tipologia Preliminar das Operações de Refacção de Textos Representativos do Início da Aquisição da Escrita”. Nele Geraldi discorre sobre a questão que se coloca para o pesquisador ante o emaranhado de ‘dados’ que os pesquisadores têm em mãos. Entende o autor que é a condução do olhar a questão essencial que se coloca para o pesquisador, já que é esta condução que definirá diferentes programas de pesquisa e diferentes afiliações teóricas. Afinal, somente um programa de pesquisa que já definiu antecipadamente seus resultados pode abrir mão de perguntar ‘o que ensinam os dados?’. Para aqueles que dispensam esta pergunta, trata-se apenas de buscar os exemplos que melhor ilustrem os pontos de vista e as definições já fixadas.
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9. LA TAILLE, Yves et alii. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. SP, Summus, 1992
PARTE I - FATORES BIOLÓGICOS E SOCIAIS
O lugar da interação na concepção de Jean Piaget
Yves de La Taille
La Taille considera que nada há de mais injusto que a crítica feita a Piaget de desprezar o papel dos fatores sociais no desenvolvimento huma¬no. O máximo que se pode dizer é que Piaget não se deteve sobre a questão, mas, o pouco que levantou é de suma importância.
Para o autor, o postulado de Wallon de que o homem é "genetica¬mente social" (impossível de ser pen¬sado fora do contexto da sociedade) também vale para a teoria de Piaget, pois são suas palavras: "desde o nas¬cimento, o desenvolvimento intelec¬tual é, simultaneamente, obra da so¬ciedade e do indivíduo" (p. 12).
Para Piaget, o homem não é soci¬al da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos. A socialização da inteligência só começa a partir da aquisição da linguagem. Assim, no es¬tágio sensório-motor a inteligência é essencialmente individual, não há socialização. No estágio pré-operatório, as trocas intelectuais equilibradas ainda são limitadas pelo pensamento egocêntrico (centrado no eu): as cri¬anças não conseguem seguir uma referência única (falam uma coisa agora e o contrário daí a pouco), colocar-se no ponto de vista do outro não são autônomas no agir e no pen¬sar. No estágio operatório-concreto começam a se efetuar as trocas inte¬lectuais e a criança alcança o que Piaget chama de personalidade: indivíduo se submetendo voluntaria¬mente às normas de reciprocidade e universalidade. A personalidade é o ponto mais refinado da socialização o eu renuncia a si mesmo para inse¬rir seu ponto de vista entre os outros em oposição ao egocentrismo, e que a criança elege o próprio pensa¬mento como absoluto. O ser social de mais alto nível é aquele que consegue relacionar-se com seus seme¬lhantes realizando trocas em coope¬ração, o que só é possível quando atingido o estágio das operações formais (adolescência).
O processo de socialização
A socialização vai do grau zero (recém-nascido) ao grau máximo (personalidade). O indivíduo mais evoluído pode usufruir tanto de sua autonomia quanto das contribuições dos outros.
Para Piaget, "autonomia significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pon¬tos de vista e conflitos presentes numa sociedade" (p. 17). Há uma "marcha para o equilíbrio", com bases biológicas, que começa no período sensório-motor, com a construção de esquemas de ação, e chega às ações interiorizadas, isto é, efetuadas mentalmente.
Embora tudo pareça resumir-se à relação sujeito-objeto, para La Taille, as operações mentais permitem o conhecimento objetivo da natureza e da cultura e são, portanto, necessidades decorrentes da vida social. Para ele, Piaget não compartilha do "otimismo" de que todas as relações sociais favorecem o desenvolvimento. Para La Taille, a peculiaridade da teoria piagetiana é pensar a interação da perspectiva da ética (igualdade, respeito mútuo, liberdade, direitos huma¬nos). Ser coercitivo ou cooperativo de¬pende de uma atitude moral, sendo que a democracia é condição para o de¬senvolvimento da personalidade. Diz ele: "A teoria de Piaget é uma grande defesa do ideal democrático" (p. 21).
Vygotsky e o processo de formação de conceitos
Morto Kohl de Oliveira
Substratos biológicos e construção cultural no desenvolvimento humano
A perspectiva de Vygotsky é sem¬pre a da dimensão social do desenvol-vimento. Para ele, o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que molda o funcionamento psicológico do homem ao longo do de¬senvolvimento da espécie (fïlogenética) e do indivíduo (ontogenética). O ser humano tem, assim, uma dupla natu¬reza: membro de uma espécie biológi¬ca que só se desenvolve no interior de um grupo cultural.
Vygotsky rejeitou a ideia de funções fundamentais fixas e imutáveis, "tra-balhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do de¬senvolvimento individual" (p. 24). Para ele, o cérebro é formado por sistemas funcionais complexos, isto é, as fun-ções não se localizam em pontos específicos, mas se organizam a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada. O cérebro tem uma estrutura básica, resultante da evolução da espécie, que cada membro traz consigo ao nascer. Essa estrutura pode ser articulada de dife¬rentes formas pelo sujeito, isto é, um mesmo problema pode ser soluciona¬do de diferentes formas e mobilizar diferentes partes do cérebro.
Há uma forte ligação entre os pro¬cessos psicológicos e a inserção do in-divíduo num contexto sócio-histórico específico. Instrumentos e símbolos construídos socialmente é que definem quais possibilidades de funcionamento cerebral serão concretizadas. Vygotsky apresenta a ideia de mediação: a rela¬ção do homem com os objetos é medi¬ada pêlos sistemas simbólicos (repre¬sentações dos objetos e situações do mundo real no universo psicológico do indivíduo), que lhe possibilita planejar o futuro, imaginar coisas, etc.
Em resumo: operar com sistemas simbólicos permite o desenvolvimen¬to da abstração e da generalização e define o salto para os processos psi-cológicos superiores, tipicamente hu¬manos. Estes têm origem social, isto é, é a cultura que fornece ao indiví¬duo o universo de significados (repre-sentações) da realidade. As funções mentais superiores baseiam-se na operação com sistemas simbólicos e são construídas de fora para dentro num processo de internalização.
O processo de formação de conceitos
A linguagem é o sistema simbóli¬co fundamental na mediação entre sujeito e objeto do conhecimento e tem duas funções básicas: interação social (comunicação entre indivídu¬os) e pensamento generalizante (sig¬nificado compartilhado pelos usuári¬os). Nomear um objeto significa colocá-lo numa categoria de objetos com atributos comuns. Palavras são signos mediadores na relação do ho¬mem com o mundo.
O desenvolvimento do pensamen¬to conceitual segue um percurso ge-nético que parte da formação de con¬juntos sincréticos (baseados em nexos vagos e subjetivos), passa pelo pensa¬mento por complexos (baseado em ligações concretas e factuais) e chega à formação de conceitos (baseados em ligações abstratas e lógicas).
Esse percurso não é linear e refe¬re-se à formação de conceitos cotidianos ou espontâneos, isto é, de¬senvolvidos no decorrer da atividade prática da criança em suas interações sociais imediatas e são, portanto, im-pregnados de experiências. Já os con¬ceitos científicos são os transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem e geralmente começam por sua definição verbal e vão sendo ex¬pandidos no decorrer das leituras e dos trabalhos escolares. Assim, o desen¬volvimento dos conceitos espontâne¬os é ascendente (da experiência para a abstração) e o de conceitos científi¬cos é descendente (da definição para um nível mais elementar e concreto). A partir do exposto, duas conclusões são fundamentais:
1a - diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico;
2a - a instrução escolar é de enorme importância nas sociedades letradas.
Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon
Heloysa Dantas
Wallon tem uma preocupação per¬manente com a infra-estrutura orgâni¬ca de todas as funções psíquicas. Seus estudos partem de pessoas com pro¬blemas mentais, portanto, seu ponto de partida é o patológico, isto é, utiliza a doença para entender a normalidade.
Para Wallon, o ser humano é or¬ganicamente social, isto é, sua estru¬tura orgânica supõe a intervenção da cultura. A metodologia do seu traba¬lho ancora-se no materialismo dialético, concebendo a vida dos organismos como uma pulsação permanen¬te, uma alternância de opostos, um ir e vir permanente, com avanços e recuos.
A motricidade: do ato motor ao ato mental.
A questão da motricidade é o gran¬de eixo do trabalho de Wallon. Para ele, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. Ao longo do desenvol-vimento mental, a motricidade ciné¬tica (de movimento) tende a se redu¬zir, dando lugar ao ato mental. Assim, mesmo imobilizada no esforço men¬tal, a musculatura permanece em atividade tônica (músculo parado, ati¬tude). A tipologia de movimento que Wallon adota parte de atos reflexos, passa pelos movimentos involuntários e chega aos voluntários ou praxias, só possíveis graças à influência ambiental aliada ao amadurecimento cerebral.
Ao nascer, é pela expressividade mímica que o ser humano atua sobre o outro. A motricidade disponível consiste em reflexos e movimen¬tos impulsivos, incoordenados. A ex¬ploração da realidade exterior só é possível quando surgem as capacida¬des de fixar o olhar e pegar. A competência no uso das mãos só se com¬pleta ao final do primeiro ano de vida, quando elas chegam a uma ação complementar (mão dominante e auxiliar). A etapa dominantemente práxica da motricidade ocorre para-lelamente ao surgimento dos movi¬mentos simbólicos ou ideativos. O movimento, a princípio, desencadeia o pensamento. Por exemplo, uma cri-ança de dois anos, que fala e gesti¬cula, tem seu fluxo mental atrofiado se imobilizada. O controle do gesto pela ideia inverte-se ao longo do de-senvolvimento. Há uma transição do ato motor para o mental.
As fases da inteligência - as etapas de construção do eu
No processo de desenvolvimento da inteligência há preponderância (a cada período mais marcado pelo afetivo segue-se outro mais marcado pelo cognitivo) e alternância de funções (a criança ora está mais voltada para a realidade das coisas/conhecimento do mundo - fases centrípetas, ora mais vol¬tada para a edificação da pessoa/co¬nhecimento de si - fases centrífugas).
1a fase: impulsivo-emocional (de zero a um ano). Voltada para o desen-volvimento motor e para a construção do eu. No recém-nascido, os movi-mentos impulsivos que exprimem des¬conforto ou bem estar são interpreta¬dos pelos adultos e se transformam em movimentos comunicativos atra¬vés da mediação social; até o final do primeiro ano a relação com o ambi¬ente é de natureza afetiva e a criança estabelece com a mãe um "diálogo tônico" (toques, voz, contatos visuais).
2a fase: sensório-motor e projetivo (de um a três anos). Aprenden¬do a andar a criança ganha mais autonomia e volta-se para o conhe¬cimento do mundo. Surge uma nova fase de orientação diversa, voltada para a exploração da realidade exter¬na. Com a linguagem, inicia-se o do¬mínio do simbólico.
3a fase: personalismo (três a seis anos). Novamente voltada para den¬tro de si, a preocupação é agora construir-se como ser distinto dos demais (individualidade diferenciada). Com o aperfeiçoamento da linguagem, de-senvolve-se o pensamento discursivo. Sucedem-se uma etapa de rejeição (atitudes de oposição), outra de sedução do outro e conciliação (idade da graça) e outra de imitação (toma o outro como modelo).
4a fase: categorial (seis a onze anos). Voltada para o cognitivo, é a fase escolar. Ao seu final, há a superação do sincretismo do pensamen¬to em direção à maior objetividade e abstração. A criança torna-se capaz de diferenciações intelectuais (pensa¬mento por categorias) e volta-se para o conhecimento do mundo.
5a fase: puberdade e adolescên¬cia (a partir dos onze anos). Nesta fase, caracterizada pela auto-afirmação e pela ambivalência de atitudes e sentimentos, a criança volta-se no¬vamente para a construção da pes¬soa. Há uma reconstrução do esquema corporal e o jovem tem a tarefa de manter um eu diferenciado (dos outros) e, ao mesmo tempo, integra¬do (ao mundo), o que não é fácil.
PARTE II - AFETIVIDADE E COGNIÇÃO
Desenvolvimento do juízo moral e afetividade na teoria de Jean Piaget
Yves de La Taille
A obra "O julgamento moral da criança"(1932) traz implícita a relação que existe entre afetividade e cognição para Piaget, bem como a importân¬cia que ele atribui à autonomia moral.
a) As regras do jogo
Segundo Piaget, toda moral con¬siste num sistema de regras, sendo que a essência da moralidade deve ser procurada no respeito que o indi¬víduo tem por elas. Piaget utilizou o jogo coletivo de regras como campo de pesquisa por considerá-lo paradi¬gmático para a moralidade humana porque: é atividade inter-individual regulada por normas que podem ser modificadas e que provêem de acor¬dos mútuos entre os jogadores, sen¬do que o respeito às normas tem um caráter moral (justiça, honestidade..).
Piaget dividiu em três etapas a evolução da prática e da consciência de regras:
1a - anomia (até 5/6 anos): as cri¬anças não seguem atividades com regras coletivas;
2a - heteronomia (até 9/10 anos): as crianças vêm as regras como algo de origem imutável e não como contrato firmado entre os jogadores; ao mesmo tempo, quando em jogo, in¬troduzem mudanças nas regras sem prévia consulta aos demais; as regras não são elaboradas pela consciência e não são entendidas a partir de sua função social;
3a - autonomia: é a concepção adul¬ta de jogo; o respeito às regras é visto como acordo mútuo em que cada jo¬gador vê-se como possível "legislador".
b) O dever moral
O ingresso da criança no univer¬so moral se dá pela aprendizagem dos deveres a ela impostos pelos pais e demais adultos, o que acontece na fase de heteronomia e se traduz pelo "realismo moral" que tem as seguin¬tes características:
• a criança considera que todo ato de obediência às regras impostas é bom;
• as regras são interpretadas ao pé da letra e não segundo seu espírito;
• há uma concepção objetiva de res¬ponsabilidade: o julgamento é feito pela consequência do ato e pela
intencionalidade.
c) A justiça
A noção de justiça engloba todas as outras noções morais e envolve ideias matemáticas (proporção, peso, igualdade). Quanto menor a criança mais forte a noção de justiça imanente (todo crime será castigado, mesmo que seja por força da natureza), mais ela opta por sanções expiatórias (o castigo tem uma qualidade estranha ao delito) e mais severa ela é (acha que quanto mais duro o castigo, mais justo ele é). A partir dos 8/9 anos a desobediência já é vista como ato le¬gítimo quando há flagrante injustiça.
As duas morais da criança e os tipos de relações sociais
Mesmo concordando que a mo¬ral é um ato social, para Piaget o su¬jeito participa ativamente de seu desenvolvimento intelectual e moral e detém uma autonomia possível pe¬rante os ditames da sociedade.
As relações interindividuais são divididas em duas categorias:
• coação: derivada da heteronomia, é uma relação assimétrica, em que um dos pólos impõe suas verda¬des, sendo contraditória com o de-senvolvimento intelectual; cooperação: é uma relação simé¬trica constituída por iguais, regida pela reciprocidade; envolve acordos e exige que o sujeito se descentre para compreender o ponto de vis¬ta alheio; com ela o desenvolvimen¬to moral e intelectual ocorre, pois ele pressupõe autonomia e supe¬ração do realismo moral.
Em resumo: para Piaget, a coerção é inevitável no início da educação, mas não pode permanecer exclusiva para não encurralar a criança na heteronomia. Assim, para favorecer a conquista da autonomia, a escola pre¬cisa respeitar e aproveitar as relações de cooperação que espontaneamente, nascem das relações entre as crianças.
Afetividade e inteligência na teoria piagetiana do desenvolvimento do juízo moral
Para La Taille, o notável na teoria piagetiana é que nela "não assistimos a uma luta entre afetividade e moral"(p.70). Afeto e moral se conju¬gam em harmonia: o sujeito autôno¬mo não é reprimido mas um homem livre, convencido de que o respeito mú¬tuo é bom e legítimo. A afetividade adere espontaneamente aos ditames da razão. Ele considera que na obra "O juízo moral na criança" intui-se um Piaget movido por alguma "emoção", que sustenta um grande otimismo em relação ao ser humano. No entanto, para ele, o estudo sobre o juízo moral poderia ter sido completado por ou-tros que se detivessem mais nos as¬pectos afetivos do problema.
O problema da afetividade em Vygotsky
Morta Kohl de Oliveira
Vygotsky pode ser considerado um cognitivista (investigou processos in-ternos relacionados ao conhecimen¬to e sua dimensão simbólica), embora nunca tenha usado o termo cognição, mas função mental e consciência. Para ele há uma distinção básica en¬tre funções mentais elementares (atenção involuntária) e superiores (atenção voluntária, memória lógica). É difícil compreender cada função mental isoladamente, pois sua essên¬cia é ser inter-relacionada com outras funções. Sua abordagem é globalizante. Ele utiliza o termo consciên¬cia para explicar a relação dinâmica (interfuncionalidade) entre afeto e in¬telecto e, portanto, questiona a divi¬são entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológi¬co. Para ele, não dá para dissociar interesses e inclinações pessoais (aspec-tos afetivo-volitivos) do ser que pen¬sa (aspectos intelectuais).
Consciência
Vygotsky concebe a consciência como "organização objetivamente observável do comportamento, que é imposta aos seres humanos atra¬vés da participação em práticas sócio-culturais"(p.78). É evidente a fun-damentação em postulados marxis¬tas: a dimensão individual é considerada secundária e derivada da dimen¬são social, que é a essencial. Carre¬ga ainda um fundamento sócio-histórico, isto é, a consciência humana, resultado de uma atividade comple¬xa, formou-se ao longo da história social do homem durante a qual a ati¬vidade manipuladora e a linguagem se desenvolveram.
As impressões que chegam ao homem, vindas do mundo exterior são analisadas de acordo com categori¬as que ele adquiriu na interação so¬cial. A consciência seria a própria es¬sência da psique humana, o compo¬nente mais elevado das funções psi¬cológicas humanas e envolve a inter-relação dinâmica e em transformação entre: intelecto e afeto, atividade e representação simbólica, subjetividade e interação social.
Subjetividade e intersubjetividade
As funções psicológicas superio¬res, tipicamente humanas, referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, meca¬nismos intencionais. Apresentam alto grau de autonomia em relação a fatores biológicos, sendo, portanto, o resultado da inserção do homem em determinado contexto sócio-histórico.
O processo de internalização de formas culturais de comportamento, que corresponde à própria formação da consciência, é um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade. Assim, a passagem do nível interpsicológico para o intrapsicológico envolve relações interpessoais e a construção de sujeitos únicos, com trajetórias pessoais singulares e ex¬periências particulares em sua relação com o mundo e, fundamental¬mente, com as outras pessoas.
Sentido e significado
Para Vygotsky, os processos men¬tais superiores são mediados por sis-temas simbólicos, sendo a linguagem o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. O significado é componente essencial da palavra, o filtro através do qual o indivíduo com¬preende o mundo e age sobre ele. Nele se dá a unidade de duas funções bá¬sicas da linguagem: a interação soci¬al e o pensamento generalizante. Na concepção sobre o significado há uma conexão entre os aspectos cognitivos e afetivos: significado é núcleo estável de compreensão e sentido é o signifi¬cado da palavra para cada indivíduo, no seu contexto de uso e relacio¬nado às suas vivências afetivas.
A linguagem é, assim, polissêmica: requer interpretação com base em fatores linguísticos e extralingüísticos. Para entender o que o outro diz, não basta 'entender suas palavras, mas também seu pensamento e suas motivações.
O discurso interior
O discurso interior corresponde à internalização da linguagem. Ao lon¬go de seu desenvolvimento, a pessoa passa de uma fala socializada (comu-nicação e contato social) a uma fala internalizada (instrumento de pensamento, sem vocalização), correspon¬dente a um diálogo consigo mesma.
A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon
Heloysa Dantas
A teoria da emoção
Para Wallon a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quan¬to do conhecimento. A emoção é ins-trumento de sobrevivência típico da espécie humana. O bebê humano, frá¬gil como é, pereceria não fosse sua capacidade de mobilizar poderosa-mente o ambiente para atender suas necessidades. A função biológica do choro, por exemplo, é atuar fortemente sobre a mãe, fornecendo o primeiro e mais forte vínculo entre os humanos. Assim, a emoção tem raízes na vida orgânica e também a influencia, um estado emocional intenso, por exem¬plo, provoca perda de lucidez.
Segundo Wallon, a atividade emo¬cional é simultaneamente social e bio-lógica. Através da mediação cultural (social), realiza a transição do estado orgânico para a etapa cognitiva e raci¬onal. A consciência afetiva cria no ser humano um vínculo com o ambiente social e garante o acesso ao universo simbólico da cultura - base para a atividade cognitiva - elaborado e acumu¬lado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma, para Wallon, o psiquismo é uma síntese entre o orgâ¬nico e o social. Daí sua natureza con¬traditória de participar de dois mundos.
A opção metodológica adotada por Wallon é o materialismo dialético. Isso quer dizer que não dá para pensar o desenvolvimento como um processo linear, continuista, que só caminha para a frente. Pelo contrário, é um processo com idas e vindas, contraditó¬rio, paradoxal. Assim, sua teoria da emoção é genética (para acompanhar as mudanças funcionais) e dialética.
A origem da conduta emocional depende de centros subcorticais (de expressão involuntária e incontrolável) e torna-se susceptível de controle voluntário com a maturação cortical. Para Wallon, as emoções podem ser de natureza hipotônica ou redutora do tônus (como o susto e a depres-são) e hipertônica ou estimuladora do tônus (como a cólera e a ansiedade).
Características do comportamento emocional
A longa fase emocional da infân¬cia tem correspondência na história da espécie humana: é a emoção que garante a solidariedade afetiva e a sobrevivência do indivíduo.
Da função social da emoção resul¬tam seu caráter contagioso (a ansie¬dade infantil pode provocar irritação ou angústia no adulto, por exemplo) e a tendência para nutrir-se com a pre¬sença do outro (uma platéia alimenta uma chama emocional entre os parti¬cipantes, por exemplo). Devido a seus efeitos desorganizadores, anárquicos e explosivos, a emoção pode reduzir o funcionamento cognitivo, se a capa¬cidade cortical da ação mental ou motora para retomar o controle da si¬tuação for baixa. Se a capacidade cortical for alta, soluções inteligentes poderão ser encontradas.
Para Wallon não existe estado não emocional. Até a serenidade exprime emoção. Assim, a educação da emo¬ção deveria ser incluída entre os pro-pósitos da ação pedagógica para evi¬tar a formação do "circuito perverso de emoção": a emoção surge num momento de incompetência do su¬jeito e, não conseguindo transformar-se em atividade racional, provoca mais incompetência. O efeito desorganizador da emoção concen¬tra a sensibilidade no próprio corpo e diminui a percepção do exterior.
Afetividade e inteligência
O ser humano é afetivo por exce¬lência. É da afetividade que se diferen¬cia a vida racional. No início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas. Ao longo do desenvolvimento, a reciprocidade se mantém de tal forma que as aquisições de uma repercute sobre a outra. A pes¬soa se constitui por uma sucessão de fases com predomínio, ora do afetivo, ora do cognitivo. Cada fase incorpora as aquisições do nível anterior.
Para evoluir, a afetividade depende da inteli¬gência e vice-versa. Dessa forma, não é só a inteligência que evolui, mas tam¬bém a emoção. Com o desenvolvimen¬to, a afetividade incorpora as conquis¬tas da inteligência e tende a se racio¬nalizar. Por isso, as formas adultas de afetividade são diferentes das infantis No início a afetividade é somática, tônica, pura emoção. Alarga seu raio de ação com o surgimento da função simbólica. Na adolescência, exigências racionais são colocadas: respeito recíproco, justiça, igualdade de direitos.
Inteligência e pessoa
O processo que começa com a simbiose fetal tem por horizonte; individualização. Para Wallon, não há nada mais social do que o processo pelo qual o indivíduo se singulariza, em que o eu se constrói alimentando-se da cultura, sendo que o destino humano, tanto no plano individual quanto no social, é uma obra sempre inacabado.
10. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola. O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002
Introdução
Embora seja difícil e demande tempo, a escola necessita de trans-formações profundas no que concer¬ne ao aprendizado da leitura e da es-crita, que só serão alcançadas atra¬vés da compreensão profunda de seus problemas e necessidades, para que então seja possível falar de suas pos¬sibilidades.
Capítulo 1
Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário
Aprender a ler e escrever na esco¬la deve transcender a decodificação do código escrito, deve fazer sentido e estar vinculado à vida do sujeito, deve possibilitar a sua inserção no meio cultural a qual pertence, tornando-o capaz de produzir e interpretar textos que fazem parte de seu entorno.
Torna-se então necessário reconceitualizar o objeto de ensino toman¬do por base as práticas sociais de lei¬tura e escrita, re-significando seu aprendizado para que os alunos se apropriem dele 'como práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpre¬tar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir'.
Para tornar real o que compreen¬demos ser necessário é preciso co¬nhecer as dificuldades que a escola apresenta, distinguindo as legítimas das que fazem parte de 'resistências sociais' para que então se possa pro¬por soluções e possibilidades.
A tarefa é difícil porque, a própria especificidade do aprendizado da lei¬tura e da escrita que se constituem em construções individuais dos sujei¬tos agindo sobre o objeto (leitura e escrita) torna a sua escolarização difí¬cil, já que não são passíveis de se sub¬meterem a uma programação sequencial. Por outro lado, trata-se de práticas sociais que historicamen¬te foram, e de certo modo continuam sendo, patrimônio de certos grupos, mais que de outros, o que nos leva a enfrentar e tentar buscar caminhos para resolver as tensões existentes na instituição escolar entre a tendência à mudança (democratização do ensino) e a tendência à conservação (repro¬dução da ordem social estabelecida).
É difícil ainda, porque o ato de ensinar a ler e escrever na escola tem finalidade puramente didática: a de possibilitar a transmissão de saberes e comportamentos culturais, ou seja, a de preservar a ordem pre-estabelecida, o que o distancia da função social que pressupõe ler para se comunicar com o mundo, para conhecer outras possibilidades e refletir sobre uma nova perspectiva.
É difícil também, porque a estruturação do ensino conforme um eixo temporal único, segundo uma pro¬gressão linear acumulativa e irreversível entra em contradição com a própria natureza da aprendizagem da leitura e da escrita, que como vimos ocorre por meio de aproximações do sujeito com o objeto, provocando coordenações e reorganizações cognitivas que lhe per¬mite atribuir um novo significado aos conteúdos aprendidos.
E, finalmente, a necessidade da escola em controlar a aprendizagem da leitura faz com que se privilegie mais o aspecto ortográfico do que os interpretativos do ato de ler, e o siste¬ma de avaliação, onde cabe somente ao docente o direito e o poder de ava¬liar, não propicia ao aluno a oportuni-dade de autocorreção e reflexão sobre o seu trabalho escrito, e conseqüentemente não contribui para a construção da sua autonomia intelectual.
Diante desses fatos, o que é pos¬sível fazer para que se possa concili¬ar as necessidades inerentes a insti¬tuição escolar e, ao mesmo tempo, atender as necessidades de formar leitores e escritores competentes ao exercício pleno da cidadania?
Em primeiro lugar devem se tor¬nar explícitos aos profissionais da edu-cação os aspectos implícitos nas prá¬ticas educativas que estão acessíveis graças aos estudos sociolingüísticos, psicolingüísticos, antropológicos e históricos, ou seja, aqueles que nos mostram como a criança aprende a ser leitora e escritora; o que facilita ou quais são as prerrogativas essen-ciais a esse aprendizado.
Em segundo lugar, é preciso que se trabalhe com projetos como fer-ramenta capaz de articular os propó¬sitos didáticos com os comunicativos, já que permitem uma articulação dos saberes sociais e os escolares. Além disso, o trabalho com projetos esti¬mula a aprendizagem, favorece a au-tonomia, já que envolve toda a clas¬se, e evita o parcelamento do tempo e do saber, já que tem uma aborda¬gem multidisciplinar.
"É assim que se torna possí¬vel evitar a justaposição de atividades sem conexão - que abordam aspectos também sem conexão com os conteúdos -, e as crianças tem oportunidade de ter acesso a um trabalho sufici¬entemente duradouro para resolver problemas desafiantes, construindo os conhecimentos necessários para isso, para estabelecer relações entre diferen¬tes situações e saberes, para consolidar o aprendido e reutilizá-lo... ".(p.23).
Finalmente, é possível repensar a avaliação, sabendo que esta é neces-sária, mas que não pode prevalecer sobre a aprendizagem. Segundo a au-tora, 'ao diminuir a pressão do con¬trole, toma-se possível avaliar aprendi-zagens que antes não ocorriam [...]' já que no trabalho com projetos os alu¬nos discutem suas opiniões, buscam informações que possam auxiliá-los e procuram diferentes soluções, fatores importantíssimos a formação de cida¬dãos praticantes da cultura escrita.
Capítulo 2 - Para Transformar o Ensino da Leitura e da Escrita
"O desafio [...] é formar se¬res humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explicita ou implicitamente, pe¬los autores dos textos com os quais interagem em vez de per¬sistir em formar indivíduos de¬pendentes da letra do texto e da autoridade dos outros", (p.27)
Para que haja uma transformação verdadeira do ensino da leitura e da escrita, a escola precisa favorecer a aprendizagem significativa, abandonan¬do as atividades mecânicas e sem sen¬tido que levam o aluno a compreender a escrita como uma atividade pura e unicamente escolar. Para isso, a esco¬la necessita propiciar a formação de pessoas capazes de apreciar a literatu¬ra e de mergulhar em seu mundo de significados, formando escritores e não meros copistas, formando produtores de escrita conscientes de sua função e poder social. Precisa também, prepa-rar as crianças para a interpretação e produção dos diversos tipos de texto existentes na sociedade, conseguindo que a escrita deixe de ser apenas um objeto de avaliação e passe a ser um objeto de ensino, capaz não apenas de reproduzir pensamentos alheios, mas de refletir sobre o seu próprio pensa¬mento, enfim, promovendo a desco¬berta da escrita como instrumento de criação e não apenas de reprodução. Para realmente transformar o en¬sino da leitura e da escrita na escola, é preciso, ainda, acabar com a discri¬minação que produz fracasso e abandono na escola, assegurando a todos o direito de 'se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essen¬ciais de progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal'.
É possível a mudança na escola?
Ensinar e ler e escrever faz parte do núcleo fundamental da instituição escolar, está nas suas raízes, consti¬tui a sua missão alfabetizadora e sua função social, portanto, é a que mais apresenta resistência a mudanças. Além disso, nos últimos anos, foi a área de que mais sofreu com a inva¬são de inovações baseadas apenas em modismos.
"... O sistema de ensino continua sendo o terreno pri¬vilegiado de todos os voluntarismos - dos quais talvez seja o último refúgio. Hoje, mais de que ontem, deve suportar o peso de todas as expectativas, dos fantasmas, das exigências de toda uma sociedade para a qual a educação é o ultime portador de ilusões"2.
Sendo assim, para que seja pos¬sível uma mudança profunda da prá¬tica didática vigente hoje nas institui¬ções de ensino, capaz de tornar pos¬sível a leitura na escola, é preciso que esta esteja fundamentada na evolu¬ção histórica do pensamento peda¬gógico, sabendo que muito do que se propõe pode ser encontrado nas ideias de Freinet, Dewey, Decroly e outros pensadores e educadores, o que significa estarem baseadas no avanço do conhecimento científico dessa área, que como em outras áre¬as do conhecimento científico, teve suas hipóteses testadas com o objetivo de desvendar a gênese do conhe¬cimento humano - como os estudos realizados por Jean Piaget. É preciso compreender também, que essas mudanças não dependem apenas da capacitação adequada de seus pro-fissionais, já que esta é condição ne¬cessária, mas não suficiente, é preci¬so conhecer o cotidiano escolar em sua essência, buscando descobrir os mecanismos ou fenômenos que per¬mitem ou atravancam a apropriação da leitura e da escrita por todas as crianças que ali estão inseridas.
O que vimos até hoje, por meio dos trabalhos e pesquisas que temos realizado no campo da leitura e da escrita, é que existe um abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita - lê-se na escola trechos sem sentido de uma realidade desconhecida para a crian-ça, já que foi produzido sistematica¬mente para ser usado no espaço es-colar - a fragmentação do ensino da língua (primeiro sílabas simples, de-pois complexas, palavras, frases...) não permite um espaço para que o aluno possa pensar no que aprendeu dentro de um contexto que lhe faça sentido, e ainda, fazem com que esta perca a sua identidade.
"Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilân¬cia epistemológica que garan¬ta uma semelhança fundamen¬tal entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos apren¬dam. A versão escolar da leitura e da escrita não deve afas¬tar-se demasiado da versão social não-escolar". (p.35)
O "Contrato Didático"
O Contrato Didático aqui é consi¬derado como as relações implícitas estabelecidas entre professor e alu¬no, sobretudo porque estas exercem influência sobre o aprendizado da lei¬tura e da escrita, já que o aluno deve concentrar-se em perceber ou des¬cobrir o que o professor deseja que ele 'saiba' sobre aquele texto que o professor escolheu para que ele leia e não em suas próprias interpreta¬ções: "A 'cláusula' referente à inter¬pretação de textos parece estabelecer [...] que o direito de decidir so¬bre a validade da interpretação é privativo do professor...".
Se o objetivo da escola é formar cidadãos praticantes da leitura e da escrita, capazes de realizar escolhas e de opinar sobre o que leem e veem em seu entorno social, é preciso que seja revisto o Contrato Didático, prin-cipalmente no âmbito da leitura e da escrita, e essa revisão é encargo dos pesquisadores de didática - divulgan¬do os resultados obtidos bem como os elementos que podem contribuir para as mudanças necessárias -, é responsabilidade dos organismos que regem a educação - que devem levar em conta esses resultados -, é encar¬go dos formadores de professores e de todas as instituições capazes de comunicar à comunidade e particu¬larmente aos pais, da importância que tem a análise, escolha e exercício de opinião de seus filhos quando do exer¬cício da leitura e da escrita.
Ferramentas para transformar o ensino
Vimos que transformar o ensino vai além da capacitação dos profes-sores, passa pela sua revalorização pessoal e profissional; requer uma mudança de concepção da relação ensino-aprendizagem para que se possa conceber o estabelecimento de objetivos por ciclos que abrangem os conhecimentos - objeto de ensino -de forma interdisciplinar, visando diminuir a pressão do tempo didático e da fragmentação do conhecimento.
Requer que não se perca de vista os objetivos gerais e de prioridade absoluta, aqueles que são essenciais à educação e lhe conferem significa¬do. Requer ainda, que se compreenda a alfabetização como um processo de desenvolvimento da leitura e da escrita, e que, portanto, não pode ser desprovido de significado.
Essa compreensão só será alcançada na medida em que forem conhecidos e compreendidos os es¬tudos científicos realizados na área, e que nos levaram a descobrir a impor¬tância da atividade mental construti¬va do sujeito no processo de constru¬ção de sua aprendizagem, re-significando o papel da escola. Colocando em destaque o aprendizado da leitura e da escrita, consideramos fundamen¬tal que sejam divulgados os resulta¬dos apresentados pelos estudos psicogenéticos e psicolingüísticos, não apenas a professores ou profissionais ligados à educação, mas a toda soci-edade, objetivando conscientizá-los da sua validade e importância, levando-os a perceber as vantagens das estra¬tégias didáticas baseadas nesses es¬tudos, e, sobretudo, conscientizando-os de que educação também é objeto da ciência.
Voltando a capacitação, enfati¬zando sua necessidade, é preciso que se criem espaços de discussão e tro¬ca de experiências e informações, que dentre outros aspectos servirão para levar o professor a perceber que a di¬versidade cultural não acontece ape¬nas em sua sala de aula, que ela faz parte da realidade social na qual estamos inseridos, e que sendo assim, não poderia estar fora da escola, e ain¬da, que esta diversidade tem muito a contribuir se o nosso objetivo educa¬cional consistir em preparar nossos alunos para a vida em sociedade. No que concerne a leitura e escrita, pare¬ce-nos essencial ter corno prioritária a formação dos professores como lei¬tores e produtores de texto, capazes de aprofundar e atualizar seus saberes de forma permanente'.
Nossa experiência nos levou a considerar que a capacitação dos professores em serviço apresenta melhores resultados quando é realizada por meio de oficinas, sustentadas por bibliografias capazes de dar conta das interrogações a respeito da prática que forem surgindo durante os encontros, que devem se estender durante todo o ano letivo, e que contam com a participação dos coordenadores também em sala de aula, mas que, à longo prazo, capacitem o
professor a seguir autonomamente, sem que seja necessário o acompanhamento em sala de aula.
Capítulo 3 – Apontamentos a partir da Perspectiva Curricular
É importante que, ao propor uma transformação dídática a uma instituição de ensino, seja considerada a sua particularidade, o que se dá atra¬vés do conhecimento de suas neces¬sidades e obstáculos, implícitos ou explícitos, que caberá a proposta su¬prir ou superar. É imperativo que a elaboração de documentos curricula¬res esteja fortemente amparada na pesquisa didática, já que será neces¬sário selecionar os conteúdos que serão ensinados o que pressupõe uma hierarquização, já que privilegi¬ará alguns em detrimento de outros.
"Prescrever é possível quan¬do se está certo daquilo que se prescreve, e se está tanto mais seguro quanto mais investigada está a questão do ponto de vista didático".(p. 55).
As escolhas de conteúdos devem ter como fundamento os propósitos educativos', ou seja, se o propósito educativo do ensino da leitura e da escrita é o de formar os alunos como cidadãos da cultura escrita, então o objeto de ensino a ser selecionado deve ter como referência fundamental às práticas sociais de leitura e es¬crita utilizadas pela comunidade, o que supõe enfatizar as funções da leitura e da escrita nas diversas situações e razões que levam as pessoas a ler e escrever, favorecendo seu ingresso na escola como objeto de ensino.
Os estudos em torno das práticas de leitura existentes ou preponderan¬tes no decorrer da história da huma¬nidade mostraram que em determi¬nados momentos históricos privilegi¬avam-se leituras intensas e profun¬das de poucos textos, como por exemplo, os pensadores clássicos, se¬guidos de profundas reflexões reali¬zadas por meio de debates ou con¬versas entre pequenos grupos de pes¬soas ou comunidades, se tomarmos como exemplo a leitura da Bíblia.
Com o avanço das ciências e o aumento da diversidade literária dis¬ponível - nas sociedades mais abas¬tadas - as práticas de leitura passa¬ram a se alternar entre intensivas ou extensivas (leitura de vários textos com menor profundidade), mas sempre mantendo um fator comum: elas, lei¬tura e escrita, sempre estiveram inseridas nas relações com as outras pessoas, discutindo hipóteses, ideias, pontos de vista ou apertas indicando a leitura de algum título ou autor.
O aspecto mais importante que podemos tirar acerca dos estudos históricos é que aprende-se a ler, len¬do (ou a escrever, escrevendo), por-tanto, é preciso que os alunos tenham contato com todos os tipos de texto que veiculam na sociedade, que eles tenham acesso a eles, que esses materiais deixem de ser privilégio de alguns, passando a ser patrimônio de todos. Didaticamente, isto significa que os alunos precisam se apropriar destes textos através de práticas de leitura significativas que propiciem reflexões individuais e grupais, que embora demandem tempo, são es¬senciais para que o sujeito possa, no futuro, ser um praticante da leitura e da escrita.
"...É preciso assinalar que, ao exercer comportamentos de leitor e de escritor, os alunos têm também a oportunidade de entrar no mundo dos textos, de se apropriar dos traços distintivos[...] de certos gêne¬ros, de ir detectando matizes que distinguem a 'linguagem que se escreve' e a diferenci¬am da oralidade coloquial, de pôr em ação [...] recursos linguísticos aos quais é neces¬sário apelar para resolver os diversos problemas que se apresentam ao produzir ou in¬terpretar textos [...[é assim que as práticas de leitura e escrita, progressivamente, se transfor¬mam em fonte de reflexão metalingüística". (p. 64).
Capítulo 4
E possível ler na escola?
"Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do tex¬to e assumir uma postura crí¬tica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...".(p.73).
Ensinar a ler e escrever foi, e ain¬da é, a principal missão da escola, no entanto, dois fatores parecem contribuir para que a escola não ob¬tenha sucesso:
1. A tendência de supor que existe uma única interpretação pos¬sível a cada texto;
2. A crença - como diria Piaget - de que a maneira como as crianças aprendem difere da dos adultos, e que, portanto, basta ensinar-lhes o que julga¬rem pertinente, sem que haja preocupação com o sentido ou significado que tais conteúdos tem para as crianças, o que, além de tudo, facilita o controle da aprendizagem, já que essa concepção permite uma padronização do ensino.
Para que seja possível ler na es¬cola, é necessário que ocorra uma mudança nessas crenças, é preciso, como já vimos, que sejam conside-rados os resultados dos trabalhos ci¬entíficos em torno de como ocorre o processo de aprendizagem nas crian¬ças: que ele se dá através da ação da criança sobre os objetos (físicos e sociais), sendo a partir dessa ação que ela (a criança) lhe atribuirá um valor e um significado.
Sabendo que a leitura é antes de tudo um objeto de ensino que na escola deverá se transformar em um objeto de aprendizagem, é importante não perder de vista que sua apropri¬ação só será possível se houver sen¬tido e significado para o sujeito que aprende, que esse sentido varia de acordo com as experiências prévias do sujeito e que, portanto, não são suscetíveis a uma única interpretação ou significado e que o caminho para a manutenção desse sentido na es¬cola está em não dissociar o objeto de ensino de sua função social.
O trabalho com projetos de leitu¬ra e escrita cujos temas são dirigidos à realização de algum propósito so¬cial vem apresentando resultados positivos. Os temas propostos visam atender alguma necessidade da co-munidade em questão e são estru¬turados da seguinte forma:
a) Proposta do projeto às crian¬ças e discussão do plano do trabalho;
b) Curso de capacitação para as crianças visando prepará-las para a busca e consulta autônoma dos materiais a serem utilizados quando da realização das etapas do projeto;
c) Pesquisa e seleção do materi¬al a ser utilizado e/ou lugares a serem visitados;
d) Divisão das tarefas em peque¬nos grupos;
e) Participação dos pais e da co¬munidade;
f) Discussão dos resultados en¬contrados pelos grupos;
g) Elaboração escrita dos resul¬tados encontrados pelos gru¬pos (que passará pela revisão de outro grupo e depois pelo professor);
h) Redação coletiva do trabalho final;
i) Apresentação do projeto à co¬munidade interessada.
j) Avaliação dos resultados.
Nesses projetos tem-se a oportu¬nidade de levar a criança a extrair in-formações de diversas fontes, inclu¬sive de textos que não foram escritos exclusivamente para elas, e que, por¬tanto, apresentam um grau maior de dificuldade. A discussão coletiva das informações que vão sendo coletadas propicia a troca de ideias e a verifica¬ção de diferentes pontos de vista, como acontece na vida real, e, ain¬da, durante a realização desses pro¬jetos as crianças não leem e escre¬vem só para 'aprender', a leitura as-sume um propósito, um significado, que atende também aos propósitos do docente - de inseri-las no mundo de leitores e escritores. Os projetos permitem ainda, uma administração mais flexível do tempo, porque pro-piciam o rompimento com a organização linear dos conteúdos já que costumam trabalhar com os temas selecionados de forma interdisciplinar, o que possibilita a retomada dos pró¬prios conteúdos em outras situações e ainda, a análise destes a partir de um referencial diferente.
Acontecem concomitantemente e em articulação com a realização dos projetos, atividades habituais, como 'a hora do conto' semanal ou momen-tos de leitura de outros gêneros, como o de curiosidades científicas e ativi-dades independentes que podem ter caráter ocasional, como a leitura de um texto que tenha relevância pon¬tual ou fazer parte de situações de sistematização: passar a limpo uma reflexão sobre uma leitura realizada durante uma atividade habitual ou pontual. Todas essas atividades con-tribuem com o objetivo primordial de 'criar condições que favoreçam a formação de leitores autônomos e críticos e de produtores de textos adequados à situação comunicati¬va que os torna necessário' já que em todos eles observam-se os esfor¬ços por produzir na escola as condi¬ções sociais da leitura e da escrita.
"É assim que a organização baseada em projetos permite coordenar os propósitos do docente com os dos alunos e contribui tanto para preservar o sentido social da leitura como para dotá-la de um sentido pessoal para as crianças". (p.87).
Ainda, o trabalho com projetos, por envolver grupos de trabalho e, abrir espaço para discussão e troca de opiniões, permite o estabelecimen¬to de um novo contrato didático, ou seja, um novo olhar sobre a avalia¬ção, porque admite novas formas de controle sobre a aprendizagem, nas quais todos os sujeitos envolvidos tomam parte, o que contribui para a formação de leitores autônomos, já que estes devem justificar perante o grupo as conclusões ou opiniões que defendem. É importante ressaltar, que essa modalidade de trabalho torna ainda mais importante o papel das intervenções do professor - fazendo perguntas que levem a ser conside-rados outros aspectos que ainda não tenham sido levantados pelo grupo, ou a outras interpretações possíveis do assunto em questão. Em suma, é importante que a necessidade de con¬trole, inerente a instituição escolar, não sufoque ou descaracterize a sua missão principal que são os propósi-tos referentes à aprendizagem.
O professor: um ator no papel de leitor
É muito importante que o profes¬sor assuma o papel de leitor dentro da sala de aula.
Com esta atitude ele estará propiciando a criança a opor¬tunidade participar de atos de leitura. Assumir o papel de leitor consiste em ler para os alunos sem a preocupação de interrogá-los sobre o lido, mas de conseguir com que eles vivenciem o prazer da leitura, a experiência de seguir a trama criada pelo autor exatamente para este fim, e ao terminar, que o professor comente as suas im¬pressões a respeito do lido, abrindo espaço para o debate sobre o texto -seus personagens, suas atitudes.
Assumir o papel de leitor é fator ne¬cessário, mas não suficiente, cabe ao professor ainda mais, cabe-lhe propor estratégias de leitura que aproximem cada vez mais os alunos dos textos.
A Instituição e o sentido da leitura
Quando os projetos de leitura atingem toda a instituição educacional, cria-se um clima leitor que atinge também os pais, e que envolvem os professores numa situação de traba¬lho conjunta que tem um novo valor: o de possibilitar uma reflexão entre os docentes a respeito das ferramen¬tas de análise que podem contribuir para a resolução dos problemas didáticos que por ventura eles possam estar vivendo.
As propostas de trabalho e as reflexões aqui apresentadas mostram que é possível sim! Ler e escrever na escola, desde que se promova uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, reconsiderando as formas de avaliação, não deixando que estas interfiram ou atrapalhem o propósito essencial do ensino e da aprendizagem. Desde que se elabo¬rem projetos onde a leitura tenha sen¬tido e finalidade social imediata, trans-formando a escola em uma 'micros-sociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pais e professores...". (p. 101).
Capítulo 5
O Papel do Conhecimento Didático na Formação do Professor
"O saber didático é cons¬truído para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, é o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino; é produto da análise das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico; é elaborado através da investiga¬ção rigorosa do funcionamen¬to das situações didáticas". (p. 105).
É importante considerar que o saber didático, como qualquer outro objeto de conhecimento, é construído através da interação do sujeito com o objeto, ele se encontra, portanto, dentro da sala de aula, e não é exclu-sividade dos professores que traba¬lham com crianças, ele está presen¬te também em nossas oficinas de capacitação. Então, para apropriar-se desse saber é preciso estar em sala de aula, buscando conhecer a sua realidade e as suas especificidades.
A atividade na aula como objeto de análise
O registro de classe apresenta-se como principal instrumento de aná¬lise do que ocorre em sala de aula. Esses registros podem ser utilizados durante a capacitação objetivando um aprofundamento do conhecimento didático, já que as situações nele apre¬sentadas permitem uma reflexão con¬junta a respeito das situações didáti¬cas requeridas para o ensino da lei¬tura e escrita.
Optamos por utilizar, a princípio, os registros das 'situações boas' ocor-ridas em sala de aula, porque perce¬bemos, através da experiência, que a ênfase nas 'situações más' distanci¬ava capacitadores e educadores, e para além, criavam um clima de in¬certeza, por enfatizar o que não se deve fazer, sem apresentar direções do que poderia ser feito, em suma, quando enfatizamos 'situações boas´ estamos mostrando o que é possível realizar em sala de aula, o que por si só, já é motivador.
É importante destacar que as 'si¬tuações boas' não se constituem em situações perfeitas, elas apresentam erros que, ao serem analisados, en-riquecem a prática docente, pois são: considerados como importantes ins-trumentos de análise da prática didática - ponto de partida de uma nova reflexão - sendo vistos como parte integrante do processo de constru¬ção do conhecimento.
"... a análise de registros de classe opera como coluna ver¬tebral no processo de capacitação, porque é um recurso insubstituível para a comunica¬ção do conhecimento didático e porque é a partir da análise dos problemas, propostas e in¬tervenções didáticas que adqui¬re sentido para os docentes se aprofundarem no conhecimen¬to do objeto de ensino e de s processos de aprendizagem desse objeto por parte das crianças", (p. 116).
Palavras Finais
Quanto mais os profissionais capacitadores conhecerem a prática pedagógica e os que exercitam essa prática no dia-a-dia: as crenças que os sustentam e os mecanismos que utilizam; quanto mais conhecerem como se dá o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola, mais estarão em condições de ajudar o professor em sua prática docente.
11. LERNER, D. e SADOVSKY, P. O sistema de numeração:um problema didático. In: PARRA, Cecília; SAIZ Irmã; [et al] (Org.). Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógicas. Tradução por Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 73-155.
Como e porque se iniciou a pesquisa sobre a aquisição da noção de número.
A relação entre os grupamentos e a escrita numérica tem sido um problema para as crianças nas ex¬periências escolares o que tem le¬vado pesquisadores e educadores re¬alizarem esforços, com experimen¬tos de recursos didáticos diversos, para tornar real a noção de agrupa¬mentos numéricos às crianças nas series iniciais. A gravidade do pro¬blema foi detectada através de en¬trevistas com crianças que não eram trabalhadas nos programas que usa¬vam estes recursos.
Elas utilizavam métodos conven¬cionais nas operações de adição e subtração (vai um) sem entende¬rem os conceitos de unidades, de¬zenas e centenas. Mesmo naque¬las que pareciam acertar, não de¬monstravam entender os algaris¬mos convencionais na organização de nosso sistema de numeração. (Lerner,D 1992).
As dificuldades foram detectadas e analisadas em crianças de vários países. Chamou a atenção dos pesquisadores o fato das crianças não entenderem os princípios do sistema numérico. Foi verificado que as práticas pedagógicas não consideravam os aspectos sociais e históricos vivi¬dos pelas crianças, ou seja, o dia-dia que traziam para escola não era importante quando os alunos che¬gavam à escola, e mesmo no decor¬rer do ano letivo; a preocupação es¬tava centrada apenas na fixação da representação gráfica.
Era necessário compreender o caminho mental que essas crian¬ças percorriam para adquirirem este conhecimento. Para tornar cla¬ro esse fenômeno, iniciaram pela elaboração de situações didáticas. Assim foi necessário testá-las em aula para descobrir os aspectos relevantes para as crianças no sis¬tema de numeração, tais como: as ideias elaboradas sobre os núme¬ros, formulação de problemas e conflitos existentes.
Foi por meio de entrevistas com as crianças de 5 a 8 anos que se es-clareceu o caminho que percorrem, de forma significativa, na construção de conceito de número. Através das ideias, justificações e conflitos de-monstrados nas respostas foi possí¬vel traçar novas linhas de trabalho didático.
// - História dos conhecimentos que as crianças elaboram a respeito da numeração escrita
A pergunta levantada pelos pesqui¬sadores é: como as crianças compre-endem e interpretam os conhecimen¬tos vivenciados no seu cotidiano no meio social-familiar de utilização da numeração escrita? A hipótese era que as crianças elaboram critérios própri¬os para produzir representações nu¬méricas e que a construção da nota¬ção convencional não segue a ordem da sequência numérica.
Para buscar a resposta às hipóte¬ses levantadas, situações experimentais, através de jogos foram projetadas e relacionadas à comparação de nú-meros. Através das respostas das cri¬anças entrevistadas chegou-se a su-posição que elas elaboram uma hipó¬tese de "quanto maior a quantidade de algarismos de um número, maior é o número", ou "primeiro número é quem manda".
As crianças usam como critério de comparação de números maiores ou menores elaborando a partir da interação com a numeração escrita, quando ainda não conhecem a de¬nominação oral dos números que comparam. Ao generalizarem estes critérios, outras crianças mostraram dificuldades com afirmações contra¬ditórias quando afirmavam que "o numeral 112 é maior que 89, por que tem mais números, mas logo muda apontando para o 89 como maior por que - 8 mais 9 é 17 -, então é mais."
Assim concluiu-se que a elabora¬ção de critério de comparação é im-portante para a compreensão da nu¬meração escrita.(p. 81).
A posição dos algarismos como critério de comparação ou "o primeiro é quem manda"
Um dos argumentos usados pe¬las crianças respondentes é que ao comparar os números com a mes¬ma quantidade de algarismos, dizi¬am que, a posição dos algarismos é determinada pela função no sistema de números (por exemplo: que 31 é maior que 13 por que o 3 vem primeiro). Assim elas descobrem que além da quantidade de algarismos, a magnitude do número é outra carac¬terística específica dos sistemas posicionais.
Tais respostas não são precedidas de conhecimentos das razões que originaram as variações.
Para as crianças da 1a série que ainda não conhecem as dezenas, mas conseguem ver a magnitude do nú¬mero, fazem a seguinte comparação: o 31 é maior porque o 3 de 31 é maior que o 2 do 25.
Assim "os dados sugerem que as crianças se apropriam primeiro da es-crita convencional da potência de base."
Papel da numeração falada
Os conceitos elaborados pelas crianças a respeito dos números são baseados na numeração falada e em seu conhecimento descrita conven-cional dos "nós".
"Para produzir os números cuja escrita convencional ainda não havi¬am adquirido, as crianças misturavam os símbolos que conheciam colocan-do-os de maneira tal, que se correspondiam com a ordenação dos termos na numeração falada" (p.92). Sendo assim, ao fazerem compara¬ções de sua escrita, o fazem como resultado de uma correspondência com a numeração falada, e por ser esta não posicional.
"Na numeração falada a justapo¬sição de palavras supõe sempre uma operação aritmética de soma ou de multiplicação - elas escrevem um número e pensam no valor total des¬se número. Como exemplo: duzen¬tos e cinquenta e quatro -escrevem somando 200+ 50+ 4 ou 200504 e quatro mil escrevem 41000- dando a ideia de multiplicação".
A numeração escrita regular é mais fechada que a numeração falada. É regular porque a soma e a multiplica¬ção, são utilizadas sempre pela multi-plicação de cada algarismo pela po¬tência da base correspondente, e se somam aos produtos que resultam dessas multiplicações." É fechada porque não existe nenhum vestígio das operações aritméticas racionais envol¬vidas, sendo deduzidas a partir da posição que ocupam os algarismos.
Ex: 4815 = 4x 103 + 8x102+ 1x 101 + 5x10.
Através destes insipientes resulta¬dos acima citados, é possível dedu¬zir "uma possível progressão nas correspondências entre o nome e a no-tação do número até a compreensão das relações aditivas e multiplicativas envolvidas na numeração falada".
As crianças que realizam a escrita não-convencional o fazem a seme-lhança da numeração falada, pois demonstraram em suas escritas numé-ricas que as diferentes modalidades de produção coexistem para os números posicionados em diferentes in¬tervalos da sequência ao escreverem qualquer número convencionalmen¬te com dois ou três algarismo em correspondência com a forma oral. Exemplo: podem escrever cento e trin¬ta e cinco em forma convencional (135), mas representam mil e vinte e cinco da seguinte forma: 100025. Mesmo aquelas crianças que escrevem convencionalmente os números entre cem e duzentos, podem não genera¬lizar esta modalidade a outras cente¬nas. Por exemplo, escrevem 80094 (oitocentos e noventa e quatro).
Assim é que a relação numeração fala/numeração escrita não é unidirecional. Observa-se também que a numeração falada intervém na conceitualização da escrita numérica.
O que parece é que algumas cri¬anças demonstram que utilizam um critério para elaborar a numeração escrita. Assim acham que mil e cem e cem mil sejam a mesma coisa, pois elaboram o elemento símbolo, quali¬ficação e não quantificação. Desta forma as crianças apropriam-se pro-gressivamente da escrita convencio¬nal dos números a partir da vinculação com a numeração falada. Mas pergun¬ta-se, como fazem isto? Elas supõem que a numeração escrita se vincula estritamente à numeração falada, e sabem também que em nosso sistema de numeração a quantidade de algarismos está relacionada à magni¬tude do número representado.
Do conflito à notação convencional
Há momentos em que a criança manipula a contradição entre suas conceitualizações sem conflito. Às vezes centram-se exclusivamente na quantidade de algarismos das suas escritas que produziram, e parece ignorar qualquer outra consideração a respeito do valor dos números re-presentados. Assim também parece claro que não é suficiente conhecer o valor dos números para tomar cons¬ciência do conflito entre quantidade de número e a numeração falada.
Em outros momentos a criança parece alternar os sistemas de conceitualizações dos números. Em outro momento, o conflito aparece, pois ao vincular a criança a numera¬ção falada na produção da escrita, mostra-se insatisfeita achando que é muito algarismo.
Exemplo: Ao pedir-se para escre¬verem seis mil trezentos e quarenta e cinco, fazem 600030045. Ao mes¬mo tempo escrevem 63045. Isto mostra que nesse momento encon¬tra-se em conflito pela aproximação da escrita convencional e a falada.
O conflito é percebido após com¬pararem e corrigirem a escrita numé¬rica feita por eles mostrando uma solução mais ou menos satisfatória.
É percebido que pouco a pouco a criança vai tomando consciência das contradições procurando superar o conflito, mas sem saber como; pou¬co a pouco através da re-significação da relação entre a escrita e a numera-ção falada elaboram ferramentas para superar o conflito. Essa parece ser uma importante etapa para progredir na escrita numérica convencional. Portanto, as crianças produzem e in¬terpretam escritas convencionais an-tes de poder justificá-las através da "lei de agrupamento recursivo".
Sendo assim torna-se importante no ensino da matemática considerar a natureza do objeto de conhecimen¬to como valorizar as conceitualizações das crianças à luz das propriedades desse objeto.
/// - Relações entre o que as Crianças sabem e a organização posicional do sistema de numeração.
Devido a convivência com a lingua¬gem numérica não percebemos a distinção entre a propriedade dos números e a propriedade da notação numé¬rica, ou seja, das propriedades do sis¬tema que usamos para representá-lo.
As propriedades dos números são universais, enquanto que as leis que regem os diferentes sistemas de numeração não o são. Por exemplo: oito é menor que dez é um conceito uni¬versal, pois em qualquer lugar, tem¬po ou cultura será assim. O que muda é a justificativa para esta afirmação, pois varia de acordo com os sistemas qualitativos e quantitativos dos núme¬ros ou posicionai dos algarismos.
A posicionalidade é responsável pela relação quantidade de algaris¬mos e valor do números.
A criança começa pela detecção daquilo que é observável no contexto da interação social e a partir deste ponto os números são baseados na numera¬ção falada e em seu conhecimento da escrita convencional ("dos nós").
IV - Questionamento do enfoque usualmente adotado para o sistema de numeração
O ensino da notação numérica pode ter modalidade diversa como: trabalhar passo a passo através da administração de conhecimento de forma "cômoda quotas anuais" - me¬tas definidas por série - ou através do saber socialmente estabelecido.
Pergunta-se: é compatível traba¬lhar com a graduação do conheci¬mento? Ou seja, traçar um caminho de início e fim, determinado pelo sa¬ber oficial? E qual é o saber oficial? E o que se estar administrando de co¬nhecimento numérico nas aulas?
O processo passo a passo e aperfeiçoadamente, não parece com¬patível com a natureza da criança, pois elas pensam em milhões e milhares, elaboram critérios de comparação fun¬damentados em categorias. Podem conhecer números grandes e não sa¬ber lidar com os números menores.
Os procedimentos que as crian¬ças utilizam para resolver as opera¬ções têm vantagens que não podem ser depreciadas se comparadas com procedimentos usuais da escola.
No esforço para alcançar a com¬preensão das crianças no sistema de numeração e não a simples memo¬rização é que muitos educadores tem utilizado diferentes recursos para materializar o grupamento numérico. Alguns utilizam sistemas de códigos para traduzir símbolos dando a cada grupamento uma figura diferente como, triângulo para potências de 10, quadradinho para potências de 100, ou a semelhança do sistema egípcio para trabalhar a posicionalidade de, um número ou empregam o ábaco como estratégia para as noções de agrupar e reagrupar a fim de levar a compreensão da posicionalidade.
No entanto todos estes pressupos¬tos não são viáveis por razões próprias da natureza da criança, como também considerando o ambiente social, no qual convivem com os números.
As crianças buscam desde cedo a notação numérica. Querem saber o mais cedo possível, como funcio¬na, para que serve, como e quando se usa. Inicialmente, não se interes¬sam pela compreensão dos mesmos e sim pela sua utilidade. Dessa for¬ma, a compreensão passa a ser o ponto de chegada e não de partida.
Outro problema com as aulas de aritmética é que os professores ofe-recem respostas para aquilo que as crianças não perguntam e ainda ig-noram as suas perguntas e respostas.
V - Mostrando a vida numérica da aula
O ensino do sistema de numera¬ção como objeto de estudo passa por diversas etapas, definições e redefinições, para então, ser devida¬mente compreendida.
Usar a numeração escrita envol¬ve produção e interpretação das es¬critas numéricas, estabelecimento de comparações como apoio para resol¬ver ou representar operações.
Inicialmente o aprendiz, ao utili¬zar a numeração escrita encontra pro-blemas que podem favorecer a me¬lhor compreensão do sistema, pois através da busca de soluções torna possível estabelecer novas relações; leva à reflexões, argumentações, a validação dos conhecimentos adqui-ridos, e ao inicio da compreensão das regularidades do sistema.
O sistema de numeração na aula.
A seguir serão discutidas algumas ideias sobre os princípios que orien¬tam o trabalho didático através da reflexão da regularidade no uso da numeração escrita.
As regularidades aparecem como justificação das respostas e dos procedimentos utilizados pelas crianças ou como descobertas, necessários para tornar possível a generalização, ou a elaboração de procedimentos mais econômicos. P.117
Assim, a análise das regularidades da numeração escrita é uma fonte de insubstituível no progresso da compreensão das leis do sistema.
O uso da numeração escrita como ponto de partida para a reflexão deve, desde o inicio ser trabalhada com os diferentes intervalos da sequência nu¬mérica, através de trabalho com pro¬blemas, com a numeração escrita desafiadora para a condução de resolu¬ções, de forma que cada escrita se construa em função das relações significativas que mantêm com as outras. Os desafios e argumentações le¬vam as crianças serem capazes de resolver situações-problema que ain¬da não foram trabalhadas e à sociali-zação do conhecimento do grupo.
As experiências nas aulas são de caráter provisório, às vezes comple¬xas, mas são inevitáveis, porque no trabalho didático é obrigado a consi¬derar a natureza do sistema de nu¬meração como processo de constru¬ção do conhecimento.
No trabalho de ensinar e apren¬der um sistema de representação será necessário criar situações que permi¬tam mostrar a organização do siste-ma, como ele funciona e quais suas propriedades, pois o sistema de nu-meração é carregado de significados numéricos como, os números, a re-lação de ordem e as operações arit¬méticas. Portanto comparar e operar, ordenar, produzir e interpretar, são os eixos principais para a organização das situações didáticas propostas.
Situações didáticas vinculadas à relação de ordem
O entendimento do sistema deci¬mal posicionai está diretamente ligada a relação de ordem. Por isto as atividades devem estar centradas na comparação, vinculada à ordenação do sistema. Alguns exemplos po¬dem melhorar o entendimento des¬sas relações, são elas: simulação de uma loja para vender balas, em pa¬cotes de diferentes quantidades. Ao sugerir que as crianças decidam qual o preço de cada tipo de pacote, es¬tarão fazendo comparações em con¬junto com os colegas, notações, com¬param as divergências, argumentam e discutem as ideias, orientadas por uma lógica. Assim os critérios de comparação podem não ser coloca¬dos imediatamente em ação por to¬das as crianças, pois algumas irão realizar com maior ou menor esfor¬ço o ordenamento, outras ordenam parcialmente alguns números, e os demais se limitam a copiar a que os outros colegas fizeram. Todos nesta atividade se interagem. Os primeiros têm a oportunidade de fundamentar sua produção e conceitualizar os re-cursos que já utilizavam. As crianças que ordenam parcialmente aprendem ao longo da situação, levantam per¬guntas e confirmam as ideias que não tinham conseguido associar. As cri¬anças que não exteriorizaram nenhu¬ma resposta, também se indagam e podem obter respostas que não ti¬nham encontrado. As crianças que se limitam copiar, é importante que o professor as estimule com interven¬ções orientadas para desenvolver nelas o trabalho autônomo. Também devem ser estimuladas a pergunta¬rem a si mesmas antes de ir aos ou¬tros, recorrer ao que sabem e des¬cobrir seus próprios conhecimentos, e que são capazes de resolver os pro¬blemas. Enfim, deve ser incentivada a autonomia.
Uma segunda experiência é aquela que pode usar materiais com nume-ração sequencial com fita métrica, régua, paginação de livros, numera¬ção das casas de uma rua. Todas es¬tas atividades ajudam as crianças buscarem por si mesmas as informa¬ções que precisam.
No trabalho conjunto todas as cri¬anças tem oportunidade de aprender, mesmo que em ritmos diferentes, aprendem com o trabalho cooperati¬vo na construção do conhecimento.
Outra proposta de atividade pode ser direcionada a interpretação da escrita numérica no contexto de uso social do cotidiano de cada uma. Pode ser realizado através de: comparação de suas idades, de preços, datas, medidas e outras. Experiências como: formar lista de preços, fazer notas fis¬cais, inventariar mercadorias, etc. Atra¬vés de experiências semelhantes, é possível levar as crianças considerar a relevância da relação de ordem numérica. As atividades desenvolvi¬das produzem efeito no sentido de modificar a escrita, ou da interpreta¬ção originalmente realizada. A longe prazo, devem ser capazes de montar e utilizar estratégias de relação de or¬dem para resolver problemas de pro¬dução e interpretação.
Se nas atividades a professora detecta que determinado número tem diferentes notações na turma, deve trabalhar com argumentações até que cheguem a interpretação correta.
Percebe-se através dos argumentos utilizados pelas crianças a busca pela relação de ordem, mesmo naquelas que utilizaram anotações não conven¬cionais, a ponto de transformarem a partir de sucessivas discussões e objeções que elas fazem a si próprias.
A relação numeração falada/nu¬meração escrita é um caminho que as crianças transitam em duas direções: da sequência oral como recur¬so para compreensão da escrita nu¬mérica e como sequência da escrita como recurso para reconstruir o nome do número.
Para isso é importante desenvolver atividades que favoreçam a aplicação de regularidade podendo ser observado nas situações de comparação, de produção ou interpretação.
Mas pergunta-se: quais as regularidades necessárias trabalhar na contagem dos números? Estabelecer as regularidades tem o objetivo de tornar possível a formulação de problemas dirigidos às crianças, mas também para que adquiriram ferramentas para auto-criticar as escritas baseadas na correspondência com a numeração falada e na contagem dos números. Exemplo: as dezenas com dois algarismos, as centenas com três algarismos. Depois do nove vem o zero e passa-se para o número seguinte
Como intervir para que as crian¬ças avancem na manipulação da se-quência oral? Pode-se sugerir as cri¬anças que procurem um material que tenha sequência correspondente e descubra-se por si mesma a regula-ridade. Buscar nos números de um a cem quais os que terminam em nove, identificar e nomear os núme¬ros seguintes do nove. Esta é uma atividade de interpretação e tão im¬portante quanto a produção na con¬tagem dos números. Exemplo: Como descobrir as semelhanças e diferen¬ças entre os números de um a qua¬renta. Localizar em todos os núme¬ros de dois dígitos que terminam em nove e anotar qual é o seguinte de cada um deles. Esta atividade pode ser encontrada em materiais como calendário, régua e fita métrica.
Um critério importante para tra¬balhar é estabelecer primeiro as regularidades para um determinado intervalo. A partir daí passar a sua generalização através do uso de ma¬teriais que contenham números mai-ores. Só então o indivíduo começa a questionar o seu significado.
As crianças são capazes de inventar algarismos próprios e colocam em jogo as propriedades das opera¬ções como conhecimento implícito sobre o sistema de numeração, im¬portante para descobrir as leis que regem o sistema. Ao estudar o que acontece quando se realizam as so¬mas é possível estabelecer regularidades referentes ao que muda e ao que se conserva.
As atividades como colocar pre¬ços em artigos de lojas, contar no¬tas de dez em dez, fazer lista de pre¬ço, colocar novos preços aos que já tem, contar livros das prateleiras das estantes de uma biblioteca, e ao comparar a numeração das páginas de um jornal, é possível analisar o que transforma nos números quan¬do lhes soma dez. utilizar dados nos aspectos multiplicativos em que cada ponto do dado vale dez e vão ano-tando a pontuação de cada um dos participantes do grupo. A partir desta atividade são levadas a refletir sobre o que fizeram e sobre a função multiplicativa e relacioná-la com a interpretação aditiva. Desta forma, levá-los a uma maior compreensão do valor posicional. Através de diferentes comparações estabelecem regularidades numéricas para os dezes e os cens e refletir sobre a or¬ganização do sistema.
As crianças têm oportunidade de formular regras e leis para as opera¬ções com números e concentram nas representações numéricas.
Na segunda série a calculadora pode ser introduzida, desde que de forma adequada, pois leva as crianças aprofundarem suas reflexões, to¬marem consciência das operações numéricas e torna possível que cada um detecte por si mesma quando é que estão corretas e o que não está certo, auto-corrija os erros e formu¬le regras que permitam antecipar a operação que levará ao resultado procurado.
Assim, refletir sobre o sistema de numeração e sobre as operações aritméticas levam as crianças a for¬mularem leis para acharem proce-dimentos mais econômicos. Leva a indagações das razões das regula-ridades de forma significativa. Bus¬ca resposta para organizar os siste-mas, para novas descobertas da numeração escrita.
12. NEMIROVSKY, Myriam. O Ensino da Linguagem escrita. Artmed, 2002
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Membro do Grupo de Pesquisa HISTEDBR
Luciana Cristina Salvatti Coutinho
Pedagoga pela Faculdade de Educação da Unicamp. Mestranda em Filosofia e História da Educação pela FE/Unicamp. Membro do grupo de estudos e pesquisas HISTEDBR.
O livro de Myriam Nemirovsky destina-se aos professores, principalmente àqueles que têm como tarefa a alfabetização das crianças nos primeiros anos de escolarização. A autora define alfabetização como a “[...] responsabilidade da escola de aprendizagem da leitura e da escrita durante todos e em cada um dos níveis e ciclos educativos.” (p.07) Ressalta, ainda, que se trata de um processo contínuo que não se encerra nos primeiros anos de escolarização.
1 Antes de começar: Que hipóteses fazem as crianças sobre o sistema da escrita?
Baseada em Emília Ferreira, a autora traça os três níveis pelos quais passam todas as crianças no seu processo de alfabetização, lembrando-nos que a idade cronológica não é o fator que determina o nível de sua escrita, mas as características apresentadas pela sua escrita.
Nos diferentes níveis são encontrados fatores quantitativos e qualitativos. Os quantitativos são: sem controle da quantidade de letras, com controle da quantidade de letras, hipótese silábica (cada letra representa uma sílaba), hipótese silábico-alfabética (uma letra para cada sílaba alternando com uma letra para cada som), hipótese alfabética (cada letra representa um som). Os aspectos qualitativos são: sem diferenciação no traçado (traços contínuos ou descontínuos), com diferenciação no traçado (grafias, semiletras, letras), com valor sonoro convencional. No processo de alfabetização pode ser que a criança se encontre num determinado estágio referente ao aspecto quantitativo e em outro no aspecto qualitativo.
Essa classificação parte do princípio de que, como afirma Nemirovsky “[...] existem níveis prévios ao uso do sistema convencional de escrita – não determinados pela forma nem pelo método de ensino...” (p.18).
No processo de alfabetização o professor tem um papel de suma importância: cabe a ele a função de elaborar e por em prática as situações didáticas que contribuam “[...] no âmbito da instituição escolar, para a aprendizagem do sistema de escrita mediante a produção e a interpretação de textos.” (p.17).
2 Como organizar o ensino da linguagem escrita? Uma proposta de planejamento.
Na década de 1970 iniciou-se um processo de alfabetização. Nessa revisão deslocou-se o objeto de ensino da ação educativa colocando a centralidade do processo educativo na criança como produtora de seu caminho. No final da década de 1980, incorporou-se ao trabalho pedagógico uma preocupação maior com o processo de alfabetização, principalmente com a linguagem escrita. É nesse contexto que a autora elabora uma proposta de planejamento para o ensino da linguagem escrita cujo conteúdo apresenta nesta obra.
Sua primeira questão foi determinar a finalidade do ensino da leitura e da escrita que, para ela, “[...] consiste em formar sujeitos que sejam capazes de produzir e interpretar textos, sendo progressivamente, ainda, melhores usuários do sistema de escrita convencional” (p.22).
A base, portanto, do trabalho pedagógico deve ser diferentes textos com funções diferenciadas. A autora utiliza dois critérios para selecionar esses textos: a maior incidência de circulação na comunidade da qual a escola faz parte e as possibilidades que apresentam para o trabalho didático. Após a seleção dos textos, procede-se à escolha das propriedades a serem trabalhadas, assim elencadas por Nemirovsky:
Propriedades do texto A que se refere
Função Qual a função do texto? Para que foi escrito?
Autor/autores Quem escreveu o texto? Quem é essa pessoa?
Público Potencial A quem se destina o texto? Qual seu leitor potencial?
Relações com a realidade O texto corresponde a fatos verídicos ou imaginários? Qual seu grau de relação com a realidade? É um texto científico? De ficção?
Extensão Qual o tamanho do texto? Breve, médio, mais longo?
Fórmulas fixas Como se inicia o texto? Qual o estilo (conto, carta, convite, etc.)?
Vocabulário Explorar a riqueza do vocabulário de cada texto.
Categorias gramaticais Quais categorias gramaticais se quer trabalhar? Em cada tipo de texto há uma incidência maior ou menor de categorias gramaticais.
Estrutura Qual a estrutura do texto?
Tipografia Quais os tipos de letras utilizadas? Quando é usada, no texto, um determinado tipo de letra?
Formato Qual a organização do texto no espaço gráfico?
Uso posterior da leitura Qual o destinado que é dado ao texto após sua leitura? Por quê?
Modo de leitura Qual o tipo de texto e por que o estamos lendo? Isso define as condições em que lemos.
Relação título-conteúdo Qual a relação entre o título do texto e seu conteúdo? O título tem dupla função: antecipar o conteúdo e chamar a atenção do leitor.
Relação imagem-texto Qual a relação da imagem com o texto? Para que se usa a imagem?
Suporte Onde é escrito determinado tipo de texto: tipo e tamanho da folha, encadernação, capa. Cada tipo de texto requer um suporte específico.
Tempos, modos ou formas verbais Quais os tempos, modos e formas verbais que predominam no texto?
Personagens Quem são os personagens do texto? Reais? Fictícios?
Temática Qual o tema central do texto?
Propriedades do sistema de escrita A que se refere
Diferença desenho-escrita Onde está a escrita? Onde está o desenho?
Propriedades qualitativas Quantas letras têm determinada palavra?
Propriedades quantitativas Quais letras têm determinada palavra?
Direcionalidade do sistema Direção da escrita: da esquerda para a direita, de cima para baixo.
Tipos de letra Imprensa ou cursiva; maiúscula ou minúscula.
Ortografia Priorizar, em cada produção, os aspectos ortográficos que pretende-se que o aluno melhore.
Pontuação Que pontuação usar? Quando? Por quê?
Separação entre palavras Refletir sobre os espaços vazios entre as palavras através da análise do texto.
Antes de se iniciar o trabalho acerca das propriedades do texto e do sistema de escrita deve-se considerar o tipo de texto escolhido e a etapa na qual se encontra a criança no processo de alfabetização.
Para planejar o trabalho didático Nemirovsky aponta quatro etapas: 1) Escolha do tipo de texto; 2) Definir as propriedades do texto que serão trabalhadas; 3) Escolher as propriedades do sistema de escrita que serão abordadas; 4) Elaborar a sequência didática com a previsão de atividades/situações a serem desenvolvidas. Situações pontuais, por exemplo, um fato social importante, envolvendo as situações planejadas, as imprevistas e situações de rotina devem ser consideradas para garantir um bom desenvolvimento do trabalho.
3 Quem participa da organização do ensino da linguagem escrita?
Para Nemirovsky, no processo de ler e escrever participam e interagem diferentes sujeitos envolvidos em contextos diversos.
O professor ocupa um papel de suma importância já que é ele “[...] que articula o trabalho educativo e coordena o processo de ensino” (p.47). Para a autora, a estratégia do professor alfabetizador deve partir de evidenciar seu próprio interesse pela leitura e pela escrita. Outra estratégia é o professor ler em voz alta, escolhendo textos que despertem interesse e emocione os alunos.
A interação entre os alunos é fundamental para a construção do conhecimento da leitura e da escrita, assim, a estratégia de trabalho em grupo é central. Mas, adverte a autora, o trabalho em grupo requer a atenção a quatro fatores na organização de atividades coletivas: 1) O professor deve organizar a constituição do grupo atentando para as necessidades, habilidades e dificuldades de cada; 2) Limitar o grupo em dois a três alunos para melhor desenvolvimento do trabalho; 3) Variar os critérios para selecionar os membros do grupo; 4) Para cada tarefa a ser desenvolvida constituir um novo grupo.
A interação entre alunos de turmas diferentes na escola também é uma experiência de trabalho em grupo que pode enriquecer o desenvolvimento da linguagem escrita. Nemirovsky descreve três sequências didáticas que ela vem desenvolvendo, com resultados positivos, quais sejam: trabalho com vocabulário, leitura em voz alta, escrita de ditado. Nesses grupos, os alunos maiores cumprem o papel de tutores e os menores de tutorandos.
A participação de outros membros da escola significa ampliar a participação de outros alunos e professores. Instrui-se os alunos para que comentem sobre o tema que estão desenvolvendo, peçam colaboração de materiais, leituras, dicas aos colegas de outras turmas. O professor, por sua vez, compartilhe com seus colegas o trabalho que está fazendo.
A participação das famílias dos alunos no processo de escolarização é fundamental. Reuniões entre pais e professores, regularmente, é uma estratégia positiva. Outra maneira de aproximar a família é abrindo horários específicos para que os familiares possam observar o trabalho realizado e, até mesmo, participarem de atividades, por exemplo, leitura de contos.
O último aspecto discutido neste capítulo é o da transcrição que significa a reescrita dos textos dos alunos que ainda não escrevem de acordo com as normais convencionais. Não são todos os textos das crianças que deverão ser transcritos, somente aqueles que serão compartilhados. Para a reescrita, se faz necessário observar determinados aspectos: a) Quem transcreve pode ser o próprio docente, um aluno que já usa convencionalmente a escrita ou algum familiar; b) A transcrição deve ser feita ao mesmo tempo em que a criança escreve, pois crianças muito pequenas não conseguem se lembrar, com clareza, o que escreveram; c) a transcrição pode ser na mesma folha em que o aluno redigiu seu texto e com o mesmo material ou escrever em outra folha e anexar à folha do aluno; ou ainda transcrever em uma folha transparente observando a mesma sequência e espaço utilizados pelas crianças.
Reconhece Nemirosvsky que não são em todos os lugares que se pode contar com a participação de todos os que estão, de alguma forma, envolvidos no processo de alfabetização das crianças. “Por isso, todos os professores que adotam esse enfoque em alfabetização devem ser reconhecidos por seu esforço e compromisso profissional” (p.76).
4 Com o que organizar o ensino da linguagem escrita?
Para uma concepção já superada de educação, os materiais didáticos são, em geral, aqueles que se utilizam estritamente no ambiente escolar e não guardam relação nenhuma com os objetos usados na vida social. Criticando essa idéia reduzida, Nemirovsky entende materiais didáticos como os “[...] objetos que são utilizados como apoio para ensinar, na medida em que possibilitam uma contribuição ao processo de aprendizagem” (p.79). Dentre essa variedade a autora destaca e discute três: materiais lúdicos, decorativos e impressos.
A respeito dos materiais lúdicos propõe que os jogos e os objetos utilizados na vida social sejam utilizados no processo pedagógico, nas escolas. Cabe ao professor analisar as propriedades de cada material e avaliar quais aspectos didáticos podem ser trabalhados.
Quanto à decoração que, em geral, é feita pelos docentes, Nemirovsky aconselha usar reproduções das obras de artistas, além de, em vários momentos, a própria produção dos alunos. Assim, o professor, por um lado, ganha tempo para desenvolver atividades relacionadas ao seu trabalho pedagógico e, por outro, possibilita aos alunos o contato com obras consagradas que lhe fornecerão o desenvolvimento mais aguçado da dimensão estética.
Referente aos materiais impressos a crítica da autora se dirige à perda de sentido da leitura e da escrita uma vez que se abstraem dos textos seus usos e funções sociais. Os textos, em sua maioria, são utilizados para responder algumas perguntas de interpretação ou de gramática. Desse modo, “durante a escolaridade, o aluno que utiliza esses materiais não assume a leitura de textos de forma verdadeira, nem sequer quando no livro escolar existem fragmentos de textos de uso social” (p.89). Para superar essa situação é sugerido que se utilizem materiais escritos de uso social: contos, receitas, enciclopédia, obras teatrais, anúncios publicitários, jornais, etc. Além disso, objetivando o aprendizado de que existe uma diversidade lingüística, é importante disponibilizar materiais escritos em diferentes línguas.
Encerrando, são discutidas duas idéias centrais: primeiro, a inserção, na escola, de materiais, livros, textos e práticas de uso social; segundo, “trata-se de fazer da escola uma instituição que represente os níveis mais altos de cultura, da arte, da tecnologia, da ciência, dos valores humanos.” (p.95).
5 Sequências Didáticas
Nemirovisky destaca que o que diferencia um projeto das outras propostas é o papel central que se atribui ao aluno em sua organização. A autora discorda tanto desta atribuição quanto do fato de caber ao aluno a função de estabelecer o projeto que vai ser trabalhado. Ela justifica afirmando que é o professor quem detêm os elementos necessários para definir o que será trabalhado em aula. Ainda que, supostamente, a origem de um projeto tenha sido a sala de aula o que leva à sua organização são a valorização e a relevância que o docente lhe atribui. Para a autora, o mais importante é discutir e analisar sobre o que e quais são os conteúdos de ensino a serem trabalhados. Em princípio, as temáticas sobre as quais os alunos trabalham fora da sala de aula não merecem constituir-se em conteúdos de ensino. O que se deve priorizar são as temáticas socialmente relevantes para sua participação na sociedade.
Nemirovisky alerta para a limitação dos temas caso leve-se em conta somente os assuntos sobre os quais os alunos manifestem interesse. O aluno pode interessar-se por temas que desconhece, dos quais não conceba sequer a existência? Partindo dessa perspectiva, a função do professor não é partir dos interesses dos alunos, mas gerar interesses neles.
Entendendo a seqüência didática como “organização do trabalho em sala de aula, mediante conjuntos de situações didáticas estruturadas e vinculadas entre si por sua coerência interna e sentido próprio, realizada em momentos sucessivos”, Nemirovisky afirma que planejá-la implica analisar seu andamento, fazer trocas, incorporar situações não previstas, modificar seu rumo. Porém, ressalta a autora, ao elaborá-la deve-se saber se a sequência será integradora ou globalizadora de diferentes áreas do conhecimento. Contudo, trata-se de não forçar situações para abarcar diferentes áreas do conhecimento em uma mesma sequência didática. É perfeitamente viável organizar sequências didáticas centradas em conteúdos de uma só área. Por outro lado, há casos nos quais a integração de conteúdos de ensino que correspondem a diferentes áreas do conhecimento pode ser pertinente. Contudo, se o objetivo da integração for promover a aprendizagem de conteúdos de diferentes áreas de conhecimento, é fundamental que as atividades desencadeiem múltiplas, rigorosas e sucessivas situações de análise, de comparação, de exploração, de verificação, de argumentação, acerca dos conteúdos que se quer ensinar. Resumindo, existem três possibilidades: 1) Seqüências didáticas centradas em aprendizagens de uma área do conhecimento. 2) Seqüências didáticas que podem integrar conteúdos de mais de uma área de conhecimento. 3) Seqüências didáticas centradas em determinada área do conhecimento que podem incluir uma fase em que se trabalham conteúdos de outra área do conhecimento.
Uma vez definida a forma e a temática da sequência didática, é imprescindível fazer um determinado recorte, estabelecendo certos limites que constituem o objeto de estudo. O critério básico para determinar o recorte pode ser: uma área de conhecimento, um tema específico ou uma tarefa em grupo. Sob essa perspectiva a autora apresenta nos capítulos 6 a 10 cinco exemplos de sequências didáticas.
6 Personagem Prototípico do Conto
A professora Carla trabalha com alunos de 3 a 4 anos. Seu objetivo foi fazer com que seus alunos avançassem na aprendizagem como bons ouvintes de contos. Para tanto ela partiu de algumas premissas: não permitia interrupções durante a leitura; não agregava explicações; sentavam-se cômoda e relaxadamente; atenuava a iluminação da sala; escolhia versões originais, de boa qualidade, com vocabulário realmente literário, bem estruturado – início, trama central e desenlace; presença de elementos fantásticos; não mostrava as imagens. Isto porque ela acreditava que o objetivo exclusivo da leitura de textos literários é o prazer. Inicialmente parecia. No entanto, ela foi incorporando, gradualmente, hábitos e promovendo mudanças que despertaram o interesse das crianças, além de impor algumas normas.
Quando todos estavam participando satisfatoriamente, Carla elaborou a sequência didática. Detectou o personagem de maior interesse das crianças: as fadas. Organizou a seqüência em três fases: 1ª) Leitura de contos com fadas. Comentários e análises desses personagens; 2ª) Escrita individual de contos nos quais apareçam fadas; 3ª) Edição de um livro de contos de fadas.
As atividades desenvolvidas foram: na primeira fase, leitura, seguindo suas premissas, e elaboração de um cartaz – o quadro das fadas – onde anotavam as características das fadas de cada conto. A segunda fase foi a da escrita dos contos. Como nenhum membro do grupo escrevia de maneira convencional – tinha desde uma escrita indiferenciada até escritas silábicas – a professora sentava-se junto a cada um para realizar a transcrição. Nesta fase a professora promoveu uma reflexão em relação ao tamanho das palavras, organizou um fichário com os nomes dos personagens, promoveu a leitura pelos autores e finalizou com a “reescrita” dos contos. À terceira fase coube a edição, a apresentação e o uso social do livro elaborado. A professora sabia que quanto mais relevante fosse essa fase, maior seria o entusiasmo com a proposta seguinte.
Análise da sequência didática: está centrada na linguagem escrita; o tipo de texto é o conto, com uma fase de trabalho sobre o sistema de numeração. Embora os alunos tivessem participado da elaboração de letreiros e cartazes isso não indica que tenham se constituído em objetos de reflexão e análise. Em relação aos contos, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, as personagens prototípicas, a estrutura e o suporte.
7 Reunião de Pais
A professora Marta trabalha com uma turma de cinco anos. Seu objetivo foi realizar a primeira reunião com os pais, a fim de informá-los sobre a modalidade de trabalho, trocar pontos de vista, estabelecer algumas formas de intervenção e abordar algum outro tema que ela e os alunos achassem conveniente.
Junto com seus a alunos planejou a reunião. Pediu opiniões sobre o que eles gostariam que fosse contado a seus familiares, tomou nota das propostas dos alunos, e assim delimitou os temas centrais, horário e data da reunião. O passo seguinte foi a elaboração dos convites, a partir de modelos que foram lidos e analisados. O modelo escolhido foi escrito na lousa, após debates e sugestões foi reelaborado e copiado pelos alunos. Nesta ocasião a professora aproveitou para promover uma reflexão sobre tipos de letra.
Agora tinham que organizar a reunião. Decidiram que fariam uma exposição dos trabalhos plásticos realizados pela turma. Depois de rever todos os trabalhos, listaram as técnicas que conheciam, escolheram e revisaram os trabalhos, montaram a exposição, organizaram o espaço, fixaram cartazes explicativos sobre as técnicas plásticas, decoraram o espaço e preparam o lanche que serviriam aos participantes.
Análise da sequência didática: trata-se de uma tarefa complexa realizada pelo grupo. Em relação à linguagem escrita, abordou o texto epistolar, especificamente o convite; em relação às artes plásticas obteve um avanço nas distintas técnicas conhecidas; ainda que tenham feito certos cálculos matemáticos estes não caracterizaram situações didáticas geradoras de avanços; em relação ao texto epistolar foram três as propriedades centrais: modo de leitura, estrutura e léxico.
8 O Fundo do Mar
A professora Lúcia trabalha com uma turma do ensino fundamental. Ao propor a eles um estudo sobre o fundo do mar percebeu que não tinham conhecimentos anteriores e nem curiosidade sobre o tema; porém, ela decidiu prosseguir. Organizou um cartaz com duas colunas – o que sabemos e o que queremos saber - e como não houvesse iniciativa dos alunos, ela mesma começou com algumas anotações. A professora assumiu esse papel porque acreditava que “o papel do professor não pode limitar-se ao de um mero transmissor de informação”, pois uma coisa é ser mero transmissor e outra é negar aos alunos as informações que não têm. Ela cuidou de despertar o interesse da turma que acabou se envolvendo e à medida que coletavam os materiais, surgiam mais perguntas e mais informações que eram agregadas ao quadro inicial.
Quando ambas as listas tinham cerca de dez anotações, Lucia organizou a turma em duplas e trios, cada qual encarregado de verificar uma informação e responder a uma pergunta. Revisaram, selecionaram e distribuíram os materiais que já possuíam. As dúvidas e questões eram levadas para o círculo de discussão comum. Para expor os trabalhos, revisaram e organizaram, também, textos publicitários. Durante a exposição o quadro inicial foi colocado para que todos pudessem agregar informações e perguntas nas colunas.
Análise da sequência didática: quanto à linguagem escrita o tipo de texto trabalhado foi o expositivo, com uma parcial aproximação com texto publicitário; com relação ao tema, destacou-se a existência da vida marinha; em relação ao texto expositivo, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, relação título/conteúdo como organizadores do texto; relação imagem/texto; e extensão dos textos.
9 Pintores
A professora Carmem trabalha em uma escola rural com alunos de 4 a 9 anos. Embora não tivesse nenhum conhecimento sobre os pintores consagrados, professora resolveu pôr em prática a proposta que fora apresentada em um seminário de formação docente. Considerando que o vínculo afetivo do docente com a temática é uma variável determinante, Carmem começou a buscar e revisar reproduções de obras de arte. Sentindo-se atraída por algumas obras de Pablo Picasso decidiu que trabalharia este pintor com seus alunos. Propôs o tema e durante as semanas seguintes desenvolveram dois tipos de atividades: reunir mais reproduções, além daquelas que ela havia levado; recolher e ler fragmentos de biografias sobre Picasso. Nas atividades de leitura a professora chamou a atenção para a freqüência de verbos e para o tempo verbal empregado nos textos. Trabalhou a estrutura das biografias,os sinais de pontuação, um fichário com o título das obras, reprodução das obras, sistema de medidas e proporção. Foram desenvolvidas diferentes atividades considerando a diferença de idade dos alunos. Finalizaram com uma exposição na qual os quadros pintados pelos alunos foram vendidos e o dinheiro arrecadado doado a uma ONG.
Análise da sequência didática: o tipo de texto trabalhado foi o biográfico; alunos avançaram em aspectos vinculados com a atividade plástica; aprenderam sobre um pintor consagrado; quanto à matemática houve avanços significativos referentes à reflexão sobre proporção e medição; com respeito às atividades de contar os cartões e colocar os preços nas reproduções, ambas foram excessivamente pontuais, sem um o rigor e a consistência necessários para considerá-los como aporte para o conhecimento; em relação ao texto biográfico, foram cinco as propriedades centrais: o suporte, a estrutura, variadas extensões, categorias gramaticais e tempos verbais.
10 Contos Clássicos
A professora Aline trabalha com alunos de 4 e 5 anos. Aproveitando-se do interesse de seus alunos pelos contos clássicos, a professora elaborou uma sequência didática acerca deste tema. Foram realizadas leituras de vários contos; às vezes essas leituras eram interrompidas e as crianças deveriam criar a continuação da história que no dia seguinte era comparada com a versão original. Foram feitas atividades envolvendo a análise dos títulos sem conhecer o conteúdo; leitura e análise do conto, sem conhecer o título; leitura e análise de diferentes versões de um mesmo conto estabelecendo-se quadros comparativos entre eles. Ao final dessas atividades os alunos escreveram o seu próprio conto que também foram lidos e comparados entre eles e com as versões “oficiais”. Trabalharam ainda a biografia dos diferentes autores de um mesmo conto e, no sistema de escrita, a separação das palavras e o uso de letras iniciais maiúsculas.
Análise da sequência didática: o a seqüência se sentou exclusivamente na linguagem escrita, o tipo de texto trabalhado foi o conto clássico; em relação ao conto, foram três as propriedades centrais: modo de leitura, autor e relação imagem/texto.
11 Sobre as Sequências Didáticas Apresentadas
A função dos diferentes tipos de texto é trabalhada nas cinco sequências didáticas, pois cada tipo de texto se lê e se escreve na escola com a mesma função que tem no uso social. No entanto, em certas ocasiões, podem-se complementar com momentos didáticos específicos. Também nas cinco sequências didáticas, propicia-se o avanço dos alunos em relação ao sistema de escrita.
A inclusão das cinco propostas tem por objetivo oferecer um panorama mais amplo para a análise, colocando em evidência as sustentações teóricas dessa proposta de alfabetização. Também objetiva oferecer modelos ao professor que encontra dificuldades para projetar seu trabalho e às vezes tem de escolher propostas já elaboradas para, progressivamente, ir avançando na elaboração de suas próprias sequência didáticas.
A escolha do conto como eixo articulador em duas sequências deve-se a que esse é um tipo de texto muito usado nas salas de aula. O elemento inovador consiste na maneira de aproveitar o conto na tarefa de alfabetização.
Concluindo, afirma Nemirovsky, cabe ao professor indagar sobre as opções com uma autêntica atitude reflexiva e comprometida, pois é no conjunto dessas ações que o trabalho docente torna-se um espaço de crescimento profissional e pessoal.
13. SCHNEUWLY, Bernard. Palavra e ficcionalização: Um caminho para o ensino da linguagem oral. In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga pela UFMS, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP; membro integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas HISTEDBR. cardosoangelica@terra.com.br
A tese defendida por Schneuwly é de que o ensino do oral na escola, em língua materna, pode se dar segundo um caminho que implica a construção de uma relação nova com a linguagem. Nesse sentido, a linguagem se insere num enfoque mais geral, conforme resume Vygotsky: “o aluno tem acesso a um nível superior da linguagem, reorganizando, por isso mesmo, seu funcionamento psíquico superior”. Desenvolver essa linha de pensamento passa pelas seguintes questões: as representações habituais do oral e de seu ensino; a concepção de oralidade; as finalidades do ensino da língua materna; uma nova concepção de desenvolvimento; e uma visão dialética do desenvolvimento da linguagem.
Algumas concepções usuais sobre o oral e seu ensino
A partir de entrevistas com professores-estudantes de Ciências da Educação sobre a concepção do oral, o autor organizou as respostas em três grupos: a) o oral como materialidade; b) o oral como espontaneidade; c) o oral como norma. A análise destas entrevistas revelou o que é o oral para os professores. Conforme Schneuwly, há uma complexa sedimentação da história do ensino do francês, apontando para uma visão de língua como norma, para a dependência do oral em relação à norma escrita, mas também é visto como lugar privilegiado da espontaneidade e da liberação. Poder-se-ia dizer que o oral é, por um lado, aquele em que o aluno se exprime espontaneamente, no qual não existe escrita, por outro lado, o oral cotidiano através do qual se comunicam professores e alunos. Para o autor, nem um nem outro parece suscetíveis de se tornarem objetos de ensino: o oral puro escapa de qualquer intervenção sistemática; aprende-se naturalmente, na própria situação. O oral que se aprende é o oral da escrita.
Abordagens do ensino que decorrem da concepção usual de oral
Dada a idealização da escrita como forma perfeita da língua, a fala só pode ser concebida de duas formas: seja como tendente necessariamente à forma ideal, fundindo oral e escrita; seja como fundamentalmente diferente da escrita em sua forma e sua função. Nos dois casos, o oral é concebido como um todo homogêneo que se confunde com a escrita ou se opõem a ela. Vejamos algumas dessas abordagens:
A primeira, o desenvolvimento do francês oral elevado propõe-se a melhorar globalmente a linguagem dos alunos, levando-os a um falar elevado. O conteúdo lingüístico dessa abordagem comporta “um conjunto de variantes elevadas, de ordem fonológica e morfológica”. Esse procedimento arrisca-se a levar a um movimento “supernormalizante”.
A segunda abordagem enfoca a expressão oral como uma oportunidade de expressão de si. Essa abordagem, além de não definir objetivos pedagógicos e didáticos, apresenta dois outros aspectos problemáticos: a dimensão comunicativa da expressão oral e a inclusão expressa de conteúdos que são do domínio da esfera estritamente privada, introduzindo assim uma confusão quanto ao papel da escola.
Partir das finalidades do ensino de língua materna: qual concepção do oral?
Considerando que aprender uma língua é aprender a comunicar, o autor traça a finalidade do ensino da língua a partir dos seguintes princípios: levar os alunos a conhecer e dominar sua língua; desenvolver, nos alunos, uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento linguístico, oferecendo-lhes instrumentos para melhorar suas capacidades de escrever e de falar; construir, com eles, uma representação das atividades de escrita e de fala, em situações complexas, como produto de um trabalho de lenta elaboração.
Isso implica uma concepção mais rica e complexa do oral e uma relação mais dialética entre oral e escrita. Não existe o oral, mas os orais, em múltiplas formas, que entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: exposição oral, teatro, leitura, debates, conversação cotidiana. Existem práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão pelo uso da palavra, mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar.
De modo geral, as capacidades que operam no comportamento verbal não podem ser respondidas, pois, não há capacidades orais independentes das situações e das condições de comunicação em que se atualizam. É preciso, portanto, escolher uma entrada mais precisa, um ponto de vista que, há um só tempo, torne possíveis o enfoque e a descrição de objetos e permita a intervenção didática.
A entrada que o autor privilegiou foi a dos gêneros textuais, pois são, a um só tempo, complexos e heterogêneos produtos sócio-históricos, definidos empiricamente, além de serem instrumentos semióticos para a ação de linguagem.
Definir os gêneros textuais consiste em encará-los como instrumentos culturalmente forjados. Psicologicamente, um instrumento tem duas dimensões: por um lado, ele é um artefato material ou simbólico que materializa a finalidade a que serve, e, por outro, constitui um esquema de uso que contém a possibilidade de agir numa situação.
Conforme Bakhtin, podem-se definir três dimensões que formam a identidade de um gênero: o que é dizível por meio dele (conteúdo temático), a forma de organização do dito (a estrutura composicional) e os meios linguísticos que operam para dizê-lo (o estilo).
O gênero desempenha o papel de interface entre os interlocutores: ele é um instrumento de comunicação, à medida que define, para o enunciador, o que é dizível e a forma de dizê-lo e, para o destinatário, o “horizonte de expectativas”.
Sendo assim, o autor define o que constitui o objeto do desenvolvimento de linguagem: é saber falar, não importa em que língua, é dominar os gêneros que nela emergiram historicamente, dos mais simples aos mais complexos.
Outros pontos de vista poderiam ter sido adotados: operações comunicativas, atos de fala, etnometodologias, tipos de discurso. De certa maneira, eles se implicam mutuamente: uma etnometodologia, por exemplo, está constituída por atos de fala, eles próprios fundados por operações comunicativa; ao mesmo tempo, as etnometodologias inscrevem-se nos gêneros textuais.
Não há nenhuma dimensão de linguagem que permitiria definir de maneira uniforme o oral em relação à escrita. O oral não existe; existem os orais, atividades de linguagem realizadas oralmente, gêneros que se praticam essencialmente na oralidade. Os meios linguísticos diferem fundamentalmente; as estruturas sintáticas e textuais são diferentes; a utilização da voz também se faz de maneira diversa; e igualmente a relação com a escrita é, em cada situação, específica. Trabalhar os orais pode dar acesso ao aluno a uma gama de atividades de linguagem e, assim, desenvolver capacidades de linguagem diversas.
Questões de desenvolvimento
Nos anos de 1970, no Quebec e na Bélgica, experimentou-se uma abordagem que tentou desenvolver as capacidades orais, criando situações de comunicação diversificadas e variando sistematicamente os parâmetros contextuais, instaurando, assim, restrições às quais os alunos deveriam adaptar-se, desenvolvendo novas estratégias comunicativas. As situações propostas exigem a operação de estratégias, mas sem que seja proposto um trabalho sistemático, visando instrumentalizar os alunos para o domínio dessas situações. Essa abordagem comunicativa estrita sustenta que situações comunicativas reais e variadas são suficientes para desenvolver as habilidades.
Outra forma de abordar a discussão sobre o desenvolvimento é estendendo para a reflexão sobre a aquisição, desenvolvimento e aprendizagem, em particular, sobre o que é o objeto da aquisição, do desenvolvimento, da aprendizagem: trata-se unicamente de automatismos da linguagem? Ou também da relação que estabelecemos com nossa língua e com a linguagem em geral?
Referindo-se a Vygotsky que coloca a educação e, particularmente, o ensino como um desenvolvimento artificial do ser humano, o autor considera que a forma escolar de intervenção educativa é uma condição necessária para o aparecimento de certas formas cognitivas complexas, ligadas a técnicas culturais particularmente elaboradas e cujo acesso implica lugares sociais particulares de aprendizagem. Esta tese considera que o desenvolvimento é restringido por seu resultado; já é pré-programado, não pelo interior, mas pelo exterior. Contudo, essa forma não define inteiramente o desenvolvimento, mas o coloca sob uma tensão que não pode ser definida a partir do próprio desenvolvimento – automovimento – mas por uma interação entre esse desenvolvimento e a forma à qual ele se dirige.
Uma outra maneira de pensar o desenvolvimento parte da premissa de que toda a capacidade humana é construída pela apropriação de instrumentos semióticos. O sujeito que age sobre o mundo com a ajuda de instrumentos que são ferramentas psicológicas ou semióticas constrói novas funções psíquicas concebidas como transformações dos próprios processos psíquicos pela integração desses novos instrumentos. Por essa concepção, o contexto, a intervenção educativa e o ensino não podem ser meramente concebidos como “alimentação”. A intervenção educativa dá uma forma particular ao desenvolvimento porque coloca à disposição, em termos de instrumentalização do desenvolvimento da criança, instrumentos semióticos que lhe permitem construir e reconstruir suas próprias funções psíquicas. Esse tipo de abordagem é considerado como interacionismo social e instrumental (semiótico).
Para Schneuwly é certo que aprendizagem em meio escolar participa grandemente da apropriação de uma cultura de comunicação. Assim, o objeto do desenvolvimento só pode ser múltiplo, heterogêneo e, sobretudo, complexo.
O desenvolvimento e o ensino da linguagem oral: a necessidade de ficcionalização
A tradição escolar é pouco desenvolvida no ensino do oral e os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral na idade escolar são muito limitados.
Vygotsky descreveu o papel da escola como sendo o de elevar os alunos do diálogo “natural” ao monólogo “artificial”; trata-se de levar os alunos das formas de produção oral auto-reguladas, cotidianas e imediatas a outras mais definidas do exterior, mais formais e mediatas. É precisamente a escola que produz e pressupõe, para seu funcionamento, modos de comunicação mais fortemente formalizados e convencionalizados, o que não exclui a continuação paralela dos outros modos cotidianos.
As formas cotidianas de produção oral funcionam, principalmente, na forma de reação imediata à palavra dos outros interlocutores presentes; portanto, a gestão da palavra é coletiva; a palavra do outro constitui o ponto de partida da palavra própria. Ainda que inscrita numa situação de imediatez, pelo fato de que a produção oral se dá em presença de outros, as formas institucionais do oral implicam outros modos de gestão que são essencialmente individuais. Essas palavras podem ser integradas de uma forma enunciativa explícita no discurso próprio; a estrutura do discurso é o resultado de uma intensa ação recíproca entre gestão local e gestão mais global do discurso. Isso pressupõe o domínio de instrumentos semióticos complexos, que podem ser aqueles das formas cotidianas, mas utilizados de outra maneira, ou podem ser específicos, ligados às formas institucionais de comunicação oral.
Para o autor, toda atividade de linguagem complexa supõe uma ficcionalização, uma representação puramente interna, cognitiva, da situação de interação social. A modelização dessa representação isola quatro parâmetros da produção: enunciador, destinatário, finalidade ou objetivo e lugar social. A construção dessa representação é uma atividade produtiva cujos efeitos refletem-se na produção, manifestados pelo tratamento inerente à língua. A ficcionalização revela-se, então, como uma geradora da “forma do conteúdo” do texto: ela é o motor da construção da base tipo de orientação da produção, colocando certas restrições sobre a escolha do gênero discursivo.
As formas institucionais implicam sempre uma parte de ficcionalização, à medida que os parâmetros contextuais não estão dados pela situação imediata, mas pré-definidos institucionalmente e materializadas no próprio gênero. O enunciador, o destinatário, lugar social são parcialmente instâncias físicas e sociais da produção e da recepção imediatas e devem ser ficcionalizados para aparecer no texto produzido, em forma de traços diversos. Essa palavra fortemente definida e regulada do exterior permite e pede uma intervenção didática, portanto, é sobre ela que deve incidir prioritariamente o ensino do oral. Nesse sentido, o trabalho sobre a ficcionalização parece constituir uma dimensão essencial do trabalho sobre o oral.
Concluindo, o autor afirma que há ficcionalização nos gêneros complexos a serem trabalhados em sala de aula. A particularidade do oral em relação à escrita reside no fato de que essa ficcionalização deve se articular com uma representação do aqui e agora, gerenciada simultaneamente, graças aos meios de linguagem que são o gesto, a mímica, a corporalidade, a prosódia. Palavra e ficcionalização constituem os dois vetores a partir dos quais se constroem as novas capacidades de linguagem oral. O fato de que essa construção não pode se dar sem uma intervenção da escrita mostra o poder desse instrumento e prova que é necessário que se forje uma concepção dialética dos diferentes aspectos do ensino da língua materna.
14.SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade de Campinas, 6. ed., 1993.
Alguns pontos de partida
A alfabetização tem se revelado uma das questões sociais mais fundamentais em virtude de suas implicações político-econômicas e por ser ao mesmo tempo instrumento e veículo de uma política educacional que ultrapassa em muito o espaço meramente acadêmico e escolar. A ideologia da ‘democratização do ensino’ produz a ilusão de um maior número de alfabetizados no menor tempo possível. Ocorre que no processo da produção do ensino em massa as práticas pedagógicas aplicadas não apenas discriminam e excluem, como emudecem e calam.
Durante as décadas de 1960 e 1970, o Estado brasileiro difundiu e implementou a idéia da educação compensatória que, confundindo propositadamente ‘diferença’ com ‘deficiência’, criou e, de certa forma, consolidou inúmeros mitos com relação ao fracasso escolar: do mito da incapacidade da criança começou o surgir o mito da incompetência do professor.
Para ‘compensar’ esta nova ‘deficiência’ era necessário implementar os cursos de treinamento e os manuais didáticos para o professor malformado, mal-informado e desatualizado. “Numa surda situação de simulacro” – como escreve Smolka (1993, p. 16) – “em que os professores desconfiam das crianças e dos pais; os pais não confiam nos próprios filhos nem nos professores; as crianças aprendem a não confiar em si mesmas nem nos adultos, as relações interpessoais vão sendo camufladas, interrompidas e ninguém parece questionar as condições ou duvidar dos métodos” – enquanto que a escola se manteve a mesma e o problema da evasão sem solução.
Segundo Smolka, a escola que se mostrou deficiente em sua tarefa pedagógica de alfabetizar, passou a apontar cada vez mais uma série de ‘patologias’ nas crianças: dislexias, problemas psicomotores, foniátricos, neurológicos; o desinteresse total, a apatia, a falta de motivação, isto é, começam a ‘surgir’ nas crianças problemas que não, necessariamentes, elas os têm.
No começo da década de 1980, os pesquisadores brasileiros começam a ter acesso aos primeiros resultados do estudo de Emília Ferreiro sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares argentinas e mexicanas, indagando os métodos de alfabetização existentes. É a partir deste trabalho que Smolka desenvolveu sua pesquisa sobre os processos de aquisição da escrita nas crianças, cujos resultados este livro apresenta.
O que de fato se comprovou, segundo Smolka, foi a indiscutível influência das condições de vida das crianças no processo de elaboração e construção do conhecimento do mundo. E, nestas condições, o importante papel que desempenha a presença ou a ausência de adultos ou pessoas mais experientes, como interlocutores e informantes das crianças.
Salas de aula, relações de ensino
Entendendo que a alfabetização implica leitura e escritura como momentos discursivos, uma vez que o próprio processo de aquisição também vai se dando numa sucessão de momentos discursivos, de interlocução, de interação, Smolka discute neste segundo capítulo alguns parâmetros ou pontos de apoio para a análise que busca fazer em sua pesquisa. E vai buscá-los na Teoria da Enunciação e na Análise do Discurso.
A Teoria da Enunciação, extraída da obra de Bakhtin, aponta para a consideração do fenômeno social da interação verbal nas suas formas orais e escritas, procurando situar essas formas em ligação às condições concretas da vida, levando em consideração o processo de evolução da língua, isto é, sua elaboração e transformação sócio-histórica.
As referências para a Análise do Discurso, Smoka encontra em Orlandi e Pêcheaux. Enquanto para Orlandi o discurso pedagógico considera a função de ensinar do ponto de vista da escola e do professor: quem/ ensina/ o que/ para quem/ onde; Pêcheaux argumenta que todo processo discursivo supõe, da parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, isto é, sua habilidade de imaginar, de pensar onde seu ouvinte o enquadra, e que esta antecipação de ‘o que o outro vai pensar’ do lugar em que ele se representa como tal parece constitutiva de todo discurso.
Ambos os casos apontam para a ilusão em que vivem os professores que assumem a tarefa, a eles atribuída pela sociedade, de ensinar. Ou seja, da forma como tem sido vista na escola, a tarefa de ensinar adquiriu algumas características (é linear, unilateral, estática) porque, do lugar em que o professor se posiciona (e é posicionado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; acredita que o possui (é levado a acreditar) e que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. Desse modo, o professor monopoliza o espaço da sala de aula: seu discurso pré-domina e se impõe. Daí sucede que o estatuto do conhecimento passa pela escolarização, o que significa dizer que quem não vai à escola não possui conhecimentos.
A ilusão ao qual o professor está submetido decorre da não-consideração de vários aspectos cruciais no processo de convivência, interação e relação com os alunos, pais, colegas de trabalho, funcionários, superiores, no cotidiano da escola. Nesse lugar, o(a) professora(a) ocupa uma posição de responsável pelo processo de alfabetização e assume a tarefa de ensinar crianças a ler e a escrever. Nesse mesmo lugar, as crianças ocupam uma posição de alunos, e assumem a tarefa de aprender a ler e a escrever. Isto parece claro e evidente, portanto, não se questiona.
Smolka dá como exemplo uma situação em que a professora escreve na lousa e propõe às crianças um exercício como o descrito, percebe-se que ela está desempenhando o papel a ela atribuído e imagina-se que assim esteja alfabetizando as crianças. Mas, pelos comentários da professora desta situação-exemplo verifica-se que as crianças não corresponderam às suas expectativas, isto é, não entendem o que devem fazer, nem executam a tarefa dada conforme era esperado. Isto indica que as ‘pressuposições’ não se confirmam, indica que existe algo nesta situação que não está sendo revelado, que é preciso procurar as ‘pistas’ que geralmente passam despercebidas e são tidas como irrelevantes nas análises das relações de ensino. A professora que sabe qual é a sua função dentro da sala de aula ensina crianças que ainda não desempenham seu papel dentro da sala de aula conforme o esperado. Isso gera na professora um sentimento de incapacidade, incompetência e fracasso que ela acaba por transferir para as crianças. Ou seja, como a tarefa suplanta ou apaga a relação de ensino, evidencia-se, então a luta de poder. Como elas não conseguem realizar as expectativas da professora, supõe-se e conclui-se que as crianças têm problemas; que elas são incapazes; que elas não prestam atenção e não tem os pré-requisitos desenvolvidos; o que significa dizer que não podem ser alfabetizadas. Essas conclusões e suposições, que na realidade se caracterizam como pressuposições, transformam-se em preconceitos. E é isso, segundo Smolka, que tem permeado, implicitamente, as relações de ensino.
Discutindo pontos de vista
Dentro desta perspectiva apontada no capítulo anterior, as falhas ou os erros estão sempre nas crianças e nunca nos procedimentos utilizados pela escola, que são sempre ‘cientificamente’ comprovados e legitimados. Entretanto, uma análise feita sob outra perspectiva pode nos apontar, entre outras coisas, que o que está subterrâneo nas práticas adotadas nas escolas pelos professores são concepções de aprendizagem e de linguagem que não levam em consideração o processo de construção, interação e interlocução das crianças, nem as necessidades e as atuais condições de vida das crianças fora do ambiente escolar e, por isso mesmo, podem ser consideradas historicamente ultrapassadas.
Como em inúmeras outras situações do contexto escolar, os movimentos de interação entre as crianças e entre as crianças e o professor são cerceados por questões disciplinares: o silêncio em sala de aula, por exemplo. Dessa forma, a alfabetização na escola fica reduzida a um processo, individualista e solitário, que pouco tem a ver com as experiências de vida e de linguagem das crianças. Nesse sentido, é estéril e estática, porque baseada na repetição, na reprodução, na manutenção do status quo. Configura-se assim um tipo de sujeito que não precisa perguntar, que não precisa da ajuda dos outros para aprender.
De um ponto de vista construtivista, essa situação escolar se colocaria como insustentável uma vez que não considera o ponto de vista da criança que aprende, não leva em consideração os processos de elaboração do conhecimento sobre a escrita. Para compreender esta questão, Smolka se ampara na pesquisa de Ferreiro & Teberosky que partem do pressuposto de que a criança é um sujeito ativo e conhecedor, as autoras indicam a importância de se compreender a lógica interna das progressões das noções infantis sobre a escrita, mostrando que as crianças exigem de si mesmas uma coerência rigorosa no processo de construção do conhecimento. Nesse processo, as autoras mostram a importância do erro como fundamentalmente construtivo na superação de contradições e conflitos conceituais, explicitando, numa progressão, etapas e hipóteses que as crianças levantam sobre a escrita: em outras palavras, o processo de aprendizagem não é conduzido pelo professor, mas pela criança.
Porém como alerta Smolka, as análises de Ferreiro e Teberosky não podem dar conta, em termos político-pedagógicos, do fracasso da alfabetização escolar. Elas mostram mais um fator que precisa ser conhecido e observado no processo de alfabetização que são o significado e a importância das interações, mas não resolvem nem pretendem resolver o problema. No entanto, os estudos destas autoras acabou sendo incorporado pelas redes de ensino sem à devida adaptação à realidade educacional brasileira, o que faz com que alguns conceitos provenientes da educação compensatória sejam, agora, substituídos pelo linguajar construtivista, novamente culpabilizando a criança pela não-aprendizagem, pela não-compreensão.
O que acontece de fato, mas que permanece implícito, é que o ensino da escrita, cristalizando a linguagem e neutralizando (e ocultando) as diferenças, provoca um conflito fundamentalmente social. Porque não se ‘ensina’ simplesmente a ‘ler’ e ‘escrever’, aprende-se a usar ‘uma’ forma de linguagem, ‘uma’ forma de interação verbal, ‘uma’ atividade, ‘um’ trabalho simbólico: em outras palavras, o processo de elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a escrita, que primeiramente passa pela linguagem falada, fica comprometido porque a escrita apresentada na escola está longe da linguagem falada pelas crianças.
A emergência do discurso na escrita inicial
Neste capítulo, a autora discute que a alfabetização não significa apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e frases. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Enquanto que a escola parece ocupada em ensinar as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e frases feitas, isto é, não trabalha com as crianças o ‘fluir do significado’, a estruturação deliberada do discurso interior pela escritura. Essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que escrevo e por que?
Segundo Smolka, quando as crianças escrevem palavras soltas ou ditadas pelos professores, a característica da escritura é uma, e identifica-se, mais facilmente, a correspondência entre a dimensão sonora e a extensão gráfica. Mas quando as crianças começam a escrever o que pensam, o que querem dizer, contar, narrar, elas escrevem porções, fragmentos do ‘discurso interior’ (que é sempre diálogo consigo mesmo ou com outros).
Em termos pedagógicos, então, o que se faz relevante aqui é o fato de que, quando se permite as crianças falarem e se relacionarem em sala de aula, questões vitais para elas vêm à tona e se tornam ‘matéria-prima’ do processo de alfabetização. Nessas conversas, concepções, pressuposições e valores se revelam. Assim, o texto de cada criança não repete ou reproduz o texto coletivo, mas permite que se inaugure novos momentos de interlocução, de acordo com o que pareceu mais importante e relevante para cada uma, pelo que cada uma disse ou deixou de dizer. São os modos de perceber, de sentir, de viver, de conviver, de conhecer e de pensar o mundo que as crianças passam a expressar. A escrita começa a se tornar uma forma de interação consigo mesma e com os outros, uma forma de ‘dizer’ as coisas. Com todas as hesitações, trocas e tentativas ortográficas, a criança passa a escrever o que ela quer ou precisa dizer. Entretanto, a função da escritura ‘para outro’ e a presença de interlocutores também provocam uma tensão: no esforço de explicação do discurso interior, abreviado, sincrético, povoado de imagens – é nesse trabalho de explicitação das idéias por escrito para o outro que as crianças vão experimentando e aprendendo as normas de convenção porque é justamente da leitura do outro, da leitura que o outro faz (ou consegue fazer) do meu texto, daquilo que eu escrevo no meu texto, do distanciamento que eu tomo da minha escrita, que eu me organizo e apuro esta possibilidade de linguagem, esta forma de dizer pela escritura.
Aqui, novamente, se apresenta a questão dos procedimentos de ensino da leitura e da escrita na escola: a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e frases pela escritura; tem ensinado as crianças a ler um sentido supostamente unívoco e literal das palavras e dos textos e tem banido (reprovado) aqueles que não conseguem aprender o que ela ensina, culpando-os pela incapacidade de entendimento e de compreensão. O que a escola não percebe é que a incompreensão não é resultado de uma incapacidade do indivíduo, mas de uma forma de interação.
15. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.
O objetivo desse livro é ajudar educadores e profissionais a promover a utilização de estratégias de leitura que permitam interpretar e compreender os textos escritos.
Capítulo 1 - O desafio da Leitura
A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto para satisfazer um propósito ou finalidade. Lemos para algo: devanear, preencher um momento de lazer, seguir uma pauta para realizar uma atividade, entre outras coisas.
Para compreender o texto leitor utiliza seus conhecimento de mundo e os conhecimentos do texto.
Controlar a própria leitura e regulá-la, implica ter um objetivo para ela, assim como poder gerar hipóteses sobre o conteúdo que se lê. Por isso a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam a construção de uma interpretação.
Na leitura de um texto encontramos, inicialmente o título, subtítulo, negrito, itálico, esquema. Isso pode ser utilizado como recursos para prever qual será o assunto do texto, por exemplo.
Esses indicadores servem para ativar o conhecimento prévio e serão úteis quando se precisar extrair as idéias centrais.
O que foi apresentado até agora pode dar pistas de como as práticas pedagógicas podem organizar situações de ensino e aprendizagem que tragam em si essas análises.
A leitura na escola
Um dos objetivos mais importante das escola é fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente. Essa aquisição da leitura é indispensável para agir com autonomia nas sociedades letradas.
Pesquisas realizadas apontam que a leitura não é utilizada tanto quanto deveria, isto é, não lemos o bastante.
Uma questão que se coloca é a seguinte: será que os professores e a escola têm clareza do que é ler?
A leitura, um objeto de conhecimento
No Ensino Fundamental a leitura e a escrita aparecem como objetivos prioritários. Acredita-se que ao final dessa etapa os alunos possam ler textos de forma autônoma e utilizar os recursos ao seu alcance para referir as dificuldades dessa área.
O que se vê nas escolas, no ensino inicial da leitura, são esforços para iniciar os pequenos nos segredos do código a partir de diversas abordagens. Poucas vezes considera-se que essa etapa tem início antes da escolaridade obrigatória.
O trabalho de leitura costuma a se restringir a ler o texto e responder algumas perguntas relacionadas a ele como: seus personagens, localidades, o que mais gostou, o que não gostou, etc. isso revela que o foco está no resultado da leitura e não em seu processo.
Percebe-se que as práticas escolares dão maior ênfase no domínio das habilidades de decodificação.
Capítulo 2 - Ler, compreender e aprender
É fundamental que ao ler, o leitor se proponha a alcançar determinados para determinar tanto as estratégias responsáveis pela compreensão, quanto o controle que, de forma inconsciente, vai exercendo sobre ela, à medida que lê. O controle da compreensão é um requisito essencial para ler de forma eficaz.
Para que o leitor se envolva na atividade leitura é necessário que esta seja significativa. É necessário que sinta que é capaz de ler e de compreender o texto que tem em mãos. Só será motivadora, se o conteúdo estiver ligado aos interesses do leitor e, naturalmente, se a tarefa em si corresponde a um objetivo.
Como isso pode ser transferido para a sala de aula: sabe-se que na diversidade da classe torna-se muito difícil contentar o interesse de todas as crianças com relação à leitura, portanto, é papel do professor criar o interesse.
Uma forma possível de propiciar esse interesse é possibilitar o a diferentes suportes para a leitura, que sejam e incentivem atitudes de interesse e cuidado nos leitores.
Ao professor cabe o cuidado de analisar o conteúdo que veiculam.
Compreensão leitora e aprendizagem significativa
A leitura nos aproxima da cultura. Por isso um dos objetivos da leitura é ler para aprender.
Quando um leitor compreende o que lê, está aprendendo e coloca em funcionamento uma série de estratégias cuja função é assegurar esse objetivo.
Isso nos remete a mais um objetivo fundamental da escola: ensinar a usar a leitura como instrumento de aprendizagem.
Devemos questionar a crença de que, quando uma criança aprende a ler, já pode ler de tudo e também pode ler para aprender. Se a ensinarmos a ler compreensivamente e a aprender a partir da leitura, estamos fazendo com que aprenda a aprender.
Capítulo 3 - O ensino da leitura
Vamos apontar nesse capítulo a idéia errônea que consiste em considerar que a linguagem escrita requer uma instrução e a linguagem oral não a requer.
Código, consciência metalingüística e leitura
Devemos considerar como fundamental a leitura realizada por outros (família, amigos, pessoas) por familiarizar a criança com a estrutura do texto escrito e com sua linguagem.
Na escola ao se deparar com a linguagem escrita, a crianças, em muitos casos se encontra diante de algo conhecido, sobre o que já aprendeu várias coisas. O fundamental é que o escrito transmite uma mensagem, uma informação, e que a leitura capacita para ter acesso a essa linguagem. Na aquisição deste conhecimento, as experiências de leitura da criança no seio da família desempenham uma função importantíssima. Para além da existência de um ambiente em que se promova o uso dos livros e da disposição dos pais a adquiri-los e a ler, o fato de lerem para seus filhos relatos e histórias e a conversa posterior em torno dos mesmos parecem ter uma influência decisiva no desenvolvimento posterior destes com a leitura.
Assim, o conhecimento que a criança tem das palavras e suas características aumentará consideravelmente quando ela começar a manejar o impresso.
O trabalho que se deve realizar com as crianças é mostrá-las que ler é divertido, que escrever é apaixonante, que ela pode fazê-lo. Precisamos instigá-las a fazer parte desse mundo maravilhoso e cheio de significados.
O ensino inicial da leitura
Na escola, as atividades voltadas para o ensino inicial da leitura devem garantir a interação significativa e funcional da criança com a língua escrita, como um meio de construir os conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas de sua aprendizagem.
Para isso é fundamental trazer para a sala de aula, como ponto de partida, os conhecimentos que as crianças já possuem e a partir de suas idéias, ampliar suas significações.
A leitura e a escrita são procedimentos e devem ser trabalhados como tal em sala de aula.
Um aspecto importante que precisa ser garantido é o acesso a diferentes materiais escritos para as crianças: jornais, revistas, gibis, livros, rimas, poemas, HQ, e gêneros diversos.
Capítulo 4 - O ensino de estratégias de compreensão leitora
Já tratamos no capítulo anterior que os procedimentos precisam ser ensinados. Se estratégias de leitura são procedimentos, então é preciso ensinar estratégias para a compreensão dos textos: não como técnicas precisas, receitas infalíveis ou habilidades específicas, mas como estratégias de compreensão leitora que envolvem a presença de objetivos, planejamento das ações, e sua avaliação.
Estas estratégias são as responsáveis pela construção de uma interpretação para o texto. E uma construção feita de forma autônoma.
Que estratégias vamos ensinar? O papel das estratégias na leitura
São aquelas que permitem ao aluno planejar sua tarefa de modo geral. Perguntas que o leitor deve se fazer para compreender o texto:
1. Compreender os propósitos implícitos e explícitos da leitura. Que/Por que/Para que tenho que ler?
2. Ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios relevantes para o conteúdo em questão. Que sei sobre o conteúdo do texto?
3. Dirigir a atenção ao fundamental, em detrimento do que pode parecer mais trivial.
4. Avaliar a consistência interna do conteúdo expressado pelo texto e sua compatibilidade com o conhecimento prévio e com o “sentido comum”. Este texto tem sentido?
5. Comprovar continuamente se a compreensão ocorre mediante a revisão e a recapitulação periódica e a auto-interrogação. Qual é a idéia fundamental que extraio daqui.
6. Elaborar e provar inferências de diversos tipos, como interpretações, hipóteses e previsões e conclusões. Qual poderá ser o final deste romance?
Um conjunto de propostas para o ensino de estratégias de compreensão leitora pode ser considerado segundo BAUMANN (1985;1990) nos processos:
1. Introdução. Explica-se aos alunos os objetivos daquilo que será trabalhado e a forma em que eles serão úteis para a leitura.
2. Exemplo. Exemplifica-se a estratégia a ser trabalhada mediante um texto.
3. Ensino Direto. O professor mostra, explica e escreve a habilidade em questão, dirigindo a atividade.
4. Aplicação dirigida pelo professor. Os alunos devem por em prática a habilidade aprendida sob o controle e supervisão do professor.
5. Prática individual. O aluno deve utilizar independentemente a habilidade com material novo.
Tipos de texto e expectativas do leitor
Alguns autores, entre eles ADAM (1985), classificam os textos da seguinte forma:
1. Narrativo: texto que pressupõe um desenvolvimento cronológico e que aspira explicar alguns acontecimentos em uma determinada ordem.
2. Descritivo: como o nome diz, descreve um objeto ou fenômeno, mediante comparações e outras técnicas.
3. Expositivo: relaciona-se à análise e síntese de representações conceituais ou explicação de determinados fenômenos.
4. Instrutivo-indutivo: tem como pretensão induzir a ação do leitor com palavras de ordem, por exemplo.
Seria fundamental que essa diversidade de textos aparecesse na escola e não um único modelo. Principalmente os que freqüentam a vida cotidiana.
Trata-se de organizar um ensino que caracterize cada um destes textos, mostrando as pistas que conduzem à uma melhor compreensão, fazendo com que o leitor saiba que pode utilizar as mesmas chaves que o autor usou para formar um significado, e além de tudo interpretá-lo.
Capítulo 5 - Para compreender... Antes da leitura
Apresentam-se aqui seis passos importantes para a compreensão, que devem ser seguidos antes da leitura propriamente dita:
1. Idéias Gerais
São algumas idéias que o professor tem sobre a leitura:
ler é muito mais do que possuir um rico cabedal de estratégias e técnicas.
ler é um instrumento de aprendizagem, informação e deleite.
a leitura não deve ser considerada uma atividade competitiva.
quem não sente prazer pela leitura não conseguirá transmiti-lo aos demais.
a leitura para as crianças tem que ter uma finalidade que elas possam compreender e partilhar.
a complexidade da leitura e a capacidade que as crianças têm para enfrentá-la.
2. Motivação para a leitura
Toda atividade deve ter como ponto de partida a motivação das crianças: devem ser significativas, motivantes, e a criança deve se sentir capaz de fazê-la.
3. Objetivos da leitura
Os objetivos dos leitores, ou propósitos, com relação a um texto podem ser muito variados, de acordo com as situações e momentos. Vamos destacar alguns dos objetivos da leitura, que podem e devem ser trabalhados em sala de aula:
ler para obter uma informação precisa;
ler para seguir instruções;
ler para obter uma informação de caráter geral;
ler para aprender;
ler para revisar um escrito próprio;
ler por prazer;
ler para comunicar um texto a um auditório;
ler para praticar a leitura em voz alta; e
ler para verificar o que se compreendeu.
4. Revisão e atualização do conhecimento prévio
Para compreender o que se está lendo é preciso ter conhecimentos sobre o assunto. Mas algumas coisas podem ser feitas para ajudar as crianças a utilizar o conhecimento prévio que têm sobre o assunto, como dar alguma explicação geral sobre o que será lido; ajudar os alunos a prestar atenção a determinados aspectos do texto, que podem ativar seu conhecimento prévio ou apresentar um tema que não conheciam.
5. Estabelecimento de previsões sobre o texto
É importante ajudar as crianças a utilizar simultaneamente diversos indicadores: como títulos, ilustrações, o que se pode conhecer sobre o autor, cenário, personagem, ilustrações, etc. para a compreensão do texto como um todo.
6. Formulação de perguntas sobre ele
Requerer perguntas sobre o texto é uma estratégia que pode ser utilizada para ajudar na compreensão de narrações ensinando as crianças para as quais elas são lidas a centrar sua atenção nas questões fundamentais.
Capítulo 6 - Construindo a compreensão... Durante a leitura
Para a compreensão do texto uma das capacidades envolvidas é a elaboração de um resumo, que reproduz o significado global de forma sucinta.
Para isso, deve-se ter a competência de diferenciar o que constitui o essencial do texto e o que pode ser considerado como secundário.
O professor pode utilizar em sala de aula a estratégia da leitura compartilhada, onde o leitor vai assumindo progressivamente a responsabilidade e o controle do seu processo é uma forma eficaz para que os alunos compreendam as estratégias apontadas, bem como, a leitura independente, onde podem utilizar as estratégias que estão aprendendo.
Não estou entendendo, o que eu faço? Os erros e as lacunas de compreensão
Para ler eficazmente, precisamos saber quais as nossas dificuldades. Podem ser: a compreensão de palavras, frases, nas relações que se estabelecem entre as frases e no texto em seus aspectos mais globais.
Para isso devemos ter estratégias como o uso do dicionário ou a continuação da leitura que pode sanar alguma dúvida.
Capítulo 7- Depois da leitura: continuar compreendendo e aprendendo...
A compreensão do texto resulta da combinação entre os objetivos de leitura que guiam o leitor, entre os seus conhecimentos prévios e a informação que o autor queria transmitir mediante seus escritos.
Para que os alunos compreendam a idéia principal do texto, o professor pode explicar aos alunos o que consiste a “idéia principal”, recordar porque vão ler concretamente o texto - função real, ressaltar o tema, à medida que vão lendo informar aos alunos o que é considerado mais importante, para que, finalmente concluam se a idéia principal é um produto de uma elaboração pessoal.
O resumo
Utilizar essa estratégia pode ser uma boa escolha para estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua idéia principal e seus detalhes secundários.
É importante, também, que os alunos aprendam porque precisam resumir, e como fazê-lo, assistindo resumos efetuados pelo seu professor, resumindo conjuntamente, passando a utilizar essa estratégia de forma autônoma
COOPER (1990), afirma que para ensinar a resumir parágrafos de texto é importante que o professor:
1. ensine a encontrar o tema do parágrafo e a identificar a informação trivial para deixá-la de lado.
2. ensine a deixar de lado a informação repetida.
3. ensine a determinar como se agrupam as idéias no parágrafo para encontrar formas de englobá-las.
4. ensine a identificar uma frase-resumo do parágrafo ou a elaborá-la.
Capítulo 8- O ensino e a avaliação da leitura
Considerando o que foi visto até agora em relação aos processos de leitura e compreensão é interessante ressaltar que:
Aprender a ler significa aprender a ser ativo ante a leitura, ter objetivos para ela, se auto-interrogar sobre o conteúdo e sobre a própria compreensão.
Aprender a ler significa também aprender a encontrar sentido e interesse na leitura.
Aprender a ler compreensivamente é uma condição necessária par poder aprender a partir dos textos escritos.
Aprender a ler requer que se ensine a ler, e isso é um papel do professor.
Ensinar a ler é uma questão de compartilhar. Compartilhar objetivos, compartilhar tarefas, compartilhar os significados construídos em torno deles.
Ensinar a ler exige a observação dos alunos e da própria intervenção, como requisitos para estabelecer situações didáticas diferenciadas capazes de se adaptar à diversidade inevitável da sala de aula.
É função do professor promover atividades significativas de leitura, bem como refletir, planejar e avaliar a própria prática em torna da leitura.
Para finalizar esse livro se faz necessário ressaltar que as mudanças na escola acontecem quando são feitas em equipe. Reestruturar o ensino da leitura deve passar por isso: uma construção coletiva e significativa para os alunos, e também para os professores.
16. TEBEROSKY, Ana, COLOMER, Teresa. Aprender a Ler e a Escrever - uma proposta construtivista. Porto Alegre Artmed. 2002.
Nos dias atuais tem-se encontrado grande dificuldade em saber a maneira carreta, ou mais acertada, de agir devido as grandes (e proveitosas) renovações que estão acontecendo no campo da educação.
A grande questão é saber unir teoria, prática e reflexão.
É sobre esses temas que vamos falar um pouco nesse livro.
Capítulo 1 - A Língua Escrita
Observando o percurso histórico do surgimento da escrita e de suas variadas representações, é possível verificar que a existência desta permitiu op registro da memória coletiva, e uma comunicação maior entre as pessoas, pois as mensagens não dependiam mais da presença física dos interlocutores.
Na época posterior a industrialização a concepção de alfabetização é revista a partir das mudanças sociais (até então a alfabetização estava ligada ao ócio e ao âmbito social). Essa demanda social tornou a escolarização obrigatória.
Em nossa sociedade, no decorrer do século XX a língua escrita (alfabetização) se torna tecnologia fundamental, como pré-requisito para qualquer progresso, potencialização dos conhecimentos e acesso aos diferentes usos da mesma.
Estudos realizados concebem a língua como código oral e código escrito. O processo de produção ou reprodução da língua escrita é diferente do uso oral porque implica uma relação entre pensamento e linguagem diferente. A língua escrita permite fixar o discurso oral e convertê-lo em objeto de análise. “A língua escrita seria, em suma, o meio mais eficiente para que um indivíduo chegue a dominar as máximas potencialidades de abstração da linguagem, independentemente de os discursos construídos por ele serem, ao final, orais ou escritos”.
Entende-se a aprendizagem da língua escrita como um domínio lingüístico progressivo - não meramente do código gráfico -, nas situações e para as funções que cumpre socialmente.
No texto “Aprendices em el domínio de la lengua escrita”, Wells (1987) trabalha o domínio da escrita a partir de quatro níveis coexistentes:
epistêmico
instrumental
funcional
executivo
Cada nível representa:
O nível executivo insiste na posse do código como tal; diz respeito ao domínio da língua para traduzir a mensagem do código escrito.
No nível funcional inclui-se saber como a língua escrita varia segundo o contexto; refere-se a utilizar os conhecimentos para enfrentar exigências cotidianas como ler jornal ou seguir instruções.
No nível instrumental usa-se tanto o código quanto a forma textual e reside na possibilidade de buscar e registrar informações escritas.
No nível epistêmico usa-se a língua escrita como meio de atuação e transformação sobre o conhecimento: refere-se ao interpretar e avaliar.
Capítulo 2 - O que é ler?
Tradicionalmente pode-se considerar a definição de ler como a capacidade de entender um texto escrito pode parecer simplista, mas não é.
As práticas escolares comumente trazem atividades que partem de pequenos fragmentos de textos, palavras soltas ou letras isoladas para o ensino da leitura. Essa situação revela uma concepção e um desconhecimento: porque ler é um ato de raciocínio.
Através da percepção, da memória de curto e longo prazo (esta segunda que armazena as informações e conhecimentos que temos do mundo) e dos esquemas de conhecimento que as pessoas formam ao longo da vida, a compreensão e a interpretação das informações se tornam possíveis através da leitura.
Ler consiste em processar as informações visuais de um texto e as informações não-visuais - conhecimentos do leitor. A partir das informações do texto o leitor formula hipóteses, antecipa significados, faz inferências e, no decorrer da leitura, verifica se suas hipóteses iniciais estavam corretas.
Frank Smith - e outros autores - revela que ao explorar um texto através da leitura, o leitor: não precisa oralizar o texto para compreendê-lo; desloca os olhos em saltos percebendo fragmentos do texto - não lemos letra por letra - e percebe globalmente um conjunto de elementos gráficos.
Seguindo esses propósitos alguns cuidados devem ser tomados no trabalho com a compreensão leitora:
a organização de atividades com propósitos claros: ler com a finalidade de obter informação ou ler por prazer, ou ainda, para aprender; e
os conhecimentos trazidos pelo leitor (prévios) - sobre o texto escrito (conhecimentos paralinguísticos, das relações grafofônicas, morfológicos, sintáticos, semânticos e textuais) e sobre o mundo. Quanto maior o conhecimento do leitor, mais fácil será sua compreensão do texto.
Capítulo 3 - O Ensino e a Aprendizagem da Leitura
De acordo com as concepções que as escolas apresentam do que é ler, é que se configuram o ensino e a aprendizagem da leitura.
Para compreender melhor essa configuração, vamos retomar um pouco da história:
Numa concepção tradicional acreditava-se que ler significava realizar correspondência entre os fonemas e os signos, dos mais simples para os mais complexos. A aprendizagem da leitura se dava através da leitura em voz alta.
A partir da década de 50 a leitura “passa a ser considerada como um processo psicológico específico, formado pela integração de um conjunto determinado de habilidades e que pode desenvolver-se a partir de um certo grau de maturação de cada uma delas”. Essa concepção trabalha com pré-leitura ou maturação leitora na escola.
Com estudos mais recentes e avanços realizados a leitura “deixou de ser considerada como um processo psicológico específico para incluir-se entre os processos gerais de representação humana da realidade e adotou a perspectiva teórica de um modelo psicolingüístico-cognitivo”.
Considerando essa concepção, a leitura passa a ter outra significação e o modo de ensiná-la também muda. O ensino:
considera e parte dos conhecimentos dos alunos sobre as funções da leitura;
permite a comunicação com função real (sendo significativa)
trabalha a relação com a língua escrita e seu uso funcional;
fomenta a consciência metalingüística;
utiliza textos de circulação social, concebidos para leitura, e não textos escolares, o que permite maior significado para os alunos;
permite experiências com textos variados para aprender suas características diferenciais;
trabalha a leitura sem oralização, a não ser que haja uma função específica (comunicar algo a alguém), diferentemente de como era trabalhado tradicionalmente;
Da mesma forma, deve ser trabalhada nas escolas, a compreensão leitora. Algumas pesquisas mostram que essa compreensão é pouco trabalhada apesar dos alunos lerem com freqüência. Pode-se apontar, como uma das causas dessa realidade, a utilização da leitura - e compreensão - sem propósito real.
A concepção utilizada atualmente considera a aprendizagem significativa. Nessa perspectiva, atividades orientadas a aprender a ler ajudam os alunos na compreensão do texto. Podem ser propostas:
resumir e sublinhar as idéias principais;
ler e construir diagramas e esquemas;
o professor oferecer modelos de compreensão;
organizar atividades onde o texto apresente erros de diferentes níveis para que os alunos apontem as incoerências;
empregar a discussão coletiva (com intervenções do professor);
auxiliar os alunos a reterem informações a partir de estratégias como antecipar, reler, repassar, etc.
organizar produções de texto como recurso para a compreensão.
Capítulo 4 - O Planejamento da Leitura na Escola
Esse capítulo vai falar um pouco sobre o ensino da leitura nas últimas séries do ensino fundamental.
Acredita-se que a aprendizagem da leitura estende-se por toda a escolaridade, não somente no ensino fundamental, mas também por todo o ensino médio.
Estudos mais recentes e a apreensão dos processos de leitura e compreensão apontam a necessidade de que o ensino da leitura tenha sentido de prática social e cultural, onde os alunos possam ampliar seus conhecimentos comunicativos reais.
Trataremos de duas situações de leitura:
1. a primeira que trata das tarefas escolares: a utilização da pedagogia de projeto pode ser uma boa opção pois tira o professor do centro e faz com que os alunos assumam papéis importantes.
2. uma segunda que trata da leitura literária: pois destina-se a “apreciar o ato de expressão do autor, a desenvolver o imaginário pessoal a partir dessa apreciação e a permitir o reencontro da pessoa consigo mesma em sua interpretação”.
Na escola existem espaços que podem e devem tornar-se um contexto real de leitura, pois educa a autonomia dos caminhos de acesso à informação - a biblioteca escolar, por exemplo.
Nesse sentido, algumas ações são importantes: o conhecimento dos materiais disponíveis na biblioteca, exposição do acervo, a hora do conto, a prática de leitura para criação desse hábito, entre outras. Essencial é propagar sua existência de forma a chamar os alunos e outras pessoas para esse espaço, onde possam criar uma bagagem leitora através de diversos meios.
Essa medida, de ampliar o repertório, clama por outras:
1. Relacionadas a compreensão do texto:
leitura e interpretação conjunta de textos que ainda apresentam dificuldade;
ler obras completas, dividindo-a em partes e realizando: análise de capítulos, reconstrução da época, antecipação de informações, descrições, comparações, retomada do conflito e verificação das hipóteses iniciais;
leitura de textos mais breves com focalização de aspectos a serem trabalhados
relacionar o texto com os conhecimentos dos alunos;
comentar diferentes textos de diferentes áreas do conhecimento;
leitura e comentário de um texto para sua compreensão;
utilizar quadros, esquemas e comparações para ajudar na representação mental da ordenação de informações;
2. Relacionadas a compreensão da estrutura significativa dos textos:
organizar gráficos, esquemas ou quadrinhos para representar o texto;
produzir sínteses;
ler notícias e dar-lhes títulos, explicando suas escolhas;
produzir e comparar resumos;
3. Relacionadas “a exercitar as habilidades envolvidas no processo de leitura”:
explicitar o que sabe sobre um tema;
buscar uma informação determinada no texto (jornal, dicionário ou lista telefônica);
consultar anúncios ou sessões do cinema;
buscar uma informação na enciclopédia;
realizar exercícios de antecipação através da ativação dos conhecimentos prévios dos alunos;
continuar a escrita de textos (narrativos, histórias em quadrinhos, etc);
construir textos em cadeia (onde cada aluno produz uma parte);
continuar a escrita de textos informativos;
continuar a escrita de notícias;
recompor textos (cortados previamente pelo professor);
recompor textos de acordo com sua sequência temporal (três notícias de três dia diferentes, por exemplo);
antecipar o conteúdo do texto a partir de indícios gráficos e tipográficos;
preencher espaços vazios de um texto;
brincar de jogo da forca;
O que ajuda muito no desenvolvimento das habilidades leitora e escritora são os exercícios de levantamento e emissão de hipóteses e inferências.
Utilizar as atividades trazidas nos “passatempos” (comumente encontrados em banca de jornais, em livros próprios, revistas ou gibis) também é um importante exercício para os alunos.
Capítulo 5 - A Avaliação da Leitura
Ao retomar o que já foi discutido nesse livro percebe-se que não é mais possível utilizar uma avaliação nos moldes tradicionais. Ela precisa ser formativa: informa os alunos sobre seus progressos e avanços (por isso eles devem saber o tempo todo o que está sendo observado e que resultado obtiveram), e serve como instrumento para o professor ajustar seu planejamento e métodos de ensino (uma reflexão para a ação).
O que comumente vê-se nas escolas é a não clareza do que avaliar e como avaliar. Dessa forma as avaliações não põem em jogo todos os conhecimentos construídos pelos alunos e nem avaliam todos os aspectos apresentados nos outros capítulos.
A proposta de Alexandre Gali é que referencia as avaliações nas escolas catalãs. Ele se baseia na necessidade de separar “os diversos componentes do ato de leitura suscetíveis de serem avaliados de forma diferenciada e distingue cinco: perfeição mecânica, expressão, rapidez, compreensão das palavras e compreensão total”. Dos cinco componentes apresentados considera que os três últimos devam ser avaliados. Para ele, os testes de avaliação devem ser claros e conhecidos dos alunos (as provas devem estar integradas às tarefas educativas), para que tenham que refletir apenas sobre as combinações verbais e o jogo de idéias presente.
O se tratar da avaliação, mesmo que não se tenha claro qual seu objetivo principal, alguns critérios devem ser respeitados - considerando a nova concepção de leitura e escrita. P.H. Johnson afirma que o objetivo da avaliação deve ser “o grau de integração, inferência e coerência com que o leitor integra a informação textual com a anterior”.
Podemos considerar como critérios importantes na avaliação:
1. Atitude emocional no momento da leitura;
2. Buscar informações em um determinado texto;
3. Solicitar que os alunos verbalizem suas idéias em relação ao texto;
4. Verificar a velocidade da leitura e a leitura silenciosa;
5. Explorar os conhecimentos prévios dos alunos com questões relacionadas ao texto;
6. Solicitar que realizem sínteses, dêem títulos a textos;
7. Solicitar que apontem em um texto seus erros e incoerências (previamente preparado pelo professor);
O enfoque principal da avaliação é para que serve? Nesse sentido deve-se utilizá-la como instrumento tanto para o professor quanto para o aluno, na medida em que pode ir controlando seus avanços e onde necessita maior atenção para melhorar.
17. Zabala, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.
O livro de Antoni Zabala objetiva “oferecer determinados instrumentos que ajudem [os professores] a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge às suas possibilidades; saber que medidas podem tomar para recuperar o que funciona e generalizá-lo, assim como para revisar o que não está tão claro” (p.24).
1 A Prática Educativa: unidades de análise
O autor inicia o primeiro capítulo afirmando que “um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofício” (p. 13). Esta competência é adquirida mediante o conhecimento e a experiência.
Para Zabala a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas. Conhecer essas variáveis permitirá ao professor, previamente, planejar o processo educativo, e, posteriormente, realizar a avaliação do que aconteceu. Portanto, em um modelo de percepção da realidade da aula estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e a avaliação.
Para analisar a prática educativa, Zabala elege como unidade de análise básica a atividade ou tarefa – exposição, debate, leitura, pesquisa bibliográfica, observação, exercícios, estudo, etc. – pois ela possui, em seu conjunto, todas as variáveis que incidem nos processos de ensino/aprendizagem. A outra unidade eleita são as sequências de atividades ou sequências didáticas: “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18). Ou seja, a sequência didática engloba as atividades.
Apoiando em Joyce e Weil (1985), em Tann (1990) e em Hans Aebli (1988) Zabala determina as variáveis que utilizará para a análise da prática educativa, quais sejam: as sequências de atividades de ensino/aprendizagem ou sequências didáticas; o papel do professor e dos alunos; a organização social da aula; a maneira de organizar os conteúdos; a existência, as características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos; o sentido e o papel da avaliação.
Considerando a função social do ensino e o conhecimento do como se aprende como os instrumentos teóricos que fazem com que a análise da prática seja realmente reflexiva, Zabala utiliza dois grandes referenciais: o primeiro está ligado ao sentido e o papel da educação. As fontes utilizadas são a sócio-antropológica, que está determinada pela concepção ideológica da resposta à pergunta “para que educar?”; e a fonte epistemológica, que define a função do saber, dos conhecimentos e das disciplinas. Este referencial busca o sentido e a função social que se atribui ao ensino. O outro referencial engloba as fontes psicológica e didática. Dificilmente pode se responder à pergunta “como ensinar?”, objeto da didática, se não se sabe sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos e as estratégias de aprendizagem. Este busca a concepção dos processos de ensino/aprendizagem.
2 A Função Social do Ensino e a Concepção sobre os Processos de Aprendizagem: instrumentos de análise
Com base no ensino público da Espanha, Zabala afirma que, além das grandes declarações de princípios, sua função social “tem sido selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido” (p. 27), subvalorando o valor informativo dos processos que os alunos/as seguem ao longo da escolarização.
Uma forma de determinar os objetivos da educação é analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Contudo, existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano. Zabala utiliza a classificação proposta por Coll – capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social. Mas quais os tipos de capacidade que o sistema educativo deve levar em conta?
Diretamente relacionados aos objetivos da educação estão os conteúdos de aprendizagem. Coll (1986) os agrupa em conteúdos conceituais – fatos, conceitos e princípios – procedimentais – procedimentos, técnicas e métodos – ou atitudinais – valores, atitudes e normas. Classificação que corresponde, respectivamente, às perguntas: “O que se deve saber?”, “O que se deve saber fazer?” e “Como se deve ser?”. Assim, no ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdo estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica e universitária priorizará os conceituais.
Quanto ao segundo referencial de análise – a concepção dos processos da aprendizagem – Zabala afirma que não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como as aprendizagens se produzem. As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes. Daí decorre que um enfoque pedagógico deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. Assim, o critério para estabelecer o nível de aprendizagem serão as capacidades e os conhecimentos prévios de cada aluno/a. Esta proposição marcará também a forma de ensinar.
Zabala defende a concepção construtivista como aquela que permite compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem. Para esta concepção “o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação” (p. 38). Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel também ativo do educador. A natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. Nesse processo intervêm, junto à capacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.
Após expor, em condições gerais, o processo de aprendizagem segundo a concepção construtivista, o autor passa a expor sobre a aprendizagem dos conteúdos conforme sua tipologia.
Os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. São conhecimentos indispensáveis para a compreensão da maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Considera-se que o aluno/a aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, portanto, a compreensão não é necessária. Diz-se que o aluno/a aprendeu quando é capaz de recordar e expressar de maneira exata o original. Quando se referem a acontecimentos pede-se uma lembrança o mais fiel possível. Se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal, listas e agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas e representações gráficas, associações, etc. Para fazer estes exercícios de caráter rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável.
Os conteúdos conceituais abrangem os conceitos e princípios. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que, normalmente, descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Considera-se que o aluno/a aprendeu quando este é capaz não apenas repetir sua definição, mas também utilizá-la para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui.
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortado, saltar, inferir, espetar, etc. Em termos gerais aprendem-se os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. O segundo passo é que a exercitação múltipla – fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias – é o elemento imprescindível para o domínio competente do conteúdo. A reflexão sobre a própria atividade é o terceiro passo e permite que se tome consciência da atuação. O quarto e último passo é a aplicação em contextos diferenciados que se baseia no fato de que aquilo que se aprende será mais útil na medida em que se pode utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis.
O termo conteúdo atitudinal engloba valores, atitudes e normas. Cada grupo apresentando uma natureza suficientemente diferenciada. Considera-se que o aluno adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo. Que aprendeu uma atitude quando pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto para quem dirige esta atitude. E que aprendeu uma norma, considerando três graus: o primeiro quando se trata de uma simples aceitação; o segundo quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma; e o último grau quando interioriza a norma e aceita como regra básica de funcionamento da coletividade que a rege.
Concluindo, Zabala identifica e diferencia a concepção tradicional da concepção construtivista, a partir dos dois referenciais básicos para a análise da prática. Na concepção tradicional a sequência de ensino/aprendizagem deve ser a aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da aprendizagem como um processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. As relações interativas são de caráter diretivo: professor → aluno; os tipos de agrupamentos se circunscrevem às atividades de grande grupo. A distribuição do espaço reduz-se ao convencional. Quanto ao tempo, estabelece-se um módulo fixo para cada área com uma duração de uma hora. O caráter propedêutico do ensino faz com que a organização dos conteúdos respeite unicamente a lógica das matérias. O livro didático é o melhor meio para resumir os conhecimentos e, finalmente, a avaliação tem um caráter sancionador centrado exclusivamente nos resultados.
A concepção construtivista apresenta uma proposta de compreensividade e de formação integral, impulsionando a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de conteúdo. O ensino atende à diversidade dos alunos, portanto a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Conforme Zabala (p. 51) “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surge constantemente”. O objetivo será a melhoria da prática. Nesta concepção, o conhecimento e o uso de alguns marcos teóricos levarão a uma verdadeira reflexão sobre a prática, fazendo com que a intervenção pedagógica seja o menos rotineira possível.
3 As Sequências Didáticas e as Sequências de Conteúdo
Neste capítulo o autor apresenta o estudo da primeira variável que incide sobre as práticas educativas: a sequência didática. Ele apresenta quatro unidades didáticas como exemplo e as analisa sob os aspectos do conteúdo, da aprendizagem, da atenção à diversidade e da sequência e tipologia dos conteúdos.
O autor conclui que nestas propostas de trabalho aparecem para os alunos diferentes oportunidades de aprender diversas coisas, e para os professores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliar. Que os diferentes conteúdos que os professores apresentam aos alunos exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas.
Refletir sobre o processo ensino/aprendizagem implica apreender o que está sendo proposto de maneira significativa. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário do que exige um trabalho mais continuado pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e a nós mesmos. As diferentes propostas didáticas analisadas têm diferentes potencialidades quanto à organização do ensino. Portanto, “mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um outro modo de organizar o ensino devemos dispor de critérios que nos permitem considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidade. Utilizar esses critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la” (p.86).
4 As Relações Interativas em Sala de Aula: o papel dos professores e dos alunos
Para Zabala (p. 89) as relações de que se estabelecem entre os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem constituem a chave de todo o ensino e definem os diferentes papéis dos professores e dos alunos.
A concepção tradicional atribui ao professor o papel de transmissor de conhecimentos e controlador dos resultados obtidos. Ao aluno cabe interiorizar o conhecimento que lhe é apresentado. A aprendizagem consiste na reprodução da informação. Esta maneira de entender a aprendizagem configura uma determinada forma que relacionar-se em classe.
Na concepção construtivista ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações pessoais sobre o conteúdo. Trata-se de um ensino adaptativo, isto é, um ensino com capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam. Portanto, os professores podem assumir desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a atenção para a diversidade dos alunos e de situações à posição de desafiar, dirigir, propor, comparar. Tudo isso sugere uma interação direta entre alunos e professores, favorecendo a possibilidade de observar e de intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos/as.
Do conjunto de relações necessárias para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que Zabala (p. 92-104) caracteriza da seguinte maneira:
a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente flexível para permitir adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/aprendizagem. Por um lado, uma proposta de intervenção suficientemente elaborada; e por outro, com uma aplicação extremamente plástica e livre de rigidez, mas que nunca pode ser o resultado da improvisação. b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no início das atividades como durante sua realização.
c) Ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam o que têm que fazer, sintam que podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.
d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.
e) Oferecer ajudas adequadas, no processo de construção do aluno, para os progressos que experimenta e para enfrentar os obstáculos com os quais se depara.
f) Promover atividade mental auto-estruturante que permita estabelecer o máximo de relações com novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau possível e fomentando os processos de meta-cognição que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a aprendizagem.
g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o autoconceito.
h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de negociação, participação e construção.
i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão aos objetivos e em sua realização e controle, possibilitando que aprendam a aprender.
j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem conhecimentos e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para favorecer as estratégias de controle e regulação da própria atividade.
Concluindo, Zabala afirma que os princípios da concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar a ação didática e que, de maneira específica ajuda a caracterizar as interações educativas que estrutura a vida de uma classe, estabelecendo as bases de um ensino que possa ajudar os alunos a se formarem como pessoas no contexto da instituição escolar.
5 A Organização Social da Classe
Neste capítulo Zabala analisa a organização social da classe. As diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Historicamente a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens para sua integração na coletividade eram os processos individuais. Atualmente são diversas as formas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades às quais o professor pode recorrer.
A primeira configuração considerada pelo autor é o grupo/escola em que toda escola tem uma forma de estrutura social determinada. As características desta organização grupal são determinadas pela organização e pela estrutura de gestão da escola e pelas atividades que toda escola realiza. O grupos/classe fixos é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Além de sua facilidade organizativa, oferece aos alunos um grupo de colegas estável, favorecendo as relações interpessoais e a segurança efetiva. A terceira configuração, os grupos/classes móveis ou flexíveis são agrupamentos em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias. As vantagens são, por um lado, a capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores. Na organização da classe como grande grupo todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo. É uma forma de organização apropriada para o ensino de fatos; no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas. Para os conteúdos procedimentais é impossível atender a diversidade; no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembléia, mas é insuficiente. A organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os alunos em grupos de 5 a 8 componentes, durante um período de tempo. As equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar conteúdos atitudinais. A sexta configuração é a organização da classe em equipes móveis ou flexíveis. Implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. São adequadas para o trabalho de conteúdos procedimentais. Também será apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais. O trabalho individual é especialmente útil para memorização de fatos, para o profundamente da memorização posterior de conceitos e, especialmente, para a maioria dos conteúdos procedimentais. Uma forma de trabalho individual especialmente útil é o denominado por Freinet de “contrato de trabalho”. Nos “contratos de trabalho” cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado. Essa forma trabalho é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada, ou seja, alguns conteúdos factuais e muitos conteúdos procedimentais.
Concluindo: a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que se quer ensinar e de que aluno se quer formar; os trabalhos em grupo não excluem o trabalho e o esforço individuais; os contratos de trabalho podem constituir-se num instrumento eficaz para articulara um trabalho personalizado interessante e pelo qual o aluno sinta responsável; o papel formativo do grupo/escola condiciona o que pode se fazer nos diferentes níveis da escola, educativamente falando, ao mesmo tempo que constitui um bom indicador da coerência entre as intenções formativas e os meios para alcançá-las.
Quanto à distribuição do espaço: na estrutura física das escolas, os espaços de que dispõe e como são utilizados corresponde a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Parece lógica que a distribuição atual das escolas continue a ser um conjunto de salas de aula com um conjunto de cadeiras e mesas enfileiradas e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professor.
A utilização do espaço começa a ser problematizada quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. Criar um clima e um ambiente de convivência que favoreçam as aprendizagens se converte numa necessidade da aprendizagem e num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinam novas necessidades espaciais. Para a aplicação dos conteúdos procedimentais torna-se necessário revisar o tratamento do espaço já que é necessária uma atenção às diferenças. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de espaço dessa atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que constituem a maneira de entender os valores por parte da escola.
Quanto à distribuição do tempo: o tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores.
A estruturação horária em períodos rígidos é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens leva os professores a reconsiderar que estes modelos inflexíveis. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação. O planejamento torna-se necessário para que se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.
6 A Organização dos Conteúdos
As relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas é o que se denomina organização de conteúdos. Existem duas proposições acerca das formas de organizá-los: uma baseada nas disciplinas ou matérias; e a outra, oferecida pelos métodos globalizados, onde os conteúdos das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade.
A diferença básica entre os dois modelos está no fato de que para os métodos globalizados as disciplinas não são a finalidade básica do ensino, senão que tem a função de proporcionar os meios ou instrumentos que deve favorecer a realização dos objetivos educacionais; o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. No caso dos modelos disciplinares a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.
Tomando as disciplinas como organizadoras dos conteúdos têm-se, na escola, as diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matéria de estudo possibilitando estabelecer três graus de relações disciplinares:
1) Multidisciplinaridade: é a mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras.
2) Interdisciplinaridade: é a interação entre duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais, da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.
3) Transdisciplinaridade: supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Nesta concepção pode se situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.
Quanto aos métodos globalizados, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e suas necessidades educacionais. Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Esse método nasce a partir do termo sincretismo introduzido por Claparède e, posteriormente, Decroly com termo globalismo.
Existem vários métodos que podem ser considerados globalizados, dentre eles quatro, por sua vigência atual, são analisados no livro: os centros de interesse de Decroly, o sistema de projetos de kilpatrick, o estudo do meio do MCE e os projetos de trabalho globais. O autor os analisa indicando seus pontos de partida, suas sequências de ensino/aprendizagem e suas justificativas. Zabala conclui que, embora todos priorizem o aluno e o como se aprende, o aspecto que enfatizam na função social é diferente. No centro de interesse a função social consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que sabem fazer; para o método de estudo do meio a formação de cidadãos democráticos e com espírito científico; e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de aprender a aprender. Contudo, apesar das diferenças, o objetivo básico desses métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela.
Concluindo, o autor afirma que inclinar-se por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que vai além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de um instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é que os tornam suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, uma vez que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.
7 Os Materiais Curriculares e os outros Recursos Didáticos
Os materiais curriculares são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e de sua avaliação. Por suas características eles podem ser classificados conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utiliza.
Na sequência o autor analisa o uso dos materiais didáticos conforme a tipologia dos conteúdos, o suporte dos diferentes recursos – sua utilização, vantagens e inconvenientes, elabora propostas de materiais curriculares para a escola e indica alguns critérios para análise e seleção dos materiais, quais sejam: detectar os objetivos educativos subjacente a um determinado material; verificar que conteúdos são trabalhados; verificar a sequência de atividades propostas para cada um dos conteúdos; analisar cada uma das sequência de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa; e estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.
A conclusão do autor: de nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, se bem utilizado, não apenas potencializa o processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional.
8 A Avaliação
Porque avaliar, como avaliar, quem são os sujeitos e quais são os objetos da avaliação são analisados nesse último capítulo. A avaliação é o processo-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Nesse sentido suas possibilidades e potencialidades se vinculam para a forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando as avaliações são homogeneizadoras, duras, fechadas, rotineiras, elas têm pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores; oferece a oportunidade para acompanhar todo o processo e, portanto, assegurar a sua idoneidade.
A presença de opções claras sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/aprendizagem e que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se à necessidade de objetivos com finalidades específicas que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária e mais justa. Ao mesmo tempo exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem para analisar o que acontece e tomar decisões para reorientar a situação quando for necessário. E os professores também devem aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar-se no processo. O melhor caminho para fazer é para ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam auto-avaliar-se combinando e estabelecendo o papel que essa atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação. Finalizando tanto a avaliação quanto a auto-avaliação não pode ser um episódio ou um engano, mas algo que deve ser planejado seriamente.
18. VYGOTSKY. L.S. Formação social da mente. Martins Fontes. São Paulo. 2007.
Capítulo 6
Interação entre aprendizado e desenvolvimento
Para Vygotsky, as concepções so¬bre a relação entre os processos de aprendizado e desenvolvimento reduzem-se a três posições teóricas, to¬das por ele rejeitadas:
1a - Parte da premissa que o aprendizado segue a trilha do desen¬volvimento, pressupondo que o de¬senvolvimento é independente do aprendizado. O aprendizado seria um processo externo que se utiliza dos avanços do desenvolvimento mas não o impulsiona nem altera seu curso. O desenvolvimento (ou maturação) é considerado pré-condição para o aprendizado e nunca o resultado dele. Se as funções mentais de uma crian¬ça não amadureceram o suficiente para aprender um determinado assun¬to, nenhuma instrução se mostrará útil. Piaget seria representante desta linha;
2a - Postula que aprendizagem é desenvolvimento. O desenvolvimen¬to é visto como o domínio dos reflexos condicionados. A diferença com -relação ao primeiro grupo relaciona-se ao tempo. Para os primeiros, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Para estes, os dois processos são simultâneos. James representa esta linha;
3a - Tenta superar os extremos das duas primeiras, combinando-as. Para os defensores desta linha (Koffka, gestaltistas), o desenvolvimento se baseia em dois processos diferentes (maturação e aprendizado), porém relacionados e mutuamente depen¬dentes, sendo que um influencia o outro. Assim, a maturação (desenvol¬vimento do sistema nervoso) torna possível o aprendizado e este estimula a maturação. Assim, ao aprender de¬terminada operação, a criança cria estruturas mentais de um certo tipo. independentemente dos materiais e elementos envolvidos.
Portanto, o desenvolvimento é sempre um con¬junto maior que o aprendizado.
Segundo Vygotsky, essa discussão leva a um velho problema pedagógi¬co: a relação entre disciplina formal e transferência de aprendizagem. Movimentos pedagógicos tradicionais têm justificado a ênfase em discipli¬nas aparentemente irrelevantes para a vida diária (línguas clássicas, por exemplo), por sua influência sobre o desenvolvimento global: se o estudan¬te aumenta sua atenção ao estudar gramática latina, aumentaria sua capacidade de focalizar atenção sobre qualquer outra tarefa. O pressuposto é que as capacidades mentais funcionam independentemente do material com que operam. Para o autor, Thorndike e Woodworth desmontaram esse argumento ao demonstrar, por exemplo, que a velocidade de somar números não está relacionada à velocidade de dizer antônimos.
Zona de desenvolvimento proximal : uma nova abordagem
Vigotsky apresenta uma nova posição com relação às três anteriores. O aprendizado, diz ele, começa muito antes de as crianças frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado escolar tem uma história pré¬via. Por exemplo, antes de aprender aritmética a criança já lidou com no¬ções de quantidade, de adição e ou¬tras operações, de comparação de tamanhos etc. A diferença é que o aprendizado escolar está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico. Diz o autor: "Aprendizagem e desenvolvimento es¬tão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (p. 95). O apren¬dizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criança, além da pura sistematização. Para esclarecer esse "algo novo", Vygotsky apresenta o conceito de zona de desenvolvi-mento proximal. Para ele, existem dois níveis de desenvolvimento:
1° - nível de desenvolvimento real, que é o resultado ou produto final de ciclos de desenvolvimento já completados. Por exemplo, a idade mental de uma criança medida num teste. Esse nível é dado por aquilo que a criança consegue fazer por si mes¬ma, isto é, pela solução independen¬te de problemas. Ele caracteriza o desenvolvimento mental retrospecti-vamente.
2° - nível de desenvolvimento proximal, que define as funções que estão em processo de maturação, o estado dinâmico de desenvolvimento: é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de de-senvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento proximal é determi¬nado através da solução de proble¬mas sob a orientação de adultos e em colaboração com companheiros mais capazes (quando o professor inicia a solução e a criança completa, por exemplo). Ele caracteriza o desenvol-vimento mental prospectivamente.
Assim, aquilo que é zona de de¬senvolvimento proximal hoje será zona de desenvolvimento real amanhã. Ou, em outras palavras, o que a criança faz hoje com assistência, amanhã fará sozinha.
O conceito de zona de desenvol¬vimento proximal leva a uma reavaliação do papel da imitação no aprendizado. Para Vygotsky, a imita¬ção não é um processo meramente mecânico, uma pessoa só consegue imitar aquilo que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se o professor usa material concreto para resolver um problema, a criança entende; caso ele utilize processos ma¬temáticos superiores, a criança não compreende a solução, não importa quantas vezes a copie.
Uma consequência disso é a mu¬dança nas conclusões que podem ser tiradas de testes diagnósticos de de¬senvolvimento. A zona de desenvol-vimento real medida pelos testes ori¬enta "o aprendizado de ontem", isto é, os estágios já completados, sen¬do, portanto, ineficaz para orientar o aprendizado futuro. A zona de desen¬volvimento proximal permite propor uma nova fórmula: o bom aprendi¬zado é aquele que se adianta ao de-senvolvimento. Assim, para Vygotsky, o aprendizado desperta processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage em seu ambiente e em cooperação com seus compa-nheiros, uma vez internalizados, es¬ses processos tornam-se aquisições independentes.
A grande diferença do homem com o animal é que este último não consegue resolver problemas de for¬ma independente, por mais que seja treinado.
Resumindo: para Vygotsky, os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. O desenvolvimento pro¬gride de forma mais lenta e atrás de aprendizado.
Capítulo 7
O papel do brinquedo no desenvolvimento
Para Vygotsky, o brinquedo exer¬ce enorme influência na promoção do desenvolvimento infantil, apesar de não ser o aspecto predominante da infância. Para ele, o termo brinquedo refere-se essencialmente ao ato de brincar, à atividade. Embora menci¬one modalidades diferentes de brinquedos, como jogos esportivos, seu foco é o estudo dos jogos de papéis ou brincadeiras de faz-de-conta (ma¬mãe e filhinha, por exemplo), típicas de crianças que aprendem a falar e, portanto, já são capazes de represen¬tar simbolicamente e envolver-se em situações imaginárias. A característi¬ca definidora do brinquedo, por ex¬celência, é a situação imaginária.
A imaginação é uma função da consciência que surge da ação. É ati¬vidade consciente, um modo de fun¬cionamento psicológico especifica¬mente humano, não presente na consciência da criança muito peque¬na (com menos de três anos) e inexistente nos animais. A criança muito pequena quer a satisfação ime¬diata de seus desejos. Ela não con¬segue agir de forma independente daquilo que vê, há uma fusão entre o que é visto e seu significado, um exemplo é a seguinte situação: "Tâ¬nia está sentada. Pede-se à criança que repita a frase: Tânia está de pé. Ela mudará a frase para: Tânia está sentada".
É na idade pré-escolar que ocorre a diferenciação entre o campo de sig-nificado e o campo de visão. O pen¬samento passa, de regido pelos objetos externos, a regido pelas idéias. A criança começa a utilizar materiais para representar a realidade ausen¬te. Por exemplo, um cabo de vassou¬ra representa um cavalo. Diz o autor: "A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente daquilo que vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir indepen¬dentemente daquilo que ela vê" (p. 110). Mas essa transformação -separar o pensamento (significado da palavra) do objeto - não se realiza de uma só vez. O objeto torna-se o pivô da separação entre o pensamento e o objeto real. Então, para imaginar um cavalo, a criança usa um "cava¬lo" de pau. Vygotsky situa o começo da imaginação humana na idade de três anos.
O brinquedo é uma forma de satis¬fazer os desejos não realizáveis da cri-ança, de suprir a necessidade que ela tem de agir em relação mundo adulto, extrapolando o universo dos objetos a que ela tem acesso. É através do brin¬quedo que ela pode dirigir um carro ou preparar uma refeição, por exem¬plo. A brincadeira é uma forma de re¬solver um impasse: a necessidade de ação da criança, com gratificação ime¬diata versus a impossibilidade de executar essas ações na vida real e lidar com desejos que só podem ser satisfeitos no futuro. Essa contradição é explorada e resolvida temporariamen¬te através do brinquedo.
Projetando-se nas atividades adul¬tas de sua cultura, a criança procura ser coerente com os papéis assumi¬dos e seguir as regras de comporta¬mento adequadas à situação represen¬tada. Por exemplo, ao imaginar-se como mãe de sua boneca, a menina faz questão de obedecer as regras do comportamento maternal. Ensaia, as¬sim, seus futuros papéis e valores. Nesse processo, a imitação também ganha destaque: imitar os mais velhos gera desenvolvimento intelectual e do pensamento abstrato. O esforço de manter a fidelidade ao que observa faz com a criança atue num nível mais avançado ao habitual para sua idade. "No brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade" (p. 117), diz Vygotsky. Assim, ao atuar no mun¬do imaginário, seguindo suas regras, cria-se uma zona de desenvolvimento proximal, pois há o impulso em direção a conceitos e processos em de¬senvolvimento.
O prazer não é a característica que define o brinquedo. Ele preenche uma necessidade da criança. Para Vygotsky, o mais importante no jogo de papéis de que as crianças participam é induzi-las a adquirir regras de comportamento. Toda situação ima¬ginária contém regras de comporta-mento, assim como todo jogo de re¬gras contém uma situação imaginá¬ria. No brinquedo a criança tem que ter autocontrole, tem que agir contra o impulso imediato, uma vez que deve seguir as regras. Satisfazer as regras torna-se um desejo para a criança e é esse o atributo essencial do brin-quedo.
Para Vygotsky, o brinquedo é o mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. "A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo" (p. 117), diz ele. E mais adiante: "Na idade escolar, o brinque¬do não desaparece mas permeia a atitude em relação à realidade" (p. 118). A instrução e o aprendizado na escola também estão avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo. Tanto o brinquedo quanto a instrução escolar criam uma zona de desenvolvimento proximal.
Capítulo 8
A pré-história da linguagem escrita
A conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento do ho¬mem. Ela possibilita, dentre outras coisas, que o homem planeje a solu¬ção para um problema antes de sua execução. O domínio da linguagem oral promove mudanças profundas, pois permite à criança organizar seu modo de agir e pensar e formas mais complexas de se relacionar com o mundo.
A aquisição da linguagem escrita representa um novo salto no desen-volvimento da pessoa e provoca uma mudança radical das características psicointelectuais da criança. Para Vygotsky, esse complexo sistema de signos que é a linguagem escrita for¬nece um novo instrumento de pen-samento à criança, permite outra for¬ma de acesso ao patrimônio cultural da humanidade (contido nos livros e outros tipos de textos) e promove novas formas de relacionamento com as outras pessoas e com o conheci-mento.
O aprendizado da escrita - pro¬duto cultural construído ao longo da história da humanidade - é um pro¬cesso bastante complexo e começa muito antes de o professor colocar um lápis na mão da criança pela pri¬meira vez. Vigotsky critica o ensino da escrita apenas como habilidade motora. Diz ele: "Ensina-se a criança a desenhar letras e a construir pala¬vras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal" (p. 119). A linguagem escrita é diferente da falada, pois exige um "treinamento artificial" que requer esforços e atenção enormes por parte do aluno e do professor. Então há o perigo de rele¬gar-se a linguagem escrita viva a um segundo plano, com ênfase na técni¬ca (como aprender a tocar piano).
A escrita é um sistema de repre¬sentação simbólica da realidade bas¬tante sofisticado. O processo de de¬senvolvimento da linguagem escrita pode parecer desconexo e confuso mas possui uma linha histórica unificada que conduz às formas su¬periores da linguagem escrita. Isso significa que:
• num primeiro momento, a lin¬guagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem, ou seja, um sistema de signos que designam os sons e as pa¬lavras da linguagem falada; a linguagem falada constitui um sistema de símbolos de primei¬ra ordem, isto é, signos de en¬tidades reais e suas relações;
• gradualmente há uma reversão a um estágio de primeira or¬dem: a língua falada desapa¬rece como elo intermediário e a linguagem escrita adquire um caráter de simbolismo direto, passando a ser percebida da mesma maneira que a lingua¬gem falada.
Vygotsky aponta uma continuida¬de entre as diversas representações simbólicas da realidade que a crian¬ça realiza: gestos, desenhos, brinque-dos. Estas atividades, como formas de representação simbólica, contribu-em para o processo de aquisição da linguagem escrita. A história do desenvolvimento da linguagem escrita na criança começa com o apareci-mento do gesto como "signo visual inicial que contém a futura escrita da criança como uma semente contém um futuro carvalho" (p. 121). Os sig-nos são a fixação de gestos. Para Vygotsky, há uma íntima relação en¬tre a representação por gestos e a representação pêlos primeiros rabiscos e desenhos das crianças.
O brinquedo, ao exercer uma fun¬ção simbólica, também está ligado à linguagem escrita. O brinquedo sim¬bólico é uma espécie de "fala" através de gestos que dá significado aos objetos usados para brincar. Por exemplo: um livro designa uma casa, um lápis significa uma pessoa.
A criança só começa a desenhar quando a linguagem falada já alcan¬çou grande progresso. A esse respei¬to, Vygotsky diz: "O desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal" (p. 127), sen¬do considerado, portanto, um estágio preliminar no desenvolvimento da lin¬guagem escrita. Para Vygotsky (citan¬do Hetzer), a fala é a representação simbólica primária, base de todos os demais sistemas de signos. Na idade escolar, a criança apresenta uma ten¬dência de passar de uma escrita pictográfica (baseada na representa¬ção simplificada dos objetos da reali¬dade) para uma escrita ideográfica (representações através de sinais simbó¬licos abstratos). Gradualmente as cri¬anças substituem traços indiferen¬ciados por rabiscos simbolizadores, substituídos, por sua vez, por peque¬nas figuras e desenhos e, finalmente, pelos signos. Para chegar a isso, a cri¬ança precisa descobrir que, além de coisas, pode-se desenhar a fala. O de¬senvolvimento da linguagem escrita se dá pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. As¬sim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita são momentos di-ferentes de um processo unificado de desenvolvimento da linguagem escri¬ta. Desenhar e brincar são, portanto, estágios preparatórios ao desenvolvi¬mento da linguagem escrita.
A partir dessas descobertas, Vygotsky chega a três conclusões de caráter prático:
1ª - seria natural transferir o ensi¬no da escrita para a pré-escola, pois as crianças mais no¬vas já são capazes de desco¬brir a função simbólica da es¬crita;
2ª - a escrita deve ter significado para as crianças, a necessida¬de de aprender a escrever deve ser despertada e vista como necessária e relevante para a vida: "Só então poderemos estar certos de que ela se de¬senvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de lin¬guagem" (p. 133);
3ª - há necessidade de a escrita ser ensinada naturalmente: os aspectos motores devem ser acoplados ao brinquedo e o escrever deve ser "cultivado" ao invés de "imposto". A criança deve ver a escrita como mo¬mento natural de seu desenvol¬vimento e não como treina¬mento imposto de fora para dentro: "o que se deve fazer é ensinar às crianças a lingua¬gem escrita, e não apenas a escrita das letras" (p. 134), diz Vygotsky.
19. WEISZ, Telma. O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002.
- MEU BATISMO DE FOGO.
Weisz cursou o Normal no Insti¬tuto de Educação, no Rio de Janei¬ro, possivelmente influenciada pela professora de seu curso primário de quem gostava muito. Ao longo do curso, estando envolvida com outros interesses (artes plásticas) quis sair, mas seus pais a convenceram a con-tinuar. Fez, então, o Instituto de Be¬las Artes (atual escola de Artes Visu¬ais do Parque Lage).
Em 1962, quando cursava o seu último ano do Curso Normal, cons¬tatou que a repetência fabricada pe¬las escolas tinha ultrapassado os li¬mites, pelo fato de não haver, em consequência, vagas para alunos novos na 1a. série. O governador, então, tomou três providencias: apro¬vou as crianças por decreto - tendo ido todo mundo para a 2a. série, sa¬bendo ou não ler; montou escolas de madeira, com telhado de zinco, e convocou todas as normalistas do úl¬timo ano do curso para dar aulas.
A partir daí, ela foi dar aula, para um grupo de crianças que tinham entre 11 e 12 anos e, que depois de terem repetido várias vezes a 1a. sé¬rie, tinham passado para a 2a. em função do decreto do governador.
Eram 45 alunos, sendo que apenas 3 não eram negros. Não eram todos analfabetos, porém não se podia considerá-los alfabetizados.
Apesar de empregar as técnicas de ensino, sentia-se como preenchen¬do o tempo de aula. Não conseguia avaliar os resultados do trabalho, nem o que deveria esperar das propostas que colocava em prática, sentindo-se confusa e impotente. Situações da sala revelavam o abismo existente entre o desempenho de seus alunos na escola e o que a vida fora da es-cola exigia deles.
Nesse sentido, tinha a sensação de que a escola parecia uma arma¬dilha montada para que esses meninos não pudessem se sair bem, e também, a convicção de que esse tipo de situação tinha um papel político muito importante que devia ser en¬frentado durante toda a sua vida pro¬fissional. Ficava impressionada quan¬do conversava com algumas mães e essas achavam natural que seus fi¬lhos não tivessem sucesso na esco¬la. Diziam que ela poderia 'bater ne¬les' para ver se estudavam.
Esse foi seu batismo de fogo que fez com que se afastasse por 12 anos da educação. A sensação mais pro¬funda que ficou dessa experiência foi a de ignorância. Ficou claro, para ela, que as informações e ideias que cir-culavam na educação não davam conta do problema do ensino. O pro-fessor era um cego.
Para ela, o professor continua che¬gando hoje à escola com as mesmas insuficiências com a qual ela chegou em 1962, sendo que a diferença, hoje, está na possibilidade que o profes¬sor tem de, se quiser, tentar resolver essa situação. Hoje, os professores têm à sua disposição um corpo de conhecimentos que, se não dá con¬ta de tudo, pelo menos ilumina os processos através dos quais as cri¬anças conseguem ou não aprender certos conteúdos. O entendimento que se tem do professor hoje é o de alguém com condições de ser sujei¬to de sua ação profissional.
Ao final de 1962, e durante os 12 anos seguintes trabalhou em áreas completamente diferentes, e como nenhuma outra atividade dava senti¬do à sua vida profissional, acabou voltando para a educação. Seu com-promisso é com essas crianças - que são maioria nas escolas públicas - para que superem o fracasso e te¬nham sucesso na escola.
Apesar de ser considerada espe¬cialista em alfabetização, sua ques¬tão é a aprendizagem, em especial, a aprendizagem escolar.
Capítulo 2 - UM NOVO OLHAR SOBRE A APRENDIZAGEM.
Apesar de ter iniciado sua docên¬cia em 1962, e de ter na época um certo conhecimento significativo quan¬to ao fato da criança conseguir escre¬ver, mesmo que não ortograficamen¬te, ela não tinha um conhecimento científico acumulado que lhe permi¬tisse superar um ponto de vista "adultocêntrico", ou seja, a forma como se concebe a aprendizagem das crianças a partir da própria pers¬pectiva do adulto que já domina o conteúdo que quer ensinar. A partir dessa perspectiva, não é possível compreender o ponto de vista do aprendiz, pois não se 'enxerga' o objeto de seu conhecimento com os olhos de quem ainda não sabe.
A partir dessa perspectiva, o professor (do lugar de quem já sabe) define, a priori, o que é mais fácil e o que é mais difícil para os alunos e quais os caminhos que eles de¬vem percorrer para realizar as atividades desejadas. Tal concepção, por parte do professor, gera um tipo de procedimento pedagógico que dificulta o processo de aprendizagem para uma parte das crianças, princi¬palmente, aquelas que mais neces¬sitam da ajuda da escola, por ter menos conhecimento construído so¬bre os conteúdos escolares.
Assim, a adoção de uma postu¬ra adultocêntrica não é uma deci¬são voluntária dos professores, uma vez que, o conhecimento científico que trazem consigo, não lhes permi¬te enxergar e acolher uma outra con-cepção de aprendizagem relaciona¬da à perspectiva do aprendiz.
A metodologia embutida nas cartilhas de alfabetização contribui para o fracasso escolar.
A chamada Psicogênese da Lín¬gua Escrita, resultado das pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1970), sobre o que pen-sam as crianças quanto ao sistema alfabético de escrita, evidencia os problemas que a metodologia em¬butida nas cartilhas (que faz uso do método da análise-síntese ou da pa¬lavra geradora) traz para as crianças.
Por meio das pesquisas das auto¬ras acima mencionadas, em uma sociedade letrada, as crianças constroem conhecimentos sobre a escri¬ta desde muito cedo, a partir do que observam na interação com o seu meio físico e social e das reflexões que fazem a esse respeito. As pes¬quisas evidenciaram que quando as crianças ainda não se alfabetizaram, buscam uma lógica que explique o que não compreendem, elaborando hipóteses muito interessantes sobre o funcionamento da escrita.
Esses estudos permitiram com¬preender que a metodologia das cartilhas pode fazer sentido para cri¬anças convencidas de que para es¬crever uma determinada palavra, bas¬tar uma letra para cada sílaba oral emitida (hipótese silábica), mas para aquelas que ainda cultivam ideias
muito mais simples a respeito da escrita, ou seja, que ainda não estabeleceram relação entre a escrita e a fala (pré-silábica), o esforço de demonstrar que uma sílaba, geralmente, se escreve com mais de uma le¬tra não faz nenhum sentido. São es¬sas as crianças que não conseguem aprender com a cartilha e que ficam repetindo a 1a. série várias vezes, chegando a desistir da escola.
As crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus usos a partir da participação em situações nas quais os textos têm uma função so¬cial de fato. Frequentemente as cri¬anças mais pobres são as que têm hipóteses mais simples, pois vivem poucas situações desse tipo. Para elas a oportunidade de pensar e construir ideias sobre a escrita é menor do que para as crianças que vivem em famíli¬as típicas de classe média ou alta, nas quais ouvem a leitura de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adultos manusearem jornais para bus¬car informações, recebem correspon¬dências, fazem anotações, etc.
Isso não quer dizer, que as crianças pobres não tenham acesso à es¬crita ou não façam reflexões sobre seu funcionamento fora da escola, mas habitualmente tais práticas não fazem parte do cotidiano do seu grupo so¬cial de origem e isso faz com que o início de sua escolarização se dê em condições menos favoráveis do que para aquelas crianças que participam de práticas sociais letradas desde pequenas.
Assim, independente do fato de que as crianças venham de uma fa¬mília pobre ou não, o que importe realmente é a ação pedagógica do professor, e esta dependerá da sua concepção de aprendizagem (todo o ensino se apoia numa concepção de aprendizagem).
É possível enxergar o que o aluno já sabe a partir do que ele produz e pensar no que fazer para que aprenda mais.
Nas últimas décadas muitas pes¬quisas pontuam uma concepção de aprendizagem que é resultado da ação do aprendiz. Dessa forma, a função do professor é criar condições para que o aluno possa exercer a sua ação de aprender participando de situações que favoreçam a atividade mental, ou seja, o exercício intelectual.
Quando o professor entende que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para continuar aprendendo ele pode identificar que informação é necessária para que o conhecimento do aluno avance. Essa percepção permite ao professor compreender que a intuição não é mais suficiente para guiar a sua prática e que ele precisa de um conhecimento que é produzi¬do no território da ciência.
É preciso considerar o conhecimento prévio do aprendiz e as contradições que ele enfrenta no processo.
Em uma concepção de aprendi¬zagem construtivista, o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz. Esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas e que, diante de novas informações que têm para ele sentido, realiza um esforço para assimilá-la, assim frente a um pro¬blema (conflito cognitivo) o aprendiz tem a necessidade de superá-lo.
O novo conhecimento aparece como aprofundamento do conheci¬mento anterior que ele já detém. É inerente à própria concepção de aprendizagem que o aprendiz busque o conhecimento prévio que ele pos¬sui sobre qualquer conteúdo.
Através dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e demais colaboradores, sabemos que a cri¬ança representa a escrita de diferen¬tes modos, como a expressão de um conhecimento sobre a escrita que precede a compreensão real do fun¬cionamento do sistema alfabético.
No caso da aprendizagem da es¬crita, o meio social coloca para as crianças uma série de contradições e de conflitos que a forçam a buscar soluções, superar as hipóteses ina¬dequadas quanto ao sistema de escrita, através da construção de no¬vas teorias explicativas. Nesses mo¬mentos, a atuação do professor é fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que depende também das propostas didáticas e da in¬tervenção que ele fizer.
Essas teorias explicativas são for¬mas de interpretação não necessari-amente conscientes, mas que orientam a ação de quem está aprenden¬do. Tais teorias são modificadas no embate com a realidade com a qual o aluno se depara a todo instante e especialmente quando o professor cria contextos adequados para que isso aconteça.
Para aprender, a criança passa por um processo que não tem a lógica do conhecimento final, como é visto pelos adultos.
Do ponto de vista do referencial construtivista, nenhum conceito nas¬ce com o sujeito ou é incorporado de fora, mas precisa ser construído através da interação do sujeito com o meio (físico, social, cultural); nesse processo de construção, as expres¬sões do aprendiz não têm a lógica do conhecimento final, concebido pelo adulto. As pesquisas realizadas pelo psicólogo Jean Piaget quanto à conservação de quantidades (massa/ fichas), demonstram que para crian¬ças com idade de 5/7 anos, o fato de oito fichas apresentarem-se juntas e oito fichas apresentarem-se espalha-das apresentam quantidades diferen¬tes, simplesmente pela disposição / configuração dessas fichas (pensa¬mento pré-operatório/perceptivo/ irreversível).
Começa com Piaget, a construção de um novo olhar sobre a aprendizagem.
Piaget desenvolveu uma teoria do conhecimento (Epistemologia e Psicologia Genética) que explica como se avança de um conhecimento menos elaborado para um conheci¬mento mais elaborado, ressaltando que o conhecimento é resultado da interação do sujeito com o meio ex¬terno, que é um processo no qual o sujeito participa ativamente, modifi¬cando o meio no qual está inserido e sendo, também, modificado por esse mesmo meio.
Foram os estudos de Piaget que abriram a possibilidade de se estu¬dar a construção de conhecimentos específicos, como o fez Emília Fer¬reiro que mostrou que era possível pensar o construtivismo - o modelo geral de construção do conhecimen¬to, tal como formulado por Piaget e colaboradores da Escola de Genebra - como a moldura de uma investiga-ção sobre a aquisição de um conhe¬cimento particular, no caso de Emília Ferreiro, o da leitura e escrita.
A Psicogênese da Língua Escrita é um modelo psicológico de apren-dizagem específico da escrita que serve de informação ao educador, porém a maneira como essas infor¬mações são usadas na ação educativa pode variar muito porque nenhuma pedagogia responde apenas a um modelo psicológico.
O modelo geral no qual se apoia a Psicogênese da Língua Escrita é de que há um processo de aquisi¬ção no qual a criança vai construin¬do hipóteses sobre a escrita, testan¬do-as, descartando umas e recons¬truindo outras. Durante a alfabeti¬zação, aprende-se mais do que es¬crever alfabeticamente. Aprendem-se, pelo uso, as funções da escrita, as características discursivas dos tex¬tos escritos, os gêneros utilizados para escrever e muito outros conteúdos.
O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo cha¬ma-se aprendizagem pela resolução de problemas (situações-problema).
Aprender a aprender é algo possível apenas a quem já aprendeu muita coisa.
Para aprender a aprender, o apren¬diz precisa dominar conhecimentos de diferentes naturezas, como as lin¬guagens, por exemplo. Nesse proces¬so, a flexibilidade e a capacidade de se lançar com autonomia nos desa¬fios da construção do conhecimento são extremamente importantes, pois há todo um saber necessário para poder aprender a aprender; e isso só é possível para quem aprendeu muito sobre muita coisa.
Deste modo, é desejável que o aprendiz saiba buscar informações através do computador, porém é fundamental desenvolver a capacidade de estabelecer relações inteligentes entre os dados, as informações e os conhecimentos já construídos.
Nesse sentido, para ser capaz de aprender permanentemente, a baga¬gem básica necessária atualmente é acadêmico-cultural, em que se ar¬ticulam conhecimentos de origem tradicionalmente escolar e aqueles relacionados aos movimentos cultu¬rais da sociedade (formação geral).
Assim, a escola tem uma tripla função:
1. levar o aluno a aprender a aprender;
2. dar-lhe os fundamentos acadê¬micos e;
3. equalizar as enormes diferen¬ças no repertório de conheci¬mentos dos aprendizes.
É praticamente impossível a es¬cola realizar sozinha essa terceira fun¬ção, mas sua contribuição é essencial, pois é preciso pensar como agir para democratizar o acesso à infor¬mação e às possibilidades e cons¬trução de conhecimento.
Capítulo 3 - O QUE SABE UMA CRIANÇA QUE PARECE NÃO SABER NADA
Saber o que o aluno sabe e o que ele não sabe para poder atuar é uma questão complexa. Esse saber não está relacionado ao conteúdo a ser ensinado (perspectiva adulta) e sim ao ponto de vista do aprendiz porque é esse o conhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que ele já sabe para o que não sabe. O que realmente importa são as construções e ideias que o aprendiz elaborou e que não foram ensinadas pelo professor e, sim, construídas pelo aprendiz.
Quando uma criança escreve fazendo uso de uma concepção silá¬bica de escrita, por exemplo, essa 'escrita' não é reconhecida como um saber, pois do ponto de vista de como se escreve em português, essa escri¬ta não existe. Mas, para chegar a es¬crever em português (escrita alfabé¬tica), o aprendiz precisa passar por uma concepção de escrita desse tipo (silábica), imaginando que quando se escreve representa-se as emissões sonoras que ele consegue reconhe¬cer (a sílaba), isolando-as pela via da audição.
Tal conhecimento é importante e o professor deve reconhecê-lo na aprendizagem da escrita. Caso contrário contribuirá muito pouco com os avanços do aluno em relação à escri¬ta e, se a criança aprender a ler, pro-vavelmente, será por conta própria.
Um olhar cuidadoso sobre o que a criança errou pode ajudar o professor a descobrir o que ela tentou fazer.
Somente um olhar cuidadoso e despojado do professor sobre a pro¬dução do aprendiz (quanto ao saber não reconhecido), permitir-lhe-á des¬cobrir o que pensa esse aprendiz, possibilitando-lhe levantar questões e perguntas sobre tal produção. Ao desconsiderar o esforço do seu alu¬no, dizendo-lhe que sua produção não está correta, acaba desvalorizan¬do sua tentativa e esforço e, conseqüentemente, o aluno vai pensar duas vezes antes de produzir de novo.
O conhecimento se constrói por caminhos diferentes daqueles que o ensino supõe. Isso acontece no processo de aquisição da escrita, na construção dos conceitos matemá¬ticos e na aprendizagem de qualquer outro conteúdo e mesmo quando os alunos estão submetidos a um tipo de ensino convencional, pois o que impulsiona a criança é o esforço para acreditar que atrás das coisas que ela tem de aprender existe uma lógica.
Se o professor não sabe nada so¬bre o que o aluno pensa ou conhece a respeito do conteúdo que quer que ele aprenda, o ensino que ele ofere¬ce não tem com quem dialogar.
Conhecimentos prévios dos alunos não deve ser confundido com conteúdo já ensinado pelo professor.
Na perspectiva construtivista - de resolução de problemas - o profes¬sor não pode considerar como sinônimos o que o aluno já sabe e o que lhe foi ensinado, pois não são neces¬sariamente a mesma coisa. Para que isso não aconteça, é preciso que o professor desenvolva uma sensibili¬dade e uma escuta atenta para a re¬flexão que as crianças fazem, supon¬do que o que elas pensam tem senti¬do e não é fruto de sua ignorância.
O professor precisa criar um am¬biente sócio-afetivo para que as cri¬anças possam manifestar livremente/espontaneamente o que pensam; somente assim, poderá favorecer situações de aprendizagem significati¬vas. Tal ambiente deve possibilitar que as crianças pensem sobre suas idei¬as. Do mesmo modo, cabe ao pro¬fessor oferecer conflitos/situações problemas que possibilitem às crian¬ças exercitarem o pensamento, na busca de soluções possíveis. Isso re¬quer do professor estudo e uma pos¬tura reflexiva e investigativa.
A psicogênese da língua escrita abriu a possibilidade de o professor olhar para a criança e acreditar que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem lógica e o que o pro¬fessor não enxerga é porque não tem instrumentos suficientes para perce¬ber o sentido que está sendo mani-festado pela criança.
Um casamento entre a disponibilidade da informação externa e a possibilidade da construção interna.
Quando o professor não entende a produção da criança deve-se per-guntar à criança, mesmo que não consiga entender suas explicações, uma atividade indicada para isso é o trabalho em dupla, pois trabalhando juntas as crianças dão explicações umas às outras e, então, o professor poderá compreender as hipóteses das crianças.
Assim, é importante observar os procedimentos dos alunos diante de uma atividade, para que o professor possa reconhecer esses procedimen¬tos dos alunos, de modo, a saber quais são os menos e os mais avan¬çados e que raciocínio os alunos mais avançados então realizando.
O trabalho em grupo permite que as crianças observem os procedimen-tos de atuação de seus colegas, inclu¬sive daqueles que utilizam procedimen¬tos de resolução de problemas mais avançados. Ao perceberem a possibi¬lidade de diferentes formas de execu¬ção, reconhecem o procedimento do colega como mais produtivo e econô-mico, construindo, assim, a lógica ne¬cessária para poder aprender (a crian¬ça aprendeu com outra que sabe mais).
Tem-se, assim, de um delicado casa¬mento entre a disponibilidade da in-formação externa e a
possibilidade da construção interna - construtivismo: um modelo explicativo da aprendiza¬gem que considera, ao mesmo tem¬po, as possibilidades do sujeito e as condições do meio.
Cabe ao professor tomar decisões importantes, seja na formação das parcerias entre alunos, seja nas ques¬tões que ele mesmo propõe no desenrolar da atividade.
Todas as crianças sabem muitas coisas, só que umas sabem coisas diferentes das outras.
As crianças são provenientes de culturas diferentes e isso contribui para que saibam coisas diferentes, por isso é importante que o professor tenha claro que as crianças provenientes de um nível cultural valorizado pela es-cola apresentam enormes vantagens em relação às outras crianças. Para tais crianças a escola será muito mais fácil, porque está em consonância com a cultura da família e do seu am¬biente. Por outro lado, as crianças pro¬venientes de ambientes onde as pes¬soas possuem menor grau de escolaridade e distantes dos usos cotidianos dos conteúdos que a escola valoriza encontrarão dificuldades.
Assim, a equalização das oportu¬nidades de aprendizagem dessas cri-anças deve ser uma tarefa da escola que deve repensar sua própria práti-ca, de modo a não prejudicar o su¬cesso escolar desses alunos. (...) "É preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não sabem nada".(p, 49)
A equalização de oportunidades de aprendizagem não significa uma pedagogia compensatória. É preci¬so socializar os conteúdos pertencen-tes ao mundo da cultura: literatura, ciência, arte, informação tecnológica, etc., pois isso é uma questão de inserção social e, portanto, direito de to-das as crianças. A escola não pode ser instrumento de exclusão social.
Todo professor deve levar todos os seus alunos a participarem da cultura.
O termo cultura é utilizado não em seu sentido antropológico e sim no do senso comum: a cultura erudita e a de larga difusão, mas produzida para e pela elite.
Todos os professores, principal¬mente, aqueles das classes iniciais que quiserem contribuir para que todos os alunos de sua classe tenham a mes¬ma oportunidade de aprender, devem estimulá-los a participar da cultura.
É papel do professor ler diferen¬tes tipos de assuntos/textos (usar o jornal e outras fontes de informação e de pesquisa) em classe e levar as crianças para exposições de artistas importantes. É preciso oferecer às cri¬anças a oportunidade de navegar na cultura, na Internet, na arte, em to-das as áreas do conhecimento, em todas as linguagens, em todas as pos-sibilidades.
Um exemplo de alguém que sa¬bia como tratar as crianças era Monteiro Lobato que escrevia livros contando coisas da Antiguidade, fa¬lando de astronomia, da história do mundo. Porém, o que normalmente se oferece para as crianças lerem são histórias empobrecidas, versões re¬sumidas e textos com supressões.
Não é possível formular receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de alunos.
Nos anos 1970, uma visão de es¬cola como linha de montagem, de-nominada de tecnicista, voltada para criar máquinas de ensinar, métodos de ensino, sequências de passos pro¬gramados, dominava a concepção de ensino e aprendizagem. No Brasil, esse modelo chamava-se ensino programa¬do. A função do professor, nesse mo¬delo, era simplesmente, a de adminis¬trar o ensino programado e foi, jus¬tamente, esse modelo o responsável por uma exigência cada vez mais bai¬xa de qualificação dos professores.
O ensino programado permitia o que se chamava de 'ensino na me¬dida do estudante', que embora con¬siderasse os vários ritmos de apren¬dizagem da criança, todos aprendi¬am, pois, seguindo os passos progra¬mados chegariam todos, de alguma forma, ao final.
O papel do professor dentro de uma proposta construtivista é bem diferente deste proposto pelo mode¬lo tecnicista. Cabe ao professor cons-truir conhecimentos de diferentes naturezas, que lhe permitam ter claros os seus objetivos, assim como selecionar conteúdos adequados, enxergando na produção de seus alu¬nos o que eles já sabem e construin-do estratégias que os levem a con¬quistar novos patamares de conhe-cimento. Não há receitas prontas a serem aplicadas a grupos de alunos, uma vez que, a prática pedagógica é complexa e contextualizada. O professor precisa ser alguém com autonomia intelectual.
Capítulo 4 • AS IDEIAS, CONCEPÇÕES E TEORIAS QUE SUSTENTAM A PRÁTICA DE QUALQUER PROFESSOR, MESMO QUANDO ELE NÃO TEM CONSCIÊNCIA DELAS.
A prática pedagógica do pro¬fessor é sempre orientada por um conjunto de ideias, concepções e te¬orias, mesmo que nem sempre tenha consciência disso. Para que possa¬mos compreender a ação do professor, é preciso verificar de que forma seus atos expressam sua concepção sobre:
• o conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
• o processo de aprendizagem (os caminhos pelo quais a aprendizagem acontece);
• como deve ser o ensino.
Historicamente, a teoria empirista é a teoria que mais vem im¬pregnando as representações sobre o que é ensinar, quem é o aluno, como ele aprende e o que e como se deve ensinar (modelo de ensino e aprendizagem conhecido como estímulo-resposta).
Essa teoria define a aprendizagem como 'a substituição de respostas erradas por respostas certas', partindo da concepção de que o aluno pre-cisa memorizar e fixar informações, as mais simples e parciais possíveis e ir acumulando com o tempo.
A cartilha está fundamentada nes¬se modelo (palavras-chaves, famílias silábicas usadas exaustivamente, fra¬ses desconectadas, textos com mínimo de coerência e coesão).
Como a metodologia de ensino expressa nas cartilhas concebe os caminhos pelas quais a aprendizagem acontece.
Na concepção empirista, o co¬nhecimento está 'fora' do sujeito (a fonte do conhecimento é externa ao sujeito - é o meio físico e social) e, é interiorizado através dos sentidos, ativado pela ação física e perceptual.
O sujeito é concebido como uma tábula rasa – ‘vazio’ na sua origem, sendo 'preenchido' pelas experiênci¬as que tem com o mundo (conceito de 'educação bancária' criticada por Paulo Freire). O aprendiz é alguém que vai juntando informações.
O processo de ensino fundamentado nessa teoria caracteriza-se pela: có-pia, ditado, memorização pura e sim¬ples, utilização da memória de curto prazo para reconhecimentos das fa¬mílias silábicas, leitura mecânica para posterior leitura compreensiva.
Para mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico
Em uma concepção construtivista, o conhecimento não é concebido como cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito. A teoria construtivista pressupõe uma atividade, por parte do aprendiz, que or-ganiza e integra os novos conheci¬mentos aos já existentes. Isso acon¬tece com alunos e professores em processo de transformação.
Uma preocupação, bastante per¬tinente, diz respeito ao fato do pro¬fessor querer inovar a sua prática, adotando um modelo de construção de conhecimento sem compreender, suficientemente, as questões que lhe dão sustentação, correndo o risco de se deslocar de um modelo que lhe é familiar para o outro meio conheci¬do, mesclando teorias, como se cos-tuma afirmar.
Outra preocupação diz respeito ao entendimento destorcido por parte de professores, que acreditando ser o sujeito sozinho quem constrói o co-nhecimento, veem a intervenção pedagógica como desnecessária.
Tais concepções não fazem nenhum sentido num modelo construtivista.
Conteúdos escolares são objetos de conhecimento complexos, que devem ser dados a conhecer, aos alunos, por inteiro.
Para o referencial construtivista, a aprendizagem da leitura e da escrita é complexa e, portanto, deve ser apre¬sentada / oferecida por inteiro ao aprendiz e de forma funcional. Para os construtivistas, o aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém que vai produzir a transformação, convertendo informação em conhe-cimento próprio.
Essa construção pelo aprendiz não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações nas quais age sobre o que é o objeto do seu conhecimento, pensa sobre ele, re¬cebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo com outras pes¬soas. A diferença entre o modelo empirista e o modelo construtivista é que no primeiro a informação é introjetada ou não; enquanto que no segundo, o aprendiz tem de transfor-mar a informação para poder assimilá-la. Isso resulta em práticas pedagógicas muito diferentes.
Afirmar que o conhecimento prévio é a base da aprendizagem não é defender pré-requisitos.
No modelo construtivista, o co¬nhecimento não é gerado do nada, é uma permanente transformação a partir do conhecimento que já exis¬te. Essa afirmação de que conheci¬mentos prévios constituem a base de novas aprendizagens não significa a crença ou a defesa de pré-requisitos e muito menos significa matéria ensinada anteriormente pelo professor.
Não informar nem corrigir significa abandonar o aluno à própria sorte.
A crença espontaneista de que o aluno constrói o conhecimento, não sendo necessário ensinar-lhe, faz com que o professor passe a não informar, a não corrigir e a se sa¬tisfazer com que o aluno faz ' do seu jeito'; isso significa abandonar o aluno à sua própria sorte.
Cabe ao professor organizar a si¬tuação de aprendizagem de forma a oferecer informação adequada. A fun¬ção do professor é observar a ação da criança, acolher ou problematizar / desestabilizar suas produções, inter¬vindo sempre que achar que pode contribuir para que a concepção da criança sobre o objeto de conheci¬mento avance. É papel do professor apoiar a construção do conhecimento pelo aprendiz.
Capítulo 5 - COMO FAZER O CONHECIMENTO DO ALUNO AVANÇAR.
O processo de ensino deve dialo¬gar com o de aprendizagem. Isso mostra que não é o processo de aprendizagem (aluno) que deve se adaptar ao processo de ensino (pro¬fessor), mas, sim, o processo de en¬sino que deve se adaptar ao proces¬so de aprendizagem.
Para tanto, o professor precisa com¬preender o caminho de aprendizagem que o aluno está percorrendo naquele momento e, a partir disso, identificar as informações e atividades que permitirão ao aluno avançar do patamar de conhecimento que conquistou para outro que é mais avançado.
Para isso, é preciso que o profes¬sor organize situações de aprendiza-gem: atividades planejadas (propos¬tas e dirigidas) com a intenção de fa-vorecer a ação do aprendiz sobre um determinado objeto de conhecimen¬to, sendo que essa ação está na ori¬gem de toda e qualquer aprendizagem.
Tais atividades devem reunir algu¬mas condições e respeitar alguns princípios:
• os alunos devem por em jogo tudo que sabem e pensam so¬bre o conteúdo que se quer en¬sinar;
• devem ter problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõe produzir;
• a organização da tarefa pelo professor deve garantir a má¬xima circulação de informação possível;
• o conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real, sem se transformar em objeto esco¬lar vazio de significado social.
Alunos põem em jogo tudo que sabem, têm problemas a resolver e decisões a tomar:
O aprendiz precisa testar suas hi¬póteses e enfrentar contradições, seja entre as próprias hipóteses, seja en¬tre o que consegue produzir sozinho e a produção de seus pares ou entre o que pode produzir e o resultado tido como convencionalmente correto.
Partindo-se de uma proposta construtivista, o conhecimento só avança quando o aluno tem bons problemas sobre os quais pensar.
Para isso, o professor deve criar boas situações de aprendizagem para os alunos, atividades que representem possibilidades difíceis, porém dificul-dades possíveis de serem resolvidas.
A escola precisa autorizar e incen¬tivar o aluno a acionar seus conheci-mentos de experiências anteriores, fa¬zendo uso deles nas atividades escola¬res; é preciso criar atividades para que isso seja de fato requisitado, sendo útil para qualquer área de conhecimento.
A organização da tarefa garante a máxima circulação de informação possível.
Os livros e demais materiais escri¬tos, a intervenção do professor, a ob-servação de um colega na resolução de um problema, as dúvidas, as difi-culdades, o próprio objeto de conhe¬cimento que o aluno se esforça para aprender são situações que informam.
Por isso, é importante que se ga¬ranta a máxima circulação de infor¬mação possível na classe e o ambi¬ente escolar deve permitir que as per¬guntas e as respostas circulem.
Nesse processo, as informações que chegam até o aprendiz precisam ser trabalhadas ou interpretadas por ele de acordo com que lhe é possível naquele momento.
O professor precisa estar ciente de que o conhecimento avança quando o aprendiz se defronta com situações-problema nas quais não havia pen-sado anteriormente. Situações signi¬ficativas de aprendizagem em sala de aula acontecem quando o professor abre mão de ser o único informante e quando o clima sócio afetivo se ba¬seia no respeito mútuo e não no autoritarismo. É preciso incentivar a cooperação, a solidariedade, o respei-to e o tutoramento (um aluno ajudan¬do o outro) em sala de aula.
A interação entre os alunos é neces¬sária não somente porque o intercâmbio é condição para o convívio social na escola, mas, também, porque informa a todos os envolvidos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem.
O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real.
O ensino da língua portuguesa está cheio de criações escolares que em nada coincidem com as práticas sociais de uso da língua, objeto de ensino na escola, baseadas no sen¬so comum. Isso não acontece somen¬te no ensino da língua portuguesa, mas em todas as outras áreas.
Na escola, por exemplo, aprende-se a linguagem matemática escrita, que é pouco usada na rua. Porém, não se pode deixar de lado esta com¬petência que o aluno já traz desen¬volvida (devido a sua vivência de 'rua') e sobrepor a escolarização a ela.
Quando se trata de ciência ou prá¬tica social convertida em objeto de ensino, estas acabam por sofrer mo¬dificações. A arte é diferente na Edu-cação Artística, o esporte é diferente da Educação Física, a linguagem é diferente do ensino de Língua Portu¬guesa, a ciência é diferente do ensino de Ciências. Porém, não se pode criar invenções pretensamente facilitadoras que acabem tendo existên¬cia própria. É papel da escola garan¬tir a aproximação máxima entre o use social do conhecimento e a forma de tratá-lo didaticamente.
Capítulo 6 - QUANDO CORRIGIR, QUANDO NÃO CORRIGIR.
O professor desenvolve dois tipos de ação pedagógica: planejamento e intervenção, uma intervenção clássi¬ca é a correção que não é a única intervenção possível, nem a mais importante, porém é a que mais tem preocupado os professores.
Numa concepção construtivista de aprendizagem, a função da interven-ção é atuar de modo que os alunos transformem seus esquemas interpretativos em outros que dêem conta de questões mais complexas que as an¬teriores. A correção é algo relaciona¬do a qualquer situação de aprendi¬zagem, o que varia é como ela é com¬preendida pelo professor.
A tradição escolar normalmente vê a correção realizada longe dos alu¬nos na qual os erros são assinalados para que os alunos corrijam, como a mais importante (concepção empirista - exigente com a transmissão). Quando se trata de uma redação, o tex¬to tem que ser passado a limpo, cor¬rigido - o erro poderá ficar fixado na memória do aluno (concepção que supõe a percepção e a memória como núcleos na aprendizagem).
Outra visão de correção é a infor¬mativa que carrega a ideia de que a correção deve informar o aluno e ser feita dentro da situação de aprendi-zagem (concepção de erro constru¬tivo - que faz parte do processo de aprendizagem de qualquer pessoa).
Os erros devem ser corrigidos no momento certo. Que nem sempre é o momento em que foram corrigidos.
A ideia do erro construtivo fasci¬nou muitos educadores, que come¬çaram a ver de outra forma os textos escritos dentro de um sistema silábico e mesmo os de escrita alfabética. Porém, depois que a criança compreendeu o sistema alfabético de escrita é necessário que o professor intervenha na questão ortográfica, considerando a melhor forma de fazer isso. O que deve ser repensado é a concepção tradicional de correção.
Os alunos sabem o que achamos importantes que eles aprendam, mesmo que não falemos nada.
Muitos professores, por não quererem bloquear a criatividade do aluno, acabam deixando que ele escreva de qualquer jeito. Tal procedimento acaba consolidando um contrato didático implícito, pois de alguma forma o aluno percebe que o professor não valoriza esse tipo de conhecimento e acaba por desvalorizá-lo investindo nessas aprendizagens. É importante que o professor tenha claro que depois de um tempo de escolaridade, são inaceitáveis.
Capítulo 7 - A NECESSIDADE E OS BONS USOS DA AVALIAÇÃO.
No que diz respeito à avaliação, é preciso ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresentado um conteúdo novo. O conhecimento prévio é o conjunto de ideias, re¬presentações e informações que servem de sustentação para a nova aprendizagem, ainda que não tenham, necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. É importante investigar e explorar essas ideias e representações prévias porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que se quer que aconteça. Conhecer essas idei¬as e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.
Após esta avaliação inicial, relacionada aos conhecimentos prévios, é preciso que o professor utilize um ou outro instrumento para verificar como os alunos estão progredindo, pois o conhecimento não é construído igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento é a avaliação de percurso - formativa ou processual - feita durante o processo de aprendizagem. Esse procedimento permitirá ao professor avaliar se o tra¬balho que está desenvolvendo com os alunos está sendo produtivo e se os alunos estão aprendendo com as situ¬ações didáticas propostas.
A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do trabalho do professor.
Quando se avalia a aprendizagem do aluno, também se avalia a interven-ção do professor, pois o ensino deve ser planejado e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não.
Assim, é importante a organiza¬ção de espaços coletivos de discus¬são do trabalho pedagógico na es¬cola, valorizando-se a prática de ob¬servação de aula pelo coordenador ou orientador pedagógico - ou mes¬mo por um colega que ajude a olhar de fora. O professor está sempre tão envolvido que, às vezes, não lhe é possível enxergar o que salta aos olhos de um observador externo.
Se a maioria da classe vai bem e alguns não, estes devem receber ajuda pedagógica.
Quando, numa verificação de aprendizagem, grande parte dos alu¬nos apresenta dificuldades, é certo que o professor precisa rever o seu encaminhamento.
Porém, quando a verificação aponta que alguns alunos não estão bem, estes devem ser atendidos imediatamente atra¬vés de outras atividades que possibilitem a superação das dificuldades.
A escola deve estar comprometida com a aprendizagem de todos e, des¬sa forma, criar um sistema de apoio para que os alunos não se percam no caminho. As dificuldades precisam ser detectadas rapidamente para que se¬jam sanadas e continuem progredin¬do, não desenvolvendo bloqueios.
Tais crianças precisam ser aten¬didas por meio de realização de ati¬vidades diferenciadas durante a aula, trabalho conjunto com colegas que possam ajudá-los e intervenções pontuais do professor. É importante, tam¬bém, que essas crianças sejam en¬caminhadas a espaços escolares al¬ternativos que trabalham com crian¬ças com dificuldades momentâneas e que participem, também, de gru¬pos de apoio pedagógico, formados com a finalidade de contribuir para a aprendizagem dos alunos que encon¬tram dificuldades em relação aos novos conteúdos ensinados.
As escolas podem, ainda, elabo¬rar projetos que garantam horários de atendimento desses alunos antes ou depois da aula, permitindo que os alunos entrem e saiam dessas ativi¬dades de apoio pedagógico na me¬dida de suas necessidades e que não sejam estigmatizados por participa¬rem delas. Isso deve ser visto como parte integrante da escolaridade nor¬mal de qualquer um.
Um território delicado: como os alunos se vêem e se sentem como estudantes.
O mau desempenho escolar pode ser fruto de diferentes circunstancias ou razões, que precisam ser conside¬radas quando se pensa a intervenção pedagógica. Há diferentes situações:
• Por não ter compreendido conceitualmente um determi¬nado conteúdo, o prossegui¬mento das aprendizagens do aluno fica comprometido. Nes¬se caso, avaliando onde está a dificuldade que impede o alu¬no de avançar em seus conhe¬cimentos, o professor pode ajudá-lo com atividades e in¬tervenções especificamente planejadas para a superação do que está sendo obstáculo.
• O aluno não avança porque tem procedimentos inadequados, mesmo tendo conseguido aprender os principais concei¬tos relacionados ao que não sabe fazer. Nessa situação, a aju¬da do professor depende funda¬mentalmente de saber localizar a real dificuldade do aluno.
• um mau desempenho pode ser resultado de baixa auto-es¬tima ou de uma atitude desfa¬vorável em relação à própria aprendizagem. E papel do professor encorajar o aluno, fazen¬do-o sentir-se apoiado diante dos desafios.
O que fazer com os alunos que chegam ao final do período sem aprender o que a escola pretendia.
A escola costuma esquecer que as crianças desenvolvem uma vida social com sua turma tão importante em termos formativos quanto a aprendi¬zagem de conteúdos escolares.
Dessa forma, as crianças devem ser mantidas juntas por idade para progredir juntas, evitando-se o absur¬do de se manter meninos de 12/13 anos em classe de meninos de 8 anos.
Não se pode avaliar apenas os con¬teúdos das áreas de conhecimento na hora de decidir a vida escolar
do alu¬no. Se o aluno não alcançou o nível de desempenho exigido pela escola (no ano ou ciclo), a
equipe responsá¬vel pelo trabalho pode garantir que no ano seguinte receba ajuda adequada, tendo
condições mais favoráveis para continuar aprendendo com a sua pró¬pria turma. Frequentemente a
reten¬ção tem um caráter punitivo.
Há situações - raras- em que é um alívio para o aluno repetir o ano porque ele está verdadeiramente defasado em relação à sua turma, e às vezes mal adaptado por causa disso. Nesse sentido, a reprovação pode ser um bem para ele, pois lhe possibilita uma vida escolar mais tranquila.
Capítulo 8 - O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE.
Quando o professor trabalha com um modelo de aprendizagem construtivista e um modelo de ensino por re¬solução de problemas, o desenvolvi¬mento profissional e a qualificação são muito importantes, pois os professo¬res precisam se tornar capazes de cri¬ar ou adaptar boas situações de apren¬dizagem, adequadas a seus alunos reais, cujos percursos de aprendiza¬gem ele precisa saber reconhecer.
Mesmo que a formação inicial se transforme, não abolirá a exigência de um trabalho permanente de estudo e reflexão.
A formação inicial do professor é insuficiente para que ele desempenhe a sua tarefa em sala de aula. É ur¬gente que essa formação seja repen¬sada através da formação contínuada/permanente, que envolve um tra¬balho de reflexão e estudo por parte do professor - exigência hoje, da maior parte das outras profissões.
A qualidade de trabalho pedagógi¬co depende, hoje, diretamente da exis-tência de um projeto educativo com¬partilhado pela comunidade escolar.
Devemos olhar para a prática de sala de aula como um objeto sobre o qual se pode pensar.
A tematização da prática é uma análise que pane da prática documen¬tada para explicitar as hipóteses didáticas subjacentes. Trata-se de olhar para a prática da sala de aula como um objeto sobre o qual se pode pen¬sar. E um instrumento de formação que vai na direção contrária à da tradicio¬nal visão aplicacionista de formação de professores. Tal visão oferece ao professor um corpo de ideias e con¬ceitos teóricos que se espera que ele aplique em sua prática profissional de forma mecânica e acrítica.
Um exemplo de tematização da prática é a gravação em vídeo de uma atividade de sala de aula que permi¬te a conjugação dos múltiplos olha¬res do grupo de professores e, atra¬vés de discussão, a construção de um olhar comum, coletivo, sobre a ativi¬dade que se está analisando, permi-tindo a construção de uma prática de analisar as situações da sala de aula e compreendendo as hipóteses que guiam os atos do professor.
É importante que o professor registre seu trabalho por escrito, porque isso o levará a construir uma prática de reflexão.
As modalidades de reflexão sobre a prática estão articuladas à ideia de documentação (registro escrito; gravação em vídeo). A documentação permite trazer a prática para os espaços de discussão e reflexão, ampliando a possibilidade de contato com a realidade da sala de aula e construindo uma metodologia de tematização da prática apoiada em diferentes suportes de registros.
Todas as escolas deveriam produzir coletivamente um documento para difundir as
características de seu projeto pedagógico.
Dois instrumentos são, particular¬mente, importantes para a formação continuada e a produção de um pro¬jeto educacional pela escola:
1. a documentação da prática da sala de aula e a reflexão coletiva da equipe da escola em tor¬no dela;
2. a exigência de comunicar o pro¬cesso de elaboração desse pro¬jeto educacional coletivo por escrito, pois essa é a condição para que essa pedagogia pro¬duzida na prática pelos profes¬sores nas escolas ganhe corpo, assuma um caráter de projeto implementado coletivamente.
O projeto pedagógico não é um documento único e pronto, vai-se definindo progressivamente pelo conjunto das práticas documentadas e de sínteses, feitas em determinados momentos, que registram o sentido mais amplo dos rumos do trabalho educacional da escola.
Se a sociedade quer um ensino de qualidade terá de assumir que isso implica um professor mais bem qualificado e remunerado.
Enfatiza-se que para que o profes¬sor faça aquilo que se espera dele, ele precisa ganhar muito mais e ter condi¬ções de trabalho adequadas. Salário e valorização andam de mãos dadas. Se a sociedade quer uma escola de quali¬dade terá de assumir que isso requer um profissional diferente daquele que vinha sendo proposto, o que implica um salário bastante diferenciado.
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1. CURTO, L. M.; MORILLO, M. M. E TEIXIDÓ, M. M. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Porto Alegre: Artmed, 2000. v. I e II
Introdução
Esse material foi escrito por uma equipe de psicólogos e pedagogos da Catalunha (Barcelona - Espanha), em¬bora eles tenham sido elaborados pelos professores de diferentes escolas daquela região. Em contato com os alunos que não conseguiam apren¬der a ler e escrever, aqueles educa¬dores começaram a colocar em dúvida a concepção com a qual sem¬pre tinham trabalhado. O que mais os preocupava era o fato dos alunos sempre dizerem "não sei" a qualquer proposta de trabalho com a leitura e escrita. Ocorreu-lhes então pergun¬tar se não haveria outras formas de propor a leitura e a escrita e alguém lhes falou sobre o trabalho de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro. Entraram em contato com Ana e acabaram des¬cobrindo que suas crianças compar¬tilhavam das hipóteses que compro¬vavam que todas as crianças elabo¬ram teorias próprias sobre a lingua¬gem escrita. E assim, aproximaram-se do construtivismo. No presente material esses professores se pro¬põem a compartilhar o trabalho que desenvolveram e ainda desenvolvem com seus alunos que têm idades entre três e oito anos (segundo ciclo da Educação Infantil e ciclo inicial do Ensino Fundamental) e convidam cada professor a, com base nele, re¬construir suas ideias sobre o ensino da linguagem escrita. É necessário que fique claro que as autoras não compartilham a ideia de que a ques¬tão da aprendizagem da linguagem escrita seja uma questão de "bons" métodos. Para a concepção construtivista essa é uma falsa questão.
Este material está estruturado em dois volumes relativamente indepen¬dentes. No volume 1 os objetivos são: mostrar o que as crianças sabem so¬bre a linguagem escrita; mostrar a necessidade da escola renovar em profundidade suas concepções; apre¬sentar as bases psicopedagógicas para o professor que decida ensinar a ler e a escrever partindo do que as crian¬ças pensam. Após essa aproximação ao tema o material traz idéias e expe¬riências pedagógicas que fundamen¬tam a proposta das autoras para o ensino da linguagem escrita. Os exem¬plos de escrita incluídos no material são reais e correspondem a situações educativas com meninos/as entre 3 e 8 anos em sala de aula e foram obtidos entre os anos de 1986 a 1993.
PARTE I: O QUE AS CRIANÇAS SABEM
CAPÍTULO 1: IDEIAS INFANTIS SOBRE A ESCRITA
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1979) dedicaram-se à pesquisa do pensamento infantil sobre a leitura e escrita guiadas por algumas idéias prévias: que a criança não se depara com a linguagem escrita apenas no primeiro dia de aula; que deveríamos avaliar o que a criança sabe sobre a linguagem escrita antes da escola tentar ensinar-lhe. Situam-se, assim, numa perspectiva genética, evolutiva, considerando também os estudos sobre a psicologia da educação e a psicolinguística. Em sua pesquisa descobriram o processo pelo qual as crianças constroem seu próprio sis¬tema de leitura e escrita. Esse pro¬cesso é o seguinte:
Escrever não é a mesma coisa que desenhar
A primeira diferenciação que as crianças estabelecem é a distinção entre os desenhos e outros signos como letras, números, grafias diver¬sas. A maioria das crianças quando chega à escola já estabeleceu essas diferenças.
Grafismos primitivos: rabiscos, pseudoletras
Nas primeiras tentativas para escre¬ver as crianças produzem signos que não são desenhos, mas tampouco são letras convencionais. São grafias que tentam se parecer com letras.
Diferenças entre letras e números
A criança logo notará que há dois tipos de signos gráficos além dos desenhos: letras e números, mas os usa, no começo, indistintamente. A essa altura a criança já tem outras ideias sobre, por exemplo, aspectos convencionais da escrita: formas das letras, alinhamento do que se escre¬ve, orientação direita/esquerda. Esses aspectos vão sendo aprendidos du¬rante o próprio ato de escrever.
Escritas sem controle de quantidade
Já sabendo que para escrever se usam signos especiais, como se po¬dem, então, escrever coisas diferen¬tes? Para algumas crianças as escri¬tas devem ocupar toda a largura da página!
Escritas fixas
Aqui as crianças já podem escre¬ver os nomes das coisas, das pesso¬as etc. Trata-se de uma autêntica escrita, mas ainda "não comunicá¬vel" porque tem regras próprias. As nossas escritas também não são comunicáveis para as crianças até que elas sejam lidas. Elas se mara¬vilham ao ver que nossos rabiscos têm significado. Nessas primeiras tentativas as crianças usam o mes¬mo conjunto de signos para escre¬ver coisas diferentes.
Escritas diferenciadas
Logo as crianças estarão fazendo diferenciações: escrevem palavras longas e curtas; letras grandes e pe¬quenas. Tem ideias pessoais e inte¬ressantes sobre a gramática do es-crito: as palavras se diferenciam se¬gundo as características do objeto de conhecimento; há uma diferenci¬ação na quantidade, na ordem ou na variedade das letras quando querem escrever palavras diferentes.
Escritas silábicas
As crianças vão descobrindo que nossa forma de escrever não é regida por princípios ideográficos o que as leva a inventar a escrita silábica: uma letra para cada som. Como a unida¬de de som que se percebe é a sílaba, cada sílaba é representada por uma letra ou uma grafia. Quase sempre as crianças escolhem a vogal para representar as sílabas. É maravilho¬so poder escrever qualquer palavra, notícias e até longuíssimos contos! Mas, as crianças logo descobrem que a escrita não funciona assim. As escritas dos adultos colocam-nas em con¬flito. Criam problemas:
• Como escrever palavras monos¬silábicas?
• Palavras com todas as letras iguais?
• Palavras diferentes são escritas da mesma maneira?
• Os nomes próprios não podem ser escritos pela metade!
• As consoantes: a solução!
Escritas silábico-alfabéticas
As crianças descobrem que po¬dem escrever uma sílaba com uma consoante e uma vogal. Mas a hipótese silábica é tão potente e satisfatória que elas custam renunci¬ar a ela. Por um período de tempo combinam o critério silábico com escritas parcialmente alfabéticas.
Escritas alfabéticas
Quando chegam aqui são capa¬zes de escrever todas as letras que nós adultos usamos para representar uma palavra. No entanto novos problemas aparecem. A ortografia das palavras, as letras maiúsculas ou mi¬núsculas, a separação das palavras, a pontuação...
Ana: a história de uma escrita
CAPÍTULO 2: IDEIAS INFANTIS SOBRE A LEITURA
Simular a leitura
Algumas crianças quando chegam à escola já possuem uma conduta de imitação da leitura e com frequência a linguagem que utilizam não é a co¬loquial, mas uma imitação da lingua¬gem que se escreve! Essa atitude de imitação faz supor que a criança sabe o que é ler, uma aprendizagem que só é possível se a criança tem uma experiência direta e habitual de ver os adultos lerem em voz alta para ela. É fundamental conseguir essa condu¬ta com nossos alunos se queremos formar bons leitores. O modo de fa¬zer isso é servir de modelo na tarefa de ler. O sentido dessas leituras mar¬ca, sem dúvida, a motivação das cri¬anças para aprender a ler.
O que se pode e o que não se pode ler
As crianças têm ideias sobre o que se pode ou não ler. Se entregarmos para as crianças cartões com alguns signos, veremos que: o cartão vazio é rejeita¬do, não pode ser lido; alguns podem ser lidos (ou não) porque são núme¬ros; porque não há letras suficientes; porque todas as letras são iguais. Num ponto há concordância. Para que um escrito possa ser lido é necessário que tenha pelos menos três letras e estas sejam diferentes entre si.
Interpretação de textos acompanhados de imagem
As crianças também têm suas pró¬prias ideias sobre o que pode estar escrito. Numa imagem mostrando um rapaz jogando futebol e onde está escrita a palavra "futebol" abaixo da imagem, a criança pode "ler" futebol ou bola, criança ou jogador, leituras igualmente plausíveis!
Em uma frase como "Este carro anda muito depressa" que acompa¬nha a imagem de um carro, pode estar escrito: carro, rodas, volante, faróis, janela! Algumas crianças sustentarão que cada palavra é uma sílaba e lerão "CAR-RO-RÁ-PI-DO" Essas interpretações respondem uma lógica infantil diferente da do adulto, mas perfeitamente coerente.
Interpretação a partir de indicadores textuais
Sem saber decifrar completamente, mas já conhecendo algumas le¬tras, as crianças podem localizar certas palavras nos textos a partir indicadores (letras ou palavras conhecidas) e de alguns procedimentos muito eficazes (começa com tal letra; tem a letra do meu nome; é igual a do livro de leitura etc.). Na escola, texto que vai ser interpretado tem que oferecer dicas, para que a crian¬ça possa ler ainda que não saiba ler:
• A presença de imagem.
• O contexto ou situação de lei¬tura é limitado.
• O texto oferecido para leitura já se sabe de cor (canções, parlendas)
• Pode-se ler em companhia de um leitor mais experiente que vá dando "dicas".
Interpretação da própria escrita
Nas primeiras etapas da aprendiza¬gem da leitura e escrita, ler serve para controlar o escrito Quando pergunta¬mos à criança o que é que ela queria escrever, pedimos-lhe que leia. A cri¬ança precisa ler o que escreveu para poder avançar. Pode ser que a criança lembre o que escreveu, mas pode ser que não! Essa possibilidade constitui um conflito para a criança. Todas es¬sas situações fazem com que a crian¬ça continue refletindo sobre a escrita.
Leitura adequada ao texto: estratégias de compreensão
Ler é compreender um texto e isso é mais do que decodificá-lo. É uma atividade mental: não podemos com¬preender se não lermos de forma ativa. Por isso é preciso ler sempre tex¬tos autênticos. Ler requer além dos conhecimentos prévios acerca do es¬crito, estratégias para que possamos aprender a partir da leitura e isso pre¬cisa ser ensinado desde o começo.
CAPÍTULO 3: MAIS IDEIAS DAS CRIANÇAS SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA: OS TEXTOS
O que elas sabem sobre os textos
As crianças dispõem de uma gran¬de quantidade de informação sobre a estrutura da linguagem escrita, suas diferenças em relação à linguagem oral, a sintaxe e estrutura textual pró¬prias dos diferentes tipos de texto. Esse conhecimento depende da ex-periência prévia de cada criança com textos de uso social. Na escola as crianças podem conhecer as carac¬terísticas dos diferentes tipos de tex¬to pela leitura que o adulto faz. Esse conhecimento é aprofundado na si¬tuação de escrever textos como notí¬cias, cartas, o que a criança já pode fazer, por si mesma, desde muito pequena, desde que o professor sir¬va de secretario ou escrivão.
Escrever contos
Quase todas as crianças sabem que quando se lê "Era uma vez..." trata-se de um conto, de uma história infantil e sabem o que podem espe¬rar dessa leitura. Esse conhecimento permite às crianças, além de reco¬nhecer, reproduzir (reconstruir) o texto de uma história conhecida.
Escrever notícias
Um texto, como por exemplo, "Em Sevilha, houve um incêndio num edi¬fício da EXPO-92", poderá ser reconhecido, por uma criança, como uma notícia e não um conto.
Escrever anúncios
Ao pedir que as crianças escrevam um anúncio a partir da imagem de um produto elas: utilizarão o impe¬rativo (tempo verbal) sem necessida¬de de explicação prévia; construirão um texto breve e argumentativo; cons¬truirão frases do tipo slogan; apare¬cerão recursos expressivos próprios dos anúncios.
Escrever textos expositivos
Se o caso é explicar um tema tra¬balhado na sala de aula, as crianças utilizam estruturas próprias do texto expositivo.
As crianças da Educação Infantil e do Ciclo Inicial do Ensino Funda¬mental têm conhecimentos e procedimentos muito consistentes para entender, compor e escrever ou ditar textos complexos se tiverem contato com tais textos. Ao trabalhar com textos de uso social, as crianças aprendem a verdadeira linguagem escrita em toda a sua complexidade. Naturalmente necessitam de ajuda, mas é assim que se aprende.
PARTE II: ENSINAR A ESCREVER E A LER (Bases psicopedagógicos)
CAPÍTULO 4: A TAREFA DA ESCOLA: ENSINAR A LÍNGUA ESCRITA
Resumo dos capítulos anteriores
As crianças não são tabulas ra¬sas. Estão cheias de ideias, hipótesés, de teorias e de convicções pessoais que são muito profundas e ar¬raigadas no que se refere à lingua¬gem escrita. Entre três e quatro anos as crianças já possuem competência oral tão complexa quanto a dos adul¬tos. Além disso, possuem conheci¬mento acerca das características dos diferentes tipos de texto.
...Mas não se aprende espontaneamente: a importância da escola
As crianças aprendem a falar es¬pontaneamente. No entanto, não se aprende espontaneamente a ler nem a escrever. Ninguém o faz sem que lhe seja ensinado de forma intencional. Ensinar a ler e a escrever é tare¬fa da escola. O pensamento das cri-anças sobre a língua escrita, no en¬tanto, levanta uma série de questões tanto sobre os conteúdos escolares como sobre a metodologia usada para ensinar a linguagem escrita.
CAPÍTULO 5: AS IDEIAS DA ESCOLA SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA
Começar pelo l?
Os métodos tradicionais de alfabetização (métodos fonéticos) utilizam uma metodologia que vai contra todas as hipóteses que a criança tem em relação à leitura e es¬crita. Ensinam primeiro as vogais, uma por vez, quando as crianças es¬tão firmemente convencidas de que uma só letra [i] não é matéria nem de leitura, nem de escrita . Apresen¬tam palavras monossílabas (pa-ma-ta), com pouca variação interna e de letras, o que para as crianças "não serve para ler", utilizam letra manus¬crita (ao invés de letra de forma) difi¬cultando a importante tarefa de con¬tar quantas letras têm uma palavra. Pedem que a criança realize uma aná¬lise fonética simples, quando ela está convencida que a menor unidade de escrita é a sílaba. O mais grave é que as tarefas escolares baseadas nos métodos tradicionais negam à criança a possibilidade de pensar por conta própria.
Algumas perguntas para os professores
Cada professor deve se pergun¬tar o porquê e o para quê das atividades que propõem às crianças para que possa decidir quais delas são mais adequadas para uma melhor aprendizagem. Para isso devem-se revisar algumas ideias relativas ao processo de ensino:
1° - Qual o objetivo do ensino escolar da linguagem escri¬ta? Formar escrivães ou es-critores?
2° - Iremos continuar transmitin¬do ideias às crianças ou as faremos pensar autonoma-mente? Podemos ensinar a pensar sem partir das idei¬as das crianças?
CAPÍTULO 6: POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LINGUAGEM ESCRITA
Construir o pensamento sobre a linguagem escrita
Nessa proposta o fundamental é o pensamento, as ideias das crian¬ças e as ideias do professor sobre o que é aprender e ensinar; sobre o que é ler e escrever, compreender e pro¬duzir linguagem escrita.
Aprender é ampliar as fronteiras do pensamen¬to. Ensinar é ajudar cada indivíduo a transformar suas ideias, uma aprendizagem significativa é aquela que se incorpora a um pensamento e o modifica para melhorá-lo.
O que é ler e escrever?
Ler é compreender um texto e escrever é produzir um texto. Com¬preender e produzir é pensar (saber), realizar (saber fazer), e fazê-lo da melhor maneira possível (saber ser). Pode-se ler e escrever desde muito cedo e se aprende ao longo de toda a vida, inclusive através das gerações.
Para que serve ler e escrever? Os textos
Lemos e escrevemos algo: os textos. O texto é a unidade básica de comunicação escrita que tem signifi¬cado. Ler e escrever são instrumen¬tos, pois usamos a linguagem para al-guma coisa. Lemos e escrevemos para:
• Lembrar, identificar, localizar, registrar, armazenar, averiguar etc. dados;
• Comunicar ou nos inteirar do que aconteceu, de como é um país, do que existe etc.
• Desfrutar, compartilhar senti¬mentos e emoções, desenvol¬ver a sensibilidade artística;
• Estudar, conhecer, aprender, aprofundar conhecimentos;
• Aprender como se fazem coi¬sas, etc.
Essas finalidades de uso da lingua¬gem escrita determinam também mo¬dos específicos de escrever e ler. Es¬crever sobre a primavera como con¬junto de dados meteorológicos é dife¬rente de escrever sobre a primavera como tema literário ou poético. O modo de ler um poema (como entre¬tenimento) é diferente do modo de ler se temos que estudar para um exame.
É isso que nossos alunos devem aprender a compreender e a produ¬zir. Deveríamos ensinar e aprender a linguagem escrita com significa¬do: textos para fazer algo útil, tal como os adultos fazem. Os autores concordam que o eixo organizador do ensino da língua escrita deva ser o enfoque comunicativo, isto é, esse enfoque considera não só o escrito, mas todo o conjunto da situação co¬municativa em que se produz ou se lê um texto (a intenção, o destinatá¬rio, o formato, o autor etc.), como objeto de estudo.
Atividades que permitem pensar
O importante numa atividade é que ela permita à criança pensar ao invés de exercícios nem sempre bem compreendidos pelas crianças onde o importante é encontrar a resposta certa.
Dá-se preferência a atividades abertas e de relativa complexidade que requeiram pensamento autônomo onde cada aluno tenha que to¬mar decisões sobre como desenvol¬ver a tarefa dando lugar a resultados que mostrem o que ele já sabe e o que ainda necessita aprender.
Uma construção progressiva da linguagem escrita
O processo de aprendizagem da linguagem escrita é um processo pro¬gressivo, mas não linear. Não apren¬demos uma letra hoje e outra ama¬nhã. Quando lemos algo novo em-preendemos um processo de aproxi¬mação ao novo conteúdo que neces¬sita ser ancorado em conhecimentos prévios sobre o assunto em questão. Podemos estabelecer uma sequência de aprendizagem. Por ex., em rela¬ção ao sistema alfabético:
1. Escrever = desenhar
2. Escrever = letras e números
3. Só letras. O número de letras e seu tamanho dependem das características dos objetos.
4. Tantas letras quantas sílabas têm o nome.
5. Tantas letras quantos fonemas.
Essa sequência, no entanto, é complexa porque:
• Às vezes elementos das diferen¬tes etapas coexistem
• Não existem aprendizagens próprias de um nível escolar
• Essa sequência na serve para sequenciar conteúdos (textos).
A aprendizagem, assim, seria se¬melhante a uma espiral que vai sen¬do aberta progressivamente, abran¬gendo cada vez mais conhecimento.
CAPÍTULO 7: EDUCAR NA DIVERSIDADE
Educar na diversidade
Os seres humanos são diferentes entre si sob todos os pontos de vista.
A escola foi criada para homoge¬neizar. Hoje, no entanto, se exige dela que avance para a integração e para uma cultura da diversidade, que viva as diferenças como uma riqueza e não como um obstáculo. Isso supõe mu¬danças profundas na escola. Supõe mudar, entre outras coisas, a concepção da atividade escolar. Ela deve ser capaz de conseguir que todos trabalhem e aprendam a partir de suas pró¬prias possibilidades. O primeiro pas¬so seria o de trabalhar a partir do pen¬samento de cada um, considerando com clareza o que cada um pode aprender em cada caso. Na opinião dos autores os ingredientes para edu-car na diversidade são: atividades sig¬nificativas, atividades motivadoras e funcionais, trabalho em grupos, ava¬liação formativa e personalizada.
Cada aluno é diferente
As ideias das crianças não são ina¬tas, não são adquiridas sem estí¬mulo (espontaneamente). A lingua¬gem escrita faz parte da realidade em que as crianças nascem (na rua, na TV, nos jornais, nos outdoors etc), mas, essa presença passiva não é su¬ficiente para que a criança aprenda; ela aprende mediante a atividade -externa e interna - com a linguagem escrita e para que a criança se mos¬tre ativa frente à linguagem escrita é necessário que tenha a experiência de ver os adultos utilizarem ativamente a leitura e a escrita. Já foi demons¬trada a estreita relação entre a ex¬periência de ter escutado histórias lidas e as possibilidades de êxito escolar de uma criança.
Da diferença à desigualdade?
A diversidade poderá transformar-se em desigualdade se a escola não agir positivamente para igualar as oportunidades de acesso de todos os alunos à cultura escrita. A mesma atividade, do mesmo modo, ao mesmo tempo, com a mesma ava¬liação mantém intactas as diferenças levando a desigualdades.
Educar na diversidade e aprendizagem significativa: duas faces da mesma moeda
Ler e escrever são atividades cognitivas bastante complexas, os rit¬mos de aprendizagem variam de uma criança para outra e muitas crianças demoram a aprender a ler e a escre-ver; algumas nem chegam a fazê-lo. O que afirmamos é que tanto a leitura como a escrita são atividades cogni¬tivas que requerem pensamento refle¬xivo. Escrever é muito mais do que um problema gráfico e ler é muito mais que reconhecer letras. Partir do pen¬samento infantil facilita o ensino; a cri¬ança deixa de dizer "não sei" e se per¬mite escrever e ler e sua reflexão é en¬tendida e estimulada. Os professores podem agir com maior tranquilidade quando entendem o que acontece na mente as crianças. Há dois argumen-tos fundamentais para se trabalhar com essa proposta: mais motivação e reflexão de todos os alunos e a própria di¬versidade que permite o trabalho em pequenos grupos o que estimula a dis¬cussão e a reflexão.
Aprendizagem precoce? Não!
Essa proposta não deve ser enten¬dida como uma forma de acelerar, precocemente, a aprendizagem da leitura e escrita. As situações propos¬tas em aula não supõem e nem exi¬gem que todos respondam no mes¬mo nível. Ao escrever todos apren¬dem e não se angustiam com uma tarefa que, tradicionalmente, parece impossível: todos podem responder embora cada resposta seja diferente.
Atenção! Não escolarizar a Educação Infantil
A Educação Infantil tem objetivos diferentes daqueles do Ensino Fun¬damental. As crianças devem ser es¬timuladas, devemos oferecer opor¬tunidades de acesso à linguagem escrita e não escolarizá-las.
CAPITULO 8: MOTIVAÇÃO: ESCREVER E LER TEM SENTIDO
A predisposição para a aprendizagem
São requisitos para aprender: olhar, falar e escutar. Em relação à lingua¬gem escrita ter contato com o escrito: olhar, tocar, falar dos livros, revistas; explicar, ler, escrever tanto por parte do professor como da criança. A partir daí é necessário estimular e manter a mo¬tivação para a aprendizagem.
Poder é querer: o professor e a auto-estima do aluno
As crianças devem sentir-se capazes de abordar qualquer tarefa com êxito; uma tarefa muito fácil torna-se chata; uma tarefa muito difícil as¬susta e inibe. A motivação está es-treitamente relacionada com a auto-estima e o autoconceito construídos na relação professor (adultos)-aluno.
Participação e envolvimento ) na tarefa
A tarefa deve permitir a iniciativa do aluno que precisa sentir-se pes¬soalmente envolvido. São preferíveis tarefas com um certo grau de aber¬tura e flexibilidade.
O prazer de pensar
A vantagem da aprendizagem significativa é que permite que o aluno pense e há poucas coisas tão apaixonantes como pensar. O profes¬sor precisa entender a lógica do pen¬samento infantil e sentir prazer de reconhecer e compreender as ideias das crianças.
Escrever e ler para resolver necessidades
Além de a cultura escrita ser uma parte importante da cultura escolar, a leitura e a escrita são instrumentos para conseguir algo. Uma pergunta importante que o professor deve se fazer é: para quê ler e escrever? A lin¬guagem escrita que usamos na es¬cola deve ser funcional, isto é, deve ser a linguagem que se usa na socie¬dade. A escola deve aproveitar ao máximo as oportunidades que se apre¬sentam de ler e escrever como tare-fas necessárias: se for preciso man¬dar um bilhete aos pais, as crianças podem participar da sua construção.
A escrita e a leitura a serviço de projetos
Melhor ainda se o trabalho com a linguagem escrita estiver inserido num projeto escolhido com a partici¬pação ativa dos alunos e que corresponda a uma atividade real: fazer uma coleção, preparar uma vi¬agem, uma festa, representar uma peça teatral, editar um livro etc.
O projeto é diferente dos tradici¬onais Centros de Interesse de Decroly.
Nos projetos o tema é que determi¬na a atividade e implica a realização de tarefas de síntese incorporando conhecimentos, procedimentos e ati¬tudes de áreas distintas. Podem ser uma maneira de organizar todo o curso ou limitar-se a temas específi¬cos paralelos a outras atividades.
A motivação é altamente contagiosa
A atitude do professor frente à lei¬tura e a escrita é fundamental.
CAPÍTULO 9: INTERAÇÃO: O TRABALHO COOPERATIVO
Autonomia e interação na aprendizagem
Toda aprendizagem é uma cons¬trução social; aprende-se entre todos, em contato com algo ou com alguém. Sendo assim, não é só o professor que ensina, também os colegas, ao trabalhar juntos, ao discutir pontos de vista, ensinam muito. A escrita em duplas parece especialmente adequa¬da para melhorar a aprendizagem e a qualidade do que se escreve.
A organização da aula em grupos
O trabalho em grupos permite que o professor possa acompanhar de perto o processo de trabalho dos alunos, para poder ajudá-los no me¬lhor momento, isto é, enquanto es¬tão realizando sua tarefa. E essa in¬tervenção no processo que permite ao professor compreender como a criança pensa, quais são as suas di¬ficuldades e como pode ajudá-las. Existem muitas formas de trabalhar com grupos reduzidos de alunos. Esse trabalho é facilitado se dois profes¬sores puderem trabalhar, ao mesmo tempo, com a classe e se o grupo todo puder ser "desdobrado", por exemplo, com a ajuda de um profes¬sor especialista.
A organização da aula nos cantos da sala de aula
Outra possibilidade é a organiza¬ção do trabalho em cantos. Em cada canto as crianças trabalham autono¬mamente enquanto o professor acompanha de perto o trabalho de um grupo. Ao longo do horário es¬colar o professor está com todos os grupos. A presença do professor per¬mite descobrir o pensamento e a par¬ticipação de cada um na tarefa e dar ajuda quando necessário.
CAPÍTULO 10: A TAREFA DO PROFESSOR: ENSINAR A ESCREVER E LER
O professor em um enfoque construtivista
As crianças não aprendem espon¬taneamente. O professor é o prota¬gonista ativo da aprendizagem de seus alunos. Teoria, experiência, arte, tecnologia, valores, atitudes etc, to¬dos são ingredientes necessários à profissão docente, um professor construtivista:
• Organiza conteúdos e ativida¬des significativas que possam ser abordados por todos os alu¬nos respeitando a diversidade;
• Oferece materiais (físicos e mentais) necessários para re¬solver um problema;
• Oferece ajuda quando neces¬sário;
• Compreende o pensamento do aluno e parte dele para fazê-lo avançar;
• Estimula, apoia, avalia o esfor¬ço do aluno;
• Sabe muito e aprende mais;
• Conhece seus alunos;
• Organiza a aula e planeja as atividades;
• Avalia e oferece a ajuda neces¬sária;
• Trabalha em equipe.
O professor em ação
O que o professor faz
1° - Propõe uma tarefa estimulan¬te, de preferência "difícil".
2° - Avalia as possibilidades de aprendizagem.
3° - Propõe problemas e estimula a reflexão.
4° - Decide a ajuda necessária.
PROFESSOR: "Vamos ver... bem, o que querias escrever? Locomotora? Bem, escreveste OCOMOR, eu leio OCOMOR.
ALUNO: "Não, aí diz LOCOMOTORA, olha, olha...".
PROFESSOR: "Sim, eu vejo, tu querias escrever LOCOMOTORA, mas vamos
ler juntos."
PROFESSOR E ALUNO: "O...CO...MO...R".
PROFESSOR: "Viste? Não diz exatamente LOCOMOTORA. Tu escreveste
bem, mas vamos melhorar a palavra escrevendo juntos. Vamos ver, começa?
ALUNO: "LO...".
PROFESSOR: "Muito bem. Que letras ouves?"
ALUNO: "LO-LO-L-L-L-O-O-O; o [L] e o [O].
PROFESSOR: "Muito bem. Viste? Unhas esquecido o [L].
ALUNO: "Como se escreve o [L]?”.
PROFESSOR: "Pensa um pouco. Onde podes encontrá-la?”.
ALUNO: "Ah! Já sei, é de Laura".
Impossível? Ora!
É possível trabalhar com essa proposta com poucos ou com mui¬tos alunos, na zona urbana ou rural. E possível personalizar o ensino se confiamos na autonomia das crianças. É possível usar vários truques para uma organização mais aberta e flexí¬vel da aula. É possível pesquisar o pensamento das crianças e, ao mes¬mo tempo, compartilhar coletivamente, com colegas professores, outras decisões. É possível usar livros-textos, ou não! E possível usar muitos livros, e contos, jornais, revistas, catálogos e de tudo um pouco. E necessário que o professor leia, escreva, reflita, dis¬cuta e é melhor quando pode compartilhar sua experiência para analisá-la, criticá-la, corrigi-la.
PARTE III: CONTEÚDOS CURRICULARES E SEQUÊNCIAÇÃO
CAPÍTULO 11: ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS CURRICULARES
Desenvolvimento de capacidades e objetivos das etapas educativas
O objetivo tanto da Educação In¬fantil como do Ensino Fundamental é desenvolver o domínio das lingua¬gens oral e escrita que são conside¬radas capacidades fundamentais para viver na nossa sociedade. Qual seria o significado de saber lingua¬gem? Do conjunto de objetivos colocados para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental é possí¬vel deduzir como deve ser enfocado o ensino da linguagem dentro do currículo:
• É possível perceber a importân¬cia da postura (do corpo), do desenvolvimento do desenho, da grafia, do traço; da quali¬dade dos textos propostos; da valorização do que a criança já sabe. Enfim, uma forma de ensinar que ajude a criança a conhecer melhor a si mesma, expressar suas ideias, valori¬zar suas possibilidades, reco¬nhecer suas dificuldades, sen¬tir-se estimulada, auto avali¬ar-se para regular seu próprio processo de aprendizagem.
• Propõe-se uma forma de orga¬nizar a atividade escolar que es¬timule a participação pesso¬al, a iniciativa permitindo ao aluno pensar por conta própria e ser responsável por suas de¬cisões, que a relação com o professor inspire segurança e confiança em suas possibili¬dades.
• Trabalhar em grupo, em atividades complexas, que requei¬ram planejamento, desenvolvi¬mento e revisão conjunta.
• Aproveitar ao máximo a curio¬sidade das crianças; não tra¬balhar a partir de temas pre¬fixados.
• Aproveitar o que a comunida¬de em que vivemos oferece: cartazes, propagandas, folhe¬tos, festas, costumes etc.
• Trabalhar a partir do enfoque comunicativo.
• Ter clareza de que para apren¬der a ler e escrever não basta acertar, memorizar, reproduzir ou copiar, mas é necessário manipular dados, formular hipóteses, planejar estratégi¬as de resolução dos proble¬mas, buscar os recursos ne¬cessários, realizar, encontrar soluções e comprovar os resultados, corrigir e revisar.
A linguagem como área curricular: os objetivos da área
As capacidades fundamentais que se pretende desenvolver nos alunos, e que acabamos de relatar, desenham um modelo consistente acerca da orientação para o ensino da lingua¬gem, que vai continuar sendo deline¬ado com os objetivos de área.
Na Educação Infantil resolveu-se integrar numa só área a linguagem oral, a aproximação à linguagem es¬crita, a expressão plástica, musical e corporal, e a linguagem matemática incluída em relações, medida e repre¬sentação no espaço. Tenta-se estru¬turar o currículo a partir das princi¬pais linguagens de representação da realidade.
No Ensino Fundamental a ênfase está na comunicação e no intercâm¬bio, no uso dos diferentes códigos a serviço da expressão ajustada ao con¬texto. Língua e Literatura, por sua vez, constituem uma área específica que deve aprofundar os aspectos básicos da linguagem oral e escrita.
A ênfase está no uso comunicati¬vo. Trata-se de aprender a falar e a escutar, a ler e a escrever, a combi¬nar recursos, a explorar as possibili¬dades comunicativas de refletir sobre a linguagem, a identificar as situações e as intenções comunicativas (para que nos comunicamos).
O que devemos ensinar? Conteúdos e contentores
Os blocos de conteúdos devem articular as aprendizagens aos objeti¬vos da área e da etapa. A área de Lin¬guagem inclui o oral e o escrito. Es¬tes materiais tratam de uma parte dos conteúdos da área de Linguagem: a linguagem escrita Isso não significa, porém, que a linguagem oral esteja ausente dessa proposta: ao ler e es¬crever sempre se fala sobre o lido e o escrito ou sobre o que se vai escrever.
Embora a Educação Infantil não deva exigir das crianças determina¬das aprendizagens, deve oferecer-lhes uma aproximação completa à lin¬guagem escrita, pois, dessa forma, todos os alunos aprenderão conteú¬dos muito importantes, em diversos graus de profundidade. Partindo des¬se argumento os autores propõem organizar a tarefa de aprendizagem da linguagem escrita na Educação Infantil do mesmo modo que a orga-nizam no Ensino Fundamental, isto é, com os mesmo conteúdos. O que varia não é a linguagem escrita, mas o grau de construção que as crian¬ças alcançam em seus conceitos, procedimentos e atitudes sobre essa linguagem.
Os conteúdos da área de Lingua¬gem no Ensino Fundamental estão organizados em quatro blocos:
• Comunicação oral
• Comunicação escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria linguagem
• Sistema de comunicação ver¬bal e não verbal
Nessa proposta os autores não trabalham o bloco relativo à Comu¬nicação Oral e o bloco relativo à Comunicação Escrita vai ser ressaltado desenvolvendo-se em cinco sub-blocos ou módulos. Sendo assim os conteúdos ficarão organizados em sete módulos assim distribuídos:
• Relações entre linguagem oral e linguagem escrita
• O sistema alfabético: codifica¬ção e decodificação
• A escrita como produção de textos
• A leitura como interpretação e compreensão de textos
• Os textos como unidade bási¬ca da linguagem escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria língua
• Sistemas de comunicação ver¬bal e não verbal
A linguagem escrita presente nas demais áreas curriculares
A linguagem escrita deve ser con¬siderada um instrumento cultural que aparece em todas as áreas e âmbi¬tos de conhecimento e deve ser tra¬balhada praticamente em qualquer atividade escolar.
CAPÍTULO 12: CRITÉRIOS PARA A SEQUENCIAÇÃO
O que não é sequenciação em linguagem
Em uma proposta baseada na aprendizagem significativa da lingua¬gem escrita não tem sentido pensar em atividades específicas para cada "nível" de idade, já que a proposta aqui relatada não é um método e, portanto, não se pode identificar sequenciação com a programação por níveis do ensino tradicional. Há consciência, no entanto, que existem certos limites na compreensão dos alunos que podem ser determinados, de um lado por seu momento evolutivo e, por outro lado, por sua pouca habilidade no domínio da lin-guagem escrita. Essas limitações não afetam os conteúdos curriculares; o que deve se adaptar às possíveis li¬mitações dos alunos são as ativida¬des realizadas para a aprendizagem daqueles conteúdos. A proposta aqui relatada serve para iodos os níveis do Ensino fundamental porque a linguagem escrita não tem uma organiza¬ção hierárquica como outras áreas do conhecimento. Todos os conteú¬dos são trabalhados em todos os níveis de escolaridade.
Como sequênciar?
Como já foi dito o grau de exposi¬ção à cultura impressa influi signifi¬cativamente sobre a capacidade de ler e escrever e por esse motivo não é possível responder em que idade as crianças devem aprender a escre¬ver. O que podemos fazer são apro¬ximações estatísticas: a "maioria" das crianças utiliza uma hipótese silábi¬ca ao fim do nível de quatro anos da Educação Infantil. A ideia de nível está relacionada com uma concepção seletiva do ensino. Educar na diversi¬dade é outra coisa. Mão se trata de saber o quanto uma criança sabe sobre a linguagem escrita, mas como escreve e lê para que possamos ajudá-la a aprender.
As possibilidades de aprendizagem dos alunos
1- Os conhecimentos prévios a respeito da linguagem escrita, incluem, entre outros, os se¬guintes aspectos:
• Ideias sobre o que é escre¬ver, ler e linguagem escrita.
• Ideias sobre a finalidade e in¬tenção da linguagem escri¬ta: para que serve.
• Ideias sobre os procedimen¬tos: como a criança acha que se escreve ou se lê.
• Ideias sobre as característi¬cas dos textos que serão tra¬balhados.
• Ideias sobre o conteúdo dos textos que se propõe trabalhar.
• Conhecimentos sobre suas possibilidades de execução da tarefa, segurança, contro¬le de seu trabalho na tarefa, da intenção da atividade, do sentido que tem para ela, etc., ou seja, autoconceito, predisposição para a apren¬dizagem, metacognição, etc.
• Atitudes em relação à situa¬ção escolar, à aprendizagem, ao professor, aos colegas, ao esforço de aprendizagem, à interação e comunicação com os outros, ao valor que concede ao rendimento nas tarefas escolares, ao gosto pela qualidade do resultado de seu esforço, etc.
Esse conjunto de conheci¬mentos procede, fundamental¬mente, de sua experiência ativa em relação à linguagem escrita. Ao planejar as ativida¬des, o professor deve adequá-las à experiência prévia de seus alunos refrescando-lhes a memória (ou ativando-os) e partindo deles: situar-se na zona de desenvolvimento proximal dos alunos.
2 - Outro critério para a sequenciação das atividades é o grau de habilidade dos alunos no uso do sistema alfabético.
3- Além dos conhecimentos pré¬vios cada grupo possui certas características (dinâmica, ambiente, cultura etc.) que condicionam o planejamento das atividades. Essas caracte¬rísticas podem e devem ser tra¬balhadas pelo professor não se constituindo em impedimen¬to, mas em condições a ser considerada.
4- Ao propor atividades devemos sempre considerar a diversida¬de de nossos alunos.
As condições de realização da atividade
1 - Numa mesma atividade - es¬crever ou ler um texto - podem ser introduzidas variações que considerem as condições do grupo de alunos. Numa ativida¬de de escrita a pessoa que es¬creve pode variar: escreve o pro¬fessor, uma criança, todas as crianças. Também pode variar a unidade sobre a qual faremos a atividade: pode-se ler uma pa¬lavra, um título, um parágrafo, o texto completo. Desse modo um critério para sequenciar é o tipo de atividade que propomos a nossos alunos
.
2 - Outro critério diz respeito â tipologia dos textos a serem trabalhados nas atividades. Al¬guns tipos de texto são mais fáceis e adequados para crian¬ças pequenas ainda que esse seja um critério relativo e não deve ser entendido de manei¬ra rígida. Por ex.: é mais sim¬ples escrever um texto enumerativo (lista) do que um texto narrativo, mas estudos já de¬monstraram que a estrutura de um texto narrativo (um conto) é uma estrutura fácil de com¬preender desde que a criança é muito pequena. Por outro lado a estrutura de um texto expositivo ou prescritivo é mais complexo e requer um maior trabalho com modelos.
3 - Outro critério de sequenciação é a complexidade do texto. A nenhum professor ocorreria trabalhar a versão original de Dom Quixote com crianças pequenas.
4 - Outro aspecto da sequenciação é estabelecer os objetivos da atividade em cada caso con¬creto, em função das possibi¬lidades do grupo e de cada aluno em particular.
O critério definitivo: nossos alunos e nós
O critério definitivo, no entanto, somos nós e nossos alunos, isto é, são as características concretas de nossos alunos, de nosso grupo que decidirão a forma de sequênciar e programar atividades.
PARTE IV: ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS
Introdução
Já vimos que os autores pro¬põem-se a organizar os conteúdos de linguagem escrita em sete módulos:
• Relações entre linguagem oral e linguagem escrita
• O sistema alfabético: codifi¬cação e decodificação
• A escrita como produção de textos
• A leitura como interpretação e compreensão de textos
• Os textos como unidade bási¬ca da linguagem escrita
• Análise e reflexão sobre a pró¬pria língua
• Sistemas de comunicação ver¬bal e não verbal
Na proposta que está sendo rela¬tada esta forma de organizar os conteúdos nada têm a ver com a programação do ensino tradicional. To¬dos os conteúdos são trabalhados a partir de textos concretos: a partir de determinado texto cujo uso pode ser justificado por uma necessidade surgida na aula, propõe-se uma situ¬ação de ensino-aprendizagem em que poderão aparecer conteúdos dos vários módulos. Além disso, cada um dos sete módulos tem aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais que deverão ser trabalhados conjuntamente.
CAPÍTULO 13: RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
OR-ESC: A LINGUAGEM ESCRITA COMO VARIEDADE DA LINGUAGEM: RELAÇÕES ENTRE O ORAL E O ESCRITO.
1. Relações entre a língua oral e a língua escrita.
2. Necessidades e situações de comunicação escrita no meio habitual dos alunos.
3. Funções, intenção e finalidade da linguagem escrita.
4. Os instrumentos da linguagem escrita: livros, revistas, jornais, contos, cartazes, etiquetas, anúncios e outros. A biblioteca.
5. Variantes da língua escrita. Di¬versidade linguística e cultural na sociedade, no Brasil e no mundo.
Procedimentos
OR-ESC: PROCEDIMENTOS DE ARTICULAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA.
1. A verbalização do escrito:
1.1. Atenção e compreensão de narrações, contos e outras mensagens lidos por um adulto ou um colega.
1.2. Recapitulação oral do lido.
1.3. Reconstrução oral de con¬tos e narrações.
1.4. Recitar, dramatizar, cantar, expor, etc. textos escritos memorizados, empregando pronúncia, o ritmo, a entonação e a gesticulação adequados a seu conteúdo.
2. Elaboração oral do pré-texto que será escrito a seguir.
3. Preparação de exposições orais.
Atitudes
OR-ESÇ: ATITUDES EM RELAÇÃO À LINGUAGEM ESCRITA E SUA RELAÇÃO COM A LINGUAGEM ORAL.
1. Valorização da língua escrita como meio de informação e de transmissão de cultura, e como instrumento para planejar e realizar tarefas concretas.
2. Valorização da leitura e da es¬crita como fonte de prazer e di¬versão.
3. Motivação: curiosidade; inicia¬tiva pessoal; criatividade; atitu¬de interativa e cooperadora; respeito à diferença de seus colegas e auto-avaliação positiva, mas crítica, de si mesmo nas atividades relacionadas com a linguagem escrita.
4. Gosto e prazer por escutar e olhar contos e outros textos que o adulto lê às crianças.
5. Valorização e participação ativa em atividades de recitação, dramatização, exposição, etc. de textos em aula.
6. Valorização e participação ativa na reconstrução oral de con¬tos e narrações.
7. Participação ativa, reflexiva e construtiva na recapitulação de textos lidos.
8. Participação ativa, reflexiva e construtiva na elaboração do pré-texto.
9. Respeito e cuidado com os materiais e instrumentos da lin¬guagem escrita (livros, revistas, etc.).
10. Respeito e adaptação às normas de utilização das bibliotecas.
11. Valorização da diversidade lin¬guística e cultural da socieda¬de, no Brasil e no mundo.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Linguagem oral e linguagem escrita
Embora a linguagem oral e escri¬ta sejam duas variantes da linguagem
é fundamental para as crianças des¬cobrirem as diferenças entre uma e outra. Essas diferenças só são apren¬didas em contanto com a linguagem escrita.
A verbalização do escrito
Ao ler para as crianças o profes¬sor as põe em contato com textos escritos e também lhes oferece um modelo de como se lê. Após a leitura há procedimentos que as crianças precisam aprender: os procedimen¬tos de recapitulação (resumir, identi¬ficar as ideias principais); de recons¬trução oral do que foi lido (assimila¬ção dos aspectos formais dos textos); outros procedimentos de articulação entre o escrito e o oral (memorizar, recitar, dramatizar, cantar etc.)
A elaboração da linguagem oral para passá-la para a escrita
Escrever não é transcrever a lin¬guagem oral, portanto o processo de elaboração da linguagem oral para torná-la em linguagem escrita é um conteúdo fundamental no ensino da língua. Uma atividade pode ser, por ex., o preparo coletivo do texto que se vai escrever (o pré-texto).
Preparação, escrita, de exposições orais
Às vezes precisamos preparar, por escrito, o que vamos dizer. Por ex., as crianças devem comunicar um aviso ao professor ou aos colegas de outra sala e necessitam anotá-lo para lembrá-lo; na preparação de um tema para expor aos colegas.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Explicação do conteúdo de di¬ferentes textos.
• Leitura dos mais variados tipos de texto pelo professor.
• Reconstrução oral de contos e narrações para garantir a com¬preensão do texto e de suas características e para a criança lembrá-lo quando tiver que escrevê-lo.
• Ditar ao professor, por ex., o texto que foi reconstruído oral¬mente.
• Memorização de textos como canções, poemas, piadas etc.
• Recitação e dramatização
• Exposições orais em que, por meio de textos expositivos, e possível trabalhar-se as rela¬ções entre o oral e o escrito.
CAPÍTULO 14:
O SISTEMA ALFABÉTICO
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceito
ALF: O SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Diferenças entre a escrita e ou¬tras formas gráficas.
2. Conhecimento das letras e con¬venções da escrita (alinhamen¬to, orientação esquerda/ direi¬ta, etc.).
3. Conhecimento sobre o sistema de codificação da linguagem escrita (escrita).
4. Conhecimento sobre o sistema de decodificação da linguagem escrita (leitura).
Procedimentos
ALF: PROCEDIMENTOS DE CODIFICAÇÃO E DECODIFÍCAÇÃO NO SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Diferenciação entre as formas escritas e outras formas gráficas de expressão.
2. utilização do conhecimento das letras e das convenções do sistema: alinhamento, orientação esquerda/direita, distribuição do texto, o espaço, etc.
3. PROCEDIMENTOS DE CODI¬FICAÇÃO (escrita):
3.1. Uso de conhecimentos so¬bre o sistema alfabético:
• utilização de critérios quantitativos e qualitativos (variedade) no uso das letras (ou outras grafias para escrever nomes e/ou comparar palavras.
• Relação entre as letras e os sons da palavra. Identificação e segmenta¬ção silábica e fonética.
• Associação som - letras.
• Hipóteses ortográficas.
3.2. Procedimentos gráficos da escrita e das letras e das palavras.
4. PROCEDIMENTOS DE DECODIFICAÇÃO (leitura):
4.1. Uso de conhecimentos sobre o sistema alfabético:
• Reconhecimento do pró¬prio nome e outras pa¬lavras.
• utilização da imagem e o contexto como indicado¬res, utilização de índices textuais quantitativos para a interpretação do texto.
• utilização de índices qualitativos (letras) para a interpretação do texto.
• Leitura ajustada ao texto.
4.2. Procedimentos de vocali¬zação, silabação, leitura global e rapidez na leitura.
Atitudes
ALF: ATITUDES EM RELAÇÃO À APRENDIZAGEM DO SISTEMA ALFABÉTICO.
1. Predisposição favorável à apren¬dizagem escolar: curiosidade, interesse pelo que se propõe na aula, atenção, autonomia, etc.
2. Reconhecimento do esforço pessoal de reflexão como fon¬te de aprendizagem e cresci¬mento pessoal.
3. Autoconceito positivo, valorizan¬do as próprias possibilidades de reflexão e argumentação sobre o que se escreve.
4. Consciência e aceitação das próprias limitações e valoriza¬ção das dificuldades como de¬safio a ser superado.
5. Predisposição à interação e ao trabalho cooperativo. Aceita¬ção da diversidade de ritmos e aprendizagens entre os colegas do grupo.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Aprender as letras escrevendo textos
Aprende-se a escrever e a ler, es¬crevendo e lendo textos. E não há por que separar essas atividades da aprendizagem do código de decifra¬ção e transcrição. Podemos escrever para a criança o que ela quer comu¬nicar ou completar o que ela escre¬veu; podemos escrever embaixo do que ela escreveu para ajudar outros a compreenderem sua escrita. A transcrição do professor ou de outro adulto faz com que a mensagem da criança alcance seu objetivo.
Escrever com maiúsculas
Por quê recomendamos o uso de letras maiúsculas?
• Porque são unidades discretas que podem ser diferenciadas e contadas; é mais fácil percebê-las e distinguí-las umas das outras e contar quantas letras tem um nome é muito impor¬tante para o desenvolvimento da escrita.
• Porque as maiúsculas são mais fáceis de escrever e não há ne¬nhum perigo das crianças não aprenderem a letra manuscrita que, depois que se sabe escre¬ver, é apenas uma "dificulda¬de" motora não cognitiva.
O nome próprio e o que as crianças aprendem a partir dele
O nome próprio é o texto primor¬dial, é o primeiro texto que uma cri¬ança quer escrever e ler. Também se interessa em aprender o nome dos pais, irmãos, colegas, professores, animais de estimação, objetos prefe¬ridos. Desde a Educação Infantil o nome de cada criança deve estar pre¬sente na sala de aula. Inúmeras ativi¬dades de leitura e escrita podem ser desenvolvidas tendo como conteúdo o nome próprio. Com essa atividade as crianças aprendem, por ex., a di¬ferença entre letras e desenhos e en¬tre letras e números; as distinções entre as diferentes letras; a orienta¬ção esquerda/direita do nome e da escrita; os nomes das letras; um amplo repertório de letras etc.
Outros textos para aprender o sistema alfabético: nomes comuns e listas
Durante um período de tempo (geralmente dos três aos cinco anos) a escrita é, para as crianças, uma escrita de nomes (hipótese do nome).
Os nomes são, nesse sentido, textos autônomos, cheios de significado quando cumprem algumas condições como: etiquetar, nomear; fazer parte de um campo semântico (nome de brinquedos, de animais etc.) cuja enumeração seja útil para algo; fazer uma lista (compras do supermerca¬do, ingredientes de uma receita, materiais que devem ser trazidos para a escola etc.).
Títulos, legendas de fotos, anúncios...
Embora a criança vá descobrindo as características dos textos escritos a partir da leitura de textos comple¬tos que o professor deve fazer, duran¬te certo tempo ela escreverá nomes em listas. Se o professor propõe à cri¬ança escrever um conto conhecido, algumas delas escreverão uma lista dos nomes dos personagens. Certos tipos de texto facilitam o acesso da criança à escrita sintática: os títulos de contos, as manchetes das notíci¬as, os anúncios, a legenda de fotos, as receitas culinárias simples.
As etapas de construção da escrita
Ao escrever, as crianças seguirão leis e princípios que não correspon¬dem aos do sistema alfabético e uti¬lizarão procedimentos característicos do pensamento infantil.
Diferença entre letras, desenhos e números
• Conhecimento das letras
• Conhecimento de outras con¬venções
• Hipóteses pré-silábicas
• Hipóteses silábicas
• Escritas silábico-alfabéticas
• Escritas alfabéticas
• Hipóteses ortográficas
A construção da leitura
É no próprio decorrer da aprendi¬zagem da escrita (produção a partir de seus conhecimentos) que a crian¬ça começa a compreender (ler) o que os outros escreveram (ajustar-se à intenção e pensamento do outro).
Suas teorias sobre a escrita condi¬cionam suas ideias ao ler. Por ex.: diferenciação texto-imagem; o escri¬to são nomes; precisa-se de uma quantidade mínima de letras para poder ler um nome (hipótese de quan¬tidade mínima); o conjunto de letras deve ser variado para permitir a lei¬tura (hipótese de variedade).
Outros indícios também colaboram para que a criança possa inter¬pretar o escrito: reconhecimento de palavras significativas (coca-cola, fanta etc.); interpretação a partir das imagens que acompanham o texto; interpretação a partir de indicadores quantitativos (quantas palavras, quantas letras, quantos fonemas); interpretação a partir de indicadores qualitativos (letras conhecidas, rela¬ção entre a letra e a fonética da pala¬vra: termina com [o]..., tem o [g] de gato...); leitura ajustada ao texto.
Aprender: conflito e mudanças cognitivas
A mudança conceitual acontece quando se acumulam circunstâncias: evidências de que aquilo que a criança está fazendo não está mais funcionan¬do. Por ex., ao tentar escrever MALE¬TA faz AEA, mas se tiver que escrever, ao mesmo tempo, PLANETA como AEA, esta situação toma-se problemá¬tica porque não é lógico para a crian¬ça que palavras diferentes em signifi¬cado sejam escritas do mesmo modo.
Esse "problema" pode acontecer nas mais variadas situações e, em algum momento, a criança perderá a segu¬rança e pensará que talvez possa se escrever de outro modo. Esse é um processo que não se pode forçar, mas o professor pode ajudar criando mui¬tas situações que a obriguem a pen¬sar. O mesmo processo acontece com a aprendizagem da ortografia.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Múltiplas situações para dife¬renciar letras de desenhos e de números.
• Escrita e reconhecimento do próprio nome.
• Escrita coletiva de palavras e textos (em dupla, em peque¬nos grupos).
• Completar a escrita de palavras (combinar leitura e escrita).
• Confeccionar palavras com le¬tras móveis, carimbos, compu¬tadores.
• Interpretação da própria escrita (mecanismo de confrontação entre o que a criança "queria escrever" e o que realmente aparece escrito).
• Interpretação de textos com imagem como atividade ideal na preparação e motivação para a leitura (requer a presen¬ça e ajuda do professor).
• Leitura de textos memorizados.
• Interpretação de textos a par¬tir da localização, escolha, ati¬vidade de completar palavras.
CAPÍTULO 15: A ESCRITA COMO PRODUÇÃO DE TEXTOS
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
ESC: A ESCRITA COMO PRODUÇÃO DE TEXTOS
1. Conhecimentos necessários pa¬ra escrever sobre:
• Conteúdo que se quer comu¬nicar.
• Intencionalidade da escrita.
• Características do destinatário e da situação comunicativa.
• Tipos de texto suscetíveis de serem utilizados.
• Hierarquia das ideias a se¬rem transmitidas e sua orde¬nação.
• Estilo que se pretende e re¬cursos adequados.
• Formato, edição, encaderna¬ção e arquivamento do texto.
Procedimentos
ESC: PROCEDIMENTOS GERAIS DE ESCRITA
1. Decidir o tema e a situação de escrita.
2. Explicitar a finalidade e inten¬ção da escrita.
3. Decidir o destinatário.
4. Considerar as características do texto.
5. Elaboração do pré-texto: con¬teúdo.
6. Escrita interativa. Re-elaboração do pré-texto. Identificação e re¬solução de problemas de codificação.
7. Revisar: Reler, avaliar e corrigir o escrito, conforme critérios decididos previamente.
8. Passar a limpo: Edição e repro¬dução do texto.
Atitudes
ESC: ATITUDES EM RELAÇÃO À ESCRITA
1. Valorização da escrita como meio de comunicação, estudo, prazer e diversão.
2. Curiosidade ativa frente à escri¬ta de palavras e textos novos.
3. Atitude ativa, reflexiva, autôno¬ma e criativa na preparação do texto que será escrito.
4. Interação e capacidade de co¬operação e respeito pela diver¬sidade na elaboração coletiva de textos.
5. Atividade e vigilância auto-avaliadora durante o processo de escrita. Identificação de dúvidas e esforço para solucioná-las
6. Atitude de busca de canais co¬municativos, criativos e pesso¬ais na escrita de textos.
7. Auto-exigência na realização das próprias produções e valoriza¬ção da clareza, da ordem e da limpeza nos textos para alcan¬çar uma melhor comunicação.
8. Hábitos de revisar com atenção a correção do escrito.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Complexidade da escrita
Escrever é uma tarefa cognitiva muito complexa; supõe um número enorme de decisões e de processos quase simultâneos.
O processo da escrita de textos
• Preparar-se para escrever (o quê, para quê, para quem, como).
• Escrever (elaboração do pre¬texto, o ato de escrever).
• Revisar (reler, avaliar e corrigir).
• Passar a limpo: editar
O professor precisa "ensinar" es¬ses aspectos que não são evidentes para as crianças.
Decidir o tema e a situação de escrita (o quê)
O tema é sempre determinado pela situação ou projeto de escrita que está sendo desenvolvido na aula e o professor deve se assegurar de que as crianças tiveram acesso a mode¬los (textos semelhantes) ao que lhes propôs escrever.
Estabelecer claramente a finalidade da escrita (para quê)
É preciso lembrar que cada tipo de texto (enumerativo, informa¬tivo, expositivo, literário, prescritivo) serve a uma finalidade (lembrar, co¬municar informação, estudar, por pra¬zer, para dar instruções). Cada um desses tipos de texto requer procedi¬mentos e técnicas específicas de es¬crita que a escola deve ensinar.
Decidir o destinatário do texto (para quem)
Quando se escreve somente para o professor ler se está distorcendo o elemento característico da escrita: a ausência do interlocutor, que obri¬ga a explicitar, no escrito, todos os elementos contextuais imprescindí¬veis para a compreensão do texto.
Como escrever: características do texto
Cada tipo de texto tem caracte¬rísticas próprias que é preciso respei¬tar: uma notícia não se escreve com o mesmo formato de uma carta, um conto não é escrito como uma recei¬ta culinária. Devemos usar os textos respeitando seu uso social. Os alu¬nos devem ter claro como é o tipo de texto que vão produzir.
Elaboração do pré-texto
Para escrever é necessário se dis¬por de muita informação (leituras pré¬vias, explicações) e, além disso, ativá-las e pô-las em ação no momento de escrever. A elaboração do pré-texto com as crianças deve ser uma preparação coletiva da atividade de escri¬ta. Seu objetivo é ajudaras crianças a se apropriarem das características do modelo que vão escrever/reconstruir. Trata-se de organizar o pensamento antes de escrever. Além disso, essa atividade é uma verdadeira correção pré¬via do que as crianças irão escrever.
O ato de escrever
É importante que as crianças te¬nham bem claro o que devem escre¬ver para que possam se concentrar no como vão realizar a atividade, iden¬tificar suas dúvidas e buscar ajuda e recursos para resolvê-las. A regra de ouro para o professor, no ensino da linguagem escrita, é ficar atento ao que ocorre no momento em que a criança está escrevendo ou lendo. Se nos limitamos a ver somente o re¬sultado final perdemos a informação mais preciosa e a oportunidade de interferir para ajudar a criança.
Revisar: reler, avaliar e corrigir o escrito
Apesar de importante, o hábito de revisar o escrito é difícil de ser automatizado pelas crianças se esse procedimento só ocorre como uma avaliação final. Revisar deve ser uma atividade interativa que faz parte do processo de ensino-aprendizagem. A correção deve ser iniciada antes de escrever (na elaboração do pré-tex¬to), deve continuar durante o proces¬so de escrita e é completada com o processo de revisão do escrito. É um trabalho compartilhado pelo profes¬sor e o aluno ou grupo de alunos.
Passara limpo: edição e reprodução de textos
Quase nunca um texto fica bem escrito na primeira vez. Após a revi¬são e correção muitas vezes é neces¬sário refazê-lo e passá-lo a limpo é a conclusão do processo. Convém cri¬ar situações especiais onde a neces¬sidade de "polir", melhorar, deixar o texto apresentável, se justifique.
TIPOS DE ATIVIDADES
• A cópia de textos se justifica em muitas ocasiões
• Ditados: ditar ao professor, di¬tado de um aluno a outro, do professor aos alunos.
• Escrever textos memorizados
• Reescrever textos conhecidos
• Completar textos.
• Escrever textos originais.
• Atividades de edição, reprodução e impressão.
CAPÍTULO 16: A LEITURA COMO INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DE TEXTOS
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
LEI: A LEITURA COMO INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DE TEXTOS
1. Conhecimentos necessários para a leitura:
• Sobre a necessidade e finalidade da leitura.
• Sobre os indicadores do contexto úteis para antecipar a leitura (situação, ilustrações, tipografia, suporte matéria do texto, etc.).
• Sobre o tema.
• Sobre a estrutura do texto segundo sua tipologia.
• Sobre o vocabulário, o léxico, as construções típicas, etc.
• Sobre os aspectos gramaticais específicos do texto.
Procedimentos
LEI: PROCEDIMENTOS GERAIS DE LEITURA
1. Explicitação da finalidade da leitura e do tema do texto.
2. Antecipação do conteúdo:
• Ativação de conhecimento prévios.
• uso do contexto e outros indicadores para a compreensão do texto.
• Formulação de questões guia de leitura.
3. Leitura interativa:
• Construção progressiva do significado do texto.
• Verificação e reformulação de hipóteses.
• Identificação e análise dos erros de leitura.
4. Recapitulação.
5. Ampliação da leitura.
Atitudes
LEI: ATIVIDADES RELATIVAS À LEITURA
1. Motivação, curiosidade e inte¬resse pela leitura de textos que rodeiam a criança.
2. Auto-exigência na leitura e va¬lorização da própria compreen¬são do texto.
Auto-avaliação do grau de com¬preensão e das dificuldades na leitura.
3. Atitude crítica diante de mensa¬gens transmitidas pelos textos escritos, mostrando especial sensibilidade para com aqueles que supõem descriminação social, sexual, racial, etc.
4. Atitude ativa e inquisitiva dian¬te do texto: fazer-se perguntas, estabelecer relações com o já sabido, formular hipóteses, formular julgamentos e opi¬niões pessoais, etc.
5. Atenção, concentração, silên¬cio e ordem na leitura indivi¬dual ou em grupo e participa¬ção ativa em tarefas de prepa¬ração e comentário do texto.
6. Hábitos de leitura na escola e em casa. Uso de bibliotecas.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Motivação e entusiasmo pela leitura
Pouco valor tem a escola que não consegue entusiasmar as crian¬ças para a leitura e gerar hábitos de leitura. Gerar hábitos de leitura sig¬nifica ler muito e ler bem, em aula e fora da escola. Motivar para a leitura é propor textos de qualidade e ade¬quados às crianças, propor situações agradáveis para ler, propor tarefas que sejam desafiantes e que estimulem o pensamento e imaginação.
Nem sempre lemos do mesmo modo: a finalidade e os objetivos da leitura
É fundamental estabelecer com clareza PARA QUE vamos ler.
• A leitura depende da situação: ler na cama é diferente de ler na biblioteca.
• Depende do tipo de texto: não se lê do mesmo modo um ro¬mance policial e um tratado de filosofia.
• Depende da intenção do lei¬tor: ler para divertir-se é dife¬rente de ler para preparar-se para um exame
Na escola também não há uma única forma de ler. Pode-se fazer em silêncio, em voz alta, para o profes¬sor, para os colegas, para estudar, para ter prazer etc. A leitura em aula tam-bém tem objetivos diferentes: pode¬mos ler para medir nossa rapidez, para fazer um resumo, para responder per¬guntas etc. O modo de ler é condicio¬nado pelas características do tipo de texto e a finalidade da leitura. É útil distinguir os seguintes modos de ler:
• Localização e manejo de dados (textos enumerativos).
• Comunicação e informação geral (textos informativos).
• Estudo (textos expositivos).
• Prazer e literatura (textos lite¬rários).
• Para aprender a fazer algo (tex¬tos prescritivos).
Antecipar o conteúdo
Os leitores experientes aproxi¬mam-se do texto (olham sua exten¬são, as ilustrações, a tipografia etc.) antes de começarem a ler. Isso lhes dá informação útil para antecipar o conteúdo da leitura. Essa antecipa¬ção permite elaborar um guia para a leitura. Esse passo prévio e importan¬te à leitura deve ser ensinado às cri¬anças na escola através:
• Da ativação de conhecimen¬tos prévios sobre a estrutura típica do texto a ser lido (notí¬cias, contos); lembrar que as palavras que lemos também ativam nossos conhecimentos prévios (Cristóvão Colombo "combina" com palavras como descobrir, América, caravelas, mas não com África, polonês, aeroporto).
• uso do contexto e outros indi¬cadores para ajudar, a antecipar o conteúdo do texto: a situa¬ção em que se produz leitura marca o modo e os procedimen¬tos para ler (ler sozinho é dife¬rente de ler para o professor; ler silenciosamente é diferente de ler em voz alta etc.). Pelo con¬texto podemos prever que o conteúdo de um cartaz não será igual à de um folheto; também será diferente se for um jornal sério ou uma publicação humo¬rística etc. As ilustrações, os indicadores tipográficos (tipo de letra, tabelas, sub-títulos), o título, o sumário, o índice, tam¬bém trazem informações sobre o conteúdo dos textos.
• A formulação de questões fun¬ciona como um verdadeiro guia para a leitura e serve para pre¬parar mentalmente a atividade de ler: uma ilustração sobre um conto sugerirá perguntas sobre os personagens, sua origem, vestimentas etc.; o título de um texto expositivo permite formu¬lar perguntas sobre os aspec¬tos que esperamos encontrar. Trata-se de abordar o texto de um modo ativo.
Leitura interativa
Construção progressiva do significado
Ao ler, o texto vai se revelando para nós pouco a pouco. Durante a leitu¬ra não permanecemos passivos, pelo contrário, se queremos nos aprofun¬dar no significado do texto pensamos, avaliamos, criticamos, retrocede¬mos, aceleramos o ritmo, pulamos parágrafos, nos emocionamos. Es¬ses procedimentos de leitura ativa podem ser ensinados. Primeiro a partir do modelo do professor que lê e que mostra aos seus alunos que pensa enquanto lê. A partir da leitu¬ras coletivas, fazendo interrupções, recapitulando o que foi lido, comen¬tando uma expressão, perguntando sobre o que poderia acontecer a se¬guir, assegurando a compreensão básica daquilo que se lê.
Verificação e reformulação de hipóteses
Construímos nossas hipóteses sobre o escrito a partir do seu con¬teúdo, da coerência das frases e ideias. Para ler com rapidez não é preci¬so decifrar todas as letras e palavras do texto. As crianças cometerão me¬nos erros de leitura à medida que:
• O conteúdo do que se vai ser lido seja mais conhecido e es¬teja mais presente na cons¬ciência (leitura prévia do texto pelo professor, resumo, ante¬cipação das ideias principais).
• O contexto seja o mais explíci¬to possível (preparar a leitura, definir seu objetivo, folhear o texto, comentar as ilustrações)
• A atitude da criança seja a mais ativa possível (se formule per¬guntas, antecipe possibilidades)
• A qualidade, a rapidez e o automatismo na decifração seja maior.
Identificação e correção dos erros de leitura
As crianças, como os adultos, cometem erros ao ler. Erros de com¬preensão ou decifração. Nem todos têm a mesma importância e alguns podem ser ignorados. Os erros que afetam a compreensão do texto de¬vem ser identificados rapidamente ou comprometeram o entendimen¬to. Analisar a causa do erro, ao invés de só corrigi-lo, é um procedimento mais lento, mas é uma atividade muito mais valiosa para aprender a partir do erro.
Recapitulação da leitura
Ao final da leitura é conveni¬ente elaborar uma representação glo¬bal do texto e de sua compreensão. Essa atividade tanto pode funcionar como uma avaliação sobre a com-preensão do que foi lido como é per¬feita para que as crianças aprendam a construir um texto com as carac¬terísticas do escrito.
Ampliação da leitura
Ler o jornal, um livro, uma re¬vista etc. se justifica por si mesmo. Deve-se ter muito cuidado com os trabalhos posteriores à leitura, que tradicionalmente a escola solicita. O melhor modo de desperdiçar um texto importante é obrigar os alunos a fa¬zerem um "trabalho" sobre ele.
Avaliação da compreensão da leitura
Deve-se tomar cuidado com as perguntas usuais que aparecem nos livros didáticos, supostamente, para avaliar a compreensão. Em geral, elas simplesmente avaliam a memória, a habilidade de localização e a cópia. Alguns critérios podem orientar a ati-vidade de avaliação de compreensão do texto:
• A avaliação deve corresponder às perguntas do guia de leitu¬ra que foi preparado anterior¬mente pelo professor e alunos.
• As perguntas devem estimular a reflexão e a aprendizagem de procedimentos para melhorar a compreensão: procedimen¬tos de deduzir pelo contexto; selecionar as palavras chave para a compreensão do texto; fazer inferências; identificar os elementos mais importantes do texto; propor títulos para um texto; escolher o melhor resu¬mo entre vários possíveis.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Leitura por parte do professor
• Leitura em voz alta ou silenci¬osa (tem objetivos diferentes)
• Leitura de textos com lacunas, incompletos (são importantes para a aprendizagem de estra¬tégias de antecipação).
• Reconstruir textos fragmenta¬dos e desordenados (atividade extremamente complexa)
• Relacionar ou classificar textos distintos (atividades de leitura que exigem compreensão)
• Resumo e identificação da ideia principal (é imprescindível no trabalho com textos exposi¬tivos)
• Atividades na biblioteca (da escola, da comunidade, da sala de aula)
• Atividades de arquivamento e classificação de textos (úteis para aprender o abecedário).
CAPITULO 17: OS TEXTOS COMO UNIDADE BÁSICA DA LINGUAGEM ESCRITA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
TEX: OS TEXTOS COMO UNIDADE BÁSICA DA LINGUAGEM ESCRITA
1. O texto como unidade básica da linguagem escrita tal como é usado na sociedade. Diver¬sidade de textos escritos.
2. Tipologias textuais, uso do cri¬tério de intencionalidade da leitura e da escrita, como organizador da tipologia de tex¬tos.
3. Estrutura, características e tra¬ços diferenciadores dos tipos de texto mais usuais na socie¬dade e no trabalho escolar:
3.1. Finalidade e intencio¬nalidade (manipulação de dados, informação, pra¬zer, estudo, fazer).
3.2. Função específica de cada texto.
3.3. Modelos do texto que exis¬tem na realidade social.
3.4. Conteúdos específicos de cada texto.
3.5. Formato e suporte mate¬rial próprios do texto.
3.6. Gramática do texto (morfossintaxe, léxico, macro-estrutura, etc.)
Procedimentos
TEX: PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS PRÓPRIOS DO TIPO DE TEXTO
1. Procedimentos específicos de escrita conforme a finalidade e características do texto:
1.1. Textos enumerativos
1.2. Textos informativos
1.3. Textos literários
1.4. Textos expositivos
a. Textos prescritivos
2. Procedimentos específicos de leitura em relação ao tipo de texto e à intencionalidade da leitura.
2.1. De localização e manipu¬lação de dados em textos enumerativos.
2.2. De identificação do tema e traços marcantes do escrito em textos de infor¬mação geral.
2.3. De sensibilização estética e entretenimento nos textos literários.
2.4. De aprendizagem e estudo de textos expositivos: tema, ideia principal, resumo do texto, relação entre as par¬tes do texto (esquema), vo¬cabulário específico, etc.
2.5. De realização de tarefas sim¬ples, conforme as instruções de um texto prescritivo.
Atitudes
TEX: ATITUDES EM RELAÇÃO AOS TEXTOS
1. Valorização da língua escrita como meio de comunicação adaptável a diferentes finalida¬des e situações.
2. Respeito e atenção à diversidade de textos e sua adequação ao propósito de leitura e escrita, à situação e contexto e outras con¬dições da leitura e da escrita.
3. Precisão na localização e trans¬missão de dados em textos enumerativos.
4. Valorização da clareza, brevida¬de e amenidade dos textos in¬formativos.
5. Valorização da sensibilidade estética e humana em textos literários.
6. Atitude positiva e hábitos de atenção, estudo e reflexão em textos expositivos.
7. Valorização da clareza, detalhe e precisão das instruções em textos prescritivos.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Os textos: um conteúdo transversal
A comunicação por meio da lin¬guagem escrita só se dá em textos. Todas as características da linguagem escrita podem ser aprendidas a partir de textos. Somente por meio dos tex¬tos a aprendizagem da linguagem es¬crita adquire significação e sentido.
Cada texto possui características próprias que constituem conteúdos a serem aprendidos (conceitos, proce¬dimentos e atitudes), no entanto, es¬ses conteúdos não são aprendidas a partir de atividades específicas, mas a partir da própria atividade de ler e escrever. Por isso os textos apresen¬tam-se como um conteúdo transver¬sal que percorre todos os outros con¬teúdos e organiza toda a atividade es¬colar em linguagem escrita.
Nossa proposta de tipologia textual
Embora haja diversas tipologias textuais propostas por diversos auto¬res, a primeira questão que os auto¬res se colocaram foi a de estabelecer com clareza as diferenças entre os procedimentos a serem usados para escrever e ler um texto ou outro.
Pareceu-lhes que o critério a utili¬zar deveria ser o caráter instrumental do texto a serviço de uma finalidade comunicativa, ou seja: Para que escre¬vemos ou lemos? Os autores conside¬ram que as estratégias que utilizamos, principalmente ao ler, não dependem tanto do texto, mas da nossa inten¬ção ao lê-lo. Portanto, a intenção do autor e do escritor é o determinante principal na organização do conjunto dos textos. Os autores destacam, além disso, duas outras ideias: a necessida¬de de ensinar e aprender a escrever e a ler todo tipo de textos e não apenas os literários como acontece tradicionalmente na escola; a necessidade de dispor de uma classificação que iden¬tificasse os principais modelos de tex¬tos que existem na sociedade. A proposta dos autores é:
Recordar, registrar, localizar, manipular, ordenar etc. dados concretos, informações específicas.
Informar e nos informar sobre temas gerais, aconte¬cimentos, fatos, etc.
Ter prazer, expressar-nos pessoalmente, passar um bom momento, desenvolver a sensibilidade artística, etc.
Estudar, aprender, ensinar, demonstrar, comunicar conhecimentos, discutir ideias, etc.
Para ensinar a aprender a fazer coisas, comunicar instruções, regular o comportamento, etc.
Para ensinar a aprender a fazer coisas, comunicar instruções, regular o comportamento, etc.
TEXTOS EXPOSITIVOS
TEXTOS EXPOSITIVOS
Características de cada tipo de texto
As características de cada um dos tipos de texto delimitam os procedimentos de escrita que lhe são próprios: a função, os modelos sociais que incluem o conteúdo, o formato, as ca¬racterísticas gramaticais. E, além disso, procedimentos específicos de leitura para cada um. Essas caracte¬rísticas são conteúdos de aprendizagem escolar. O professor deve conhecer essas características para poder ensiná-las a seus alunos. Não como "lição", mas pelo contato cotidiano com textos, sua leitura, sua escrita, a reflexão sobre suas características etc.
Características dos textos enumerativos
• Função
1. Localizar informações concretas.
2. Recordar dados, etc.
3. Etiquetar, classificar, etc.
4. Comunicar resultados.
5. Anunciar acontecimentos.
6. Ordenar, arquivar, etc. informações.
• Modelos
1. Listas (de compra, de brin¬quedos, etc.)
2. Etiquetas.
3. Horários (cinema, TV, trans¬portes, atividades escolares, etc.)
4. Guias (telefônicos, de ruas, etc.) e agendas pessoais.
5. Formulários, impressos ofi¬ciais, etc.
6. Cartazes, pasquins, folhetos, etc.
TEXTOS ENUMERATIVOS
TEXTOS INFORMATIVOS
TEXTOS LITERÁRIOS
TEXTOS EXPOSITIVOS
7. Índices (livros, revistas, Atlas, etc.).
8. Enciclopédias, dicionários, Atlas, etc.
9. Catálogos (comerciais, de exposição, etc.).
10. Menus (escolares, de res¬taurantes, etc.).
• Conteúdo
1. Nomes ou títulos.
2. Cifras.
• Formato
1. Disposição vertical, ou em quadros, ou tabelas (dupla entrada ou mais)
2. Uso de travessão, asteriscos.
3. Escrita em colunas.
4. Podem constituir textos espe¬cíficos ou estar incorporado em textos mais amplos (o índice de um livro, por exem¬plo, ou uma ilustração).
• Gramática
1. Construções sintéticas centradas no nome ou em frases que atuam como substantivos.
2. Estrutura repetitiva.
3. Léxico específico do tema em campos semânticos de¬finidos.
• Procedimentos de leitura
1. De aproximação progressi¬va e localização.
2. Uso de critérios de ordena¬ção (alfabético, numérico, temático, etc.)
3. Uso de listas, tabelas de dupla entrada, horários, ín¬dices, etc.
Características dos textos informativos
• Função
1. Conhecer, ou transmitir, ex¬plicações e informações de caráter geral.
2. Seu objetivo é compreender, ou comunicar, as caracte¬rísticas principais do tema, sem maior
profundidade.
• Modelos
1. Jornais e revistas.
2. Livros de divulgação, folhetos.
3. Notícias.
4. Artigos e reportagens.
5. Anúncios e propaganda.
6. Avisos, anúncios públicos.
7. Correspondência pessoal ou comercial.
8. Convites.
9. Entrevistas.
• Conteúdo
1. Muito diverso, em função do tema (notícia, anúncios, cartas, etc.)
• Formato
1. Texto em prosa, com carac¬terísticas específicas de cada modelo (ver quadros adjuntos).
• Gramática
1. Características morfológicas e sintáticas variáveis em função do modelo.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de sinais de aproxima¬ção ao conteúdo (títulos, fotos, imagens, tipografia, seções de jornais, etc.).
2. Identificação do tema da in¬formação.
3. Identificação da ideia prin¬cipal.
4. Identificação dos detalhes principais.
Características dos textos literários
• Função
1. Induzir o leitor a sentimen¬tos e emoções especiais
2. Entretenimento e diversão.
3. Comunicar fantasias ou fa¬tos extraordinários.
4. Lembrar-se de acontecimen¬tos e emoções vividas pelo grupo ou pela própria pessoa.
5. Transmitir valores culturais, sociais e morais.
• Modelos
1. Contos, narrações, lendas, etc.
2. Poesia, refrães, canções, adi¬vinhações, etc.
3. Teatro, fantoches, etc.
4. Histórias em quadrinhos e gibis.
• Conteúdo
1. Fórmulas estabelecidas para o princípio e o final das his¬tórias (Era uma vez ..., e viveram felizes para sempre, etc.)
2. Descrição de personagens e situações, ambientes, etc.
3. Narração de fatos vividos ou fantásticos.
4. Comunicação de sentimen¬tos e emoções.
• Formato
1. Composição de texto e imagem em forma de livro, com capa, etc.
2. Valor da pontuação, para di¬ferenciar a narração do diá¬logo, por exemplo.
3. Poesia: organização em ver¬sos, estrofes, etc.
5. Possível utilização com ou¬tros recursos expressivos: teatro, música, dança, audiovisuais, etc.
• Gramática
1. Contos e narrações: formas sintáticas na 3a pessoa. Verbos no passado.
2. Formas de discurso direto na Ia pessoa: diálogos. Fi¬guras literárias, etc.
2. Poesia: frequente alteração das estruturas sintáticas habituais. Efeitos de rima, estilo, figuras, etc.
• Procedimentos de leitura
1. Leitura silenciosa e pessoal.
2. Importância da entonação na leitura em voz alta, reci¬tação, etc.
3. Identificação do esquema narrativo: situação, conflito e desenlace.
4. Identificação de recursos li¬terários especiais (estilo, fi¬guras, léxico, etc.).
Características dos textos expositivos
• Função
1. Compreender ou transmitir novos conhecimentos.
2. Estudar em profundidade.
• Modelos
1. Livros-texto, escolares.
2. Livros de consulta, divulga¬ção.
3. Artigos temáticos, relatórios.
4. Biografias.
5. Preparação de exposições orais e conferências.
6. Resenhas.
• Conteúdo
1. Definições e enunciados.
2. Descrições.
3. Explicação de processos.
4. Resumos.
5. Argumentações.
6. Hipóteses e discussão dos resultados, etc.
7. Roteiros, índices, esquemas, mapas semânticos, etc.
• Formato
1. Presença de títulos, subtítu¬los, gráficos, esquemas e caracteres tipográficos (su-blinhado, negrito, itálico, etc.) de importância para a compreensão o texto.
• Gramática
1. Uso de um vocabulário pre¬ciso e rigoroso, que deve ser definido.
2. Predomínio de substantivos.
3. Construções impessoais na 3a pessoa.
4. Grande importância semân¬tica dos nexos e partículas de relação (causa, consequ-ência, modo, localizadores, quantificadores etc.).
• Procedimentos de leitura
1. Uso do título e subtítulos como resumo do tema e ideia principal.
2. Uso de recursos tipográficos para ressaltar aspectos im¬portantes (sublinhado, nu-meração, etc.)
3. Identificação do tema e da ideia principal.
4. Uso de técnicas de resumo.
5. Reconstrução do roteiro a partir das perguntas que podem ser respondidas com o texto.
6. Identificação de termos des¬conhecidos ou duvidosos.
7. Identificação de nexos e par¬tículas de relação.
Característicos dos textos prescritivos
. Função
1. Regular de forma precisa o comportamento humano para a realização de algum objetivo.
. Modelos
2. Instruções escolares.
3. Receitas culinárias.
4. Regulamentos, códigos, nor¬mas: de jogo, de compor¬tamento, etc.
5. Instruções de utilização de materiais, aparelhos, etc.
6. Instruções para a realização de trabalhos manuais, etc.
Conteúdo
1. Explicação detalhada de como fazer determinada tarefa.
2. Presença de gráficos e sig¬nos para ilustrar o conteúdo.
Formato
1. Texto em prosa, diferencia¬do graficamente do restante do texto (por exemplo, da enumeração de materiais necessários).
2. Uso de formas de ordena¬ção e esquematização: nu¬meração dos passos a se¬rem seguidos, roteiros, etc.
Gramática
1. Frases curtas e precisas. Uso de léxico específico do tema, especialmente verbos de ação.
2. Uso de formas impessoais no presente ou da 2ª pes¬soa no imperativo.
3. Importância de partículas temporais para ordenar a sequência de ações.
Procedimentos de leitura
1. Uso de imagens, gráficos e ilustrações como comple¬mento da informação tex¬tual.
2. Identificação das etapas do processo temporal (a qual é o primeiro, o seguinte, etc.).
3. Identificação e compreensão dos verbos de ação.
4. Procedimentos de consulta no transcurso da realização da tarefa.
CAPITULO 18: ANALISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
REFL: ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Necessidade da forma come meio de obter um melhor uso da língua.
2. Estruturas básicas da língua (em nível de texto, de oração e de palavra) e seu funcionamen¬to dentro do texto.
3. Adequação dos textos. Varie¬dade das formas de expressão de uma mensagem em relação ao contexto e à situação de comunicação. Variações con¬forme a intenção do autor, o destinatário, o tipo de texto e o contexto de comunicação. Níveis de uso da linguagem.
4. Coerência do texto. Estrutura do texto e coerência do con¬teúdo. Léxico: regras de deri¬vação, sinonímia, polissemia. Recursos literários para mati¬zar ou enfatizar a expressivi¬dade do texto.
5. Coesão do texto. Aspectos morfossintáticos. Concordân¬cia, uso dos tempos e modos verbais relacionados com a si¬tuação comunicativa. Uso de localizadores, nexos, conetivos, etc. para articular o conteúdo.
6. Ortografia: separação de pala¬vras; correspondências estáveis som / letra e introdução de nor¬mas arbitrárias simples. Uso de maiúsculas e minúsculas. Intro-dução às normas de pontuação.
7. Introdução à literatura: aspec¬tos estilísticos, figuras literári¬as e gêneros relacionados com os textos lidos na escola (con¬tos, poemas, teatro, histórias em quadrinhos, etc.). Introdu¬ção à obra de alguns autores escolhidos.
Procedimentos
REFL: PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Exploração das estruturas bá¬sicas da língua (morfossintaxe, ortografia, léxico, etc.) a partir de situações de compreensão e produção de textos.
2. Observação de relações entre as estruturas morfossintáticas dos textos e o sentido e intencionalidade da mensagem.
3. Observação de regularidades sintéticas, morfológicas e or¬tográficas nas produções ver¬bais e escritas.
4. Formulação e comprovação de hipóteses sobre o funciona¬mento das estruturas básicas da língua em tarefas de com¬preensão e produção de textos.
5. Formulação e comprovação de hipóteses sobre as convenções ortográficas.
6. Verbalização das observações realizadas, identificando as normas sintáticas, morfológi¬cas e ortográficas básicas.
7. Procedimentos de correção dos textos escritos conforme crité¬rios previamente estabelecidos. Identificação de dúvidas na compreensão e na produção de textos. Resolução de proble¬mas usando fontes de informa¬ção acessíveis ao aluno.
Atitudes
REFL: ATITUDES RELACIONADAS COM A ANÁLISE E A REFLEXÃO SOBRE A PRÓPRIA LÍNGUA
1. Gosto pela qualidade dos tex¬tos próprios e alheios (sua ade¬quação, coerência e correção) como meio de assegurar uma comunicação fluente e clara.
2. Aceitação e respeito pelas nor¬mas básicas da língua.
3. Adoção de uma posição crítica positiva em relação à própria escrita, que conduza ao hábito de revisar e corrigir o escrito.
4. Atitude ativa na identificação de problemas gramaticais e na busca de recursos para solu¬cioná-los.
5. Interesse pela busca de canais comunicativos pessoais e cri¬ativos no uso da língua.
DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS
Ensinar gramática significativamente
A gramática e a reflexão sobre a linguagem devem estar a serviço da melhor compreensão e expressão das crianças. Não é imprescindível conhe¬cer os verbos, mas é imprescindível usá-los corretamente. No estudo da gramática:
• Deve-se partir do USO da lin¬guagem sem separá-la da re¬flexão gramatical.
• Ò USO da linguagem escrita refere-se à compreensão e pro¬dução de TEXTOS.
• A reflexão gramatical consiste em estabelecer relações entre as estruturas básicas da língua e o sentido global da mensagem.
As crianças também têm ideias sobre a gramática
Em relação à aprendizagem da gramática também se trata de dis¬cutir e refletir, de escutar o que as crianças dizem e confrontá-las com a realidade dos textos escritos que utilizam, para confirmar ou refutar suas teorias.
A gramática nos textos
Os aspectos gramaticais devem ser incorporados aos comentários, à preparação, junto com os aspectos do conteúdo e características do tex¬to. Esses aspectos referem-se a três grandes campos: a adequação à si¬tuação comunicativa, a coerência do conteúdo e a coesão gramatical. To¬dos esses aspectos existem integra¬dos aos textos e assim devem ser tra¬balhados. O espaço privilegiado para refletir sobre os aspectos gramaticais são os da preparação, supervisão e correção posterior da escrita.
A ortografia se pensa
A aprendizagem da ortografia está em linha de continuidade com a aprendizagem do sistema alfabético Aprende-se ortografia pensando e refletindo sobre a linguagem escrita.
AS ATIVIDADES DE CORREÇÃO GRAMATICAL
Considera-se que as atividades de gramática são ensinadas e aprendi¬das em todas as atividades de lin¬guagem escrita. A correção faz par¬te da tarefa de ensinar em qualquer atividade de linguagem desde o iní¬cio da escolaridade.
Ao corrigir:
• Convém valorizar os acertos e não os erros.
• O mais importante é verificar se o texto consegue comuni¬car uma mensagem clara e compreensível.
• Não é possível corrigir tudo e nem corrigir sempre.
• O interesse da correção, e sua necessidade são de que a cri¬ança aprenda a melhorar e aprenda significativamente.
• Como corrigir serve para aprender, todos devem partici¬par da tarefa de correção; essa não deve ser uma prerrogativa do professor.
CAPÍTULO 19: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
CONTEÚDOS CURRICULARES
Conceitos
VnãoV: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
1. Necessidade e significado do gesto e da expressão corporal na língua oral e na verbalização do escrito.
2. Conhecimentos acerca de logotipos significativos para os alunos, sinais icônicos e outros símbolos gráficos nas ruas, na escola, etc.
3. Necessidade e significado do som e da imagem associados a textos escritos em filmes, montagens audiovisuais, etc. de uso na escola.
4. Elementos lingüísticos e não-linguisticos da comunicação escrita. A ilustração e a tipografia como fontes de informação acerca do texto que será lido.
5. Valor semântico da imagem em textos, tais como anúncios, cartazes, revistas em quadrinhos, piadas, etc. e sua rela¬ção com o texto escrito.
Procedimentos
VnãoV: PROCEDIMENTOS DE ARTICULAÇÃO ENTRE ELEMENTOS LINGUÍSTICOS E NÃO-LINGUÍSTICOS NOS TEXTOS
1. Interpretação e produção de logotipos, ícones e outros pro¬cedimentos de simbolização gráfica.
2. Interpretação e produção de imagens, sozinhas ou sequenciadas.
3. Interpretação e produção de ilustrações associadas aos tex¬tos, uso das mesmas como indicadores do conteúdo do texto e para expressar diversas intenções.
4. Interpretação e produção de textos associados a imagens (e/ ou sons), tais como legenda de foto, anúncios, cartazes, histó¬rias em quadrinhos, piadas, vídeos, diapositivos, etc.
5. Procedimentos de recitação, dramatização, leitura em voz alta, etc. com expressão corporal.
6. Relação entre texto e música, em canções, contos musicais, etc.
7. Análise dos significados introdu¬zidos pelo som e pela imagem em produções audiovisuais e sua relação com o texto. Interpreta¬ção da intenção pretendida.
Atitudes
VnãoV: ATITUDES RELACIONADAS COM OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO-VERBAL
1. Sensibilidade estética frente à forma de coordenar sistemas de comunicação verbal e não-verbal (ordem, clareza, equilí¬brio, ritmo, etc.).
2. Atitude crítica frente às mensa¬gens que transmitem os mei¬os de comunicação social e a publicidade, mostrando espe¬cial sensibilidade pelas. Que supõem discriminações soci¬ais, sexuais, raciais, etc.
Desenvolvimento dos Contéudos
Palavras, imagens, sons e gestos
Esse também é um bloco trans¬versal. Além de raramente a palavra aparecer isolada (literatura infantil), a linguagem é um dos meios de expres¬são junto a outros (música, expressão corporal, plástica etc.), além disso, a linguagem é um instrumento dê apoio para quase todas as ações humanas.
TIPOS DE ATIVIDADES
• Interpretação de logotipos e símbolos gráficos; Leitura de imagens; Sequenciação de imagens;
• Relação texto-ilustração; Dra¬matização e representação; Re¬lação texto-música; Relação texto-imagens audiovisuais
PARTE V: INSTRUMENTOS PARA A AVALIAÇÃO
Introdução
A avaliação formativa
A avaliação deve funcionar para permitirão aluno ver com clareza em que está melhorando, onde se encon¬tra estacionado e em que direção pode, e deve, avançar. Isso significa tornar o aluno consciente do seu pro¬cesso de aprendizagem e monitorá-lo. A avaliação não deve ser apenas uma sanção externa, do professor e da sociedade, em relação ao aluno. O conhecimento de si mesmo tem a ver com a própria predisposição para a aprendizagem. A imagem de si mesmo é determinante do êxito ou do fracasso em tarefas escolares.
Os critérios de avaliação
A ênfase deve estar na capacidade do aluno para participar do trabalho coletivo na aula: captar o sentido dos textos orais, produzir textos orais, cap¬tar o sentido dos textos escritos, usar estratégias de compreensão, ler tex¬tos diversos, escrever textos diversos, respeitar as normas gramaticais etc.
Instrumentos para a avaliação do processo de ensino e de aprendizagem
A avaliação é um processo contí¬nuo que é realizado em cada uma das atividades escolares que devem ser avaliadas a partir das características concretas de cada atividade, de cada texto, de cada situação.
Os autores distinguem três momentos diferentes do processo de avaliação:
A avaliação inicial de construção do sistema alfabético: consiste em avaliar os conhecimentos e possibili¬dades de aprendizagem antes de rea¬lizar a atividade de leitura e escrita, com o objetivo de ajustar a orientação e a atividade a esse conhecimento.
• A avaliação contínua do pro¬cesso de aprendizagem: requer o planejamento de atividades específicas de avaliação lem¬brando que a finalidade da ava¬liação formativa não é a nota, mas conhecer, em cada mo¬mento, qual é o nível de com-petência do aluno em relação aos objetivos que o professor estabeleceu para saber o que ficou por aprender.
• A avaliação do processo de ensino: o professor também deve avaliar o processo de en¬sino e as atividades que reali¬za. Ao analisar seu próprio tra¬balho adquire critérios e ele¬mentos para introduzir mudan¬ças no processo de ensino.
Capítulo 20: Avaliação inicial dos níveis de construção do sistema alfabético
Avaliação inicial dos procedimentos de escrita
Ao pedir que a criança pequena escreva seu nome ela pode pensar que escrever é o mesmo que desenhar. Sabemos então que é preciso ler para ela muitos contos, mostrar-lhe escritas diferentes, com desenhos ou sem eles, em livros, cartazes, etc. Ao pedir às crianças que produ¬zam outras escritas, como por exem¬plo, palavras como BORBOLETA, ESQUILO, PEIXE, GATO e da frase O GATO PEDE LEITE, a produção da criança corresponderá a algumas possibilidades evolutivas:
• escritas sem relação entre som e representação escrita da pa¬lavra (escritas pré-silábicas)
• escritas que relacionam o va¬lor sonoro da palavra à repre¬sentação escrita.
Outros procedimentos de avalia¬ção da escrita inicial são feitos a par¬tir de textos memorizados e da reescrita de um texto conhecido.
Avaliação inicial dos procedimentos de leitura
O que tem no cartão serve para ler
O objetivo dessa atividade é ave¬riguar as primeiras ideias pessoais das crianças sobre a linguagem escrita: como interpretar os signos gráficos e que condições devem reunir esses signos para que tenham significados.
Hipóteses sobre o conteúdo escrito
Atividades iniciais: a partir da "lei¬tura" do seu nome deve-se observar: o tipo de leitura, o tipo de segmentação. A partir de uma atividade de relacionar
a imagem (animal) ao seu nome po¬demos observar como interpreta o es¬crito e que indícios utilizou:
número de letras, vogais, letra inicial etc.
Interpretação de textos com ima¬gem: observar que tipo de interpre¬tação recebe o texto escrito a partir da informação que a imagem que o acompanha fornece.
Outros procedimentos de avalia¬ção de leitura a partir da decifração são feitos usando-se textos memori¬zados ou muito conhecidos e textos desconhecidos.
CAPÍTULO 21: AVALIAÇÃO CONTÍNUA DA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
Avaliação das atividades, em vez de atividades de avaliação.
• Observação e registro sistemá¬tico
• Diversificação das atividades e
• Trabalhar com grupos reduzidos sob supervisão do professor
A avaliação começa ao se decidir a atividade
Ao decidir que tema tratar, com que tipo de texto e que objetivos es¬pecíficos de linguagem o professor se propõe ensinar aos alunos, ele já está definindo os critérios de avalia¬ção da atividade, sendo assim a ava¬liação vai sendo definida no decor¬rer da atividade.
A avaliação é registrada por escrito
A elaboração de grades em que colocamos o conjunto de alunos do grupo e uma lista dos principais ob¬jetivos da atividade que queremos concretamente avaliar, é um instru-mento facilitador do processo de avaliação.
CAPITULO 22: A AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO
Os autores propõem um roteiro para analisar e avaliar o processo de ensino de uma atividade:
• Grau de significatividade da tarefa proposta
• Grau de adaptação à diversi¬dade
• Motivação e clima de trabalho (por quê, para quê)
• Nível de realização da atividade
• Intervenção do professor
• Resultados e produções dos alunos
O caráter formativo da avaliação do processo de ensino
O interesse desse tipo de análise é, fundamentalmente, que possamos identificar os aspectos que precisa¬mos melhorar e que possamos fazê-lo de forma compartilhada com ou¬tros colegas o que é uma ótima via de formação permanente.
VOLUME 2
Introdução
Este volume oferece aos profes¬sores um conjunto de sugestões prá¬ticas para o trabalho com a lingua¬gem escrita. O Capítulo I mostra como na organização e nas atividades cotidianas de sala de aula apare¬cem várias situações que levam, na¬turalmente, ao uso de textos para escrever e para ler. Todas as atividades são feitas a partir de textos com-pletos, significativos, que se relacio¬nam com as tarefas e às necessida¬des que são abordadas na aula: fa¬lar, ler, escrever e se comunicar. São utilizados vários tipos de texto como eixo estruturador da apresentação das atividades sugeridas.
Para cada tipo de texto os autores oferecem diversas sugestões para: professor preparar as atividades que irá propor aos seus alunos:
• As características de cada tipo de texto que constituem o con¬teúdo que as crianças precisam aprender.
• Esquemas didáticos (sequenciação, planejamento das tare¬fas) onde é especificado o pro¬cesso sugerido para trabalhar cada tipo de texto.
• um conjunto de sugestões concretas sobre diversas ativi¬dades possíveis em relação a cada tipo de texto (quadro, exemplo de atividade, outras atividades possíveis)
• Alguns exemplos de pautas de avaliação das atividades.
CAPITULO 1 - Como aproveitar as rotinas da aula para ler e escrever
Há uma série de atividades de roti¬na e atividades de identificação e rotulação que permitem familiarizar as crianças com a linguagem escrita: lista dos alunos que faltaram; rotular cabi¬des e materiais individuais; uso do calendário, de murais etc. Essa presença do escrito não é forçada nem artificial, pois utilizamos a linguagem escrita em atividades da vida cotidiana. Também é aconselhável disponibilizar muitos livros (material escrito "vivo") para as crian¬ças: a biblioteca de sala, jornais, revis¬tas, dicionários, Atlas. Pode-se, também, dispor de um quadro para anunciar as atividades infantis, festas, comemora-ções. E, finalmente, muitas matérias de escrita: lápis, pincel atômico, letras re¬cortadas, carimbos, computador.
O professor também pode e deve ler e escrever muitas coisas na sala de aula; ele funciona como modelo no uso da linguagem escrita.
Há, também, uma série de roti¬nas escolares com o uso de diferen¬tes tipos de texto que proporcionam material para o trabalho do profes¬sor em sala de aula:
• Texto enumerativo: rotulação, listas, quadros e tabelas.
• Texto informativo: diário de aula, jornais, revistas.
• Texto expositivo: registro de observações do tempo, rese¬nhas de trabalhos coletivos.
• Texto literário: literatura popu¬lar, poemas e canções, contos.
• Texto prescritivo: instruções, regulamentos, atas.
CAPÍTULO 2-Textos enumerativos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
São inúmeras as ocasiões em que precisamos ler e escrever textos com a finalidade de comunicar, ou localizar, um ou vários dados concretos. Possi¬velmente, estes sejam os textos mais funcionais na vida cotidiana. Por sua
relevância e especificidade merecem ser ensinados na escola. Além disso, por suas características básicas (nomes, lis¬tas) são textos adequados para os pri¬meiros níveis de escolaridade.
Características dos textos enumerativos
• Função
1. Localizar informações con¬cretas.
2. Recordar dados, etc.
3. Etiquetar, classificar, etc.
4. Comunicar resultados.
5. Anunciar acontecimentos.
6. Ordenar, arquivar, etc. infor¬mações.
• Modelos
1. Listas (de compra, de brin¬quedos, etc.)
2. Etiquetas.
3. Horários (cinema, TV, trans¬portes, atividades escolares, etc.)
4. Guias (telefônicos, de ruas, etc.) e agendas pessoais.
5. Formulários, impressos ofi¬ciais, etc.
6. Cartazes, pasquins, folhetos, etc.
7. Índices (livros, revistas, Atlas, etc.).
8. Enciclopédias, dicionários, Atlas, etc.
9. Catálogos (comerciais, de exposição, etc.).
10. Menus (escolares, de res¬taurantes, etc.).
• Conteúdo
1. Nomes ou títulos.
2. Cifras.
• Formato
2. Disposição vertical, ou em quadros, ou tabelas (dupla entrada ou mais)
3. Uso de travessão, asteriscos.
4. Escrita em colunas.
5. Pode constituir textos espe¬cíficos ou estar incorporado em textos mais amplos (o índice de um livro, por exem¬plo, ou uma ilustração).
• Gramática
1. Construções sintáticas cen¬tradas no nome ou em fra¬ses que atuam como subs-tantivos.
2. Estrutura repetitiva.
3. Léxico específico do tema em campos semânticos definidos.
• Procedimentos de leitura
2. De aproximação progressi¬va e localização.
3. Uso de critérios de ordena¬ção (alfabético, numérico, temático, etc.)
4. Uso de listas, tabelas de dupla entrada, horários, índices, etc.
Esquemas didáticos: escrita de nomes
1. SELECIONAR as situações em que se faz necessário escrever e ler nomes: o próprio nome nos trabalhos escolares, na pas¬ta e materiais pessoais, na lista de alunos, etc.; nomes comuns para rotular trabalhos escolares, para completar, para intitular imagens ou desenhos, etc.
2. LER/INTERPRETAR nomes escritos na aula, nos materiais, nas legendas de figuras, etc.; relação entre o nome e o tema ou a imagem, etc.
3. PREPARAÇÃO ORAL DA ES¬CRITA: discutir qual é o nome mais adequado a ser escrito em cada lugar.
4. EXPLICITAR A RECOMENDA¬ÇÃO: especificar o que deverá ser escrito, onde fazê-lo, como (alinhamento, orientação, etc.), tipo de letra se for o caso, etc., materiais, condições de realiza¬ção (individualmente, em du¬plas, em grupo, coletivamente diante do quadro, etc).
5. ESCRITA DO NOME. Presta¬mos atenção à: adequação à re¬comendação (onde, como, etc.); adequação do conteúdo (a palavra escolhida é adequa¬da?); nível de construção do sis¬tema alfabético (codificação).
6. REVISAR E CORRIGIR: releitura do escrito por parte do aluno em função de suas possibilida¬des; exigir do aluno a escrita que é capaz de fazer autonomamen¬te (silábica, alfabética, etc.); correção do que foi escrito pro¬vendo ajuda que permita que ele melhore a sua produção.
Exemplo de atividade – Reconhecimento do próprio nome entre os nomes dos colegas de mesa.
Outras atividades possíveis
• Escrita do próprio nome
• Escrita dos rótulos necessários para a organização da aula
• Escrita de nomes em murais temáticos
Esquemas didáticos: listas
1. Aproveitar todas as situações da aula nas quais for necessário ou útil escrever e ler listas: listas de alunos, de elementos de um campo temático, de materiais que é preciso trazer, de tarefas pendentes, de livros da biblioteca, de brinquedos, etc.
2. PREPARAÇÃO ORAL: discu¬te-se em classe o objetivo da lista que será feita e se discu-tem critérios sobre que infor¬mações devem ser incluídas, ou não, na lista. Propõem-se exemplos de palavras adequa¬das para a lista.
3. INSTRUÇÕES PARA A ATIVI¬DADE: o professor explicita a tarefa que será feita, resumindo as discussões prévias, e dá as condições de trabalho: a atividade será feita individualmente em duplas, grupos, etc.; materiais necessários, título, etc.
4. PRODUÇÃO: deve-se prestar atenção, especialmente:
• À escrita diferenciada do título.
• À adequação de cada elemento da lista a seu conteúdo e finalidade.
• À disposição gráfica do texto na vertical, abaixo do títuIo (um elemento em cada linha).
• Ao nível de construção do sistema alfabético (codificação).
• Ao respeito às condições de ditado, em caso de escrita em grupo: esperar a vez, pro-nunciar com clareza, esperar que o outro termine de es¬crever a palavra anterior, con¬trolar a escrita da palavra di¬tada e corrigi-la se for o caso.
5. LEITURA/INTERPRETAÇÃO da lista por parte dos alunos. Dado que cada aluno sabe o conteú¬do da lista ou, ao menos, o tema a que se refere, pode levantar hipóteses ao ler, confirmá-las com indicadores quantitativos ou qualitativos da palavra escri¬ta, etc. Quando a criança aca¬ba de escrever a lista, a sua lei¬tura serve para revisar a correção do que foi escrito, seu ajus¬te ao componente fonético da palavra, discutir com o colega se está bem escrita, etc.
6. REVISÃO E CORREÇÃO POR PARTE DO PROFESSOR: se¬rão respeitados os critérios mencionados no processo de produção (título, adequação, verticalidade, codificação, dita¬do, etc.). Não serão admitidas escritas de qualidade inferior a que o aluno pode conseguir au¬tonomamente. Se possível, ajudar-se-á o aluno a melhorar si produção, no que possa conseguir com ajuda: ajustar número de letras ao de sílabas, acrescentar letras que pode discriminar, etc.
Exemplo de atividade – Escrita de uma lista de nomes comuns: o que não se deve esquecer de levar para ir a excursões escolares. (pijama, saco de dormir, pente, sabonete, colônia, roupa, toalha).
Outra atividade possível
• Escrita de uma lista dos nomes dos alunos
Esquemas didáticos: cartazes e programas
1. Selecionar a situação favorável para a confecção e leitura de cartazes e programas na aula:
festas, excursões, exposições, concursos, convocações, espetáculos infantis, etc.
2. OLHAR, OBSERVAR, ANALISAR modelos de cartazes e programas que chegam à aula,
ou às casas, etc. Prestar atenção e analisar:
• A quem são dirigidos: destinatários.
• Intencionalidade do cartaz: relação que tem com o planejamento gráfico ou o tipo de texto que se apresenta.
• Características do texto do cartaz: conciso, chamativo, etc.
• Presença e valor da imagem e / ou recursos tipográficos, etc.
3. LEITURA: por parte do professor ou dos próprios alunos, antecipando o conteúdo (o que deve ser?,
onde?, quando?, será interessante?...), comentando as informações que contem, diferenciando os
fragmentos persuasivos (slogan, argumentação persuasiva, etc.).
Relacionar o conteúdo com a forma gráfica, etc.
4. PREPARAÇÃO ORAL DA ESCRITA: debater com o grupo a função do cartaz ou programa que será
realizado: o que pretende, a quem se dirige, que informação imprescindível deve conter, que
tamanho, características gráficas (se há desenho ou não; que tipo de ilustração, etc.).
5. EXPLICITAR AS INSTRUÇÕES: características da atividade que será feita, condições de realização,
materiais, grupos, etc. Conforme idade e características dos alunos, o professor pode dar mais ou menos
pautas e/ou ajuda: pôr no quadro o texto necessário corretamente escrito; dar indicações precisas
acerca do formato, distribuição do texto, distribuição de espaços gráficos, etc.
6. ELABORAÇÃO COLETIVA DE RASCUNHOS: corresponder aos critérios dados quanto ao
conteúdo (informativo, persuasivo) e à diagramação (distribuição de espaços, ilustrações, etc.).
7. REVISÃO E CORREÇÃO DOS RASCUNHOS: por parte dos alunos e, posteriormente, do professor,
em relação aos critérios combinados.
8. CONFECÇÃO DO CARTAZ OU PROGRAMA: ao passar a limpo, zelar pela correção do texto, a
realização tipográfica e gráfica, colorido, etc. indivi¬dualmente ou em grupo.
9. EXPOSIÇÃO COLETIVA DOS TRABALHOS: leitura, revisão, discussão e correção dos tra¬balhos
realizados. Em caso necessário, escolher-se-á o trabalho que será posteriormente editado.
10. EDIÇÃO, REPRODUÇÃO E DIFUSÃO DO TRABALHO: utilizando os meios técnicos pertinentes,
discutindo opções, plano de difusão, etc.
Outras atividades possíveis
• Leitura de um cartaz
• Escrita da data
• Escrita da agenda pessoal
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da lista dos nomes das crianças da mesa
Neste caso, o professor registra alguns dos objetivos que se propôs. Para a escrita do próprio nome:
1. Uso de letras e não de outros sinais gráficos.
2. Pôr todas as letras e na ordem adequada.
3. Conhecer o nome das letras de seu nome.
Em relação à escrita dos nomes de outras crianças:
1. Que recorra à observação do modelo, se precisarem (os cartões com os nomes das crianças que
estão em algum lugar da sala de aula).
2. Que escrevam os nomes em forma de lista vertical.
3. Que usem letras convencionais.
Finalmente, o professor deixa um espaço para registrar comentários sobre o uso de recursos para
resolver o problema da escrita dos nomes, etc.
• Pautas de avaliação para a atividade: leitura e classificação de uma lista de nomes comuns, conforme
critérios dados.
As crianças devem interpretar uma série de nomes e classificá-los em grupos (por exemplo, veículos
terrestres, marítimos e aéreos). O professor estabeleceu os seguintes objetivos:
1. Registrar o nível de escrita, considerando que podiam recorrer ao modelo que deviam ler.
2. Registrar o nível de leitura (início da decifração; decifração insegura e grau de compreensão que
alcançam; decifração completa e compreensão significativa de palavra).
3. Outros aspectos: escrita em lista vertical; aplicação correta do critério de classificação, caligrafia, tamanho, alinhamento da escrita, etc.
Exemplo de atividade – Confecção do cartaz que anuncia uma festa escolar. As crianças deveriam copiar os dados imprescindíveis: nome da escola, município, data, horário da festa na parte superior e escrever um ou dois slogans originais na parte inferior.
Modelo de pauta de avaliação da escrita dos nomes das crianças da mesa
Capítulo 3 - Textos Informativos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A finalidade dos textos informati¬vos é a de comunicar ou adquirir in¬formação geral sobre um tema, fato, etc. São textos organizados em frases e parágrafos e sua intenção é acessar informações gerais sem preocupação em aprofundar conhecimentos. Estão incluídos nesse tipo de textos todos os que se referem ao jornalismo: jor¬nais, revistas, folhetos, com suas di¬ferentes variedades (notícias, reporta¬gens, artigos diversos, anúncios, etc.). Também são incluídas as cartas (cor¬respondência), pois a maior parte das que enviamos tem como finalidade informar(se) sobre algo concreto. Tra¬balhar com o jornal gera preocupa¬ção nos professores pelo tipo de notí¬cia veiculada; catástrofes, acidentes, guerra, violência, etc. Deve-se lembrar que é preferível que o professor as comente criticamente ao invés de ignorá-las. Em relação aos anúncios comerciais o professor deve escolher os que lhe pareçam mais convenien¬tes. Os autores justificam a sua inclu¬são porque os anúncios fazem parte da realidade da maioria das crianças, em nossa sociedade e, além do mais, constituem tipos de texto adequados à crianças pequenas, por suas carac¬terísticas de brevidade, uso de modos e tempos verbais específicos, combinação de texto/imagem.
Características dos textos informativos
• Função
2. Conhecer, ou transmitir, ex¬plicações e informações de caráter geral.
3. Seu objetivo é compreender, ou comunicar, as caracte¬rísticas principais do tema, sem maior profundidade.
• Modelos
5. Jornais e revistas.
6. Livros de divulgação, fo¬lhetos.
7. Notícias.
8. Artigos e reportagens.
9. Anúncios e propaganda.
10. Avisos, anúncios públicos.
11. Correspondência pessoal ou comercial.
12. Convites.
13. Entrevistas.
• Conteúdo
1. Muito diverso, em função do tema (notícia, anúncios, cartas, etc.).
• Formato
1. Texto em prosa (com carac¬terísticas específicas de cada modelo).
• Gramática
1. Características morfológicas e sintáticas variáveis em função do modelo.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de sinais de aproxima¬ção ao conteúdo (títulos, fotos, imagens, tipo grafia, seções de jornais, etc.).
2. Identificação do tema da in¬formação.
3. Identificação da ideia prin¬cipal.
4. Identificação dos detalhes principais.
Características das notícias
• Conteúdo
1. Baseado em fatos reais, destacando os detalhes sig¬nificativos, com escassa opinião pessoal do escritor.
2. Estrutura clássica: o que* aconteceu, onde, quando, como, por que e que con-sequências tem.
3. Existem classificações te¬máticas das notícias: se¬ções do jornal.
Formato
1. Manchetes destacadas que resumem o essencial; lead (o que, qual, quando, onde e porquê do fato ocorrido); subtítulos. Tipografia relati¬va à importância da notícia.
2. Indicação de data e lugar da notícia. Assinatura, agência, correspondente.
3. Presença de fotografias, ou gráficos com sua legenda correspondente.
4. Escrita em colunas.
5. Na TV: formato dos noticiá¬rios, resumo inicial dos des¬taques. Ampliação posteri¬or acompanhada de ima¬gens filmadas. Possibilida¬de de comentários posteri¬ores em entrevistas, etc. Relação texto-imagem.
Gramática
1. Manchetes: frases curtas, sintéticas, com elementos para chamar a atenção do leitor e despertar sua curiosidade (voz passiva, verbos impessoais, supressão do verbo, deslocamento de sintagmas, jogos de pala¬vras, etc.),
2. Texto em formas nominais, com complementos de pre¬cisão (vocativos, adjetivos relativos, etc.), formas verbais com indicativos para expressar simultaneidade.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de elementos contex¬tuais (foto, imagens) como aproximação ao texto.
2. Uso do título como resumo da notícia.
3. Uso de subtítulos, legendas, data, etc., para ampliar a in¬formação do título.
4. Identificação do que acon¬teceu, como, onde, quan¬do, por que e consequên¬cias do acontecimento.
Esquemas didáticos: notícias
1. SELECIONAR situações em sala de aula nas quais seja jus¬tificado o uso de textos infor¬mativos diversos: notícias im¬portantes; revisar diariamente o jornal como rotina escolar; informações relativas ao tema que se está trabalhando; ela¬boração de murais, dossiês temáticos, etc.; notícias da ci¬dade ou bairro, etc.
2. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: apresentar o jornal na sala de aula como documento infor¬mativo escrito: o que é, para que serve, como é, o que traz, como se organiza o conteúdo (seções, formato, etc.), quais o aluno conhece, quem os lê, que conhecimentos prévios têm so¬bre jornais, etc. Dada à impor¬tância e complexidade deste tipo de texto, essa apresenta¬ção deverá ser feita em várias sessões ou de forma habitual, ou ao longo do ano em relação com o trabalho que será feito.
3. LEITURA DO JORNAL: é pre¬ferível que seja organizada como uma tarefa habitual e não-esporádica. Comentário das notíci¬as de atualidade, interessantes para o grupo, ou das notícias trazidas pelos alunos.
4. SELEÇÃO DA(S) NOTÍCIA(S):
a partir dos conhecimentos prévios dos alunos (da TV, do rádio, de comentários em casa, etc.), da leitura das manche¬tes por parte do professor, da observação de fotografias e ilustrações, etc.
5. LEITURA DA NOTICIA:
• Explicitar o objetivo da leitura: informar-se, comprovar infor¬mações, aperfeiçoar os dados, comparar notícias de diferen¬tes meios informativos, realizar uma atividade posterior, etc.
• Leitura da manchete por par¬te do professor ou de um alu¬no. Comentário, intercâmbio de ideias sugeridas pelo títu¬lo, observação de fotos. An¬tecipação e formulação de hi¬póteses sobre o conteúdo da notícia.
• Leitura da notícia por parte do professor, centrando a atenção das crianças nos as-pectos mais relevantes: o quê, como, quando, onde, quem, por que, consequências, etc.
• Recapitulação oral do que foi lido e comentado. Assegurar-se de que o grupo inteiro com¬partilha a informação básica.
6. ESCRITA:
• Explicitar claramente a fina¬lidade e os objetivos da ati¬vidade de escrita: registrar in¬formações relevantes para o jornal escolar, confecção de um mural, acompanhamen¬to de acontecimentos espe¬ciais, etc. Explicitar as instru¬ções e condições da ativida¬de: escrever a manchete, a legenda de uma foto, o cor¬po da notícia; fazê-lo individualmente, em duplas, etc.
Com ou sem ilustração, etc
a) Educação Infantil
• Formulação oral e coletiva do pré-texto que será escrito: tema de notícia, manchete ou legenda de foto. O professor guia facilita, participa no processe de construção compartilhada do texto. Apropriação do conteúdo do texto e de suas características.
• Escrita do texto, individual 01 em pequeno grupo.
• Leitura e revisão coletiva dos textos escritos; comentários pessoais sobre as notícias tra¬balhadas.
• Edição e/ ou arquivo.
b) Ensino Fundamental:
• Elaboração coletiva do pré-tex¬to, respeitando o esquema de composição das notícias e dos aspectos gráficos e tipográficos.
• Produção escrita da notícia, individual ou em grupo (a es¬crita de notícias se presta para o trabalho em duplas).
• Leitura coletiva dos textos es¬critos e revisão dos aspectos de coerência do texto, de precisão do conteúdo, de precisão de dados concreto da notícia, etc.
• Escrita passada a limpo.
• Edição, reprodução e / ou ar¬quivo.
Texto informativo / jornal
Outras atividades possíveis
• Observação dos jornais como meios de informação
• Escrita da legenda de uma foto que corresponde a uma notí¬cia comentada em aula
• Relacionar legendas com as imagens correspondentes
• Escrita da manchete de uma notícia
• Classificar manchetes de notí¬cias em função das seções do jornal
• Relacionar manchetes com o texto da notícia
• Leituras de uma notícia
• Escrita de uma resenha jor¬nalística: crítica de filmes, li¬vros, jogos etc.
Características dos anúncios
• Conteúdo
2. Mensagens breves, com for¬te carga persuasiva centra¬da nas virtudes do produto ou estabelecimento.
3. Presença de associações emocionais acrescentadas ao fato comercial.
4. Slogans e canções fáceis de lembrar. Valor da repetição.
5. Presença de imagens suges¬tivas junto ao texto.
• Formato
7. Variedade de recursos tipo¬gráficos para hierarquizar a informação.
8. Presença de logotipos.
9. Imagens, cores, grafismos, etc.
• Gramática
2. Textos sintaticamente simples; com frequência, lexicais, não-verbais. Semelhança com textos enumerativos.
3. Uso de formas de imperativo, obrigação ou necessidade.
4. Uso de condicionais e fu¬turos.
5. Uso de formas na segunda pessoa.
• Procedimentos de leitura
7. Identificação do tipo de produto e marca.
8. Identificação do argumen¬to utilizado.
9. Leitura da imagem em re¬lação ao argumento.
10. uso de classificações temáticas de anúncios (por tipo de produtos, anúnci¬os por palavras, etc.).
Esquemas didáticos: anúncios
1. SELECIONAR as situações fa¬voráveis para incorporar na aula os anúncios comerciais como elementos de comunica¬ção escrita: anúncios, slogans, logotipos, etc. de produtos de consumo pessoal e familiar, dos quais as crianças possu¬em conhecimentos pelos mei¬os de comunicação.
2. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: pelo professor e/ ou pe¬los alunos, selecionados de diferentes meios informativos.
3. EXPOSIÇÃO, LEITURA E OB¬SERVAÇÃO COLETIVA dos materiais apresentados. Identi¬ficação dos produtos e do conteúdo informativo do anúncio, a partir de elementos textuais e do contexto (meio de comuni¬cação de que se trata, presen¬ça de imagens, recursos tipo¬gráficos, etc.). Compartilhar coletivamente a informação.
4. INFORMAÇÃO DADA PELO PROFESSOR sobre as carac¬terísticas da mensagem publi¬citária; textos persuasivos ou argumentativos, articulação texto-imagem, recursos tipográfi¬cos, etc., de acordo com sua função comercial. Comentar criticamente aspectos consumistas, discriminatórios, etc.
5. EXPLICITAR AS INSTRUÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABA¬LHO: decidir o tipo de texto que será produzido, agrupamento de alunos, materiais, etc.
6. ELABORAÇÃO DO PRÉ-TEX¬TO que será escrito, levando em conta as condições estabelecidas. Apropriação do conteúdo do tex¬to e de suas características.
7. ESCRITA do texto e elabora¬ção do anúncio (recortar e co¬lar, ilustrar, reproduzir ou criar um novo logotipo, etc.).
8. EXPOSIÇÃO coletiva dos dife¬rentes trabalhos realizados. Lei¬tura, revisão e correção confor¬me os critérios estabelecidos.
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Outras atividades possíveis
• Diferenciação entre escrita e outras formas gráficas a partir da observação de anúncios ou embalagens.
• Interpretação de logotipos
• Leitura de anúncios publicitá¬rios
Características da correspondência
• Conteúdo
1. Explicação dos objetivos da carta, resposta que se es¬pera e de como se espera.
2. Em cartas pessoais: informa¬ção do vivido, fórmulas ca¬rinhosas, interesse pelo destinatário, etc. Possibili¬dade de incluir elementos li¬terários.
• Formato
1. Tipo de papel.
2. Data, destinatário, sauda¬ção, texto, despedida e as¬sinatura.
3. Envelope: endereço, reme¬tente, posição do selo, etc.
• Gramática
1. Formas sintéticas de corte¬sia: saudação, apresentação, despedida.. Verbos no presente, passado, futuro
e condicional.
2. Frequência de formas inter¬rogativas.
Procedimentos de leitura
1. Identificação do destinatá¬rio, data e remetente.
2. Identificação do tipo de carta (pessoal, comercial, oficial, informativa, petição, etc.).
3. Identificação do tema e cir¬cunstâncias importantes.
4. Identificação de fórmulas de cortesia, de apresentação e de despedida.
5. Identificação da resposta que se espera por parte do remetente.
Esquemas didáticos: correspondência
1. SELEÇÃO DE SITUAÇÕES:
Favoráveis para a realização de cartas para serem enviadas e para informar-se das mensa¬gens que são recebidas pelo correio.
2. OBSERVAÇÃO DE MODELOS:
De cartas convencionais: pes¬soais, petições, comerciais, in¬formativas, envio de documen¬tos, etc. que são recebidas na escola e em casa. Especial re¬ferência à finalidade comunica¬tiva do documento como crité¬rio de conteúdo do texto e dos aspectos gráficos de diagramação, fórmulas de cortesia, etc.
3. INTERCÂMBIO ORAL COLETIVO sobre as ideias pessoais e conhecimentos prévios sobre as cartas.
4. EXPLICITAR AS INSTRU¬ÇÕES, objetivos e condições da tarefa que será realizada.
5. LEITURA:
Por parte do professor.
• Data, remetente, apresenta¬ção, etc.
• Intercâmbio oral sobre expec¬tativas acerca da mensagem.
• Leitura comentada ("pensar em voz alta").
• Recapitulação do que foi lido.
• Anotação, no quadro, dos aspectos relevantes do que foi lido.
Por parte dos alunos:
• Intercâmbio oral sobre ex¬pectativas acerca da men¬sagem.
• Leitura coletiva do texto: atenção aos aspectos con¬vencionais da carta; aos as-pectos textuais e ao seu con¬teúdo.
• Anotação de aspectos rele¬vantes.
• Recapitulação do que foi lido.
6. ESCRITA:
• Explicitação das instruções, dos objetivos e das condi¬ções da atividade.
• Elaboração oral coletiva do pré-texto, no caso de todo o grupo realizar a mesma ati-vidade.
• Escrita do texto:
• Por parte do professor: acompanhar o ditado das crianças. Este escre¬ve o texto e intervém no processo de construção do mesmo.
• Por parte dos alunos, individualmente ou em grupo.
• Leitura coletiva, revisão e correção conforme critérios com¬binados: que a mensagem seja realmente inteligível para o destinatário; aspectos conven¬cionais, formato, fórmulas tí¬picas, ortografia, etc.
• Passar a limpo.
• Escrita do envelope, selo e envio.
Outras atividades possíveis
• Leitura, pelo professor, de uma carta recebida.
• Ditado de um aviso dos alunos ao professor.
• Escrita de um bilhete.
• Escrita de um convite.
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: ditar ao professor manchetes de notícias co-nhecidas.
Os seguintes objetivos são avaliados:
1. A participação no processo pré¬vio de elaboração oral e coletiva do pré-texto.
2. A contribuição com detalhes a partir do conhecimento da no¬tícia.
3. A coerência entre o texto que se propõe e a imagem que deve acompanhar a manchete (a foto da notícia).
4. O respeito pela estrutura linguís¬tica própria da manchete.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da manchete e da legenda da foto de notícias lidas em aula
Nesta pauta, o professor se propõe observar e registrar o grau alcançado pelos alunos nos seguintes objetivos:
1. Chegar à escrita alfabética.
2. Apropriar-se dos conteúdos ela¬borados no pré-texto.
3. Conseguir uma estrutura correta do texto que se escreve.
4. Completar e detalhar a informa¬ção.
5. Participar na atividade.
• Pautas de avaliação para a atividade: classificação de notícias por seções, num mural.
Neste caso, o professor se propõe observar e registrar as habilidades dos alunos em relação à leitura, o uso de indícios para a interpretação, o nível de decifração, de integração do sig¬nificado, etc.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita de uma no¬tícia para o jornal da aula
Neste caso, o professor acentua, ao avaliar, a importância de respeitar a estrutura completa da notícia e seu formato, além da atitude demonstra¬da na atividade.
CAPITULO 4 - Textos literários: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A literatura é uma fonte inesgotá¬vel de temas de trabalho e se justifi¬ca por si mesma. Não devemos es¬quecer que a principal intenção da literatura é produzir prazer. As ativi¬dades com textos literários devem proporcionar às crianças prazer ao lê-los e ao escrevê-los. É importante variar os gêneros literários trabalha¬dos em aula: os contos clássicos, poesia, teatro, histórias em quadri¬nhos, canções, adivinhações, etc. É preferível sempre trabalhar com livros de literatura infantil e com textos ori¬ginais. Esses textos trazem algumas construções literárias que familiarizam as crianças com a beleza da lingua¬gem escrita. Não se deve esquecer, também, dos textos e conteúdos fun¬damentais que atuam como referên¬cia cultural; a literatura é a melhor forma de se aproximar da diversida¬de cultural. Se as crianças ainda não podem ler sozinhas, o professor de¬verá ler para elas.
Características dos textos literários
• Função
1. Induzir no leitor sentimen¬tos e emoções especiais.
2. Entretenimento e diversão.
3. Comunicar fantasias ou fa¬tos extraordinários.
4. Lembrança de aconteci¬mentos e emoções vividas pelo grupo ou pela própria pessoa.
5. Transmitir valores culturais, sociais e morais.
• Modelos
1. Contos, narrações, lendas etc.
2. Poesia, refrõs, canções, adi¬vinhações, etc.
3. Teatro, fantoches, etc.
4. Histórias em quadrinhos e gibis.
• Conteúdo
1. Fórmulas consagradas de começar e terminar contos de princípio e fim (Era uma vez... Colorim, colorado, esta história está acaba¬da...).
2. Descrições de personagens e situações, ambientes, etc.
3. Narração de fatos vividos ou fantásticos.
4. Comunicação de sentimen¬tos e emoções.
• Formato
1. Composição de texto e ima¬gem em forma de livro, com capa, etc.
2. Valor da pontuação, para di¬ferenciar a narração do diá¬logo, por exemplo.
3. Poesia: organização em ver¬sos, estrofes, etc.
4. Possível utilização com ou¬tros recursos expressivos: teatro, música, dança, audiovisuais, etc.
• Gramática
1. Contos e narrações: formas sintáticas em 3a pessoa. Verbos no passado. Formas de discurso direto na 1a pessoa: diálogos. Figuras li¬terárias, etc.
2. Poesia: frequente alteração das estruturas sintáticas habituais. Efeitos de rima, estilo, figuras, etc.
Modelo de pauta de avaliação de ditar ao professor manchetes de notícias conhecidas
Procedimentos de leitura
1. Leitura silenciosa e pessoal.
2. Importância da entonação na leitura em voz alta, reci¬tação, etc.
3. Identificação do esquema narrativo: situação, conflito e desenlace.
4. Identificação de recursos literários especiais (estilo, fi¬guras, léxico, etc.).
Esquemas didáticos: pontos e narrações
1. ORGANIZAR a biblioteca lite¬rária da aula. Dispor de varie¬dade de gêneros literários in¬fantis e do maior número pos¬sível de textos literários de qua¬lidade. Estimular as famílias para que comprem bons livros infantis. Encorajar as crianças a trazerem, para a escola, li¬vros de sua casa. Levar as cri¬anças à biblioteca da escola, visitar outras bibliotecas públi¬cas, conhecer seu modo de funcionamento, etc. Habituá-las à leitura sistemática de li¬teratura na escola e em casa.
2. SELECIONAR o conto que será lido:
Se for a criança que o escolhe:
Observar os critérios que utiliza para escolher o conto. Pedir-lhe que justifique sua es¬colha. Estimulá-la a conside¬rar outros critérios para a es¬colha: diversidade de textos; comentários elogiosos dos co¬legas; ajudá-la a valorizar cri¬térios estéticos mais amplos sobre as ilustrações daqueles que utiliza espontaneamente; educá-la criticamente diante da influência da televisão e do consumismo na seleção de li¬vros, etc.
Se for o professor que o escolhe:
Considerar a qualidade do texto e das ilustrações. Sua adequação à idade e aos inte-resses dos alunos, sem menos¬prezar suas possibilidades. Sua adequação, talvez, em relação ao tema que se está trabalhan¬do na aula. Os valores que transmite em relação à solida¬riedade, à diversidade cultural, ao papel da mulher, etc.
3. OBSERVAÇÃO do conto: folheá-lo, ler o título, avaliar a capa, comentar as caracterís-ticas da edição (tipo de papel, grafia, etc.), olhar todas as páginas e suas ilustrações (conteúdo e qualidade); ante¬cipar o conteúdo do conto: seu tema e seus personagens, for¬mular perguntas sobre o que deve acontecer; elaborar hipó¬teses sobre o conteúdo, etc.
4. LEITURA:
Por parte do professor:
Explicação e/ou. leitura teatralizada do conto, entonação ex¬pressiva ajustando a voz às ca¬racterísticas do personagem, enfatizar as pausas, efetuar co¬mentários no decorrer da leitu¬ra do tipo "pensar em voz alta" em relação ao que se vai lendo: verificar as hipóteses antecipa¬das antes, reconhecer as surpre¬sas que se produzem, efetuar perguntas sobre o que se leu ou o que virá a seguir, manter a atenção das crianças, etc.
Por parte dos alunos:
Leitura individual silencio¬sa do conto, ou de fragmen¬tos do mesmo. Combinar a lei¬tura individual com a leitura em voz alta e, inclusive, com a lei¬tura de fragmentos por parte do professor, para poder com¬partilhar melhor as estratégi¬as de compreensão do texto e os diferentes objetivos da lei¬tura: verificar hipóteses, reco¬lher informação nova, recapi¬tular o lido, etc.
5. RECAPITÜLAÇÁO DO QUE FOI LIDO e reconstrução co-letiva do texto. Dá-se ênfase à compreensão do esquema nar¬rativo, às circunstâncias impor¬tantes para o desenvolvimen¬to da ação e para levar ao de¬senlace; às características relevantes dos personagens, à justificação do título, etc.
6. TAREFAS DE AMPLIAÇÃO DA LEITURA, se for o caso:
• Comentário de texto: aspec¬tos de conteúdo, valores mostrados, originalidade, etc. Aspectos estilísticos e literários: léxico, figuras literárias, repetições, onomatopéias, fórmulas de início e fi¬nal, aspectos gramaticais evi¬dentes, etc. Salientar a orto¬grafia no que couber: escrita de palavras difíceis, nomes dos personagens, etc.
• Memorização de fragmentos; de canções incluídas no tex¬to. Dramatização do conto em sala de aula, representar personagens, imaginar cená¬rios, paisagens, etc. Dese-nhar personagens, cenas, si¬tuações, etc.
7. TAREFAS DE ESCRITA E RE-ESCRITA DO CONTO:
Educação Infantil:
1. Ditado, das crianças para o professor, de fragmentos previamente selecionados:
o professor escreve no qua¬dro e lê o que vai escrevendo; as crianças controlam o que está escrito e o que
falta escrever.
2. Ordenar sequências de ima¬gens relativas ao texto, re¬construindo-o.
3. Escrita, pelos alunos, do tí¬tulo; dos nomes dos perso¬nagens; de expressões típi-cas imutáveis, etc.
4. Escrita, pelos alunos, de al¬guns fragmentos seleciona¬dos (previamente memori-zados) acompanhados de ilustrações.
Ensino Fundamental:
1. Explicitar a tarefa, condições da releitura, objetivos, etc. (se deve ser um resumo, todo o conto ou apenas uma parte dele; se devem fazê-lo sozinhos, em duplas ou em grupos, etc.).
2. Elaboração coletiva do pre¬texto, por fragmentos. Apropriação do conteúdo do texto e de suas características.
3. Reescrita do texto, a partir da elaboração anterior.
Leitura e revisão individual e coletiva dos trabalhos realizados. Correção dos mesmos conforme critérios estabelecidos, em relação a aspectos de coerência textual, composição e conteúdo do texto. NÃO CONSIDE¬RAR AQUI ASPECTOS DE CODIFI-CAÇÃO Ou ORTOGRÁFICOS que possam nos afastar do objetivo fun¬damental: aprender a estrutura e téc¬nica da composição literária.
Passar a limpo, se for o caso, reelaborando o texto a partir da correção. Em caso de edição do texto, para difundir posteriormente, pode-se fazer uma correção ortográfica fi-nal do texto que se passou a limpo, para deixá-lo perfeito.
Outras atividades possíveis
• Leitura de um conto pelo pro¬fessor
• Leitura do título de um conto conhecido
• Interpretação de imagens seqüenciadas para ordená-las posteriormente
• Completar títulos de contos conhecidos a partir de uma lis¬ta de palavras possíveis
• Relacionar uma lista de perso¬nagens ou títulos de contos co¬nhecidos com suas imagens.
• Dramatização de um conto conhecido
• Ditado de um conto conheci¬do, dos alunos ao professor.
• Escrita do título de um conto conhecido
• Completar o texto de um con¬to com lacunas
• Reescrita de um conto conhe¬cido a partir das imagens or¬denadas
• Reescrita de um conto conhe¬cido sem imagens
• Reconstrução de um conto conhecido
• Elaboração de uma sequência de imagens com diálogo a par¬tir de um conto conhecido
Esquemas didáticos: poemas e canções
1. Organizar a presença frequente e constante de poemas, canções, refrões, adivinhações, em aula.
2. Selecionar a poesia que será lida/escrita de acordo com as necessidades do grupo, com a qualidade do texto, o interes¬se do conteúdo, a adequação aos temas de trabalho, etc.
3. LEITURA EXPRESSIVA PELO PROFESSOR, enfatizando a rima, o ritmo, a musicalidade do poema. Comentário coletivo: sentido do poema, relação do sentido Com as imagens poéti¬cas, a beleza, o ritmo, a rima, etc. Comentar a estrutura do poema.
4. MEMORIZAÇÃO E RECITA¬ÇÃO. Na recitação do poema, respeitar o ritmo, a entonação, o respeito às características do poema, etc.
5. LEITURA /INTERPRETAÇÃO PELOS ALUNOS. Se o poema foi memorizado, a atividade de lê-lo é muito útil para a aprendi¬zagem das características do sis¬tema alfabético e da decodificação. Ao saber o que o poema diz, a criança pode deter-se na análise da relação entre o que diz e o que está escrito, vendo a correspondência entre o som e a escrita: tamanho, variedade, letras conhecidas, etc. Se o po¬ema não está memorizado, ao lê-lo, devem-se observar suas características: separação em versos; rima, estrofes, ordena¬ção especial da frase, etc. Além disso, a interpretação do poe¬ma requer com frequência
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS
explicações adicionais e comentá¬rio do sentido figurado, associ¬ações poéticas entre objetos e imagens, comparações, etc. um poema conhecido, ou memori¬zado, permite uma atividade muito rica, como a de recons¬truí-lo a partir dos fragmentos desordenados pelo professor, usando os indicadores textuais (maiúsculas, localizadores tem¬porais, etc.).
6. ESCRITA E REESCRITA DO POEMA
Em poemas memorizados:
Os menores podem escre¬ver o título, completar lacunas no texto, etc.
Após recordar o poema, recitando-o, pode ser escrito individualmente ou por duplas. A reescrita de poemas por du¬plas facilita o controle do que dita sobre a adequação do que se vai escrevendo, com correção entre iguais, no próprio processo de escrita.
Correção, passar a limpo, edição, se for o caso.
Criação de poemas originais:
Muitas vezes, os poemas li¬dos em aula possuem uma estrutura fácil e repetitiva: quadrinhas, poemas encadeados, adivinhações, etc. Após observar, discutir, comentar, etc. estas características, as crianças, a partir de cinco anos, podem escrever poemas origi¬nais à maneira do modelo, apli¬cando os mesmos recursos e características a outros obje¬tos e/ou situações.
Outras atividades possíveis
• Localizar uma palavra numa canção memorizada
• Reconstruir o título de uma canção a partir das palavras que o compõem
• Reconstrução de uma canção memorizada previamente apre¬sentada desordenada
• Completar as lacunas de um poema memorizado
• Completar refrões a partir do primeiro verso
• Ditado de uma canção em du¬plas de alunos
• Escrever poesias e versos ori¬ginais
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: explicação de um conto pelo professor e reelaboração oral em grupo
O professor registra o nível de compreensão oral, de expressão oral e de participação na atividade. Posteriormente, ao trabalhar com peque¬nos grupos, acrescenta-se a capaci-dade da criança para identificar e ordenar as imagens do conto. Dá-se também atenção à lembrança dos nomes dos personagens e de expres¬sões típicas do conto.
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita da lista de personagens do conto
O professor registra nesta pauta o grau de domínio do sistema alfa¬bético, a assimilação do formato ver¬tical próprio da lista e a exatidão do conhecimento dos nomes dos perso-nagens.
• Pautas de avaliação para a atividade: reescrita de um conto com imagens
Trata-se de uma atividade comple¬xa, que dura várias sessões e que se faz após vários rascunhos coletivos, uma vez que o texto é bem conheci¬do pelas crianças. Neste caso, o pro¬fessor, ao avaliar o resultado, considera uma série de aspectos:
1. Domínio do sistema alfabético.
2. Conteúdo (fidelidade ao texto original; coerência narrativa).
3. Características textuais (ade¬quação às imagens; diferenci¬ação do título, das fórmulas de início e final, dos diálogos).
4. Formato (distribuição do tex¬to, título).
5. Ortografia (separação de pala¬vras, uso de maiúsculas e pon¬tuação).
• Pautas de avaliação para a atividade: escrita de um con¬to conhecido
Também nesta atividade o profes¬sor optou por registrar diversos as¬pectos referentes à coerência do texto e sua fidelidade ao argumento original; à coesão gramatical (tempos verbais, léxico específico, etc.) e aspectos ortográficos.
• Pautas de avaliação para a atividade: selecionar, entre vários, o título correto de um conto conhecido e sua pos¬terior escrita.
Neste caso, o professor propôs uma atividade individual com o objetivo de registrar o grau atual de domínio que a criança alcança nas habilidades de leitura e escrita, para tê-Ia como ponto de referência do trabalho realizado e do que fica por fazer na aprendizagem dos procedimen¬tos do sistema alfabético.
Modelo de pauta para avaliação da escrita de uma lista de nomes
CAPITULO 5-Textos expositivos: características, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
A presença de textos expositivos na aula pode ocorrer desde o início da aprendizagem escolar. A aprendizagem da leitura e a escrita, como instrumentos "para aprender" outros conteúdos escolares, não pre¬cisa acorrer separadamente da apren¬dizagem do sistema alfabético. Não se ensina primeiro a ler e escrever (código) para depois utilizar a leitura e escrita para aprender mais. Essas aprendizagens ocorrem simultanea¬mente. Tarefas como identificar o tema do texto, localizar a ideia prin¬cipal, fazer um resumo, escrever usan¬do termos precisos, enunciados bre¬ves, problemas aritméticos etc., não são difíceis se o conteúdo for ade¬quado aos conhecimentos prévios e às possibilidades de aprendizagem de nossos alunos. O trabalho com tex¬tos expositivos pode ser feito a partir da Educação Infantil: explicando a definição das palavras, lendo biogra¬fias, elaborando-se dossiês, comentando-se murais temáticos, explican¬do e comentando processos de fa-bricação, produção etc. Podem ser usados também: guias de classifica¬ção, livros infantis sobre animais, países, épocas históricas, etc.
Características dos textos expositivos
• Função
1. Compreender ou transmitir novos conhecimentos.
2. Estudar em profundidade.
• Modelos
1. Livros-texto, escolares.
2. Livros de consulta, divulga¬ção.
3. Artigos temáticos, relatórios.
4. Biografias.
5. Preparação de exposições orais e conferências.
6. Resenhas.
• Conteúdo
1. Definições e enunciados.
2. Descrições.
3. Explicação de processos.
4. Resumos.
5. Argumentações.
6. Hipóteses e discussão do resultados, etc.
7. Roteiros, índices, esquemas mapas semânticos, etc.
• Formato
1. Presença de títulos, subtítulos, gráficos, esquemas caracteres tipográficos (sublinhado, negrito, itálico etc.) de importância para compreensão o texto.
• Gramática .
1. Uso de um vocabulário preciso e rigoroso, que deve ser definido.
2. Predomínio de substantivos
3. Construções impessoais na 3a pessoa.
3. Grande importância semân¬tica dos nexos e partículas de relação (causa, consequ¬ência, modo, localiza
dores, quantificadores etc.).
• Procedimentos de leitura
1. Uso do título e subtítulos como resumo do tema e ideia principal.
2. Uso de recursos tipográficos para ressaltar aspectos importantes (sublinhado, nu¬meração, etc.)
3. Identificação do tema e da ideia principal.
4. Uso de técnicas de resumo.
5. Reconstrução do roteiro a partir das perguntas que podem ser respondidas com o texto.
6. Identificação de termos des¬conhecidos ou duvidosos.
7. Identificação de nexos e par¬tículas de relação.
Esquemas didáticos: descrições e relatórios
O texto expositivo mais comum é o que descreve aspectos da realida¬de, explica as propriedades e carac¬terísticas de objetos etc. Outros tex¬tos como: enumeração de dados, definições, quadros, esquema, po¬dem vir incluídos nos textos expositivos. Nos textos expositivos, a intenção do autor é transmitir a in¬formação do modo mais preciso e exaustivo possível, uma diferença entre o texto informativo e o expositivo está na intenção do leitor. Diante de um texto expositivo, o leitor quer um conhecimento completo, detalhado da informação, o que o leva a utilizar alguns procedimentos de leitura mui¬to diferentes dos que usa quando lê uma informação numa revista ou jor¬nal, um componente importante nos textos expositivos são as descrições científicas, resultado da observação sistemática da realidade. Às vezes, a descrição científica aparece isolada: nos guias, nos fichários e nos dicio¬nários temáticos. Outras vezes, apa-rece incluída em relatórios mais am¬plos, nos quais as descrições são acompanhadas de outro tipo de ex¬plicação, argumentação, apresenta¬ção de dados, discussão de possibi-lidades, etc.
1. SELECIONAR temas de estu¬do em aula.
2. EXPLICAÇÃO ORAL DO PRO¬FESSOR referente à importân¬cia do tema, sentido que tem seu estudo, ativação de conhecimentos prévios por parte dos alunos e informação geral das características mais relevantes do tema e do processo de es¬tudo em sala de aula.
3. APRESENTAÇÃO DE MODE¬LOS: leitura pelo professor, dos textos relacionados com o tema, comentando não apenas seu conteúdo, mas também as características textuais própri¬as de um texto expositivo: tema, ideia principal, roteiro de desenvolvimento do tema, etc.
4. ELABORAÇÃO DE ROTEI¬ROS E ESQUEMAS DE TRA¬BALHO: ao tratar de descre¬ver ou informar sobre um as¬pecto do tema, o seu roteiro deverá ser estabelecido previ¬amente. Pode ser um roteiro ou pauta de observação sistemá¬tica (de urna planta, um ani¬mal, uma pedra, etc.), ou pode ser um roteiro geral do tema, que pode ser proposto como um conjunto de perguntas cuja resposta se quer investigar.
5. REALIZAÇÃO DE TAREFAS DE ESTUDO: podem ser lei¬turas, observações, experimen-tos, busca de informação di¬versa, etc., cujo objetivo é o de responder às perguntas formu¬ladas no roteiro prévio.
6. PREPARAÇÃO DA ESCRITA E O PRÉ-TEXTO: com o roteiro como referência, recopila-se a informação coletada em relação a cada item, ordena-se, resu¬me-se, compõe-se um texto escrito adequado que servirá de modelo interno para a elabora¬ção do tema pelos alunos.
7. ESCRITA DO RASCUNHO DA DESCRIÇÃO Ou RELATÓ¬RIO: individual ou em peque-nos grupos e correção do mes¬mo, respeitando critérios de coerência do conteúdo, com¬pletar a informação, etc.
8. REELABORAÇÃO DE RAS¬CUNHOS e correção de aspec¬tos gramaticais, ortográficos e de formato e apresentação.
9. ESCRITA DO TEXTO FINAL.
Exemplo de atividade -Relatório de síntese sobre o corpo humano
Outros atividades possíveis
• Ditado dos alunos para o pro¬fessor de uma descrição
• Escrita de uma descrição
• Elaboração de um fichário des¬critivo temático
• Elaboração de mapas concei¬tuais como síntese da infor¬mação
Esquemas didáticos: definições
1. SELECIONAR as situações e os termos que devem ser defi¬nidos com certa exatidão. Os termos podem ser relativos ao léxico que se encontra em tex¬tos ou em explicações do pro¬fessor e que é desconhecido, ou pode referir-se a conceitos, objetos, características e pro¬priedades dos objetos, rela¬ções, operações, etc.
2. ANALISAR DIFERENTES TI¬POS DE DEFINIÇÕES e es¬tabelecer claramente o que se quer que as crianças façam:
• EXPLICAÇÕES FINAIS:
Evolutivamente, é o tipo de definição que aparece em primeiro lugar no pensamen-to infantil; em torno dos qua¬tro anos, a definição se con¬funde com a finalidade ou o uso: por exemplo, uma cadeira É (serve) PARA se sen¬tar. Este tipo de definição res¬ponde à pergunta: "Para que serve?".
• EXPLICAÇÕES DESCRITI¬VAS: Mais adiante, a partir dos cinco anos, as crianças definem os objetos descre¬vendo-os: "a cadeira tem quatro pernas, é de madei¬ra...". Respondendo assim, à pergunta:"Como é...?".
• DEFINIÇÕES CATEGORIAIS: São muito mais abstratas e difíceis. Neste tipo de definição já não se diz que "cadeira é uma coisa que...". Começa-se dizendo "a cadei¬ra é um móvel que...". É mui¬to interessante
ensinar a clas¬sificar e a etiquetar os con¬juntos que as crianças elabo¬ram. O importante é respei¬tarmos seus critérios de clas¬sificação e de justificação.
• EXPLICAÇÕES LÉXICAS:
Neste tipo de definições, lan¬ça-se mão de sinônimos ou antônimos para precisar o significado de uma palavra, ou então se expõem frases nas quais se usa o termo, cujo significado esclarece o sentido da palavra. Por exem¬plo, a tarefa de definir a ope¬ração de somar, em matemá¬tica, pode ser facilitada acrescentando-se termos equiva¬lentes a somar, como au¬mentar, ganhar, comprar, crescer, mais, etc.
• DEFINIÇÕES INTEGRA¬DAS: Nos dicionários, frequentemente, os termos são definidos juntando todos os critérios anteriores. Expli¬ca-se a que categoria perten-ce o termo, como é e para que serve; além disso, podem-se incluir sinônimos, antônimos, frases típicas em que se usa a palavra, etc.
Ao propor ou comentar definições, devemos guiar nossos alunos, escla¬recendo que tipo de definição lhes pedimos ou propomos.
3. DEFINIR PALAVRAS CONHE¬CIDAS. Constitui uma excelen¬te aprendizagem das caracte¬rísticas de uma definição. As respostas das crianças à per¬gunta - "Que é...?" - podem ser anotadas no quadro, agrupa¬das conforme o tipo de defini¬ção (categorial, final, descriti¬va, léxica, etc.) de que se tra¬te, comentadas e discutidas no grande grupo.
4. LEITURA de definições corretas pelo professor ou pelos alu¬nos.
5. ESCRITA de definições previa¬mente pensadas e discutidas, individualmente, em dupla ou em pequenos grupos, etc.
6. CORREÇÁO e revisão das de¬finições produzidas pelas cri¬anças, respeitando os critéri¬os previamente estabelecidos e combinados.
7. PASSAR A LIMPO, editar e colecionar (no dicionário de aula, na caderneta de defini-ções, etc.).
Atividades possíveis
• Leitura de definições
• Completar definições com la¬cunas
• Escrita da definição de deter¬minados objetos
• Elaborar um dicionário de aula
Esquemas didáticos: resenhas
Consideramos resenha o texto expositivo que contém uma enume¬ração de passos convenientemente descritos e hierarquizados para dar conta de algo observado ou realiza¬do. Assim, por exemplo, resenhar um passeio ou visita, enumerando as eta¬pas e atividades realizadas; materiais necessários para realizar uma expe¬riência etc. A sequência temporal ou de processo é a característica dife¬rencial da resenha em relação, por exemplo, a um relato. Modelos de resenhas: itinerários, biografias, fichas de experiências ou de laboratório, etc
As atividades sobre este tipo de tex¬tos estão incluídas, habitualmente, em tarefas mais amplas, sejam pro¬jetos de trabalho, sejam dossiês temáticos, ou no conjunto de atividades escolares em tomo de um tema. Em cada caso, conforme o nível escolar, o objetivo ou o contexto ia atividade, o professor determinará a estrutura do texto, os critérios a serem usados, o formato e o roteiro da resenha.
1. SELECIONAR as situações adequadas para a realização de resenhas. Por exemplo, visita ao zoológico ou aquário, pas¬seio no campo para coletar materiais, escritórios, empre¬sas, parques naturais, etc.
2. COMENTAR MODELOS trazi¬dos pelo professo/alunos de re¬senhas semelhantes à proposta.
3. DECIDIR a estrutura, o roteiro prévio, o formato, os objetivos, etc. da atividade.
4. EXPLICITAR A RECOMENDA¬ÇÃO: as condições de realiza¬ção, a sequência de tarefas etc.
5. ATIVAR CONHECIMENTOS PRÉVIOS sobre o tema a ser tratado: aspectos interessantes a observar; compartilhar esses conhecimentos e recapitulá-los ordenando as ideias do grupo; avaliar esses conhecimentos prévios, formular questões que as crianças terão que respon¬der na resenha e, se for o caso, estabelecer hipóteses prévias sobre os resultados (de uma experiência, por exemplo).
6. ELABORAÇÃO COLETIVA DO PRÉ-TEXTO.
7. ESCRITA da resenha, em pe¬quenos grupos, com a presen¬ça do professor o que facilita a construção do texto.
8. LEITURA E REVISÃO dos re¬sultados, respeitando os crité¬rios estabelecidos (roteiro pré¬vio, formato, estrutura, etc.). Refazer a resenha e PASSAR A LIMPO. Incorporação da re¬senha ao dossiê, pasta, etc. correspondente.
Exemplo de atividade - Escrita dos aspectos relevantes de uma biografia.
Outras atividades possíveis
• Escrita da resenha de uma ati¬vidade: passeio escolar
• Resenha de um processo na¬tural (crescimento de uma planta ou animal)
• Escrita da resenha de uma ex¬periência
Esquemas didáticos: dossiês
Consideraremos o DOSSIÊ como uma recopilação de documentos rea¬lizados ou estudados pêlos alunos no contexto de um projeto. O dossiê in¬clui, habitualmente, documentos, como definições, resenhas, ilustra¬ções, resumos, fichas de trabalho, tex¬tos enumerativos, informativos, expositivos, prescritivos e / ou literári¬os. A elaboração do dossiê requer ta¬refas adicionais: elaboração da capa, índices, encadernação, títulos, etc.
1. SELECIONAR as situações adequadas para a realização de dossiês.
2. DECIDIR as condições da ati¬vidade: organização e critérios de ordenação dos materiais; elaboração de roteiros ou ín¬dices, títulos e subtítulos, pa¬ginação, encadernação, etc.
3. REVISÃO dos trabalhos reali¬zados que serão incorporados ao dossiê e revisão dos con¬teúdos correspondentes para reconstruir mentalmente o conjunto de tarefas.
4. EXPLICITAR AS INSTRU¬ÇÕES concretas para a elabo¬ração das atividades.
5. ELABORAR RASCUNHOS, individualmente, ou em grupo.
6. LER E REVISAR os rascunhos: em relação aos critérios com¬binados e em relação aos as¬pectos ortográficos e formais.
7. PASSAR A LIMPO.
8. REVISAR OS TRABALHOS, editar e encadernar.
Exemplo de atividade – Elaboração de um dossiê sobre a vida pré-histórica
Esquemas didáticos: leitura de textos expositivos
São tarefas necessárias para ga¬rantir a compreensão dos textos expositivos:
1. Definição do vocabulário técnico
2. Identificação correta do tema
3. Identificação da(s) idéia(s) principal(is)
4. Identificação de um bom resu¬mo do texto
5. Elaboração de um bom resumo
PAUTAS DE AVALIAÇÃO
• Pautas de avaliação para a atividade: elaboração oral coletiva da descrição de um pás¬saro (o professor a escreve)
O objetivo da pauta é registrar, no grupo, o grau de reconhecimento dos nomes de pássaros a partir das imagens, a contribuição de cada aluno em relação às características físicas do pássaro que é descrito, a classificação dos traços em categorias e a atitude na atividade. A atividade é re¬alizada em pequenos grupos, o que facilita o registro exaustivo.
• Pautas de avaliação para a atividade: leitura individual de definições sobre temas es¬tudados
Nesta pauta, o professor diferen¬ciou os conhecimentos prévios do aluno sobre o tema e seu grau de compreensão do texto lido. Também se propôs a registrar a qualidade da explicação e argumentação que a criança consegue fazer de suas própri¬as interpretações.
• Pautas de avaliação para a atividade: elaboração de um relato sobre a visita a uma exposição
O professor se propôs a avaliar três momentos do processo de escrita: a preparação, a escrita - na qual priorizará o conteúdo - e a correção de aspectos convencionais (formato, apresentação, etc.).
CAPITULO 6-Textos prescritivos: característica, esquemas didáticos e atividades
Apresentação
Os textos prescritivos são os que contêm informação acerca do modo de realizar uma atividade: são instru¬ções. Há instruções nos trabalhos manuais, nos jogos, no uso de apa¬relhos, nas receitas culinárias, nos regulamentos. Esse tipo de texto re¬quer maneiras específicas de ler que precisam ser ensinadas na escola.
Características dos textos prescritivos
• Função
1. Regular de forma precisa o comportamento humano para a realização de algum objetivo.
• Modelos
2. Instruções escolares.
3. Receitas culinárias.
4. Regulamentos, códigos, normas: de jogo, de com¬portamento, etc.
5. Instruções de utilização de materiais, aparelhos, etc.
6. Instruções para a realização de trabalhos manuais, etc.
• Conteúdo
1. Explicação detalhada de como fazer determinada tarefa.
2. Presença de gráficos e sig¬nos para ilustrar o conteúdo.
• Formato
1. Texto em prosa, diferencia¬do graficamente do restante do texto (por exemplo, da enumeração de materiais necessários).
2. Uso de formas de ordena¬ção e esquematização: nu¬meração dos passos a se¬rem seguidos, roteiros, etc.
• Gramática
1. Frases curtas e precisas, uso de léxico específico do tema, especialmente verbos de ação.
2. Uso de formas impessoais no presente ou da 2a pes¬soa no imperativo.
3. Importância de partículas temporais para ordenar a sequência de ações.
• Procedimentos de leitura
1. Uso de imagens, gráficos e ilustrações como comple¬mento da informação tex¬tual.
2. Identificação das etapas do processo temporal (a qual é o primeiro, o seguinte, etc.).
3. Identificação e compreensão dos verbos de ação.
4. Procedimentos de consulta no transcurso da realização da tarefa.
Esquemas didáticos: textos prescritivos
1. SELEÇÃO do contexto e da si¬tuação favorável para o uso e ou produção deste tipo de tex¬to em relação a uma necessi¬dade concreta do trabalho da sala de aula.
2. COMENTÁRIO DE MODELOS
convencionais sobre o tema selecionado para permitir extrai: a informação necessária sobre suas características gráficas e linguísticas e ativar os conhe-cimentos prévios dos alunos sobre o tema que será tratado
3. EXPLICITAÇÃO DA RECO¬MENDAÇÃO e dos critérios de ordenação lógica do texto, de modo que permitam uma fácil interpretação de como realizar corretamente a atividade pro¬posta.
4. ELABORAÇÃO ORAL COLETIVA DO PRÉ-TEXTO, considerando:
1. Estrutura em blocos: lista de ingredientes ou materiais processo de elaboração, etc.
2. Uma ordenação, numerada caso se prefira, das tarefas seqüenciadas que são requeridas para a realização correta.
3. Uma organização sintática comum: oração simples, mesmos tempos e pesso¬as verbais, etc.
4. Características morfológicas concretas: uso de verbos de ação no infinitivo ou impe¬rativo (Ex: a ordem: recor¬te e cole).
5. ESCRITA
Por parte do professor:
• Construção coletiva do tex¬to, seguindo as pautas do pré-texto.
Por parte dos alunos:
• Na Educação Infantil, nor¬malmente, é proposta a es¬crita do primeiro bloco: a lista de ingredientes ou materiais de acordo com as pautas de escrita de listas de nomes co-muns.
• Produção individual, em du¬plas ou em grupo, seguindo as pautas do pré-texto e da instrução.
Texto prescritivo
6. EXPOSIÇÃO COLETIVA, LEI¬TURA E REVISÃO DO ES¬CRITO. Confrontação de dife-rentes produções sobre o mes¬mo tema.
7. CORREÇÃO COLETIVA, centrada em aspectos como completar o conteúdo, reorde¬ná-lo, especificar os verbos utilizados, os localizadores tem¬porais e espaciais, etc.
8. PASSAR A LIMPO, EDI TAR E INCORPORAR os materiais ao dossiê, pasta, etc. correspon¬dente.
Outras atividades possíveis
• Escrita da lista de ingredien¬tes de uma receita
• Escrita de uma receita culi¬nária
• Leitura das instruções de um trabalho manual
• Leitura de uma receita culiná¬ria
• Seleção do menu a partir da leitura de um livro de receita
• Relacionar receitas com seus títulos ou com os ingredientes
• Escrita de instruções para a manipulação de material de aula (aquário, biblioteca, labo¬ratório etc.)
• Leitura e/ou escrita das regras de um jogo
• Escritas de acordos feitos numa reunião de aula
CAPITULO 7 - Organização da atividade em projetos
Os projetos são excelentes formas de articular as situações de aprendi¬zagem. Um aspecto característico dos projetos é o protagonismo dos alu¬nos na decisão e gestão da tarefa. Alguns temas que podem ser traba¬lhados na Educação Infantil e no ciclo inicial do Ensino Fundamental:
• O corpo humano
• O universo
• Os dinossauros
• Os jogos Olímpicos
• Reciclagem do lixo doméstico
• Elaboração, edição e distribui¬ção de um jornal escolar.
Após a escolha do tema a discus¬são se centra em desenvolver um ro¬teiro com os conteúdos que podem ser desenvolvidos. Geralmente o ro¬teiro proposto inicialmente sempre pode ser melhorado no decorrer da atividade.
No processo de trabalho novos temas, novas perguntas, etc. são incorporados. Ao longo do pro¬cesso de realização do projeto sur¬gem tarefas muito diversas que po¬dem chegar a incluir todas as tipologias de texto.
Murais relacionados com temas de projetos trabalhados em aula
As revistas escolares
A edição de revistas escolares tem grande importância na proposta de linguagem que é apresentada nestes materiais. É um projeto que contri¬bui para dar sentido e funcionalida-de a uma parte das tarefas de lingua¬gem. É uma situação motivadora no sentido de conseguir produções de maior qualidade (afinal vamos publi¬car!). A introdução nas escolas do computador permite que os próprios alunos participem diretamente de toda a editoração: leitura de imagens com scanner, paginação em colunas ou com molduras, edição do texto e correção na tela etc. As revistas mos¬tradas possuem seções va¬riadas: capas, sumários, notícias, re¬portagens, passatempos, receitas, meteorologia etc. A maioria dessas produções foram feitas com papel A3 de modo que o formato se asseme-lha ao de um jornal.
2. DOLZ , J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
Luciana Cristina Salvatti Coutinho
Pedagoga pela Faculdade de Educação da Unicamp. Mestranda em Filosofia e História da Educação pela FE/Unicamp. Membro do grupo de estudos e pesquisas HISTEDBR.
Este livro reúne um conjunto de nove artigos de Schneuwly, Dolz e colaboradores, traduzidos e organizados por Rojo e Cordeiro, cuja análise centra-se no texto como “a base do ensino-aprendizagem de língua portuguesa.” (p.7).
1 Apresentação: Gêneros Orais e Escritos como objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer.
Foi na década de 1980, no Brasil, que estudos e práticas pedagógicas começaram a serem desenvolvidas tendo o texto como fundamento. De lá para cá, o texto, na maioria das vezes, vem sendo tomado como um objeto empírico através do qual se efetivam práticas de leitura, análise lingüística e produção de textos. Inserindo-se no rol de estudiosos do tema que criticam essa abordagem limitada do uso do texto, as organizadoras esclarecem que, a partir do século XXI, novas pesquisadas vêm sendo produzidas sobre leitura e produção de textos. Esses novos estudos, cujos autores dos artigos que compõe essa coletânea são representativos, fundamentam os atuais PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) orientando que, agora, “trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as propriedades formais que dão suporte a fundamentos cognitivos.” (p.11).
Os PCNs, como referenciais, objetivam apresentar os princípios e fundamentos nos quais deve se pautar a ação docente no ensino da linguagem oral e escrita e acabam apresentando dúvidas, aos professores, em como organizar o trabalho de ensino-aprendizagem com base nessas novas idéias. Eis a importância e o motivo principal da organização da presente obra, cujo objeto consiste em discutir modos de pensar e fazer a fim de orientar o trabalho docente.
2 Gêneros e Tipos de Discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas.
Este artigo foi escrito por Bernard Schneuwly e objetiva classificar as tipologias textuais de modo que ajude no processo de aquisição das diferentes formas de discurso.
Fundamentando-se em Vygotski, o autor define o gênero como um instrumento, de caráter psicológico, mediador do processo de aprendizagem da criança na leitura e na escrita possibilitando, assim, novos conhecimentos e novas ações. Gênero, por sua vez, de acordo com Bakhtin, tem um sentido amplo: são os diferentes tipos de textos orais e escritos que os sujeitos utilizam, socialmente, de acordo com funções definidas pelo contexto vivido. Cada gênero lingüístico possui determinadas características: 1.para cada situação social definida é elaborado um tipo específico de enunciado; 2.cada gênero apresenta conteúdo, estilo e composição própria; 3.a definição de cada gênero se dá em função da temática em foco, dos participantes envolvidos no contexto e na vontade do locutor. Desse modo, pode-se inferir que há uma relação de interconexão e dependência entre gênero e contexto que cria uma dupla necessidade: conhecimento do gênero em si e, também, do contexto do qual é expressão e ao qual se destina. Nas palavras de Schneuwly, “a ação discursiva é, portanto, ao menos parcialmente, prefigurada pelos meios.” (p.28).
O desenvolvimento lingüístico dos sujeitos se dá por um processo de continuidade e ruptura através dos usos de gêneros primários e secundários (categorias utilizadas por Bakhtin), ou seja, através de discursos que se originam de situações espontâneas (primários) ou de comunicações culturais (secundárias). A primeira se caracteriza, essencialmente, por discursos orais e o segundo por escritos envolvendo produção artística, científica e sociopolítica. Os gêneros primários constituem-se no nível real de desenvolvimento lingüístico das crianças (zona de desenvolvimento real) que, a partir deles, é possível desenvolverem os gêneros secundários através de intervenção sistemática (zona de desenvolvimento proximal). Por isso afirma-se, no texto, que “os gêneros primários são os instrumentos de criação dos gêneros secundários” (p.35).
Após esse percurso de análise, Schneuwly defende a tese de que a diversidade de tipos de textos aos quais as crianças são expostas possibilita a passagem dos gêneros primários para os secundários, constituindo-se, assim, “construções necessárias para gerar uma maior heterogeneidade nos gêneros, para oferecer possibilidades de escolha, para garantir um domínio consciente dos gêneros, em especial daqueles que jogam com a heterogeneidade.” (p.38).
3 Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para uma reflexão sobre uma experiência Suíça (Francófona)
Este artigo foi escrito por Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly e relata a experiência de elaboração de um currículo para o ensino da expressão oral e escrita em escola na Suíça Francófona.
Fundamentados em Coll (1992), os autores defendem que “um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino, informações concretas sobre os objetivos visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação.” (p.43) Na elaboração de uma proposta curricular para a linguagem oral e escrita deve-se levar em conta, também, a progressão, ou seja, a ordem temporal que deve seguir o processo de aprendizagem. Há uma tripla ordem temporal: a que se define em função dos objetivos propostos para cada série escolar, a que se destina às finalidades de cada ciclo e, ainda, à referente a cada unidade de ensino. A elaboração do currículo progressivo deve fundamentar-se na premissa vigotskiana de que a aprendizagem alavanca o processo de desenvolvimento das funções superiores dos sujeitos, incluindo, aqui, a linguagem.
Para a organização do trabalho, os professores devem levar devem partir de três fatores: “as especificidades das práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela sequência didática” (p.51). As sequências didáticas referem-se aos módulos de ensino dispostos sequencialmente a fim de levar o aluno a alcançar, ao final do processo, os objetivos propostos no planejamento pedagógico.
O desenvolvimento das capacidades lingüísticas das crianças se constitui, em parte, por um processo de reprodução de modelos socialmente legitimados. Estratégias sistemáticas e intencionais do processo de ensino-aprendizagem são necessárias para garantir o domínio desses instrumentos sociais por parte dos aprendizes. Cabe, portanto, à escola, e aos professores, essa tarefa.
Que critérios utilizar para a elaboração e desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem das expressões orais e escritas, na escola? “Nesse processo, o critério a privilegiar para tomar decisões é o da validade didática: as possibilidades efetivas de gestão do ensino proposto, a coerência dos conteúdos ensinados, assim como os ganhos de aprendizagem.” (p.67)
4 Os Gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino
A idéia central desse artigo escrito por Schneuwly e Dolz é “de que o gênero é (...) utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, mais particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos” (p.71).
As práticas sociais se dão nas relações que os sujeitos estabelecem ente si (relações sociais) de diferentes formas, sendo a linguagem uma delas. As diferentes expressões orais e escritas, suas formas, estilos, funções emergem das práticas sociais e se materializam em diferentes tipos de textos ou, em palavras mais técnicas, gêneros lingüísticos. É na escola que as expressões lingüísticas usadas nas práticas sociais são apropriadas pelas crianças. Esse processo de apropriações ocorre através dos diferentes gêneros lingüísticos.
Ao ser transposto ao ambiente escolar, o gênero é, além meio de comunicação, objeto de ensino-aprendizagem, transformando-se, portanto, em gênero escolar. O autor destaca três vertentes de práticas pedagógicas que enfocam um dos aspectos constitutivos do processo de apropriação da linguagem: a) desaparecimento da comunicação que resulta da redução dos gêneros em objetos de ensino esvaziados de suas funções sociais; b) a escola como lugar de comunicação, vertente na qual a própria instituição é tida como lugar de comunicação e, portanto, como espaço e finalidade da produção e uso de textos; c) negação da escola como lugar específico de comunicação, abordagem que nega a escola como parte da prática social geral buscando, assim, transpor, de forma direta, as expressões orais e escritas utilizadas na sociedade para o interior da escola.
Contrapondo-se a essas correntes que geram práticas limitadoras de ensino-aprendizagem da linguagem, o autor defende que os gêneros são “objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem” (p.80).
É apontada a necessidade de construir modelos didáticos de gêneros a partir dos quais seja possível elaborar sequências didáticas que possibilitem a apropriação dos gêneros pelas crianças sendo necessário o estudo das dimensões passíveis de serem ensinadas a respeito de cada gênero lingüístico. Para tanto, o autor propõe três princípios orientadores da elaboração desses modelos: a) legitimidade: que consiste em analisar os conhecimentos produzidos pelos especialistas sobre os gêneros; b) pertinência: refere-se “às capacidades dos alunos, às finalidades e aos objetivos da escola, aos processos de ensino-aprendizagem” (p.82); c) solidarização: tornando “coerentes os saberes em função dos objetivos visados” (p.82).
5 Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento
Buscando responder a pergunta “Como ensinar a expressão oral e escrita?” (p.95), esse texto de Joaquim Dolz, Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly, propõe a sequência didática como uma estratégia adequada para elaboração do processo de ensino-aprendizagem, compreendendo “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p.97). É sugerido um modelo de sequência didática contendo quadro momentos distintos mas articulados e interdependentes que serão apresentados a seguir.
1. Apresentação da situação: essa etapa é crucial pois é aqui que serão definidos o contexto, a forma e conteúdo do gênero a ser estudado e produzido envolvendo duas ações. A primeira refere-se a situação de comunicação e a escolha do gênero e a segunda diz respeito aos conteúdos a serem trabalhados. Para ajudar na preparação da primeira ação, são apresentadas 4 questões que devem necessariamente, serem respondidas: “Qual é o gênero que será abordado? A quem se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará da produção?” (p.99/100). A segunda dimensão refere-se ao tema e possíveis subtemas que serão abordados.
2. Primeira produção: Os alunos farão uma produção oral ou escrita dependendo do gênero que será trabalhado. Essa produção tem uma dupla importância: para os alunos será o momento de compreender o quanto sabem do gênero e do assunto a serem estudados e, ainda, se entenderam a situação de comunicação à qual terão de responder; para os professores tem o papel de analisar o que os alunos já sabem, identificar os problemas lingüísticos do gênero que deverão ser enfocados e definir a sequência didática.
3. Módulos: A quantidade e conteúdo dos módulos de ensino devem ser definidos de acordo com as informações colhidas pelo professor da primeira produção dos alunos. Cada módulo deve contemplar problemas específicos do gênero em questão a fim de garantir melhora dos alunos na compreensão e uso da expressão oral ou escrita estudada.
4. Produção final: Após o processo os alunos deverão realizar uma produção que demonstrará o domínio adquirido ao longo da aprendizagem acerca do gênero e do tema propostos e permitirá ao professor avaliar o trabalho desenvolvido.
Os autores esclarecem, contudo, ao final do texto, que “as sequências devem funcionar como exemplos à disposição dos professores. Elas assumirão seu papel pleno se os conduzirem, através de formação inicial ou contínua, a elaborar, por conta própria, outras sequências.” (p.128)
6 Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da linguagem oral
Este texto é de autoria de Bernard Schneuwly, fruto de uma Conferência no Programa de pós-graduação em Lingüística Aplicada e estudos da Linguagem (Lael) da PUC-SP, proferida em 1997. Sua tese é de que é possível trabalhar o ensino da linguagem oral materna na escola através de uma nova relação da linguagem.
Analisando a história do ensino da linguagem na escola, especificamente acerca da relação entre o oral e o escrito, o autor analisa criticamente duas vertentes comuns que orientam o processo de ensino-aprendizagem para, ao final, propor um caminho possível para se trabalhar a linguagem oral na escola.
A primeira abordagem discutida é aquela na qual os alunos são levados a desenvolver habilidades linguísticas orais tendo como referência a norma da linguagem escrita culta. São enfocados, aqui, as dimensões estruturais da linguagem (fonológicas, sintáticas, lexicais) e não trabalhados outros aspectos relevantes na linguagem oral como, por exemplo, os argumentos e a estrutura textual utilizados pelo aluno.
A segunda referência aborda a linguagem oral como uma expressão em si mesma bastando, apenas, que o aluno tenha espaços nos quais se expresse oralmente acerca de seus sentimentos. Não há, portanto, nessa concepção, objetivos didáticos estabelecidos para a linguagem oral na escola.
Schneuwly propõe que o trabalho da linguagem oral assuma uma outra dimensão na instituição escolar objetivando levar os alunos de uma oralidade espontânea a uma expressão oral gestada, ou seja, pensada e planejada intencionalmente pelos sujeitos em interlocução. Essa mudança do rumo que adquire a oralidade pressupõe uma certa ficcionalização, ou seja, uma elaboração abstrata de situações envolvendo quatro parâmetros: “enunciador, destinatário, finalidade ou objetivo, lugar social” (p.144).
7 O oral como texto: como construir um objeto de ensino
Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly escrevem este artigo com a colaboração de Sylvie Haller com o intuito de constituir a expressão oral em objeto de ensino em função da centralidade que ele ocupa nas práticas sociais desde a mais tenra idade até a fase adulta. Para tanto, é imprescindível definir, clara e objetivamente, quais são as características da linguagem oral que devem ser ensinadas. A partir da sua definição é possível traçar estratégias de ensino mais adequadas para o desenvolvimento das habilidades orais dos alunos.
A primeira dimensão do oral é de que ele consiste numa linguagem falada com entonação, acentuação e ritmos próprios envolvendo um aparelho fonador interligado com o aparelho respiratório, através dos quais se emitem sons articulados em fonemas (vogais e consoantes) combinados de modo a formarem sílabas. O oral pode ir do espontâneo que consiste numa fala improvisada diante de uma situação imediata vivenciada à escrita oralizada referente à vocalização de um texto escrito através da leitura ou do recital. A oralidade tem como marca, também, a linguagem corporal, através de mímicas, gestos, expressões faciais.
Outra questão a considerar é da relação entre oral e escrita. A linguagem, para os autores é um sistema global que envolve tanto a oralidade e a escrita. O que define qual expressão será usada (oral ou escrita) é a situação comunicacional na qual se está inserido. Assim, tomar o oral como objeto de ensino pressupõe que se conheça e compreenda as práticas orais e os saberes e linguísticos nelas implicados.
Toda relação comunicacional produz um texto entendido como “uma unidade de produção verbal que veicula uma mensagem organizada linguisticamente e que tende a produzir um efeito de coerência sobre seu destinatário” (p.169). Selecionar diferentes textos (orais) utilizados socialmente tornará o ensino mais significativo para os alunos e professores. Além da expressão oral propriamente dita, os autores consideram que a outra dimensão dessa expressão lingüística – a oralização da escrita – também é importante na apropriação por parte dos alunos das práticas e atividades lingüísticas socialmente construídas e legitimadas pela sociedade. Sugere-se, assim, também o trabalho com recitação, teatro e leitura para os outros.
Quais gêneros orais ensinar na escola? O papel da escola, para os autores, é o de instruir mais do que de educar a escolha dos textos deve-se recair, sobretudo, nos de caráter público formal, ou seja, aqueles frutos (e utilizados) de situações públicas formais (conferência, debate, entrevista jornalística, entre outros). Além disso, as expressões orais utilizadas nas situações públicas convencionais são mais complexas e requerem uma intervenção didática intencional para que seja possível sua apropriação e uso consciente e intencionalmente.
Cabe ao professor, portanto, conhecer os gêneros orais oriundos de situações públicas formais e fim de transformá-los em objetos de ensino através de sequências didáticas cujos princípios e proposta de um modelo são apresentados no artigo intitulado “Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento”.
8 Em busca do culpado. Metalinguagem dos alunos na redação de uma narrativa de enigma
Com o intuito de analisar “o papel das atividades metalingüísticas no ato de escrita, por meio do exemplo da narrativa de enigma” (p.190), Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly escrevem este artigo baseado em uma pesquisa realizada com um grupo de alunos, organizados em pares, produzindo uma narrativa de enigma (narrativa de um crime e seu processo de investigação). A escolha desse gênero fundamenta-se no fato de que, para escrever um texto desse tipo é necessário buscar compreender como ele se estrutura a fim de seguir seu “modelo” objetivando construir a narrativa.
A pesquisa foi realizada com um grupo de 24 pré-adolescentes subdividido em duplas. Das 12 duplas formadas, 8 foram submetidas a uma sequência didática na qual foram abordados alguns aspectos do gênero a ser trabalhado, além das instruções acerca do texto a ser produzido. As outras 4 duplas receberam somente as instruções para a realização do texto. Todas as duplas receberam um texto-base contendo o início da história informando acerca do crime cometido e um parágrafo final genérico no qual não aparecia o culpado do crime. A proposta consistia em completar a história.
Dos resultados obtidos, verificou-se que, a maioria das duplas realizou uma certa discussão acerca dos elementos principais que devia conter um texto de enigma sendo que, grande parte deles foram dos que participaram da atividade didática que precedeu a elaboração do texto.
Algumas conclusões ainda que iniciais, dado a amostra limitada que foi trabalhada na pesquisa, foram apresentadas:
1. A observação dos alunos durante o processo de elaboração de um texto permite estudar as atividades metalingüísticas por eles desenvolvidas;
2. O texto-base foi uma estratégia que colaborou para o desenvolvimento da proposta;
3. Uma das noções discutidas pelos alunos e que, nas narrativas enigmáticas é de suma importância, é de culpado;
4. A narrativa de enigma a ser elaborada possibilitou o surgimento de problemas relacionados com esse gênero lingüístico. Além disso, a elaboração da intriga, elemento central desse gênero literário, precisa de um trabalho sistemático que alavanque, nos alunos, a discussão sobre essa questão;
5. Dividir a classe em dois grupos – um que foi alvo de um trabalho didático e outro que não – possibilitou verificar o papel da intervenção didática na produção dos textos;
6. Nas discussões das duplas para definição das estratégias para elaboração do texto foram muito mais ricas do que o texto produzido por eles. Este não continha várias das questões levantadas e decididas pela dupla;
7. Didaticamente, é necessário intervenção para a produção das narrativas em três dimensões: processo de abdução que permite desvendar o crime e achar o culpado; a necessidade de criar suspeitos dando condições de se criar intrigas para retardar a descoberta do culpado e, enfim, necessidade de caracterizar os personagens através de diálogos, ações e descrições.
9 A exposição oral
O artigo em questão foi escrito por quatro autores: Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly, Jean-François de Pietro e Gabrielle Zahnd. Partindo da constatação de que a exposição oral, sobretudo o seminário, é muito utilizada nas salas de aula, os autores, com base em pesquisas realizadas, afirmam que, contudo, ele não se configura como objeto de ensino. Assim, não há um trabalho sistemático e intencional cujo objetivo seja possibilitar aos alunos a apropriação das características próprias desse gênero oral a fim de melhorar seu desempenho nas exposições orais.
Diante desse diagnóstico, os autores defendem que as exposições orais sejam utilizadas, na escola, como meio de comunicação e, também, como objeto de ensino. A exposição oral é um texto de caráter público e formal onde um sujeito transmitirá, de forma estruturada, informações acerca de um tema que domina a uma platéia com pré-disposição para aprender. O ensino desse gênero oral deve levar em consideração dimensões inerentes a ele: capacidade de comunicação, conteúdo específico e procedimentos linguísticos e discursivos.
A situação de comunicação deve ser objeto de análise: qual o tema, quais as problemáticas serão abordadas na exposição, quem são os interlocutores, o que eles já sabem sobre o tema, quais as conclusões as quais deve-se chegar.
O estudo do conteúdo a ser exposto também deve ser alvo de discussão. Os alunos devem procurar diversas fontes e utilizar, caso necessário, de gráficos, tabelas, enfim, do repertório de fontes como apoio à exposição do tema.
Após, passe-se à organização interna da exposição também considerando sete fases: abertura, introdução ao tema, apresentação do plano da exposição, desenvolvimento e encadeamento dos temas, recapitulação e síntese, conclusão e encerramento.
10 Relato da elaboração de uma sequência: o debate público
Este capítulo do livro escrito por Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly e Jean-François de Pietro, relata uma sequência didática aplicada a uma situação de ensino do debate como uma experiência prática de ensino de expressão oral, na escola.
O debate foi escolhido como objeto de ensino porque permite desenvolver várias habilidades necessárias para a vida em sociedade, tais como: capacidades lingüísticas (discurso, argumentação, retomada do discurso), cognitivas (crítica), social (ouvir e respeitar o outro) e individual (situar-se perante uma situação, tomar posição diante de um assunto, construir sua própria identidade).
Os autores apresentam três tipos de debate que se pode trabalhar:
1.de opiniões: aqui as crianças são levadas a colocar sua opinião e justificá-la a respeito de um tema sem, contudo, seja necessário chegar a uma conclusão;
2. deliberativo: aqui o que direciona o debate e a argumentação é a necessidade de se tomar uma decisão;
3.para resolução de problemas: a discussão do problema e suas possíveis soluções é o centro do trabalho.
Após a definição do tipo de debate a ser estudado, parte-se para a escolha do tema que deve levar em conta: os interesses dos alunos, a complexidade e saberes dos alunos sobre o tema, a relevância social, capacidade didática.
Enfim, chega-se à questão das formas de se tratar o conteúdo do debate. Nessa fase, sugere-se que sejam trabalhados temas cujos argumentos podem ser buscados no conteúdo das disciplinas que estão sendo desenvolvidos e buscar outras fontes, preferencialmente orais, de aumentar o repertório dos alunos acerca do assunto. Deve-se atentar, também, para questões de ordem prática que envolvem o ensino da oralidade na escola: duração da sequência didática e de seu conteúdo em função do nível de desenvolvimento que os alunos estão; inserir, no projeto de classe, trabalhos com oralidade; buscar formas para registrar esses trabalhos (gravação: só da fala ou com imagens); proporcionar aos alunos contato com modelos de expressões orais de caráter público formal.
No ensino das expressões orais, na escola, o papel do professor é primordial visto que, ao mesmo tempo, ele precisa gerenciar duas dimensões articuladamente: criar uma situação de comunicação motivadora e enriquecedora e desenvolver, nos alunos, suas capacidades argumentativas. Ao longo e ao final do processo é necessário, ainda, que o professor avalie tanto seu próprio trabalho como gestor do ensino bem como os trabalhos realizados pelos alunos que expressam o grau de desenvolvimento por eles alcançado.
3.ECHEVERRÍA, M. P. P.; POZO, J. I. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. In: POZO, J. I. (Org.). A solução de problemas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Jeferson Anibal Gonzalez
Pedagogo (FFCLRP/USP) e Mestrando em Educação (FE/UNICAMP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR (GT/UNICAMP).
Introdução: a solução de problemas como conteúdo da educação básica
Durante a execução da ação docente os professores aprendem que os problemas colocados por eles para os alunos em sala de aula diferenciam-se dos problemas que eles se deparam fora do ambiente escolar. Neste sentido, o que pode ser um problema significativo para um, pode ser entendido como algo trivial ou até mesmo carecer de sentido para o outro. A partir desta reflexão, o objetivo da Educação Básica é fazer como que os alunos não apenas coloquem determinados problemas, mas que principalmente, saibam resolvê-los.
Ressalta-se que no final da Educação Básica o aluno deve ter adquirido as habilidades de elaborar e desenvolver estratégias pessoais de identificação e solução de problemas nas principais áreas de conhecimentos por meio de hábitos de raciocínio objetivo, sistemático e rigoroso, e que aplique espontaneamente estas habilidades de resoluções de problemas em situações da vida cotidiana.
Entende-se que a solução de problemas deveria constituir enquanto um conteúdo neces¬sário das diversas áreas do currículo obrigatório. Assim, os alunos estariam aptos para buscarem de estratégias apropriadas para resoluções de problemas, não dando somente respostas adequadas aos problemas escolares, mas também aos problemas que se deparam na realidade cotidiana.
Ensinar os alunos a resolver problemas não significa somente dotar o aluno de habilidades e estratégias eficazes para lidar com questões matemáticas, significa também criar nestes alunos hábitos e atitudes de enfrentar a aprendizagem como um problema para o qual deve ser encontrada uma resposta.
Apreender a resolver problemas não é uma questão apenas de se ensinar a resolver os problemas, mas também de ensinar a propor os problemas para si mesmo e a transformar a realidade em um problema que mereça ser indagado, questionado, estudado e resolvido, pois o verdadeiro objetivo da aprendizagem da solução dos problemas é fazer com que os alunos adquiram o hábito de proporem-se problemas e resolvê-los como forma de aprender.
Do exercício ao problema
Por meio do exemplo de que consertar um circuito elétrico é um simples exercício para algumas pessoas, enquanto para outras é um problema bastante complexo e trabalhoso, surge à necessidade de distinção entre exercício e problemas.
O exercício e o problema relacionam-se com o contexto da tarefa em que o aluno enfrenta. Podemos resumir a realização de um exercício à habilidades e técnicas foram apreendidas pelo aluno, as quais ele utiliza para a execução do problema. Durante a execução de um problema que desconhecemos a sua resolução, buscamos técnicas e procedimento que já dominamos para resolução do mesmo, ou seja, um problema que apresenta uma situação inédita requer a utilização de estratégias e técnicas já apreendidas.
Ao resolver por diversas vezes um mesmo problema, este se tornará para o aluno um exercício. Assim, não é possível determinar se uma tarefa dada pelo professor em aula pode ser considerada um exercício ou um problema, pois isto depende da experiência e dos conhecimentos prévios dos alunos, assim como, dos objetivos que se estabelecem durante a realização tarefa.
O exercício permite consolidar habilidades e instrumentos básicos, mas isto não pode ser confundido com a idéia que a soluções de problemas exige o uso de estratégias a serem seguidas. O que se procura apontar é o fato que se um problema é repetitivamente resolvido, acaba por tornar-se um exercício.
Com isto, chama-se atenção dos professores para o fato de que em sala de aula deve existir uma distinção entre exercícios e problemas, pois é necessário que fique claro aos alunos que as tarefas não deve se resumir a exercícios repetitivos e sim ativação dos diversos tipos de conhecimentos que envolvem diferentes atitudes, motivações e conceitos.
As técnicas “sobreaprendidas”, ou seja, as técnicas já apreendidas pelos alunos devem ser constituídas enquanto meio, recurso instrumental necessário, mas não suficiente, para alcançar soluções.
Para a resolução dos problemas não caírem no automático é necessário indagar sobre como os alunos resolvem os problemas, caso contrário, sempre estaremos diante de exemplos como o menino que sabe andar de bicicleta, mas não consegue explicar ao seu colega como se equilibrar sobre a mesma.
As indagações sobre como resolver os problemas auxiliam os alunos a compreenderem melhor os processos que estão envolvidos na solução dos problemas. Não faz sentido falarmos em ensinar a resolver problemas, mas sim tratar os problemas em cada uma das áreas necessárias. O mais importante é incluirmos as soluções de problemas enquanto parte do currículo escolar.
As soluções dos problemas como uma habilidade geral
Existem inúmeras formas de se resolver problemas heterogêneos, mas que por trás da forma faz-se necessário estabelecer uma série de raciocínios e de habilidades comuns. Assim, maneiras diversas de resolução de problemas não se relacionam às diferenças de capacidades e sim a diferença na aprendizagem das pessoas que os resolvem.
Tipos de Problemas
Deparamo-nos com inúmeras classificações de possíveis estruturas dos problemas, sendo elas tanto em função da área as quais pertencem os conteúdos dos problemas, assim como, os tipos de operação e processos necessários para resolvê-los.
Um fator que dificulta a resolução dos problemas é a má estruturação do mesmo, ou seja, quando o ponto de partida encontra-se obscuro ou quando as normas que estipulam os passos necessários à resolução não se encontram bem formulados.
Presentes ou não estes fatores que dificultam a resolução, faz-se necessário que a resolução de qualquer problema acompanhe alguns requisitos básicos como prestar atenção em todos os elementos fornecidos, recordar alguns conhecimentos prévios e relacionar entre si certos elementos. Na maioria dos problemas estes elementos fazem parte de habilidades necessárias que nos levarão a resultados.
Passos para a solução de um problema
Para se resolver um problema é necessário estabelecer uma disposição para alcançar sua resposta. Sendo necessário também estabelecer alguns passos como compreender o problema, conceber um plano para resolvê-lo executar o plano estabelecido e ter uma visão retrospectiva sobre o que se fez, como é o que foi alcançado. Existem algumas técnicas que ajudam na resolução de problemas como realizar perguntas do tipo:
• O que entendi e não entendi relacionado ao enunciado do problema
• Qual a dificuldade do problema? Qual a meta?
• Quais dados utilizados como ponto de partido?
• Como concretizar o problema utilizando exemplos?
• Como agir quando o problema é muito específico?
Procedimento como realizar tentativas por meio de ensaio ou erro, dividir o problema em subproblemas, procurar problemas análogos e ir do conhecido para o desconhecido também fazem parte da resolução dos problemas.
Estes são alguns exemplos que mostram que a solução dos problemas se baseia em um processo relativamente geral e independente do conteúdo que devem ser ensinados aos alunos, pois fazem parte de habilidades e estratégias necessárias para alcançarmos alguns resultados.
A solução dos problemas como um processo específico:
diferenças entre especialistas e principiantes
A regra do “bom pensar” exclusivamente não garante a resolução do problema se não estivermos acompanhados de um conhecimento contextual específico. Assim, a maior eficiência na solução de um problema pelos especialistas não seria devido a uma maior capacidade cognitiva do sujeito e sim pelos seus conhecimentos específicos. Para resolver os problemas é necessário que o treinamento técnico seja complementado por um conhecimento estratégico que possibilite a utilização das técnicas de modo deliberativo nos contextos das tarefas, ou seja, no contexto dos problemas. A eficiência na solução dos problemas depende muito da disponibilidade e da ativação de conhecimentos conceituais adequados. Para tanto, defende-se que os alunos devem adquirir uma perícia específica em diversas áreas do currículo, pois assim, eles conseguirão resolver com eficiências os problemas surgidos.
As estratégias pessoais de especialistas e principiantes e as especificidades das áreas de conhecimento
A superioridade dos especialistas em resolver problemas relaciona-se à diferente maneira com que eles se relacionam com os mesmos, ou seja, eles adotam estratégias diferentes de resoluções comparadas com as dos principiantes.
O domínio de alguns procedimentos está condicionado pelos conteúdos conceituais das tarefas aos quais são aplicados, necessitando estabelecer uma grande conexão entre aquisição, reestruturação dos conceitos e soluções dos problemas, ou seja, entre conhecimentos procedimentais e declarativos no desempenho de especialistas comparado com o de principiantes.
O treinamento enquanto estratégia de resolução de problemas específicos para cada área do currículo relaciona-se às formas de raciocínio, com procedimentos adotados e ao tratamento com as informações.
A aquisição de hábitos do raciocínio objetivo
Atualmente modelos de raciocínio formal e lógico são substituídos por modelos de racionalidade pragmática, na qual o “bom pensar” está vinculado ao contexto e pelas as metas estabelecidas e buscadas durante o processo de solução dos problemas, deixando de lado concepções que estabelecem formas universais do “bom pensar”.
A psicologia do raciocínio trabalha com a racionalidade pragmática, intuitiva (conhecida também como procedimentos heurísticos), levando o aluno a estabelecer novas formas de raciocinar, de pensar. Isto gera uma contraposição entre o raciocínio cotidiano e cientifico, porém ressalta-se que a melhor forma de se resolver um problema encontra-se oriundo em critérios pragmáticos, ligados à vida dos alunos.
A transferência para a solução de problemas cotidianos
A transferência de um conhecimento adquirido para um novo contexto ou domínio constitui-se um entrave. Isto decorre do trabalho escolar segregado do cotidiano do aluno. Transferir uma habilidade ou um conhecimento adquirido em aula para um contexto mais informal é uma tarefa que exige maior semelhança entre o contexto de aprendizagem e o contexto vivenciado pelo aluno, ou seja, o contexto o qual será aplicado à transferência. É necessário que ocorra a transferência do uso técnico do conhecimento para seu uso estratégico, ou seja, é necessário que o aluno apreenda a solucionar problemas que possam ter utilidade em seu dia-a-dia. Para tanto, é necessário rompermos com soluções de problemas que treinamos alunos para as soluções prontas, construindo um processo de aprendizagem que os envolva de forma significativa nas resoluções de problemas.
4. FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Editora Cortez,1996.
A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO.
INTRODUÇÃO
Ferreiro inicia o texto destacando que, em dezembro de 1979 realizou-se na Cidade do México uma Conferência Regional de Ministros da Educação e de Ministros encarregados do Planejamento Econômico da América Latina e Caribe, no âmbito da Unesco. Essa conferência deu origem ao que se conhece por Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe.
No entanto, a década de 80 foi particularmente ruim para a educação em nossa região.
Ao final da década de 80, volta-se a ouvir a voz da Unesco, que declara 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização.
Porém, 1990 inicia-se com uma novidade: não somente os organismos internacionais tradicionalmente vinculados à educação (Unesco, Unicef) inauguram a década da alfabetização e da educação básica, mas também o Banco Mundial decide investir na educação básica e incidir sobre as políticas dos governos.
Apenas quatro anos separam 1988 e 1992; no entanto, muitas coisas estão ocorrendo (e não só no campo educativo). As quais afetarão profundamente a maneira em que iniciaremos o próximo século.
Para a autora é difícil falar de alfabetização evitando as posturas dominantes neste campo: por um lado, o discurso oficial e, por outro, o discurso meramente ideologizante, que chamarei “discurso da denúncia”. O discurso oficial centra-se nas estatísticas; o outro despreza essas cifras tratando de desvelar “a face oculta” da alfabetização. Onde o discurso oficial fala de quantidade de escolas inauguradas, o discurso da denúncia enfatiza a má qualidade dessas construções ou desses locais improvisados que carecem do indispensável para a realização de ações propriamente educativas. Onde o discurso oficial fala de quantidade de crianças matriculadas, a denúncia fala de classes superlotadas, professores mal pagos e poucas horas de permanência na escola.
Como pesquisadora Ferreiro tenta ajustar-me aos requisitos elementares de meu ofício, ao falar de um tema ao qual venho dedicando mais de dez anos seguidos de trabalho. Como latino-americana, não posso deixar de lado a indignação que deve provocar em nós a análise da situação da alfabetização na região.
INCORPORAÇÃO, RETENÇÃO E REPETÊNCIA.
Primeiro objetivo do Projeto Principal: “Conseguir, antes de 1999, a escolarização de todas as crianças em idade escolar, oferecendo-lhes uma educação geral mínima com duração de 8 a 10 anos”.
É importante considerar que, devido às altas taxas de crescimento populacional existente em vários países da região, o aumento da matrícula na primeira série resulta de esforços notáveis e persistentes. Por exemplo, o México passa de uma população de 1° Grau de aproximadamente 7 milhões, em 1965, a 9 250 000 em 1970, 15 milhões em 1980 e 15 400 000 em 1983. Nesses mesmos anos o Brasil passa de uma população de aproximadamente 5 milhões em 1965, para 17 milhões em 1970, 20 milhões em 1980 e 24 milhões em 1983.
As maiores taxas de repetência se situam nas três primeiras séries do 1° grau; o filtro mais severo está na passagem do primeiro para o segundo ano da escola primária, alcançando em alguns países da região cifras excessivas (no Brasil, por exemplo).
Segundo a autora, a criação de serviços de atendimento especializado como solução alternativa gera outras dificuldades. Esta medida parece contar com a opinião favorável de todos os setores: os professores estão de acordo, porque assim conseguem aliviar as classes superlotadas ou livrar-se dos alunos mais difíceis; os profissionais (psicólogos e terapeutas) estão de acordo porque se abre para eles um mercado de trabalho: a opinião pública é de que nesses serviços, tão especializados, se oferece certamente uma educação de “boa qualidade”. A primeira dificuldade desta alternativa tão bem recebida é no aspecto econômico; esses serviços encarecem muitíssimo o custo do atendimento educacional por aluno: são, portanto, impossíveis de ser considerados como uma medida generalizada em países endividados, que apenas podem pensar em expandir os empobrecidos serviços educativos de caráter geral.
A segunda dificuldade é talvez a mais séria: quando a criança é enviada a esses sistemas especializados (geralmente denominados “educação especial”) adota-se, com isso, uma atitude semelhante à que se adota frente às crianças realmente “especiais” ou “atípicas” (os deficientes sensoriais, por exemplo).
ASPECTOS QUALITATIVOS DA ALFABETIZAÇÃO
Ferreiro destaca que a alfabetização parece enfrentar-se com um dilema: ao estender o alcance dos serviços educativos, baixa-se a qualidade, e se consegue apenas um "mínimo de alfabetização". Isso é alcançar um nível "técnico rudimentar", apenas a possibilidade de decodificar textos breves e escrever algumas palavras (além de grafar quantidades e talvez as operações elementares), porém sem atingir a língua escrita como tal.
Para Ferreiro, de todos os grupos populacionais, as crianças são as mais facilmente alfabetizáveis. Ela têm mais tempo disponível para dedicar à alfabetização do que qualquer outro grupo de idade e estão em processo contínuo de aprendizagem (dentro e fora do contexto escolar), enquanto os adultos já fixaram formas de ação e de conhecimento mais difíceis de modificar. (Em muitos casos, os adultos elaboraram também “estratégias de sobrevivência” que lhes permitem viver no meio urbano sem sentir a necessidade de ler e escrever).
OS OBJETIVOS DA ALFABETIZAÇÃO INICIAL
Aqui a autora coloca que, antes de desenvolver o tema anterior, devemos perguntar-nos: quais são os objetivos da alfabetização inicial? Freqüentemente esses objetivos se definem de forma muito geral nos planos e programas, e de uma maneira muito contraditória na prática cotidiana e nos exercícios propostos para a aprendizagem.
Um dos objetivos sintomaticamente ausente dos programas de alfabetização de crianças é o de compreender as funções da língua escrita na sociedade. Como as crianças chegam a compreender essas funções? As crianças que crescem em famílias onde há pessoas alfabetizadas e onde ler e escrever são atividades cotidianas, recebem esta informação através da participação em atos sociais onde a língua escrita cumpre funções precisas. Por exemplo, a mãe escreve a lista e a consulta antes de terminar suas compras; sem querer, está transmitindo informações sobre uma das funções da língua escrita (serve para ampliar a memória, como lembrete para aliviar a memória). Busca-se na lista telefônica o nome, endereço e telefone de algum serviço de conserto de aparelhos quebrados; sem querer, essa leitura transmite informações sobre algo que não sabíamos antes de ler. Recebe-se uma carta ou alguém deixa um recado que deve ser lido por outro familiar ao chegar; sem querer, transmite-se informação sobre outra da função da língua escrita (serve para comunicar-se à distância, para dizer algo a alguém que não está presente no momento de se escrever a mensagem).
Na maioria das escolas se apresenta a escrita como um “objeto em si”, importante dentro da escola, já que regula a promoção ao ano escolar seguinte, e também importante “para quando crescer”, sem que se saiba na realidade de que maneira esse “saber fazer” estará ligado à vida adulta: prestígio social? Condições de trabalho? Acesso a mundos desconhecidos?
A LÍNGUA ESCRITA COMO OBJETO DA APRENDIZAGEM
Segundo Ferreiro, no decorrer dos séculos, a escola (como instituição) operou uma transmutação da escrita. Transformou-a de objeto social em objeto exclusivamente escolar, ocultando ao mesmo tempo suas funções extra-escolares: precisamente aquelas que historicamente deram origem à criação das representações escritas da linguagem. É imperioso (porém nada fácil de conseguir) restabelecer, no nível das práticas escolares, uma verdade elementar: a escrita é importante na escola porque é importante fora da escola, e não o inverso.
Com base em uma série de experiências inovadoras de alfabetização, que se vêm desenvolvendo em diversos países latino-americanos, parece viável estabelecer de maneira diferente os objetivos da alfabetização de crianças. Em dois anos de escolaridade, - um dos quais pode ser pré-escola - crianças muito marginalizadas (urbanas e rurais) podem conseguir uma alfabetização de melhor qualidade, entendendo por isso:
- compreensão do modo de representação da linguagem que corresponde ao sistema alfabético de escrita;
- compreensão das funções sociais da escrita, que determinam diferenças na organização da língua escrita e, portanto, geram diferentes expectativas a respeito do que se pode encontrar por escrito nos múltiplos objetos sociais que são portadores de escrita (livros diversos, jornais, cartas, embalagens de produtos comestíveis ou de medicamentos, cartazes na rua etc.);
- leitura compreensiva de textos que correspondem a diferentes registros de língua escrita (textos narrativos, informativos, jornalísticos, instruções, cartas, recados, listas etc.) enfatizando a leitura silenciosa mais que a oralidade convencional;
- produção de textos respeitando os modos de organização da língua escrita que correspondem a esses diferentes registros;
- atitude de curiosidade e falta de medo diante da língua escrita.
AS DIFICULDADES DESNECESSÁRIAS E SEU PAPEL DISCRIMINADOR
Ferreiro destaca que as crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais dedicam seus melhores esforços intelectuais).
São os adultos que têm dificultado o processo imaginando seqüências idealizadas de progressão cumulativa, estimulando modos idealizados de fala que estariam ligados à escrita e construindo definições de “fácil” e de “difícil”, que nunca levaram em conta de que maneira se define o fácil e o difícil para o ator principal da aprendizagem: a criança. Tudo isso tomou o processo mais difícil do que deveria ser, produziu fracassos escolares desnecessários, estigmatizou uma grande parte da população e transformou a experiência de alfabetização em uma experiência literalmente traumática para muitas crianças.
Para Ferreiro, não há nenhuma prova empírica que permita concluir que é necessário certo tipo de pronúncia para ter acesso à língua escrita. Melhor dizendo, a experiência empírica mostra o contrário: nos diferentes países latino-americanos de língua espanhola, os grupos privilegiados da população se alfabetizam sem dificuldade, apesar das marcadas diferenças dialetais que existem entre as chamadas “formas cultas” de fala desses diferentes países.
Toda escrita alfabética tem como princípio fundamental marcar as diferenças sonoras através de diferenças gráficas, mas no desenrolar histórico se produzem inevitavelmente defasagens entre esse princípio geral e as realizações concretas dos usuários.
Isto se dá por duas razões: a primeira tem a ver com uma variável temporal - as ortografias das línguas escritas evoluem muito mais lentamente do que a fala; a segunda razão é de caráter espacial na medida em que uma língua se estende a um número crescente de usuários dispersos numa área geográfica ampla, surgem variantes dialetais que se distanciam em maior ou menor medida do que se representa por escrito.
As pesquisas sobre os processos de aquisição da língua oral mostram claramente que a repetição desempenha um papel muito limitado nesse processo. Sabemos que as crianças aprendem muito mais construindo do que repetindo o que os outros disseram. Em língua escrita esses processos de construção estão proibidos. Nenhuma das metodologias tradicionais, ainda em voga na região, cogita que, desde o início do processo de alfabetização, as crianças possam escrever palavras que nunca antes copiaram, e que essas tentativas para construir uma representação são tão importantes nessa aprendizagem como as tentativas para dizer algo em língua oral. Nenhuma dessas metodologias pensa em dar instrumento ao professor para saber ler - quer dizer, interpretar - essas produções infantis, para poder traduzi-las sem desqualificá-las (tal como fazemos na língua oral, onde tratamos de entender o que a criança disse, dizendo-a a nossa maneira, sem necessidade de desqualificar sua emissão com um “Você não sabe falar!”).
A escrita lhes apresenta desafios intelectuais, problemas que terão que resolver, precisamente para chegar a entender quais são as regras de construção internas do sistema.
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Um fator freqüentemente mencionado como necessário para facilitar as ações de alfabetização é a produção de materiais. A esse respeito é preciso distinguir três tipos de materiais:
a) Materiais dirigidos aos professores como um modo de veicular uma proposta pedagógica e de fazer-lhes chegar informação atualizada que os ajudem a pensar criticamente sua própria prática profissional. Esses materiais são úteis na medida em que se evite a versão “receita culinária” (isto é, use os ingredientes em tal ordem e obterá um resultado comestível).
b) Materiais para ler (não para aprender a ler, mas para ler) - Eles são essenciais e tanto mais necessários quanto mais nos distanciamos das regiões urbanas.
c) Materiais para alfabetizar - É chegado o momento de desmistificar tais tipos de materiais, que não só não são necessários, mas que são freqüentemente contraproducentes. Para alfabetizar é preciso ter acesso à língua escrita (tanto como para aprender a falar é necessário ter acesso à língua oral) e é isso que está ausentes nas famosas cartilhas ou manuais "para aprender a ler".
Para Ferreiro, as seqüências didáticas tradicionais baseiam-se em uma série de falsos pressupostos que se mantêm com a inércia dos hábitos adquiridos e que resistem a qualquer análise racional. Não seria demasiado grave se não fosse porque essas didáticas tomam ainda mais difícil o processo para quem a escolarização já é uma empresa de "alto risco".
A ATENÇÃO A POPULAÇÃO DE 4 A 6 ANOS EM RELAÇÃO À ALFABETIZAÇÃO
Segundo relato da autora, um dos setores educativos com maior crescimento na região latino-americana é o que corresponde à população infantil de 4 a 6 anos. (Na maioria dos países latino-americanos, as crianças ingressam na escola de 1° grau aos 6 anos. Seria interessante perguntar-se por que o Brasil mantém 7 anos como idade de ingresso).
Estima-se que em 1970, 1 728 000 crianças menores de 5 anos freqüentavam algum tipo de instituição pré-escolar na região; em 1985 esta quantidade cresceu para 8 264 000, o que representa um incremento enorme: 478%. Esse aumento notável corresponde fundamentalmente às crianças de 5 anos e, em menor escala, às de 3 e 4 anos (cifras da Unesco-Orealc).
Em relação à alfabetização, as políticas relativas a esse nível educativo (impropriamente chamado pré-escolar) oscilaram entre duas posições extremas: antecipar a iniciação da leitura e da escrita, assumindo alguns dos conteúdos (e, sobretudo, das práticas) que correspondem tradicionalmente ao 1° ano da escola primária, ou então - posição oposta -evitar que a criança entre em contato com a língua escrita.
Assim como os objetivos da alfabetização do início da escola primária necessitam redefinir-se, também necessitam redefinir-se os objetivos da pré-escola com respeito à alfabetização. Não se trata, nesse nível, nem de adotaras práticas ruins da escola primária, seguindo este ou aquele método de ensinar a ler e a escrever, nem de manter as crianças assepticamente afastadas de todo o contato com a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia que se expressa na famosa pergunta: deve se ensinar a ler e a escrever na pré-escola ou não? Minha resposta é simples: não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança aprenda.
EXPERIÊNCIAS ALTERNATIVAS DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS
As experiências alternativas de alfabetização de crianças, cujo desenvolvimento tenho seguido, atentamente, utilizam como informação básica as descobertas sobre a psicogênese da língua escrita na criança, resultado de trabalhos de pesquisa que inicie em 1974 junto com Ana Teberosky e um grupo de colegas, e que logo receberam ampla confirmação em diferentes países e línguas.
Apesar de variar enormemente entre si, essas experiências compartilham os objetivos da alfabetização antes enunciados e algumas propostas fundamentais sobre o processo de alfabetização que indicarei esquematicamente:
a) Restituir à língua escrita seu caráter de objeto social
b) Desde o início (inclusive na pré-escola) aceita-se que todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual em seu nível.
c) Permite-se e estimula-se que as crianças tenham interação com a língua escrita, nos mais variados contextos.
d) Permite-se o acesso o quanto antes possível à escrita do nome próprio
e) Não se supervaloriza a criança, supondo que de imediato compreenderá a relação entre a escrita e a linguagem. Tampouco se subvaloriza a criança
f) Não se pede de imediata correção gráfica nem correção ortográfica
OBSERVAÇÕES FINAIS
Segundo Ferreiro, nesta última década do século abre-se um espaço para que a América Latina, que tem muito a dizer sobre alfabetização, faça ouvir bem alto a sua voz.
Há uma consciência crescente da importância da educação básica e do mais básico na educação: a alfabetização. Mas há também um risco de regressar à concepção da alfabetização como algo demasiado elementar, isto é, mínimos rudimentos de decodificação.
Há uma consciência crescente sobre a impossibilidade de aceitar as taxas de repetência que existem em nossa região. Não importa que os argumentos atuais sejam basicamente econômicos, desde que sirvam para recordar-nos que, se a escola não gera aprendizagem, não pode justificar-se como instituição social.
Há um risco sério de continuar gerando desigualdades através de velhos e novos esquemas de competitividade, eficiência e modernidade. No entanto, existe também um sólido pensamento teórico sobre a natureza da alfabetização, ao qual estão contribuindo lingüistas, historiadores, antropólogos, psicólogos, sociólogos e educadores. Esta nova visão multidisciplinar sobre a alfabetização não permite retornar a uma visão supersimplificadora e profundamente equivocada sobre o processo de alfabetização.
Particularmente em nossos países empobrecidos, e especialmente nos setores mais pobres de nossos países, os objetivos da alfabetização devem ser mais ambiciosos. Se as crianças crescem em comunidade iletradas e a escola não as introduz na linguagem escrita (em toda a sua complexidade), talvez cheguem a atingir esses "mínimos de alfabetização", que lhes permitam seguir instruções escritas e aumentar sua produtividade em uma fábrica, contudo não teremos formado cidadãos para este presente nem para o futuro próximo. Há que se alfabetizar para ler o que outros produzem ou produziram, mas também para que a capacidade de “dizer cor escrito” esteja mais democraticamente distribuída. Alguém que pode colocar no papel suas próprias palavras é alguém que não tem medo de falar em voz alta.
Necessitamos que muitos mais tenham a capacidade de dizer-nos por escrito quem são, para manter a diversidade cultural que é parte da riqueza de nosso mundo. Falamos muito da diversidade biogenética de plantas e animais, que constitui um de nossos mais prezados recursos para o porvir. Não esqueçamos a diversidade cultural. A alfabetização pode e deve contribuir para a compreensão, difusão e enriquecimento de nossa própria diversidade, histórica e atual.
ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS E FRACASSO ESCOLAR PROBLEMAS TEÓRICOS E EXIGÊNCIAS SOCIAIS.
Ferreiro ressalta que, todas as frases que expressam preocupação sobre a situação do analfabetismo na região já fazem parte do discurso oficial dos governos. Todos os diagnósticos coincidem: o analfabetismo se concentra nos bolsões de pobreza das grandes cidades, juntamente com a aglomeração urbana, falta de água potável, trabalho ocasional e mal-remunerado; o analfabetismo se concentra nas zonas rurais, onde os camponeses vivem com uma economia de subsistência, cultivando com métodos arcaicos terras empobrecidas; o analfabetismo se concentra nas populações indígenas (também camponesas) que falam alguma das muitas línguas originárias do continente, mas que não possuem recursos próprios para grafar sua própria língua.
A orientação das políticas de alfabetização
Há ainda muito por fazer no plano do diagnóstico e orientação das políticas para que se tome consciência da gravidade da situação e do escândalo de certas conjunturas. Para restabelecer a necessidade da indignação de que fala Paulo Freire.
Sabemos perfeitamente que o conjunto de conhecimentos que um indivíduo adquire no curso de seu desenvolvimento depende das exigências do meio cultural em que cresce. A cultura do campo exige conhecimentos diferentes da cultura da cidade. Uma pessoa do campo, transferida violentamente para a cidade, aparece como alguém depreciado, tanto quanto o seria um habitante da cidade transferido violentamente para o campo. Ocorre que o movimento social vai em direção à urbanização e não à ruralização... Por esse motivo não faz nenhum sentido caracterizar o adulto ou a criança do campo como um “carente”. Ambos só aparecem como tais em função das exigências da vida urbana.
Na realidade, o que ocorre na saúde e na educação é parte da tendência geral à privatização que se observa em quase todos os países da região: o Estado delega ao setor privado a maior parte de suas obrigações e retém somente aquelas de tipo “assistencial” para os setores cujo poder aquisitivo não lhe permite pagar por um serviço necessário.
A noção de “direito a saúde, moradia e educação” perde assim seu sentido global. Em lugar de os cidadãos reclamarem um direito, estabelece-se, como fosse “normal”, que eles “comprem serviços”. Aqueles que não podem comprá-los devem conformar-se com um ação assistencial do Estado, que se limita a dar o mínimo necessário (e, freqüentemente, bem abaixo do mínimo requerido para manter os níveis de subsistência e funcionamento social degradado dessa parcela da população).
Para ela, é preciso denunciar muito claramente e tantas vezes quantas forem necessárias, até criar uma consciência pública de que não é possível alcançar os objetivos educativos colocados para o final do século XX se não se modificar rapidamente a própria concepção da alfabetização. É aqui onde há muito a ser dito com respeito ao desenvolvimento teórico relativo aos processos de alfabetização.
ALGUNS PROBLEMAS TEÓRICOS VINCULADOS À ALFABETIZAÇÃO
Há domínios para os quais ninguém pergunta se a criança está ou não “pronta” ou “madura” para iniciar essa aprendizagem. O acesso ao computador é, hoje em dia, um deles: há programas de iniciação ao uso do computador (não a programação) para adultos profissionais e para crianças de pré-escola. Dada a velocidade com que está tecnologia ingressou na vida moderna, parece haver consciência de que “quanto antes, melhor”. Na medida em que não há ainda parâmetros claros com relação ao tempo adequado para utilizá-lo produtivamente, e na medida em que não faz parte do currículo escolar, a noção de “fracasso na aprendizagem” ainda não está instaurada.
O problema dos pré-requisitos para uma aprendizagem coloca-se de diferentes maneiras: (a) apresenta-se como uma noção escolar, como algo que uma criança "tem" ou "não tem", e que é avaliada mediante provas psicológicas ou psicopedagógicas; (b) é visto como um problema teórico.
a) Os pré-requisitos como problema escolar
Como problema escolar, os pré-requisitos estabelecem barreiras: os sujeitos devem demonstrar possuir as habilidades definidas como requisitos prévios para poder ingressarem certo nível da escola. Supõe-se a aquisição dessas habilidades vinculadas a uma sempre mal definida “maturação”. Tal “maturação” é entendida, às vezes, como maturação biológica, e a referência à biologia parecem dispensar outras determinações.
b) Os pré-requisitos como problema teórico
Para Ferreiro, se pensarmos agora no problema dos pré-requisitos como um problema teórico, veremos de imediato delinearem-se duas maneiras muito diferentes de defini-lo, segundo a perspectiva teórica adotada.
O estudo dos pré-requisitos, no sentido dos antecessores de aquisições posteriores no processo de desenvolvimento, é de extrema importância em geral, e é essencial numa perspectiva psicogenética construtivista.
Os trabalhos sobre a relação entre consciência fonológica e leitura, que se ocupam da incidência da ação escolar, contrastam crianças que estão submetidas a diferentes metodologias de ensino da leitura (fundamentalmente métodos globais versus métodos analíticos). Isto também é reduzir um problema muito mais complexo a um só de seus ingredientes. O método que o professor segue é apenas um dos ingredientes da maneira como o objeto social “língua escrita” é apresentado no contexto escolar.
O conhecimento das funções sociais da escrita é “natural” em crianças cujos pais são alfabetizados, mas não tem nada de “natural” em outras, que não tiveram as mesmas oportunidades sociais de interagir com os diferentes tipos de objetos sociais que portam marcas escritas, que não tiveram oportunidades de participar de ações sociais (literacy events) em que outros indivíduos utilizam a língua escrita, lendo ou escrevendo com propósitos definidos. Ocultando essas funções sociais, apresentando a língua escrita como um “objeto em si”, abstraído de seus usos sociais, se favorece a algumas crianças e se deixa outras na penumbra inicial.
Segundo Ferreiro, reduzir a língua escrita a um código de transcrição de sons em formas visuais reduz sua aprendizagem à aprendizagem de um código. Em termos educativos, o problema das atividades preparatórias coloca-se de maneira radicalmente diferente se aceitarmos que é função da escola introduzir a língua escrita como tal. Não se trata de um jogo de palavras. Introduzir a língua escrita que dizer, ao menos, o seguinte:
- permitir explorações ativas dos distintos tipos de objetos materiais que são portadores de escrita (e que, além disso, têm recebido nomes específicos: jornais, revista, dicionários, calendários, agendas, livros ilustrados, livros sem ilustrações, livros de poesias, livros de canções, enciclopédias, cartas, receitas, recibos, telegramas etc);
- ter acesso à leitura em voz alta de diferentes registros da língua escrita que aparecem nesses distintos materiais;
- poder escrever com diferentes propósitos e sem medo de cometer erros, em contextos onde as escritas são aceitas, analisadas e comparadas sem serem sancionadas;
- poder antecipar o conteúdo de um texto escrito, utilizando inteligentemente os dados contextuais e - na medida em que vai sendo possível - os dados textuais;
- participar em atos sociais de utilização funcional da escrita;
- poder perguntar e ser entendido; poder perguntar e obter respostas;
- poder interagir com a língua escrita para copiar formas, para saber o que diz, para julgar, para descobrir, para inventar.
c) Síntese
Em síntese, a argumentação da autora é a seguinte:
a) - Colocada com problema teórico, a questão dos pré-requisitos (como antecessores necessários de aquisições posteriores) e de suma importância; no entanto, a forma de tratar o problema difere marcadamente segundo a posição teórica adotada.
b) - Do ponto de vista construtivista, o problema dos pré-requisitos coloca-se da seguinte maneira: é essencial estabelecer os antecessores de qualquer conhecimento em um momento qualquer de seu desenvolvimento.
c) - Não se deve confundir a necessidade teórica de encontrar os antecessores psicogenéticos com a pseudo-necessidade institucional de encontrar maneiras de classificar as crianças como “aptos/não”, “maduros/ não maduros”, “prontos/ não” etc. Qualquer instrumento que se utilize terminara refletindo as diferenças sociais nas ocasiões de acesso a língua escrita. Portanto, e inevitável que os testes de maturidade (ou como se queira chamá-los) funcionem como instrumentos de descriminação social.
A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA NA CRIANÇA
Para Ferreiro, o termo construção, que uso para me referir a aquisição da língua escrita, não e muito comum; geralmente se fala em “aprendizagem”. Não é que aprendizagem seja um termo errôneo, porque efetivamente ha um processo de aprendizagem, porem a historia social dos termos tem impregnado o termo aprendizagem com uma forte conotação empirista que não e a que quero dar-lhe. O termo maturação esta excluído, uma vez que não se trata de um processo puramente maturativo. O termo desenvolvimento tem sido pouco usado na literatura espanhola, ainda que em inglês, hoje em dia, seja bastante corrente ouvir falar de developmental literacy.
Para ela, quando falamos de construção da escrita na criança, não estamos falando da emergência mais ou menos espontânea de idéias engenhosas, idéias curiosas, idéias as vezes extraordinárias que as crianças tem - o que em inglês se costuma dizer wonderful idéias. E algo mais que isso. Tampouco se trata de que algumas coisas que se constroem e em seguida ha uma espécie de adição linear do já construído.
Para ela, em uma visão construtivista p que interessa e a lógica do erro: trata-se as vezes de idéias que não são erradas em si mesmas, mas aparecem corno errôneas porque são sobregeneralizadas, sendo pertinentes apenas em alguns casos, ou de idéias que necessitam ser diferenciadas ou coordenadas, ou, as vezes, idéias que geram conflitos, que por sua vez desempenham papel de primeira importância na evolução.
Alguns desses conflitos entendemos muito bem; esperamos entender melhor outros em um futuro não muito distante.
Os processes de construção sempre supõem reconstrução: no entanto, o que e que se reconstrói? E precise reconstruir um saber construído em certo domínio para aplicá-lo a outro; ha reconstrução de um saber construído previamente com respeito a um domínio especifico para poder adquirir outros conhecimentos do mesmo domínio que, de algum modo, tem sido registrados sem poder ser compreendidos; também ha reconstrução do conhecimento da língua oral que a criança tem para poder utilizá-lo no domínio da escrita.
5. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:Editora Cortez,1996.
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PREFACIO
Telma Weisz, ao escrever o prefá¬cio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a autora (Fer¬reiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da alfabetização, por meio dos resul¬tados obtidos em suas pesquisas científicas.
Emília Ferreiro, Doutora pela uni¬versidade de Genebra, teve o privilé¬gio de ter sido orientanda e colabora¬dora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na Argentina, país onde nasceu e também no México.
Anteriormente às pesquisas de Ferreiro, a crença implícita quanto à questão de alfabetização era de que tal processo começava e acabava na sala de aula e que a aplicação do método correto garantia ao profes¬sor o controle do processo de alfa¬betização dos alunos.
Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se também o número do fracasso escolar. Na au¬sência de instrumentos para repensar a prática falida e os fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal momento promoveu uma revolu¬ção conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização.
As pesquisas de Ferreiro e de seus colaboradores romperam o imobilis¬mo lamuriento e acusatório, im¬pulsionando um esforço coletivo na busca novos caminhos para que o educador rompa o circulo vicioso da reprodução do analfabetismo.
APRESENTAÇÃO
Por Emília Ferreiro.
Ferreiro afirma que o livro apresen¬ta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabe¬tização nada tem de mecânico, do pon¬to de vista da criança que aprende.
Destaca que a criança desempenha um papel ativo na busca da compre-ensão desse objeto social, complexo, que é a escrita.
Capítulo17
-A REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.
Ferreiro destaca que, tradicionalmente, a alfabetização é considera¬da em função da relação entre o método utilizado e o estado de 'maturidade' ou de 'prontidão' da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem - quem ensina e quem aprende - têm sido considerados sem levar em consideração o terceiro ele¬mento da relação que é a natureza do objeto de conhecimento envolven¬do esta aprendizagem.
A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este ob¬jeto de conhecimento intervém no pro¬cesso utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representa¬ção alfabética da linguagem com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende (crianças) e as concepções dos que ensinam (professores), so-bre este objeto de conhecimento.
1. A Escrita como Sistema de Representação.
A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição grá¬fica das unidades sonoras. A autora destaca que a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação e não um sistema de codificação.
Dessa forma, se considerarmos o sistema de representação do número e o sistema de representação da lin¬guagem, no início da escolarização, as dificuldades que as crianças enfren¬tam são dificuldades conceituais se-melhantes às da construção do siste¬ma e por isso pode-se afirmar que, em ambos os casos, a criança reinventa esses sistemas, ou seja, para pode¬rem se servir desses elementos como elementos de um sistema, as crian¬ças devem compreender seu proces¬so de construção e suas regras de pro¬dução, o que coloca o problema epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre o real e a sua representação.
A partir dos trabalhos de Saussure já concebemos o signo linguístico como a união indissolúvel de um significante com um significado. É o caráter bifásico do signo linguístico, a natureza complexa que ele tem e a re¬lação de referencia o que está em jogo.
As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser caracterizadas como sistemas de re¬presentação cujo intuito é represen¬tar as diferenças entre os significantes; enquanto que as escritas do tipo ideográfico poderiam representar di¬ferenças nos significados.
Se concebermos a escrita como um código de transcrição do sono¬ro para o gráfico privilegiando-se o significante (grafia) dissociado do sig¬nificado, destruímos o signo linguístico por privilegiamos a técnica e a meca-nização.
Se concebermos aprendera língua escrita como a compreensão da cons-trução de um sistema de representa¬ção em que a grafia das palavras e seu significado estão associados, (apropriação de um novo objeto de conhecimento) estaremos realizando uma aprendizagem conceitual.
2 - As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita.
A criança realiza explorações para compreender a natureza da escrita e isto pode ser observado através das suas produções espontâneas, que são valiosos documentos que precisam ser interpretados para poder ser avaliados.
As escritas infantis têm sido con¬sideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja, interpretá-las é um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares tradicionais, há uma concepção de que a criança só aprende quando submetida a um en¬sino repetitivo. No entanto, elas igno¬ram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo a res¬peito de certo objeto não significa sa¬ber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber' significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade.
Ferreiro, analisando as produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou que as mesmas possuem hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentan¬do uma evolução psicogenética.
As primeiras escritas infantis apa¬recem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas, contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos re¬petidos. A aparência gráfica não é garantia de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção.
No referencial tradicional, as pro¬fessoras prestam atenção nos aspec¬tos gráficos das produções das cri¬anças, ignorando os aspectos cons-trutivos. Do ponto de vista construti¬vo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente re¬gular e podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões.
Para executar suas ideias (em seus escritos) a criança:
a) faz distinção entre a modo de representação icônico (figura¬tivo) e não icônico (não-figu¬rativo).
b) constrói formas de diferenciação; faz diferenciação intrafigural que consistem no estabelecimento de propriedades que um texto deve possuir para poder ser interpretável. Os critérios intrafigurais se expressam sobre o eixo quantitativo (mínimo de três letras) e sobre o eixo qualitativo (variação de caracteres); faz a di¬ferenciação interfigurais que é a criação de modos sistemáticos de diferenciação entre uma es¬crita e a seguinte, para garantir a diferença de interpretação que será atribuída,
c) desvela a fonetização da escri¬ta (descobre a relação som / grafia), começa com o perío¬do silábico e culmina no perío¬do alfabético.
Ferreiro, analisando a evolução da escrita infantil reconhece quatro pe-ríodos, que denomina como: perío¬do pré-silábico, período silábico, período silábico-alfabético e perío¬do alfabético.
a) Período Pré-Silábico
As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta sonora da palavra e a representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das escritas e relaciona a escri¬ta com o objetivo referente (Ex. colo¬ca mais letras na palavra "elefante' do que na palavra borboleta - Realis¬mo Nominal).Exemplos de escrita pré-silábica:
ILUSTRAÇÃO l a.
Escrita sem diferenciações interfigurais (Adriana - 4,5 anos).
1. O que você desenhou? Um boneco.
2. Ponha o nome. (Rabisco.) (a)
3. O que você colocou? Ale (-seu irmão).
4. Desenhe uma casinha. (Desenha)
5. O que é isso? uma casinha.
6. Ponha o nome. (Rabisco) (b).
7. O que você escreveu? Casinha
8. Você sabe colocar o seu nome? (Quatro rabiscos separados) (c).
9. O que é isso? Adriana.
10. Onde diz Adriana? (Assinala globalmente)
11. Por que tem quatro
pedacinhos?... porque sim.
12. O que diz aqui? (1°) Adriana.
13.E aqui (2°) Alberto (- seu pai).
14.E aqui? (3°). Ale (-seu irmão).
15.E aqui? (4°) Tia Picha.
(1) peixe; (2) o gato bebe leite; (3) galinha; (4) franguinho; (5) pato; (6) patos
l LUSTRAÇÃO 2
Escrita com diferenciação interfigurais (Carmelo 6,2 anos).
(1) Carmelo Enrique Castilho Avellano (uma letra para cada nome).
(2) vaca.
(3) mosca
(4) borboleta
(5) cavalo
(6) mamãe como tacos (comida típica mexicana)
b) Período Silábico
A escrita silábica é o resultado de um dos esquemas mais importantes e complexos que se constroem du¬rante o desenvolvimento da leitura escrita. É quando se dá a descober¬ta de que as representações escritas têm um vínculo com a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sí-laba; tantas letras quantas sílabas. No mesmo período - embora não necessariamente ao mesmo tempo - as letras podem começar a adquirir valores sonoros silábicos relativamen¬te estáveis as partes sonoras seme-lhantes entre as palavras.
ILUSTRAÇÃO 3a.
Escrita silábica (letras de forma convencional, mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional) cada letra vale por uma sílaba (Jorge, 6 anos).
(1) ga - to (gato)
(2) ma-ri-po-sa (borboleta)
(3) ca-ba-Ilo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el-ga-to-be-be-le-che
'(o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
ILUSTRAÇÃO 3b.
Escrita silábica (vagais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sílaba (Francisco, 6 anos).
1. FRAN-CIS-CO (Francisco)
2. MA-RI-PO-SA (borboleta)
3. PALOMA (pomba)
4. PA-JA-RO (pássaro)
5. GA-TO (gato)
6. PA- TO (pato)
7. PEZ (peixe)
8. PEZ (2ª tentativa) (peixe – 2ª tentativa )
C) Período Silábico-Alfabético
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas pré-vios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em vias de se-rem construídos. Os conflitos prove¬nientes do meio social desestabilizam a hipótese silábica e a criança tem coragem de se comprometer em um novo processo de construção.
ILUSTRAÇÃO 4
Escrito silábico-alfabética (Júlio César, 6 anos)
(1) gato (gato)
(2) mariposa (borboleta)
(3) cabaIlo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el gato bebe leche (o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
c) Período Alfabético
Consiste no período que a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade, mas que ela é por sua vez, reanalisável em elementos menores.
Neste momento, deve haver uma estruturação dos vários elementos que compõem o sistema de escrita. Trata-se de conhecer o valor sonoro convencional.
a) pelo lado quantitativo não pode estabelecer regularidade dupli¬cando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas com 1,2,3, ou mais letras).
b) pelo lado qualitativo, problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de letras nem a identidade de le¬tras a de sons).
Capítulo 2 - AS CONCEPÇÕES SOBRE A LÍNGUA SUBJACENTE À PRÁTICA DOCENTE
As discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado sobre os métodos utilizados: analíticos versus sintéticos; fonético versus global, etc.
Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crian¬ças sobre o sistema de escrita.
A nossa compreensão dos proble¬mas, tal como as crianças os colo¬cam e da sequência de soluções que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um tipo de in¬tervenção adequada á natureza do processo real da aprendizagem. Re¬duzir esta intervenção ao método uti¬lizado é limitar nossa indagação.
É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança é introduzida na linguagem escrita e como se apresenta este objetivo no contexto escolar?
Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que só pode ob¬ter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que le¬vam a pensar que "o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabele¬cido de coisas, fechado, sagrado, imu¬tável e não modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como espectador ou receptor mecânico, sem nunca encon¬trar respostas aos porquês.
Nenhuma prática pedagógica é neutra e estão apoiadas nas concep¬ções do processo ensino e aprendizagem, bem como o objeto dessa aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que têm efeitos no domínio da língua escrita ou em outros conhecimentos. A reflexão psicopedagógica necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica.
A autora destaca que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três dificuldades conceituais iniciais que necessitam ser esclarecidas:
a) a visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado);
b) confusão entre escrever e de¬senhar letras;
c) e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das le¬tras e seu valor convencional.
Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua escrita subjacentes a algumas dessas práticas:
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de escrita.
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de apresentação de le¬tras e de palavras, o que implica uma sequência do “fácil" ou "difícil".
A autora descreve as experiências pedagógicas realizadas por Ana Teberosky, em Barcelona, baseada em três ideias simples, porém fundamentais:
a) Deixar entrar e sair para buscar informação extra-escolar dis¬ponível, com todas as conse¬quências disso;
b) O professor não é mais o único que sabe ler e escrever na sala de aula; todos podem ler e escrever, cada um ao seu nível;
c) As crianças não alfabetizadas contribuem na própria alfabetização e na dos companheiros quan¬do a discussão a respeito da re-presentação escrita de linguagem se torna prática escolar.
CONCLUSÕES
É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização integral não se resolvem com um novo mé-todo de ensino; nem com novos tes¬tes de prontidão; nem com novos materiais didáticos.
Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos pas-sar o eixo central das nossas discussões. Para ela, temos uma imagem empo¬brecida da língua escrita e uma imagem empobrecida de criança que aprende, um novo método não resolve os pro¬blemas. É preciso reanalisar as práti¬cas de introdução da língua escrita.
Ferreiro acredita ter chegado a momento de se fazer uma revolução conceitual a respeito da alfabetização.
Capítulo 3 - A COMPREENSÃO DO SISTEMA DE ESCRITA: CONSTRUÇÕES ORIGINAIS DA CRIANÇA E INFORMAÇÃO ESPECÍFICA DOS ADULTOS
Escrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
A leitura e a escrita, há muito são consideradas como objeto de uma instrução sistemática e cuja aprendizagem, suporia o exercício de uma série de habilidades específicas. Mui¬tos trabalhos de psicólogos e educa-dores têm se orientado neste sentido.
As autoras realizaram pesquisas so¬bre os processos de compreensão da linguagem escrita e abandonaram es¬tas ideias, pois, para elas, as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da escolari¬zação como parte da atividade da ida¬de pré-escolar. Essa aprendizagem se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras.
A escrita não é um produto es¬colar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e tem meios concretos de existência especial-mente nas concentrações urbanas.
1. Construções Originais das Crianças
Por meio de diferentes situações experimentais, as autoras obtiveram dentre os resultados o seguinte:
• aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma marca gráfica possa ou não ser lida;
• o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figu¬rativo", por um lado, e o "não-figurativo", pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o crité¬rio de "quantidade" mínima de caracteres: ambos são constru¬ções próprias da criança.
2. Informações Específicas
No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a uma in¬fluência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São concep¬ções acerca das propriedades estru-turais e do modo de funcionamento de certo objeto.
Ao contrário, existem conhecimen¬tos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser adquiridos por meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores).
A criança que cresce em meio "le¬trado" está exposta a interações, se vê continuamente envolvida, como agente e observador no mundo "le¬trado". Os adultos lhes dão a possi¬bilidade de comportar-se como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente o essencial das práticas soci¬ais ligadas à escrita.
3. Algumas Implicações Pedagógicas
A dimensão das questões pode suscitar de imediato uma pergunta: se a compreensão da escrita come¬ça a se desenvolver antes de ser en¬sinada, qual é o papel, principalmen¬te dos professores no que tange à aprendizagem? E a escola?
A transformação desta prática é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e insubstituível, aju¬dando as crianças, especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos. O professor é quem pode minorar esta carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança.
Alguns aspectos sobre os quais os professores deveriam estar atentos:
a) Se a escrita remete de maneira óbvia e natural à linguagem, estaremos supervalorizando as capacidades da criança que pode estar longe de ter desco¬berta sua natureza fonética.
b) Em contrapartida, poderíamos menosprezar seus conheci¬mentos ao trabalhar exclusiva¬mente com base na escrita, como cópia e sonorização dos grafemas.
c) Não desvalorizar seus esforços para compreender as leis do sistema tratando suas produ¬ções como rabiscos.
d) Avaliar tendo em vista os pro¬cessos e intenções e não ape¬nas como certo ou errado, do ponto de vista ortográfico.
e) Ênfase na produção de traça¬do reduz a escrita a um objeto 'em si', de natureza exclusiva¬mente gráfica.
f) Os problemas que a criança en¬frenta em sua evolução não estão sujeitos á qualificativos em termos de "simples" ou "complexos". São os proble¬mas que ela pode resolver de forma coerente e não aleatória.
g) Finalmente, se só nos dirigir¬mos às crianças que compar¬tilhem alguns de nossos conhecimentos deixaremos dei lado uma grande parte da po¬pulação infantil estacionada em níveis anteriores a esta evolu¬ção condenando-a ao fracasso.
5. Processos de Aquisição da Língua Escrita no Contexto Escolar
Estamos acostumados a conside¬rar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de aprendizagem escolar (controle sistemá¬tico), que há grande dificuldade em considerar que o desenvolvimento da leitura / escrita acontece antes da escolarização.
As crianças ignoram este contro¬le e desde que nascem estão cons¬truindo objetos complexos de conhecimento e o sistema de escrita é um deles.
A construção de um objeto de conhecimento é muito mais que uma coleção de informações. Implica a construção de um esquema concei¬tual, que permite interpretar dados prévios e novos dados, isto é, que possa receber informação e transformá-la em conhecimentos; um esque¬ma conceitual que permita processos de interferência acerca das propriedades não-observáveis de um deter¬minado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado.
O propósito de controlar o pro¬cesso de aprendizagem supõe que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão da aprendi¬zagem.
Ferreiro adverte que os estudos de Piaget nos obrigaram a reconhecer a importância de considerar os proces¬sos da criança no desenvolvimento cognitivo, obrigando-nos a abando¬nar o ponto de vista do adultocentrismo.
A pesquisa de Ferreiro, além da análise qualitativa, apresenta dados quantitativos procurando evidenciar que não se está referindo a uma mi-noria de crianças.
Projeto de Pesquisa na Diretoria Geral de Educação Espacial-Ministério de Educação do México - 1980-1982.
Objetivo Principal Prático - conhe¬cer e descrever o processo de apren-dizagem que ocorre nas crianças antes de serem rotuladas como "crian-ças que fracassam".
Objetivo Teórico - saber se as cri¬anças que ingressam no 1°. Grau em níveis pré-alfabéticos de concepção leitura/escrita, seguirão com a mes¬ma progressão evidenciada por ou¬tras crianças antes de entrarem para a escola, a despeito do fato dos mé¬todos e procedimentos de ensino pro-curarem conduzi-los diretamente ao sistema alfabético da escrita.
População Alvo - (crianças repe¬tentes ou evadidas) de três cidades (México - centro, Monterrey – norte e Mérida - sul) -71 escolas - índice maior de "fracassos" e 159 classes de 1ª série que entravam pela primeira vez na escola.
Amostra - 959 crianças, entrevis¬tadas a cada dois meses e meio; fi¬nalizou-se o trabalho com 886 des¬sas mesmas crianças.
Testagem - foram propostas qua¬tro palavras dentro de um dado cam¬po semântico (nome de animais ou de alimentos) com variação sistemá¬tica no número de sílabas (de 1 a 4 sílabas).
Eventos - 80% de crianças come¬çaram o ano pré - silábicas; 13 cri¬anças nível alfabético e 11 crianças não terminaram a testagem. Os to¬tais finais - de 862 crianças e 3.448 entrevistas.
Padrões Evolutivos - Ao longo do ano escolar:
• 33% passam de um nível de conceitualização sem omitir passo.
• 38% seguiram passos seme¬lhantes, porém omitindo o ní¬vel silábico-alfabético.
• 13% não mostraram qualquer progressão de um nível ao se¬guinte e nenhuma permaneceu no silábico-alfabético.
• (25) crianças que entraram no nível silábico-alfabético não tiveram problemas.
• 16% passaram do pré-silábico ao alfabético (cumprem as ex-pectativas da escola).
• 71% passaram por outros tipos de escrita.
• 52% passaram pelo silábico (451 crianças).
• 87% ingressaram ao nível silá¬bico e chegaram ao alfabético.
De outra parte, as crianças que ingressaram no pré-silábico (708) não chegaram ao alfabético na mesma proporção.
• 55,5% (das 393) chegaram ao alfabético.
• 14,5% (103) chegaram ao si¬lábico-alfabético.
• 15% (107) chegaram ao nível silábico.
• 14,8% (105) permaneceram ao longo do processo sem com¬preender a relação escrita na pauta sonora das emissões.
CONCLUSÃO
A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou si-lábico-alfabético apresentam-se "ma¬duras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da escola sendo que são as que mais necessitam de escolarização.
CAPÍTULO 4 - DEVE-SE OU NÃO SE DEVE ENSINAR A LER E ESCREVER NA PRE-ESCOLA? UM PROBLEMA MAL COLOCADO.
A polêmica sobre a idade ótima para o acesso à língua escrita ocu¬pou milhares de páginas escritas por vários pesquisadores.
O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adul¬tos que decidem quando essa apren¬dizagem deverá ou não ser iniciada.
Para Ferreiro, a função da pré-escola deveria ser de permitir às cri¬anças que não tiveram convivência com a escrita, informações básicas sobre ela, em situações de uso so¬cial (não meramente escolar).
Para tanto é necessária imagina¬ção pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita:
• Formação psicológica para compreender as respostas e as perguntas das crianças.
• Entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais que a aprendizagem de um código de transcrição e sim a construção de sistema de representação.
6.FERREIRO, Emília. Cultura Escrita e Educação: Conversas de Emília Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa Maria Torres. Porto Alegre: Artmed, 2001.
Em "Cultura escrita e educação", des¬creve-se como a perspectiva obriga a recolocar aspectos tão importan¬tes como o que é errado e qual o seu papel na construção do conhecimen¬to, o que é legitimo esperar dos mé-todos de ensino, o papel do docente na aprendizagem, as fronteiras do sis¬tema escolar etc. O fio da pesquisa iniciada na descoberta de teorias es¬pontâneas das crianças sobre a es¬crita conduz à recolocação das rela-ções no interior do sistema educativo e, mais importante ainda, à análise da localização desse sistema no âm¬bito social.
"A escrita é importante na escola, por que é importante fora dela e não o contrário", uma afirmação, sobre a qual Ferreiro volta continuamente, já se anunciava nessa obra fundado¬ra como um diagnóstico do que era a escrita no sistema educativo (um objeto meramente escolar) e, ao mesmo tempo, uma proposta do que deveria ser para contribuir com a de-mocratização da língua escrita.
A obra também nos mostra como a veia aberta nessa aventura pionei¬ra, longe de se ter esgotado, conti¬nua sendo fonte de achados trans-cendentes. As perguntas formuladas conduziram a novos achados e a novas indagações, que agora são feitas de acordo com a recolocação da cul¬tura escrita em outras ciências. Este livro é o resultado de sete sessões de conversas que Emilia Ferreiro teve com José António Castorina, Rosa Maria Torres e com Daniel Goldin, entre dezembro de 1995 e fevereiro de 1996.
Primeira Jornada - A alfabetização como problema teórico e político
A primeira jornada relata a gênese do projeto e permite ao leitor uma compreensão cabal dos diversos pla¬nos imbricados no campo da aquisi-ção da língua escrita. Destacam-se as complexas relações entre a aproxima¬ção teórica e as práticas educativas, que trazem à discussão a dimensão política implícita na Educação.
Os testes: uma questão teórica?
Emília Ferreiro cita que o proble¬ma dos testes pode ser visto como um problema acadêmico e político. Recebera muitas propostas para elaborá-los, mas os considerava um negócio editorial e meros instrumen¬tos de discriminação. Ela sabia que era difícil propor uma política de não-discriminação. Seu argumento era: enquanto a língua escrita não esti¬ver democraticamente distribuída entre a população, o acesso à infor¬mação vinculada à língua escrita tampouco será acessível de uma maneira igualitária, e qualquer pro¬va de conhecimento sobre a língua escrita, aplicada no começo do Ensino fundamental, terá um efeito discriminador. Não era questão de substituir um mau teste por outro melhor, mas ir contra essa política.
Começar a pensar a aquisição da língua escrita
A autora relata que começou sua pesquisa na década de 70, após a conclusão de sua tese, em Genebra. Buenos Aires estava em meio a um processo de transição política, o que dificultou sua vida profissional na uni¬versidade. Então, passou a trabalhar com seu marido, em Montevidéu; isto coincidiu com o interesse pelo estu¬do do uso da linguagem oral no início do Ensino Fundamental. Ao fazer este trabalho, Ferreiro percebeu que a enor¬me quantidade de intercâmbios linguísticos tinha a ver com a escrita. A língua escrita passou a ser encara¬da como uma espécie de passagem inevitável pela escrita para voltar à lín¬gua oral. Voltou-se à língua oral, mas em termos completamente distintos.
A pesquisadora acredita estarem vinculadas a perspectiva puramente metodológica e a ideia de que as con¬dições de aprendizagem da escrita são puramente uma lista de habilidades sensório-motoras, mas que elas não são iguais. Ela cita que lutou contra os métodos, apesar deles serem muito discutidos. Em consequência disso, hoje alguns concluem que essa posi¬ção não conduz a nenhuma alternati¬va metodológica, ou que tais desen¬volvimentos teóricos inibem qualquer possibilidade de considerar alternativas pedagógicas gerais ou didáticas espe¬cíficas. O que não se compreende é que são momentos de um processo.
Ao começar sua pesquisa, foi ne¬cessário recolocar a discussão: "Vamos por os métodos entre parênteses; va¬mos fazer distinção necessária entre método de ensino e processo de aprendizagem".
Segundo Emilia, a proposta metodológica deve considerar os pro¬cessos de assimilação, que são meca¬nismos fundamentais para aquisição de conhecimento. Toda proposta do adul¬to, para ser realmente entendida, deve ser assimilada pela criança.
No início da vida escolar é que são detectadas as dificuldades com a es-crita. E, realmente, saber o que acon¬tece com aprendizagem da leitura é um dado crucial para entender os fenômenos de repetência inicial por¬que o fracasso escolar inicial está centrado na língua escrita.
Antigamente, a visão que existia era a instrumental, segundo a qual escri¬ta é uma técnica de transcrição de sons em formas gráficas e vice-versa. Ferreiro então argumenta: "Dessa perspectiva técnico-instrumental nada há que conhecer, simplesmente há coisas para memorizar e reter...". Nes-se sentido, Emilia afirma que uma vi¬são psicológica prévia deve estar vin-culada à metodologia de ensino, dei¬xando de lado a visão instrumental que se tinha. Isso foi difícil porque o co¬nhecimento sobre a escrita estava em estado virgem, e poucos linguistas da época falaram sobre o assunto.
A construção de um novo objeto conceitual
Ferreiro afirma que, para gerar novas práticas alfabetizadoras mais democráticas, é preciso promover pesquisas, e consequentes práticas. Deve-se mudar a ideia preestabele¬cida do objeto de estudo, e apoiar-se sobre mudanças já realizadas. Alfa¬betização implica um trabalho conceitual e o problema reside na concepção do sistema da escrita como sistema de representação, e não na noção pontual dos aspec¬tos sonoros da linguagem. Este pro¬blema tornou-se aparente, paulatina¬mente, a partir de seus estudos.
A pesquisadora formou um gru¬po na Argentina que gostaria de aprender mais sobre a escrita. Ele era formado por Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernández, Ana Maria Kaufman e Delia Lerner. Todas esta¬vam convencidas da importância da escola pública, e da necessidade de garantir o direito à alfabetização.
Inicialmente, elas interrogaram crianças de seis anos, e logo depois partiram para a faixa dos três anos, e as opiniões inesperadas apareceram. Apresentavam às crianças algumas palavras que sabiam ser usadas pelos professores, e perguntavam se elas as conheciam, usaram o método da palavra geradora, ou seja, que consiste em apresentar uma palavra, dividi-la primeiro em sílabas e logo depois em letras. Depois vai se juntando, isto é, fazendo o processo inverso - decompor e recompor. Algumas crianças disseram coisas muito interessantes, mas não foram obtidos resultados reveladores, pelo menos naquele momento.
Configurou-se, na pesquisa, o ingrediente de formação piagetiana: em um modelo de experimentação em que se trabalham com respostas corretas e erradas, as respostas exóticas não causam dificuldade, só são mais uma das erradas. Todavia, com a formação piagetiana clássica, sabe¬mos que justamente as respostas que apresentam desvios são as que dão melhor informação para entender como se pensa antes de pensar convencionalmente e como se chega a pensar convencionalmente.
Quando as crianças conseguem coordenar as semelhanças e as diferenças entre duas escritas, sendo uma transformação da outra, a interpretação das mesmas é resolvida mantendo-se uma família semântica. Esse princípio é o mesmo na história da escrita principalmente os textos de Gelb e Cohen. Gelb considerou as escritas silábicas como prévias às alfabéticas e isso foi visto nas crianças: no momento em que começam a entender que os rabiscos (as letras) têm algo em comum com pedaços da linguagem, buscam unidades menores que as palavras e encontram a sílaba. De diversos pontos de vista, é mais racional que se chegue a fazer um recorte em sílabas do que em fonemas; o fonema é uma entidade muito abstrata.
Sociogênese e psicogênese da língua escrita
Emilia Ferreiro afirma que é um ponto de vista muito conflitante a semelhança entre certos processos da história em geral e a biografia parti¬cular. Em Piaget, não há uma ideia central de que a psicogênese recapi¬tule a sociogênese. Existe, sim, a ideia que, tanto no desenvolvimento his¬tórico como no individual, certas di¬ficuldades epistemológicas necessi¬tam ser superadas para que se alcan¬ce a compreensão de certos objetos, ainda que o conteúdo dessas ideias e conceitos seja diferente em cada caso. A ideia de dificuldade epistemológica, e onde se situa tal dificul¬dade, importa mais do que as solu¬ções particulares que foram sendo encontradas. Ferreiro recorre à lite¬ratura sobre a história da escrita por¬que ela lhe forneceu outra maneira de pensar. Não poderia entender o desenvolvimento da criança se par-tisse de sua própria hipótese como usuária de um sistema alfabético.
Na literatura psicológica, são fil¬tradas todas as pressuposições que um adulto alfabetizado tem. Ferreiro começou a ver essa literatura de ou¬tra maneira, recuperando a visão do alfabeto que nós mesmos temos. Ao estudar os fatos históricos, a autora não estava buscando analogias, mas repensando seus próprios pressupos¬tos. Ela relata que, com sua pesqui-sa, ficou mais claro que a criança constrói sistemas interpretativos que são baseados mais em correspondên¬cias de significados do que em cor-respondências sonoras. E quando começa a estabelecer correspondên-cias sonoras, não iniciava com as unidades que pretendem os adultos, que são os fonemas, mas com outro tipo de unidade: a sílaba. Isso vai de encontro à visão escolar tradicional, que é atomística, alheia a toda noção de sistema.
A domesticação da escrita na escola
A pesquisadora piagetiana afirma que a escrita não era objeto de nin¬guém, com exceção do professor do primeiro ano do Ensino Fundamen¬tal, que havia se apropriado dele de tal maneira que o havia transforma¬do, ou seja, a escrita havia sido trans¬formada de objeto social para objeto escolar: a escola faz a domesticação do objeto. O objeto da escrita no mundo social é um objeto selvagem. A escola decide que letras e combi¬nações são apresentadas em certa ordem e constrói sequências com a boa intenção de facilitar a aprendiza¬gem. Essa transformação da escrita em um objeto de propriedade esco¬lar exclusiva fez com se perdesse al¬gumas funções que a justificaram como objeto de importância social. A escrita transformou-se em um ins¬trumento para passar de ano.
Pesquisar e atuar
Emilia cita que a pesquisa que fez é a chamada básica, a qual foi útil para compreender fenômenos de aprendizagem ignorados até então, mas sem ter pretendido de imediato modificar a realidade. A pesquisado¬ra apresenta, também, a importân¬cia da pesquisa para o professor como fonte de conhecimento e no¬vas práticas educativas. Isso influen¬cia sua atuação em sala de aula, pois possibilita a aplicação de novas idei¬as que surgiram a partir de pesqui¬sas realizadas. Ela considera que um professor deve ter uma atitude investigativa, porque isso quer dizer que é alguém que pensa e, portanto, continua aprendendo. E isso não cabe só ao professor: a atitude investigativa é boa para qualquer profissional.
O estudo de um novo campo
No diálogo entre Goldin e Ferrei¬ro, é citado que historiadores come¬çam a documentar práticas de leitura que abrangem outras disciplinas, o que ajuda na compreensão da complexi¬dade da alfabetização. As fronteiras entre as disciplinas começam a ser derrubadas, e inicia-se uma leitura antropológica, histórica, linguística e também psicológica da escrita. Isso modifica a concepção da escrita, pois abre espaço para diálogos inéditos.
Ferreiro cita o exemplo da histó¬ria evolutiva, como era conhecida a história da escrita nos anos 80. Ela começa com sistemas pictográficos que depois se transformam na pos¬sibilidade de utilizar um desenho não para referir-se ao objeto em questão, mas para aludir a outro objeto cujo nome soasse igual. Na história evolutiva, todos os sistemas prévios ao alfabeto foram considerados defi¬cientes: faltava alguma coisa a todos. Eram considerados preparatórios até a conquista do alfabeto. Este era con¬siderado perfeito: simples, econômi¬co, fácil de aprender; permitia escre¬ver tudo que se quisesse.
Mas com as novas descobertas, mudou-se a forma de apreciar os fe-nômenos. Emilia cita o exemplo de Piotr Michalowsky, que sustentou que os sistemas de escrita foram criados como sistemas e que em sua origem são mistos, isso porque no começo há signos ideográficos; há signos fônicos que geralmente são silábicos e há signos silenciosos, que indicam categorização dos elementos. Essa ideia não admitia uma origem pictográfica dos sistemas. Esse con¬ceito se estendeu a outros acadêmi-cos, que também recusaram a ideia da pictografia como primeira etapa da história da escrita, porque era muito duvidoso que o que chamavam de "a ordem do desenho" tivesse evo¬luído até se tornar a escrita, afinal o desenho teve seu desenvolvimento próprio, inclusive nesta época.
Ferreiro relata que naquele mo¬mento se deu conta do que se falta¬va fazer em relação às escritas: renunciar ao protótipo da escrita per¬feita, o alfabeto, e analisá-la por si mesma, sem compará-la ao protóti¬po. A partir daí, é possível ver a exis¬tência dos elementos não alfabéticos, como a separação entre palavras, por exemplo, ou até mesmo a pontuação. A pesquisadora piagetiana afirma que a evolução histórica dos sistemas al-fabéticos partiu do seguinte principio: introduziu elementos gráficos que apontam para o semântico, para ca¬tegorias do que se diz, violando os princípios alfabéticos.
A partir da grande descoberta do alfabeto, foram introduzidas marcas que já não correspondiam aos prin¬cípios fundamentais de criação des¬se sistema. Apenas recentemente as pessoas, inclusive os linguistas, ani-mam-se a falar do ideográfico den¬tro do sistema alfabético; porque an¬tes, se falássemos desse tipo de coi¬sas, parecia que se faltava com o res¬peito à sua própria escrita.
Os sistemas de escrita se desen¬volveram por distintas necessidades sociais, deparando-se com o fato de que não é possível mover-se em um só nível de análise. É compreensível que tanto os sistemas atuais como os originários sejam mistos, porque expressam os diferentes modos de analisar as unidades linguísticas e a necessidade de dar conta desses di-ferentes modos de analisar unidades e níveis de análise que a própria escrita ajudou a descobrir. Todos esses achados permitiram ver aspectos do processo de alfabetização que antes não podiam ser detectados.
Segunda Jornada - Com e a partir de Piaget
Ferreiro narra aqui a formação na Faculdade em Buenos Aires, a sua mudança para Genebra e o encontro com a figura intelectual que alterou o percurso de sua vida: Piaget. Mos¬tra também como, em afinidade com as posturas piagetianas, não se limi¬tou a realizar uma tradução mecâni¬ca da teoria psicogenética.
Ela pertenceu à primeira geração de psicólogos argentinos que, junto com os professores, praticamente inventou esse curso. Foi delegada estudantil no Conselho diretor da Faculdade e depois no Conselho Su¬perior da universidade de Buenos Aires. De suas lembranças, distingue dois tipos de professor: o que fala a partir de uma prática, ou o que fala somente a partir da leitura; estava se referindo às pessoas com grande ca¬pacidade pessoal que tinham se atualizado bastante para dar aulas, mas não tinham uma prática coerente com o seu ensino que o sustentasse.
Do mestre Piaget ficaram muitas lembranças e muitas lições. Mas, o que mais interessava era ver se a teoria de Piaget era realmente uma teoria geral de processo de aquisição de conheci¬mento, em cujo caso deveria colocá-la a prova em campos que não tinham sido os campos de desenvolvimento fundamental da teoria.
A psicolinguística contemporânea estava sendo construída. Naquela época, não se podia falar de lingua¬gem sem se falar de Chomsky, por¬que suas ideias estavam revolucionan¬do todo mundo. Ele convocou os psicólogos a mostrarem a realidade psicológica do modelo linguístico, e aí começou uma nova era da psi¬colinguística. Chomsky foi uma figu¬ra de referência, absoluta inevitável. Os chomskianos dedicaram-se a es¬tudar a linguagem em termos de como uma criança faz para desco¬brir que a língua particular é falada. Não se tentava construir linguagens, mas sim descobrir, entre todas as lín¬guas possíveis, que a criança podia criar a partir de seus universais, qual se fala, aqui neste lugar. Essa crian¬ça não é criança piagetiana, mas ti¬nha alguma coisa em comum: apro¬ximar-se da realidade por meio de uma teoria.
Ferreiro trabalhou como auxiliar de pesquisa com Herminie Sinclair, que tinha o primeiro grupo que realmen¬te se dedicou à análise da linguagem, e também trabalhou com Bärbel Inhelder, que notou o bom conheci¬mento em psicanálise de Ferreiro e a convidou para ajudar nesse tem em seu curso sobre teorias contemporâ¬neas em psicologia do desenvolvi¬mento.
Mas ela queria trabalhar com Piaget, e para isso, entrou no Centro de epistemologia Genética, onde es¬tava estudando a casualidade, ou seja, noções e relações físicas elementa¬res. Nesse tempo, Piaget possuía uma regra: dava oportunidade a quem solicitava; caso se saísse bem, ótimo, senão, adeus.
Geralmente ele desig¬nava um problema e dizia "desenvol¬vam-no". E assim ele o fez. Ferreiro deveria desenvolver um problema di¬fícil de movimento browniano. Feliz¬mente, Emilia conseguiu resolvê-lo; a partir daí, teve a confiança de Piaget. Nesse meio tempo, conheceu Alina Szeminska, escreveu com Piaget o li¬vro sobre a gênese do número na criança e que a ajudou em muitas de suas pesquisas.
A língua escrita a partir da teoria psicogenética
Piaget propunha uma função semiótica geral a partir do momento em que as crianças manifestam distinguir o significante do significado (jogo simbólico e linguagem são os melhores indicadores). Ele primeiro chamou-a de função simbólica e depois de função semiótica.
A autora sustenta em sua tese que a aquisição de um sistema de símbolos socialmente individuais não é a mesma coisa que a de um sistema organizado. A escrita tem uma existência social além das vontades individuais.
A visão que Piaget concebe da infância não é uma visão adocicada, é a visão de um criador intelectual, de um alguém que põe ordem no caos da experiência e que reconstrói a re¬alidade para poder possui-la.
Terceira Jornada - A importância da reflexão teórica
Talvez a maior densidade conceitual. Fala sobre a importância da teoria no campo da pesquisa cientifica em matéria de educação e sobre os diferentes conflitos epistêmicos que motivam o desenvolvimen¬to intelectual da criança. São anali¬sados temas como qual é o dado re¬levante na pesquisa, e a autora expli¬ca porque o objeto de seu interesse não é a escrita e nem a leitura, mas as ideias que as crianças têm em re¬lação à palavra escrita. Aborda-se também a discussão sobre se a escrita é representação ou codificação um tema que tem grande importân¬cia nas formulações pedagógicas re¬lativas à língua escrita.
O dado: leitura, escrita, ou as ideias sobre o escrito?
Paradoxalmente, Ferreiro diz que a ela não interessa a leitura e nem a escrita, o que a interessa é que tipos de ideias o sujeito constrói sobre o escrito. É importante considerar que o dado que manejamos não é a folha produzida por uma criança. O dado é o resultado das condições de pro-dução, que podem ser diferentes. O dado é a intenção, o próprio proces-so de produção, que está pronto e a interpretação que faz, uma vez que o produto está terminado conforme seu ponto de vista, diz Ferreiro.
Nem a leitura, nem a escrita lhe interessam porque sua intenção não foi fazer um modelo do processamento que ocorre no detalhe dos fatos para poder ler alguma coisa, senão que utilizou a leitura como um indicador a mais dentro de todos os indicadores que recolheu para enten¬der que tipo de ideias sobre o escrito as crianças constróem progressiva¬mente. Isso não altera o fato de que, em alguns trabalhos não tenha enfatizado a leitura como tal. Mo en¬tanto, construir modelos de funcionamento de um leitor e um produtor de textos seria fazer outra coisa, vin¬culada, mas diferente.
Emilia diz que se a escrita oferece uma representação, o leitor deve re-construir o objeto que não está ali, mas que foi representado, deixando de lado muitas de suas propriedades essenci¬ais para uma comunicação eficaz. Por outro lado, é preciso levar em conta que para a criança uma escrita é um conjunto de letras e não uma letra iso¬lada, ou seja, um composto de partes. Assim concebida a escrita, a letra não é interpretável; o que é interpretável é a composição de partes.
A pesquisadora cita o trabalho do linguista francês Claude Hagège, em que a escrita é uma análise linguísti¬ca com diversos graus de consciên¬cia. Uma língua escrita não é uma lín¬gua oral transcrita, é um novo fenô¬meno linguístico e cultural.
A escrita como representação
No processo de objetivação da lín¬gua, a escrita parece cumprir um papel fundamental, assim como na reflexão metalinguística, na criação de um vocabulário propriamente metalinguístico e na reflexão gramatical, diz Ferreiro.
A escrita foi depreciada ao ser con¬cebida como uma representação infi¬el da fala e, ao mesmo tempo, como uma simples convenção, uma pura atividade artificial. A partir dessa ideia puramente instrumental da escrita, há unidades na fala que têm correspon¬dência com unidades no escrito. As unidades parecem ser dadas; pelo aspecto gráfico, porque existem as letras, e pelo aspecto sonoro, porque os fonemas foram descritos.
Emilia afirma que há um proble¬ma com os termos que usamos: "representação" é um termo particularmente ambíguo e, em psicologia, é um termo que serve para tudo. Real¬mente, representação mental refere-se, sem dúvida, a um fenômeno in¬terior, mas o temo "representação" não tem por que aludir somente à interioridade. Representação é o con¬junto de atividades que as socieda¬des desenvolveram em graus diver¬sos, que consistem em dar conta de certo tipo de realidade, com certos tipos de propósitos, em uma forma bidimensional.
É necessário que tenhamos cons¬ciência de que a escrita é um sistema de representação cujo vínculo com a linguagem oral é muito mais comple¬xo do que alguns admitem. A autora dá exemplos de casos de fenômenos de entonação tão importantes na co¬municação oral: palavra com sentido irônico, depreciativo, elogioso, admira¬tivo, não transcreve a entonação; não há representação da entonação não escrita equivalente a representação das palavras. Ferreiro afirma que quando as crianças começam a aprendizagem sistemática da escrita, sabem que a entonação é muito importante e sabem disso perfeitamente: sabem distinguir perguntas de pseudoperguntas, afirma¬ções, ordens, etc.
Ressalta-se a importância do nome próprio; além de ser uma iden¬tificação insubstituível, ajuda a reconhecer que a ordem das letras no in¬terior de uma palavra não é aleatória e que a primeira tem um valor de in¬dicador fundamental para o restan¬te. Permite ter uma espécie de abecedário básico, com o qual algu¬mas crianças conseguem escrever quase tudo, utilizando as letras de seu nome, mas em outra ordem.
Teorizar para quê?
Emilia Ferreiro justifica seu inte¬resse pelas ideias das crianças por causa de sua formação piagetiana. "Se pensamos que os esquemas assimiladores são realmente impor¬tantes para entender a realidade, acre-ditamos também na importância das teorias, e as teorias são de ordem distinta, são teorias menores ou maio¬res, teorias mais gerais ou mais lo-cais, mas enfim, teorias. O que procuro é como a criança teoriza sobre a escrita, porque quero contribuir para criar a ciência da escrita, e essa ciência também será, em parte, uma reconstrução das teorizações que a “humanidade fez sobre a escrita".
Ferreiro relata que um dos benefí¬cios que se tem em conhecer as idei¬as das crianças é pôr em xeque a ideia ingênua que um adulto já alfabetiza¬do tem sobre o que é escrita. Uma das coisas que permite aos adultos relacionados com o ensino da escrita re¬pensarem sua própria relação com a escrita é entender que a criança tem uma visão legítima sobre a escrita, mesmo sendo diferente. A legitimação da visão da criança passa por lhe re¬conhecer a racionalidade e, no momento em que se estabelece isto, deve-se dialogar com essa racionalidade a partir de outra racionalidade, e não simplesmente descartá-la.
De alguma maneira, a educação não é contemplação e, por isso é, em certa medida, um ato de violência. O educa¬dor quer que a criança chegue a certo ponto, e não quer limitar-se a um ato de contemplação. Contudo, concebe as ideias originais que as crianças têm não como um conjunto de disparates ou ideias engraçadinhas, mas como um sistema coerente, entenderá que cons¬truir teorias é algo muito próprio da in-fância e dos adultos que continuam aprendendo, diz Ferreiro.
Quarta Jornada - Itinerários
Faz-se revisão da trajetória intelec¬tual e profissional de Ferreiro desde a publicação de "Psicogênese da língua escrita", e analisa-se como esse livro foi recebido. Mais uma vez evidencia-se a importância de dotar os profes¬sores de espaços teoricamente sus¬tentados para solucionar problemas fundamentais, tais como a evasão es¬colar. Nessa jornada, recapitula e anuncia as novas linhas de pesquisa em que trabalha atualmente.
A repercussão dos sistemas de escrita no desenvolvimento da criança
Emilia Ferreiro afirma que sua temporada no México deu-lhe mui¬tas oportunidades de trabalhar com o público que lhe interessava em sua pesquisa: as crianças de populações marginalizadas, que não tinham contato com a língua escrita, adultos analfabetos, grupos sociais para os quais a escolarização não é garantida e grupos indígenas.
Sobre a publicação do livro "Psicogênese da língua escrita", Castorina atribui essa difusão extraordinária nos âmbitos psicológicos e pedagógicos ao fato de ter produzido uma revolução profunda nos enfoques tradicionais da psicologia da alfabetização; produziu-se esse impacto porque as dificuldades nos processos de alfabetização tinham a ver, em boa parte, com a aplicação de teorias psicológicas totalmente falsas sobre o problema.
A pesquisadora diz que as pesso¬as que vinham de práticas inspiradas em Paulo Freire receberam bem o li¬vro. Encontraram algo que dava uma resposta técnica e não somente ideo¬lógica, porque embora o livro não seja didático, e não pretenda sê-lo, permi¬te a quem tem a inquietação de en¬contrar algo tecnicamente eficiente e que seja consistente em termos ideo¬lógicos de pensar didaticamente.
No Brasil, considerou-se que essa proposta era congruente com uma visão não-discriminadora, que não classificava as crianças em "as que não podem aprender" e "as que po¬dem", com uma ideia evolutiva que, por um lado, permite reconhecer co¬nhecimentos prévios mesmo nas cri¬anças marginalizadas e, por outro, caracteriza o professor como quem sabe mais, mas não como quem já sabe tudo.
Os períodos de evolução: problemas conceituais
Ferreiro relata que o modo de periodizar o desenvolvimento da cri¬ança é sempre muito complicado. Tem-se uma periodização de tipo macro em que todos podemos con¬cordar, mas, ao fazer uma periodiza¬ção mais detalhada, começa o problema do que é que se privilegia realmente.
As denominações usadas pela autora são: pré-silábico, silábico, e alfabético. O período silábico alfabético é quando, às vezes, a criança analisa algumas sílabas em termos de sons elementares, e outras, pare¬ce não analisar e propõe uma letra para uma sílaba e, às vezes, duas le¬tras para uma sílaba. Momentanea¬mente, ela descreveu como um perí¬odo de transição, em que há um fe¬nômeno misto, como algo a ser su¬perado, precisamente por que há uma oscilação entre um e outro tipo de regularidade.
Novas linhas de investigação
O multilinguismo e alfabetização é um dos temas fundamentais da esco¬la do século XXI, diz Ferreiro. Ou acei¬tamos que a globalização corre pare¬lha com o inglês como língua domi¬nante, ou defendemos a pluralidade lin-guística como algo que enriquece a es¬pécie humana. É necessário aprender a alfabetizar em contextos multilíngues, nem se fale em bilíngues.
Ferreiro afirma que antes é preciso denunciar certos preconceito. Toda in-vestigação sobre bilinguismo em nível oral tem uma distorção muito forte, a de considerar o bilinguismo como uma situação rara e o monolinguismo como uma situação normal. "Até agora vimos a alfabetização em uma língua e em um sistema de escrita; com se atrever a pensá-la em mais de uma língua e em vários sistemas de escrita? É preci¬so atrever-se a pensar que o multilin¬guismo é a situação normal e que tal¬vez o monolinguismo seja um déficit, ou seja, dar uma volta no eixo da nor¬malidade".
Dentro das novas linhas de inves¬tigação, além da defesa da pluralidade linguística como algo que enriquece a espécie humana, cita outro traba-lho: a construção de unidades de aná¬lise, em que se busca saber quais são as unidades do falante pré-alfabetizado e quais as que reconhece na fala depois de estar alfabetizado.
Quinta Jornada - A escrita descontextualizada, a escola em seu contexto
Nas três jornadas seguintes, o interlocutor principal de Emilia Fer¬reiro é Rosa Maria Torres, que tem ampla trajetória como assessora de programas de educação básica em numerosos países e instituições. Suas experiências em diferentes lugares levaram-na a uma revisão das cau¬sas e das implicações pelas quais a escrita tornou-se um objeto escolar e, simultaneamente, a situar os professores no sistema educativo e a escola no contexto social. A conver¬sa deriva para o tema da diversidade na escola: como a instituição escolar a encara e como a diversidade pode favorecer a aprendizagem.
A escola e o professor frente à mudança
A pesquisadora piagetiana afirma que a escola é uma das instituições mais conservadoras que existem na sociedade. As mudanças no sistema escolar são lentíssimas. "Desde a ci¬ência, estamos lutando com uma concepção pré-científica. Além do tema específico ser leitura, história ou geografia, lutamos contra um fenô¬meno universal que desemboca em uma incompreensão total do que é aprender e do que é ensinar".
O professor tem que falar, expli¬car, e as crianças têm que escutar, prestar atenção, repetir, reter. Supõe-se que assim funcionam as culturas de tradição oral.
Grande parte da experiência esco¬lar teria de ser o aprendizado das ro¬tas que levam ao saber acumulado durante séculos pela humanidade, mas continua sendo o professor o que sabe, e o sabe tudo. Ele é quem deci¬de quando recorrer ao livro, diz Emilia. Ela ainda afirma que os professores não estão preparados para trabalhar com livros, no plural; ele está capaci-tado para trabalhar com um livro, que é o que ele domestica a sua maneira. O professor deveria encarar isso como uma oportunidade sensacional de capacitação e deixar de ser o deposi¬tário de uma tradição que não o habi-lita a trabalhar com diversos livros.
A diversidade na escola e a escola frente à diversidade
Ferreiro diz que os espaços, os quais a cultura não escolástica criou para que outros espaços naturais da escrita dentro da sala de aula, geraram muito te¬mores, porque parece que se ultrapas¬sou uma fronteira. Há tempos fala-se que a escola tem que se abrir para a realidade, deixar a realidade entrar, sair em busca da realidade. Mas isso não acontece, as fronteiras entre o que é próprio e inerente à escola e o que é exterior ainda estão muito marcadas.
No caso dos livros, ainda tem-se muito que fazer. Deve-se romper as barreiras existentes entre os livros didáticos e os não-didáticos. O profes-sor deve aprender a lidar com muitos livros e deixar as crianças lerem, mes¬mo que seja uma leitura sem contro¬le. Ler é um bem em si mesmo.
Emilia afirma que o problema do livro-padrão ou do livro didático úni¬co está vinculado à criança única, à criança-padrão, à criança modelo in¬terno ou personificado em algum de seus tantos perfis das crianças de qua¬tro ou cinco anos. Qualquer criança que difira do padrão que os professo¬res de alguma maneira têm internalizado é uma possível candidata a não avançar no ritmo desejado, a não chegar na meta estipulada.
Segundo Emilia, negar a heteroge¬neidade e buscar a homogeneidade é querer aproximar-se de um mode¬lo, quer dizer, de um padrão social¬mente consensual. Porém, isso acon¬tece em todos os níveis.
Deve-se ver a diversidade entre as crianças como uma vantagem a ser explorada didaticamente, e não como um problema a ser resolvido.
Sexta Jornada - Críticas e Contracríticas
Rosa Maria Torres faz-se portavoz de alguns dos principais críticos de Ferreiro, e vemos como a autora es¬tabelece posições com clareza, co-meçando por defender o valor do pensamento científico na educação. Isto a conduz a refletir sobre quais os desafios de alfabetizar em um mun¬do de mudança.
Uma proposta sofisticada
Quando questionada sobre para que ter tanta sofisticação em suas propostas educacionais, Ferreiro ar¬gumenta dizendo:
• A pedagogia está longe de ter rigor científico de outras dis¬ciplinas, mas tenta; ela tem as mesmas possibilidades de ob¬ter avanços como as outras.
• Negar a possibilidade de ter um saber acumulado que vai sendo aperfeiçoado é grave, porque conduz a educação a qualquer um com boa vonta¬de e um pouco de entusiasmo.
• Acreditar na impossibilidade de investigação pedagógica é ne¬gar possibilidades de avanços.
O mito de que "nos velhos tem¬pos tudo foi melhor" teria de ser apro¬vado pelos fatos, conclui Ferreiro. A crise dos métodos tradicionais é agra¬vada, precisamente, quando se en¬frenta os desafios da alfabetização universal. É nesse ponto que a crise se torna mais aguda e que se torna evidente que alguns métodos funci¬onavam bem não porque o método fosse bom, mas porque se estava agindo sobre crianças que já tinham uma informação básica bastante só¬lida. Tal informação não foi verificada, nem é verificada hoje em dia, por que é mais fácil supor que chegaram ig-norantes à escola.
Proposta, método, didática ou teoria?
Emilia diz que nunca batizou com um nome seu trabalho. Ela se negou a fazer isso, e consequentemente, em cada lugar foi adotada uma nomen-clatura. No México, foi usada "pro¬posta" desde a Educação Especial. No Brasil, é usado o termo "Psicogênese". Ninguém nunca usou a palavra "método" porque isto sem¬pre foi algo que Ferreiro não gostaria de discutir: "todo mundo sabia que eu praguejava contra qualquer um que dissesse que eu elaborava uma proposta metodológica".
O que ela realmente fez foi tentar entender que tipo de relação é gerada entre uma criança definida como su¬jeito cognoscente, ou seja alguém que quer conhecer, e um objeto definido como objeto de conhecimento. Tentan¬do entender essa relação, começou a definir muito mais o objeto que o su¬jeito. O sujeito era-lhe bem conhecido graças a Piaget; porém a reconversão da escrita significou e continua significando um trabalho sério.
Alfabetizar em uma realidade mutante
Ferreiro afirma que não é neces¬sário ser um seguidor de Piaget, nem ter conhecimentos muito sofisticados para que o professor desenvolva um bom trabalho com as crianças. O profissional de ensino deve ser curi¬oso, ter a sensação e que não apren¬deu tudo, e que é possível continuar aprendendo. O principal é ter respei¬to pela criança.
Grande parte dos objetivos esco¬lares que estão vinculados à alfabeti-zação está totalmente defasada em relação às exigências extra-escolares. Parte do que percebemos como cri¬se mundial da alfabetização tem a ver om essa defasagem. Houve uma mudança substancial muito impor¬tante nas exigências da alfabetização extra-escolar, e a escola não quer se dar conta disso.
O mundo moderno é cada vez mais urbano, e a escrita tem um lugar cuja relevância não existe em âmbitos não-urbanos. O uso da in¬formação escrita tende a aumentar. Nas cidades mais desenvolvidas, os seres humanos são substituídos por cartazes com instruções e máquinas diante das quais é preciso reagir se¬guindo passos em certa ordem e seguindo instruções que é preciso com¬preender.
A defasagem entre a escola e o mundo externo existe de uma maneira muito drástica. O assunto de "por que tanto barulho" tem de ser colocado em termos das exigências de alfabetização que o mundo moderno exige e que a escola não pode ignorar. Houve mui¬tos diagnósticos sobre essa situação, os quais os franceses chamavam de illettrisme, ou seja, o iletrismo. Iletrismo é diferente de analfabetismo. Um anal¬fabeto seria aquele que não passou pela escola, que não aprendeu. O iletrado seria aquele que passou pela escola e, apesar disso, não lê.
Ferreiro afirma que a pessoa que sai da escola precisa ser capaz de continuar sua formação por seus pró¬prios meios. Deve saber buscar a informação e saber utilizá-la; saber selecionar, julgar, discernir.
Existe um grave problema quanto ao controle da informação; ela está sendo con¬trolada pelas grandes multinacionais. Supõe-se que teríamos a informação ao alcance das mãos, mas temos uma informação já selecionada. Saber encontrar a outra informação, a que não está a vista, será indispensável para que alguns graus de liberdade subsistam no mundo.
Sétima Jornada - Contraponto
Título da última jornada: Contra¬ponto. Fala de Paulo Freire, suas afinidades e suas diferenças. Mostra novamente a versatilidade do pensamento e da atividade de Emilia Fer¬reiro, expressa em temas como as relações complexas entre oralidade e escrita, os riscos e a perspectiva de centrar a pedagogia na compreensão do sujeito que aprende, a cultura es-crita na primeira infância ou o multiculturalismo e o bilinguismo.
Paulo Freire: afinidades e diferenças
Rosa Maria relata as afinidades entre Emilia Ferreiro e Paulo Freire. Ambos não puderam controlar suas interpretações: transformaram-nas em métodos; caminhos novos prar se chegar a uma cartilha e desenvolver um programa de alfabetização. Emilia diz que eles se parecem muito na busca, na convicção de que é preci¬so reformular o problema, de que não se pode continuar fazendo as mes¬mas coisas. O tipo de indivíduo que se quer conseguir por meio do pro¬cesso de alfabetização é bastante semelhante, assim como é semelhante o fato de imbricar a alfabetização com outros temas.
Falar e escrever
Ferreiro fala de seu novo projeto, feito em conjunto com Clotilde Pontecorvo. E a análise da reescrita de nar¬rativas tradicionais em várias línguas. Ele está centrado em um tema mui¬to geral: a relação entre oralidade e escrita. Na pesquisa, Emilia percebeu que as crianças incluíram formas repetitivas próprias do discurso oral nos textos. As crianças conseguem organizar a narrativa, mas tem difi¬culdade em manter diferenciados os espaços entre a narrativa e o discur¬so direto.
A pesquisadora piagetiana afirma que é preciso destacar as diferenças entre linguagem oral e linguagem escrita, porque é preciso romper com uma tradição na qual se supõe que primeiro tem-se que melhorar a ex-pressão oral senão a escrita será la¬mentável, uma das maneiras de me-lhorar a expressão oral é pronunciar uma palavra de maneira que sua pro-núncia corresponda à sua escrita.
Todo indivíduo, adulto ou crian¬ça, por mais analfabeto que seja, vive em uma cultura letrada, pode ante¬cipar algo sobre o que se escreve e estabelecer uma fronteira muito cla¬ra entre o que pertence ao domínio oral e o que é do domínio escrito. A diferença entre escrita e oralidade deve ser estabelecida desde o come¬ço. A separação não existe em nível oral. Ninguém fala fazendo pausas entre cada palavra, mas escrevemos assim, e o leitor usa a informação de separação de palavras bastante cedo.
Quem controla a aprendizagem?
Emilia Ferreiro afirma que há um grande problema ideológico em tor¬no desse controle. Em suas teorias, as crianças são livres para fazer o que bem entendem; não há normas para controlar a escrita correta, caligrafia e ortografia são secundárias. Muitas pessoas até identificam Ferreiro como uma grande instigadora da libertina¬gem total nas aulas. Existe uma gran¬de ruptura, diríamos total, com o a tradição.
A pesquisadora argumenta que o sujeito é ativo na construção do co-nhecimento e organizador da infor¬mação. A resistência reside na difi-culdade se reconhecer aprendizagens feitas em contextos não controlados e reconhecer na criança em desen¬volvimento uma grande organizadora da informação.
O problema da caligrafia, por exemplo, é fácil de resolver, diz Fer¬reiro. Temos a máquina de escrever, ou o teclado; este é um bom instru¬mento didático. Ela deixou de ser um valor em si mesmo, embora não em todas as culturas. O problema da legibilidade do escrito não é o mes¬mo que o problema da caligrafia; é um problema relativo à escrita ma¬nual. Em relação à ortografia, a cri¬ança deve aprender a ser revisor de si mesma, de seu próprio texto. Ela deve ver seu texto não como produ¬tora, mas como leitora.
A cultura escrita na primeira infância
Emilia afirma que as crianças de¬vem aprender a língua escrita na pré-escola, ou seja, aos quatro ou cinco anos de idade. É necessário expor a criança a um ambiente em que se possa aprender, que não proíba apren-der, que tenha livros, que circule a in¬formação sobre a língua escrita: é evi-dente que o ambiente por si não é o que alfabetiza. A simples presença do objeto não garante conhecimento, mas a ausência do objeto garante o desconhecimento, diz Ferreiro.
A pesquisadora relata que a repetência tem estreita relação a como se ensina e como se aprende a ler e escrever na escola. A repetência, para a pesquisadora, é a expressão muito mais a incapacida¬de do sistema escolar para dar conta de aprendizagens diferenciadas do que a incapacidade do indivíduo para aprender. Ela não é justificável nem psicológica, nem pedagogicamente.
Planejamento e avaliação de políticas educativas
A escola é uma instituição que deve gerar aprendizagem, inventando e medindo saberes escolares, onde é criada a possibilidade de se aproximar do conhecimento como um processo de produção que não é alheio, diz Emilia. O problema é que a vocação de ser professor está cada vez mais desprestigiada. Existe a deterioração da profissão em termos sociais.
O problema é complexo: os paí¬ses não se desenvolvem se a propor¬ção entre universitário e estudantes de educação básica não melhora. O milÊnio vai terminar sem que o prOblema da alfabetização tenha sido resolvido; não se pode depositar no sistema escolar toda a responsabili-dade da mudança. É preciso buscar outros agentes, para que haja um compromisso sério de toda a sociedade. Alguns agentes que seriam fun-damentais na mudança são os jor¬nalistas e os editores de jornal, sem falar de organismos internacionais, como a UNESCO, a UNICEF e a ONU. Mas o que acontece é que a úni¬ca instituição que pode ser contro¬lada é a escola, e é aquela que exigi¬mos mais mudanças, diz Ferreiro. E, sozinha, a escola não consegue re¬sultados.
O multilinguismo, o multiculturalismo e a questão indígena
A questão indígena preocupou Emilia desde sua chegada ao México porque o renascimento do problema indígena foi posto nos jornais cotidianos e fez com que o mundo desco¬brisse que os indígenas têm uma iden¬tidade assumida que defendem há 500 anos, e parecem dispostos a resistir por mais 500. Outra razão seria que o fracasso da alfabetização é mais notório nesses grupos e porque estava convencida que o bilinguismo não é um mal que deve ser combati¬do, mas um bem que se deve incen¬tivar e desenvolver. Se perdermos a diversidade cultural, perde-se algo que não saberemos como recuperar, diz Ferreiro.
Não se criam espaços para refletir sobre a estrutura das línguas indí-genas, sobre sua organização, para transformá-la realmente em objeto de reflexão. A língua indígena na educa¬ção indígena é considerada como lín-gua de alfabetização e nada mais.
No México, todo debate concen¬tra-se na língua de alfabetização. As gramáticas das línguas indígenas que existem são todas feitas por linguis-tas para linguistas; não há um texto de gramática da língua indígena aces-sível a um professor indígena comum e corrente.
Ferreiro afirma que é um assunto muito delicado, porque se trata de um conflito que se dá, por um lado, en¬tre dar prioridade à consolidação da escrita de uma língua e, por outro, dar prioridade às necessidades de aprendizagem das crianças.
O ofício de pesquisar
Quando questionada sobre como se sente sendo um mito, Ferreiro con-fessa quando se sente tratada como uma pregadora ou um guru, sua reação é manter a distância, porque esse assunto de ser admirada pelas massas às vezes vai seriamente con¬tra sua imagem acadêmica. Ela tem consciência de sua responsabilidade histórica, de todo impacto que sua teoria proporcionou. A pesquisadora acredita que cumpriu seu projeto ci-entífico.
Mas, quando questionada sobre o que gosta de fazer realmente, Ferreiro responde: "Pesquisar. O prazer que sin¬to quando, depois de estar brigando durante longo tempo com certos tipos de problema, com certo tipo de dados, de repente me dou conta de que en¬tendi. Quer dizer que construí certo encaixe teórico que dá conta de um pe¬daço da realidade que permanecia ininteligível. É uma satisfação difícil de descrever, não troco isso por nada."
7. FIORIN, J. L.. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) é um teórico da linguagem, que a despeito das mais extremas privações materiais, de doenças crônicas, de perseguições, prisão e exílio, legou uma produção intelectual de grande significado para as Ciências Humanas. Suas teorias vêm sendo descobertas, estudadas por diferentes áreas do conhecimento e difundidas pelo mundo, principalmente a partir de 1967, quando Julia Kristeva, intelectual búlgara radicada na França, publicou um estudo sobre Dostoievski e Rabelais com o título de: ‘Bakhtin, o discurso, o diálogo, o romance’.
Em suas reflexões, esse teórico russo desenvolveu e aprimorou uma teoria original e incitante, perpassando pelo estudo do indivíduo através de questões relativas à teoria geral da literatura e da cultura, pelo desenvolvimento histórico de ambas, fechando com a análise do povo e sua produção cultural. Ainda que o conjunto de sua obra se caracterize pela interdisciplinaridade, a partir de uma abordagem dialética de questões relacionadas à filosofia, lingüística, psicanálise, teologia, poética, teoria social e literária, manteve uma unidade de pensamento através da centralidade da linguagem.
Segundo Bakhtin, toda compreensão de um texto, falado ou escrito, implica uma responsividade e, conseqüentemente, um juízo de valor. O que isto quer dizer é que, ao se apropriar de um determinado texto, o leitor se posiciona em relação a ele, por meio de atitudes distintas: pode concordar ou não, pode adaptá-lo, pode acrescentar ou retirar informações, pode exaltá-lo. Ou seja, sua reação consiste numa resposta, o que significa uma compreensão responsiva ativa.
Buscando uma compreensão responsiva ativa a partir de uma aproximação com a trajetória e com os principais conceitos desenvolvidos por este teórico russo, José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Lingüística da USP, estudioso de temas como enunciação, estratégias discursivas, procedimentos de constituição do sentido do discurso e do texto, além de autor de vários artigos e livros, publica o livro Introdução ao pensamento de Bakhtin. A obra se desdobra em seis capítulos e numa introdução, onde Fiorin procura expor seus objetivos e justificar a seleção dos conceitos presentes nesta edição.
INTRODUÇÃO
Segundo o autor, Bakhtin é um estudioso da linguagem que está em voga e suas concepções são bastante utilizadas mas nem sempre compreendidas. Por esta razão, procurou apresentar apenas os termos mais banalizados, deixando de fora idéias como ideologia, arquitetônica, evento estético, tema e significação, dentre outras. Também não pretende investigar detalhadamente as concepções filosóficas assim como a dimensão ética da obra bakhtiniana.
Em seu livro, Fiorin aponta para a complexidade do trabalho de Bakhtin devido ao fato do russo não ter elaborado uma teoria ou uma metodologia prontas, acabadas. Sua obra é marcada pela diversidade, pela heterogeneidade e por um certo “inacabamento”. Outra característica que reforça este pensamento é a forma como seus escritos foram publicados. Fiorin aponta, aqui, dois problemas: obras cuja autoria lhe são atribuídas mas que não foram publicadas em seu nome e de obras publicadas postumamente. Isto porque a publicação de sua obra não seguiu a seqüência em que foram escritas. A polêmica em torno da autoria surgiu em meados da década de 70 e aponta como sendo de Bakhtin os livros assinados por V. N. Volochínov e P. N. Medviédiev. Essa problemática tem gerado inúmeras discussões e ainda não é de todo esclarecida. José Luiz Fiorin destaca os três argumentos que atualmente corroboram para esta controvérsia: os que seguem a afirmação do lingüista Viatcheslav V. Ivanov sobre quais são os textos de autoria de Bakhtin; os que consideram Bakhtin autor somente de textos que estão em seu nome ou encontrados em seus arquivos e ainda, aqueles que atribuem uma co-autoria entre Bakhtin e demais autores. Fiorin aponta para a fragilidade do primeiro argumento, simpatiza-se com o segundo, mas opta pela terceira posição por considerá-la mais tradicional.
Vida e obra
Este é o título do primeiro capítulo. De forma resumida, são apresentados alguns aspectos biográficos do filósofo que nasceu ao sul de Moscou, filho de fidalgos empobrecidos. Bakhtin morou e trabalhou em diversas cidades. Em São Petersburgo, concluiu seus estudos no Departamento de Letras Clássicas, formando-se em Letras, História e Filologia. Ao longo de sua vida constituiu um grupo de amigos intelectuais, entre eles o filósofo Matvei Kagan, que o iniciou na filosofia alemã e no pensamento de Kant. Além deste, manteve ainda relações com o pintor Chagall, com o poeta e músico Volochínov e com o crítico Medviédiev, com quem analisaria diversos temas de seu interesse. Este grupo de amigos será ampliado e mais tarde será conhecido como o Círculo de Bakhtin. Em 1929 foi preso e condenado por manter ligações com sociedades de caráter filosófico-religiosas que estavam banidas da União Soviética. Devido a sua saúde precária, a pena no campo de concentração foi comutada em exílio, por um período de seis anos na cidade de Kustanai, entre o Cazaquistão e a Sibéria. Findo o exílio, em 1940 apresentou ao Instituto Gorki sua tese de doutorado, “Rabelais e a cultura popular”, defendida apenas em 1946, devido à 2ª Grande Guerra. Após diversas polêmicas geradas pelo trabalho, o título de doutor lhe é negado em 1952. Faleceu em Moscou, em 1975.
O Dialogismo
No segundo capítulo, Fiorin destaca a importância deste princípio que percorreu todo o conjunto da obra de Bakhtin: o dialogismo. Esta noção foi aplicada no estudo da linguagem como fator determinante para a formulação de suas idéias. Baseando-se neste conceito, o teórico russo procurou demonstrar as diversas vozes presentes em um mesmo discurso e a sua historicidade, isto é, como se estabelece a relação de um discurso com o outro. Fiorin aponta para a importância dos diversos sentidos que esse conceito pode assumir, tais como: a) aquele que não é mostrado no enunciado, ainda que este tenha sido constituído em sua oposição. Ou seja, todo enunciado é uma réplica de um outro, constitui-se a partir de outro. Ouvem-se sempre, ao menos duas vozes, mesmo que elas não se manifestem no fio do discurso; b) aquele que se mostra através da incorporação de vozes de outros enunciados. Neste sentido, o discurso do outro pode ser inserido no enunciado de duas maneiras: abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante ou de forma não muito nítida, chamado bivocal; c) aquele que está relacionado com o indivíduo e o seu princípio de ação, ou seja, a resposta que cada pessoa dá às diversas vozes presentes na realidade em que está imerso.
Os gêneros do discurso
Aqui, Fiorin aponta para o fato de Bakhtin não se interessar pelas propriedades de caráter normativo que classifica os gêneros. O que importa para o teórico é como estes se constituem, sua conexão e interação com as atividades humanas, ou seja, seu processo de produção. Isto quer dizer que os gêneros estabelecem uma interconexão da linguagem com a vida social.
Prosa e Poesia
O quarto capítulo, além destes dois conceitos, prosa e poesia, trabalha com as noções de polifonia e monologia. Para Bakhtin, é no romance que está a pluralidade de vozes, por isso ele é caracterizado pela descentralização, interagindo com o discurso alheio, ao contrário da poesia, monológica. Apoiando-se na obra de Cristóvão Tezza, “Entre prosa e poesia: Bakhtn e o formalismo russo”, José Luiz Fiorin aponta a forma equivocada como foi traduzida e interpretada esta concepção bakhtiniana. Destaca aqui, outros autores, como o professor, tradutor e ensaísta Boris Schnaiderman que também diverge da distinção estabelecida pelo teórico russo em relação a esses dois gêneros literários. Em seu artigo intitulado “Bakhtin, Murilo, prosa/poesia”, utiliza como exemplo, a obra do poeta Murilo Mendes, cuja característica é um permanente diálogo com outras vozes, outras culturas, outros tempos e outros espaços.
A carnavalização
A carnavalização consiste na apropriação, pela literatura, das manifestações da cultura popular. Essas ações são caracterizadas por sua natureza não oficial, configurando, segundo Bakhtin, uma segunda vida do povo, através da suspensão de todas as hierarquias, transformando o mundo real às avessas. A percepção carnavalesca possibilita um contato familiar entre os elementos que estão dispersos, permite ao reprimido exprimir-se, utilizando uma linguagem repleta de obscenidade, livre das coerções da etiqueta, com o uso de atos e falas excêntricos e profanos. Neste capítulo, Fiorin discorre sobre a origem da literatura carnavalizada, que vem renovando-se e ressignificando-se por meio da evolução literária. Para a efetivação destas idéias, o autor percorre de forma sucinta, o período helenístico, o diálogo socrático, a sátira menipéia e o carnaval na Idade Média.
O romance
O sexto e último capítulo é sobre a teoria de Bakhtin sobre este gênero. O romance é considerado a pura expressão do dialogismo, por encerrar em seu contexto a diversidade, isto é, por incorporar todos os outros gêneros, mesclando- os, alternando estilos, entrelaçando-os, não respeitando os limites impostos pelo sistema literário. Mikhail Bakhtin estudou sua natureza e evolução, a partir de dois parâmetros: a percepção da linguagem e a representação do espaço e do tempo. Contrariamente a Georges Luckács, para quem este gênero estava associado à ascensão da burguesia, sendo, portanto, a epopéia de um mundo burguês, Bakhtin não considera o romance apenas mais um gênero como qualquer outro. O romance perpassa, segundo ele, toda a história da literatura e não está ligado somente à sociedade burguesa. Ou seja, o romance, tal como o conhecemos hoje, é apenas uma das formas históricas da expressão do gênero. Eis aí a razão de ser este o conceito privilegiado pelo filósofo russo ao longo de suas análises.
Bibliografia comentada
O livro “Introdução ao pensamento de Bakhtin” é concluído com uma bibliografia comentada sobre as obras do filósofo e estudioso da linguagem e de outras publicações de estudiosos nacionais com as quais Fiorin travou diálogo: Carlos Alberto Faraco, autor de “Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin”; Beth Brait, organizadora de “Bakhtin: conceitos-chaves” e Cristovão Tezza, que publicou “Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo”.
8.GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Ensino – exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado de Letras – ALB, 1996.
Trata-se de uma coletânea de textos escritos entre 1991 e 1994 que giram em torno da linguagem e do seu ensino, todos eles buscando um único interlocutor, o professor, organizados pelo autor em três grupos: primeiramente, os textos que tratam do ensino da língua materna; depois, textos que tratam mais especificamente da leitura; e, finalizando, de textos que apontam para um trabalho com base em textos produzidos por alunos. Os textos, segundo Geraldi, mostram suas preocupações, sua militância como professor universitário engajado em projetos de formação, onde – recorrendo a Paulo Freire – revela coerência com a opção política que assume.
Parte 1
Sobre o ensino de língua materna
1.O ensino e as diferentes instâncias de uso da linguagem
Neste texto, Geraldi argumenta que o estudo e o ensino de uma língua não podem deixar de considerar as diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e complexas instituições de uma dada formação social. A língua, enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da história presente, vem marcada pelos seus usos e pelos espaços sociais destes usos. Por conta disso, a língua nunca pode ser ensinada como algo pronto, acabado, fechado em si mesmo.
Ao olhar para a história da educação, Geraldi conclui que a preocupação com a linguagem, com o ensino da língua, não resulta da existência da escola, mas, pelo contrário, que a escola pode ter surgido justamente para atender a uma preocupação muito específica com a linguagem. A aprendizagem da linguagem que convence atravessa séculos justamente por ser uma necessidade das diferentes classes dominantes na história.
Para Comenius, a escola e a sua universalidade poderiam ser o contraponto ao poder de persuasão e convencimento do discurso (da palavra que convence) de posse, até então, das classes dominantes. Até porque a linguagem teria outra finalidade a ser buscada, a de guia para outras aprendizagens. Tendo como perspectiva que o objetivo da escola é a transmissão de conhecimentos, o domínio da linguagem permitiria o acesso a outros conhecimentos. Geraldi atenta, entretanto, para o risco presente nesta visão instrumental do ensino de língua que acaba por separar forma de conteúdo – como se houvesse dois momentos: um primeiro em que se aprende a linguagem e um segundo em que se aprende o conteúdo transmitido por essa linguagem – que é creditar legitimidade, conhecimento, somente aqueles que dominam a linguagem, com expressões, muitas vezes, totalmente alheios ao grupo social a que pertencem, no qual também se produz conhecimento a partir de uma outra linguagem, deficitária em relação a linguagem dominante, mas não em relação a ela mesma, uma vez que comunica aquilo que produzem. Encontra-se aqui uma cisão velha conhecida de todos: entre cultura popular e cultura erudita.
A escola se quisesse ser bem-sucedida numa direção diferente daquela em que ela hoje já é bem-sucedida (de discriminação), poderia proporcionar a maior diversidade possivel de interações. O significativo não seria aquilo que é necessário para acessar outros conhecimentos, mas o que encontra ancoragem nos conhecimentos anteriores, construídos em processos interlocutivos que antecederam à entrada na escola e que continuam existindo, fora dela, tendo peso sobre suas vidas e compreensão da realidade. Isto possibilitaria que a visão da linguagem como um repertório pronto e acabado e de um conjunto de regras a automatizar que, muitas vezes, só encontra sentido dentro do próprio espaço escolar, fosse apreendida em interação com o que lhe é externo, não para substituir a educação formal pelo informal, mas para fazer dela um ‘recurso didático’ para permitir que o senso comum, os conhecimentos ingênuos, fossem ao longo do processo de escolaridade sendo substituídos pelos saberes organizados e sistemáticos.
2. O ensino da unidade na diversidade lingüístico-cultural
Neste texto de 1994, fruto de uma mesa-redonda que debatia a aquisição da língua escrita e o ensino da língua materna, Geraldi discute a questão da concepção de linguagem e a questão das variedades lingüísticas. Parte aqui da mesma tese apresentada pelo texto anterior de que não cabe mais apostar num processo de ensino/aprendizagem da língua materna que partisse do suposto da existência de uma língua pronta e acabada nem de que não se trata mais de aprender uma língua para dela se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, aprendê-la. Começa apontando que a monologia própria dos processos escolares, que limita o mundo ao que é enunciado pela classe dominante, seria um dos principais obstáculos colocados pelo sistema escolar de reprodução de valores sociais à ‘eficiência’ do próprio sistema. Isto é, seria justamente o fato da escola ter como papel inculcar os valores de uma determinada classe sobre a outra que torna o processo de aprendizagem da língua materna um problema.
Geraldi lembra que qualquer falante já vive numa sociedade e numa sociedade que se caracteriza diferentemente em cada época em função das formas como se estrutura, isto é, o fato de obedecermos à determinadas regras em função das instituições no interior das quais falamos. Utiliza como exemplo uma sala de jantar de sua própria família onde ninguém precisa levantar a mão para pedir a palavra, pedir que lhe passem o sal, por exemplo, diferente de uma assembléia ou uma reunião formal, onde antes de falar é preciso inscrever-se e aguardar até que sua intervenção seja permitida.
O aluno traz para dentro da sala de aula o reconhecimento dessas diferentes instâncias, ocorre que a sala de aula é uma ‘instância pública’ de uso da linguagem e, muitas vezes, estes alunos que freqüentam outros espaços, não eram locutores mas interlocutores, compreendem as falas que se produzem nestes espaços, mas não, necessariamente, são falantes nestes mesmos espaços, como por exemplo, um culto religioso, um show de música, para os quais as falas são dirigidas, compreendidas, mas nos quais não se manifestam.
Geraldi identifica que muitas das ‘indisciplinas’ se dá justamente pelo não-domínio das regras de uso da linguagem em situações como as de sala de aula. Justamente porque a linguagem da sala de aula é aquela determinada por uma determinada classe, o que faz com que suas formas de se comunicar, sua linguagem seja estigmatizada pelo não respeito a variedade lingüística o que, por tabela, estigmatiza o próprio sujeito detentor desta linguagem estigmatizada. Entretanto, falantes de diferentes dialetos conseguem produzir compreensões aproximadamente semelhantes aquelas produzidas pelos detentores da ‘variedade culta’. Os alunos provenientes das classes populares falam e compreendem o mundo de um modo que a escola não aceita e às vezes sequer compreende. Neste sentido, a escrita passa a ser usada como forma de ‘normatizar’ a fala: para os letrados, o lugar utópico em que gostariam de estar quando falam (e que se imaginam ocupando quando falam); é o ‘falar como se escreve’ porque a escrita é que seria a ‘língua correta’. Assim, a escrita como ‘língua correta’ agiria dentro do ambiente escolar como a ‘variedade culta’ sobre aquele dialeto que os falantes das classes populares dominam e através do qual são estigmatizados e impedidos de utilizar mesmo que seja para entender a realidade em que se encontram, isto é, sua linguagem e o conhecimento produzido com ela são desconsiderados pela escola, esvaziando o sujeito da sua forma de se comunicar e da sua forma de compreender o mundo. Desta forma, somente aquilo que for transmitido através da ‘língua correta’ ensinada na escola poderia ser considerado também correto.
3. Construção de um novo modo de ensinar/aprender a língua portuguesa
Neste texto, Geraldi, na condição de consultor do Telecurso 2000, discute as Diretrizes para o Aperfeiçoamento do Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, elaborado pela Comissão Nacional nomeada pelo Ministério da Educação, em 1986. O documento sugere um ensino centrado em três atividades: a prática de leitura de textos, a prática da produção de textos e a prática da análise lingüística. Para que as práticas propostas não se tornem apenas outro rótulo para atividades tradicionais, Geraldi entende que é preciso retomar os pressupostos que inspiram a proposta, isto é, as contribuições essenciais da Lingüística ao ensino da língua materna. É o que ele faz ao longo do texto começando pela ‘concepção de linguagem’. Para Geraldi, a linguagem é mais do que uma capacidade humana de construir sistemas simbólicos, antes concebe-se a linguagem como uma atividade constitutiva, cujo espaço de realização é a interação verbal. Nascemos num mundo onde nos relacionamos uns com os outros e nesta relação criamos instrumentos para compreendermos e sermos compreendidos.
A língua é uma dessas formas de compreensão, de modo a dar a cada um os sentidos das coisas, das gentes e de suas relações. Recorrendo a Bakhtin, entende que a aquisição da linguagem se dá pela internalização da palavra alheia que é também a internalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheias vão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavras próprias (internas) que utilizamos para construir a compreensão de cada palavra, ininterruptamente. É a partir disso que Geraldi entende a linguagem como uma atividade constitutiva: pelo processo de internalização do que nos era exterior que nos constituímos como os sujeitos que somos e, com as palavras de que dispomos, trabalhamos na construção de novas palavras. Ou seja, no próprio ato de falarmos estamos, queiramos ou não, participando do processo de constituição da língua.
Outra contribuição da Lingüística que Geraldi traz para o debate são as variedades lingüísticas, isto é, aprendemos a língua no convívio com outros e estando as pessoas ocupando espaços sociais distintos, a variedade lingüística que aprendemos é aquela falada pelo grupo social ao qual pertencemos. Como a divisão social entre os homens não se faz sem conseqüências, também o acesso a herança do passado se dará de forma diferenciada de acordo com o grupo ao qual pertenço. Lembrando que a variedade lingüística é sempre tomada a partir daquela que é falada pelo grupo social dominante, isto é, que detém o poder econômico, político. E esta que também é uma variedade acabou sendo tomada como a base para a construção da escrita. O estranhamento de uma criança pertence a um grupo social desprivilegiado, ao entrar para a escola para ser alfabetizada, resulta também do fato de que o modo de compreender o mundo e sobre ele falar oferecido pela escola é diferente daquele ao qual se habituara nos espaços de convivio do qual participou/ou participa.
Por isso que no processo pedagógico, segundo Geraldi, não se trata de substituir uma variedade pela outra, mas de construir possibilidades de novas interações dos alunos e é nestes processos que o aluno vai internalizando novos recursos expressivos e, conseqüentemente, novas categorias de compreensão do mundo. Dessa forma, aprender a ler é, assim, ampliar as possibilidades de interlocução com o mundo, isto é, com pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, para interagirmos com ela de forma satisfatória, precisamos ser capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender as coisas, as gentes e suas relações. Enquanto que escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido e entendido por outros, o que significa, interagir com os outros.
Parte II – Sobre a Leitura
4. A Leitura em Momentos de Crise Social
Em um texto escrito para a conferência de abertura da nona edição do Cole – Congresso de Leitura do Brasil, realizada em 1993, Geraldi discute a leitura em momentos de crise social amparado por três textos: um poema escrito por um garoto de nove anos, uma notícia de jornal sobre o esquema PC Farias e uma reportagem da Veja sobre o linchamento de três adolescentes, vítimas inocentes de uma multidão enfurecida.
No primeiro texto, o poema do garoto, Geraldi identifica “um presente que empareda sonhos, que fecha portas, que destrói alternativas, que exclui...” (Geraldi, 1996, p. 85), que faz o autor ter vergonha do presente, daquele mundo presente que o garoto de nove anos obrigado a ler não vislumbra alguma saída, quando diz que para sobreviver precisa ser jogador de futebol embora seu desejo fosse o de ser poeta.
No texto sobre o esquema PC Farias, o jornalista Carlos Franciscato faz as contas de quantos carros ou bancos os ladrões deveriam assaltar para se igualar ao valor obtido pelo tesoureiro de campanha de Fernando Collor. Para Geraldi aqui há a necessidade de no diálogo com os seus alunos mostrar que a leitura mais do que um simples ato mecânico de reconhecimento, é também um processo de construção de compreensões dos objetos, do mundo e das pessoas, da nossa capacidade de se indignar ante o indevido, as atividades ‘pcfarianas’.
Por último, no texto sobre o linchamento, Geraldi mostra como a multidão enfurecida que linchou os três garotos, que acreditou ter feito justiça não sobre os três garotos, dos quais sequer foram vítimas, mas de toda a injustiça, de toda a violência, de toda a criminalidade que presenciam, agem da mesma forma que aqueles dos quais se consideram vítimas, tornam-se criminosos por conta da criminalidade que os ameaça.
5. Políticas de Inclusão em estruturas de exclusão
Compreendendo a leitura como interlocução entre sujeitos e, assim sendo, espaço de construção e circulação de sentidos, impossível descontextualizá-la do processo de constituição da subjetividade, ampliado pelas possibilidades múltiplas de interação que o domínio da escrita possibilitou e possibilita. A partir desta constatação, Geraldi busca em Bakhtin e em Vygotsky, a porta de acesso por que se espera compreender o processo de constituição da subjetividade, isto é, a linguagem. No sentido que a linguagem expressa a experiência vivida nas relações sociais. Isto é, a linguagem enquanto atividade implica que as línguas não se encontrando prontas e acabadas, nos são dadas, portanto, como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-las segundo suas necessidades e enquanto ‘instrumentos’ próprios construídos neste processo contínuo de interlocução, carregam consigo as precariedades do singular, do irrepetível, do insolúvel, mostrando sua vocação estrutural para a mudança. Por outro lado, o domínio da técnica escrita ampliou consideravelmente no espaço e no tempo, os horizontes de nossas possibilidades interativas, e, naturalmente, a constituição das nossas consciências.
Uma ‘tecnologia’ tão importante como a escrita não poderia deixar de ser ao mesmo tempo objeto de desejo e instrumento de dominação. Somente a uma minoria estrita o acesso ao mundo da escrita permitiu a façanha da seleção, da distribuição e do controle do discurso escrito, produzindo assim um mundo separado, impenetrável para o não-convidado, aquele que não domina esta ‘tecnologia’ uma vez que esta ‘cidade’ resulta desta mesma ‘tecnologia’. Apoderar-se da letra e da escolaridade que esta ‘cidade’ demanda para existir, resulta de uma luta por parte daqueles dela excluídos não tanto pela ausência da ‘leitura’, da ‘escrita’, mas pela própria condição social em que se encontram. Por isso, Geraldi conclui que apostar em ‘políticas de leitura’ como meras políticas de inclusão, sem associar a elas políticas de transformação e rupturas sociais mais amplas, pode ampliar o contingente dos habitantes desta ‘cidade’, mas não impede que ocupem nela também um papel subalterno.
6. A Propósito do Outro: Imagem, Construção e Cumplicidade
Trata-se de um texto-base para discussões de uma mesa-redonda coordenada pelo autor, onde ele destaca o tema que será debatido entre um escritor, um jornalista e uma crítica literária. Colocando-se na condição de ‘leitor’, Geraldi lembra que o texto produzido completa-se na leitura, aproximando o texto de uma perspectiva interacionista: o texto sozinho não seria responsável pelas significações que faz emergir; o texto é condição para a leitura; mas a leitura vivifica os textos. Embora o leitor busque nessa leitura construir os significados desejados pelo autor do texto que lê, o que faria da sua leitura uma leitura legitimada, deve-se reconhecer que nessa leitura existem outras possibilidades de leitura que não podem ser calculadas pelo autor e que não deixam de ser, por conta disso, leituras legítimas.
7. Algumas funções da leitura na formação de técnicos
Aqui, Geraldi discute a leitura em cursos de formação técnica. Lembra que na escola, não importa a modalidade, a leitura de textos nunca deixou de estar presente e em qualquer disciplina, seja ela técnica ou não. O autor observa que em virtude do curso técnico, professores de língua portuguesa costumam adotar duas posições: uma que insiste na leitura como uma espécie de contrapartida aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos nas oficinas profissionalizantes, entendendo que o trabalho ‘embrutece’ os sujeitos, enquanto a leitura de textos literários ‘humaniza’. Uma segunda atitude, perante o mesmo problema, é a adoção nas aulas de língua portuguesa de textos técnicos. Geraldi questiona ambas as soluções: segundo ele, excluir a leitura de textos ficcionais seria contribuir com a eternização da diferença enquanto que excluir a leitura de textos técnicos seria contribuir, da mesma forma, com esta mesma eternização, pois a capacidade profissional (técnica) é um dos maiores instrumentos da classe trabalhadora. Para Geraldi, não se trata de saber qual o tipo de texto mais adequado para ser trabalhado em sala de aula, mas de qual seria o melhor trabalho a ser feito em sala de aula para que os alunos de cursos técnicos sejam cidadãos leitores numa sociedade que tem expulsado, historicamente, os trabalhadores, qualificados ou não, das bibliotecas, das livrarias, dos cinemas, dos teatros etc.
Parte III – Sobre o trabalho com textos produzidos por alunos
8. Ensino de Gramática X Reflexão da Língua
A partir de uma discussão com a filha, quando aluna da quinta série a respeito de uma tarefa dada pela professora de identificar os verbos em um texto, Geraldi descreve como no ensino da gramática o aluno é impedido de refletir sobre aquilo que aprende. Lembra Geraldi que todo falante realiza, em suas atividades lingüísticas, avaliações dos recursos expressivos que emprega: se são adequados para a ocasião, se expressam o que deseja, o que é preciso dizer o que é preciso silenciar, etc. No entanto, as atividades de ensino de gramática não permitem que essas mesmos avaliações sejam feitas, uma vez que se apresenta como a verdadeira e única reflexão possível sobre os recursos expressivos de uma língua. E o que é mais problemático, as análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos ensinados são respostas à perguntas que sequer foram formuladas pelo aluno – como conseqüência disso, as respostas nada lhe dizem e os estudos gramaticais passam a ser aquilo que se deve estudar e conhecer sem que saiba muito bem o porque de aprendê-los. Geraldi lembra que o raciocínio classificatório que o aluno realiza no seu cotidiano – separando objetos, guardando roupas no armário, selecionando seus brinquedos, etc – não difere daquele proposto pelos exercícios em sala de aula a respeito dos recursos expressivos da língua. E não consegue compreender justamente porque no seu cotidiano, toda a separação que ele faz é baseado na própria experiência, nos próprios objetivos.
9. A escrita como trabalho: operações e meta-operações de construção de textos
A partir de uma concepção sociointeracionista da linguagem, Geraldi propõe uma compreensão do processo de elaboração de textos como uma forma, materializada na língua, de retorno ao interindividual do que se tornara intra-individual. Assim como um texto que não existe sem materializar-se nos recursos expressivos que nele trabalham; estes, por seu turno, não existem fora de sua remessa a sistemas de referências. Ambos, recursos e sistemas, constituem-se concomitantemente. Ou seja na elaboração de um texto é preciso entender que os recursos expressivos a serem empregados só ganham sentido dentro de um sistema de referências com o qual dialoga, interage, o que significa dizer que este sistema de referências não existiria sem tais recursos expressivos; nem estes seriam recursos expressivos fora deste sistema. Na construção de textos, portanto, mobilizam-se, concomitantemente, estas duas materialidades, concebidas como duas apenas como conseqüência do recorte analítico que releva dos interesses de diferentes programas de pesquisa. Da mesma forma que cada sujeito por constituir-se nos processos interacionais de que participa, não se torna por isso mesmo uma cópia em carbono daquele com o qual interage, ao tornar intra o que antes fora interindividual.
10. Da interpretação de processos indiciados nos produtos
O último texto do livro foi escrito para um debate com pesquisadores de um grupo de trabalho chamado “A Escrita como Trabalho: Tipologia Preliminar das Operações de Refacção de Textos Representativos do Início da Aquisição da Escrita”. Nele Geraldi discorre sobre a questão que se coloca para o pesquisador ante o emaranhado de ‘dados’ que os pesquisadores têm em mãos. Entende o autor que é a condução do olhar a questão essencial que se coloca para o pesquisador, já que é esta condução que definirá diferentes programas de pesquisa e diferentes afiliações teóricas. Afinal, somente um programa de pesquisa que já definiu antecipadamente seus resultados pode abrir mão de perguntar ‘o que ensinam os dados?’. Para aqueles que dispensam esta pergunta, trata-se apenas de buscar os exemplos que melhor ilustrem os pontos de vista e as definições já fixadas.
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9. LA TAILLE, Yves et alii. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. SP, Summus, 1992
PARTE I - FATORES BIOLÓGICOS E SOCIAIS
O lugar da interação na concepção de Jean Piaget
Yves de La Taille
La Taille considera que nada há de mais injusto que a crítica feita a Piaget de desprezar o papel dos fatores sociais no desenvolvimento huma¬no. O máximo que se pode dizer é que Piaget não se deteve sobre a questão, mas, o pouco que levantou é de suma importância.
Para o autor, o postulado de Wallon de que o homem é "genetica¬mente social" (impossível de ser pen¬sado fora do contexto da sociedade) também vale para a teoria de Piaget, pois são suas palavras: "desde o nas¬cimento, o desenvolvimento intelec¬tual é, simultaneamente, obra da so¬ciedade e do indivíduo" (p. 12).
Para Piaget, o homem não é soci¬al da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos. A socialização da inteligência só começa a partir da aquisição da linguagem. Assim, no es¬tágio sensório-motor a inteligência é essencialmente individual, não há socialização. No estágio pré-operatório, as trocas intelectuais equilibradas ainda são limitadas pelo pensamento egocêntrico (centrado no eu): as cri¬anças não conseguem seguir uma referência única (falam uma coisa agora e o contrário daí a pouco), colocar-se no ponto de vista do outro não são autônomas no agir e no pen¬sar. No estágio operatório-concreto começam a se efetuar as trocas inte¬lectuais e a criança alcança o que Piaget chama de personalidade: indivíduo se submetendo voluntaria¬mente às normas de reciprocidade e universalidade. A personalidade é o ponto mais refinado da socialização o eu renuncia a si mesmo para inse¬rir seu ponto de vista entre os outros em oposição ao egocentrismo, e que a criança elege o próprio pensa¬mento como absoluto. O ser social de mais alto nível é aquele que consegue relacionar-se com seus seme¬lhantes realizando trocas em coope¬ração, o que só é possível quando atingido o estágio das operações formais (adolescência).
O processo de socialização
A socialização vai do grau zero (recém-nascido) ao grau máximo (personalidade). O indivíduo mais evoluído pode usufruir tanto de sua autonomia quanto das contribuições dos outros.
Para Piaget, "autonomia significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pon¬tos de vista e conflitos presentes numa sociedade" (p. 17). Há uma "marcha para o equilíbrio", com bases biológicas, que começa no período sensório-motor, com a construção de esquemas de ação, e chega às ações interiorizadas, isto é, efetuadas mentalmente.
Embora tudo pareça resumir-se à relação sujeito-objeto, para La Taille, as operações mentais permitem o conhecimento objetivo da natureza e da cultura e são, portanto, necessidades decorrentes da vida social. Para ele, Piaget não compartilha do "otimismo" de que todas as relações sociais favorecem o desenvolvimento. Para La Taille, a peculiaridade da teoria piagetiana é pensar a interação da perspectiva da ética (igualdade, respeito mútuo, liberdade, direitos huma¬nos). Ser coercitivo ou cooperativo de¬pende de uma atitude moral, sendo que a democracia é condição para o de¬senvolvimento da personalidade. Diz ele: "A teoria de Piaget é uma grande defesa do ideal democrático" (p. 21).
Vygotsky e o processo de formação de conceitos
Morto Kohl de Oliveira
Substratos biológicos e construção cultural no desenvolvimento humano
A perspectiva de Vygotsky é sem¬pre a da dimensão social do desenvol-vimento. Para ele, o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que molda o funcionamento psicológico do homem ao longo do de¬senvolvimento da espécie (fïlogenética) e do indivíduo (ontogenética). O ser humano tem, assim, uma dupla natu¬reza: membro de uma espécie biológi¬ca que só se desenvolve no interior de um grupo cultural.
Vygotsky rejeitou a ideia de funções fundamentais fixas e imutáveis, "tra-balhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do de¬senvolvimento individual" (p. 24). Para ele, o cérebro é formado por sistemas funcionais complexos, isto é, as fun-ções não se localizam em pontos específicos, mas se organizam a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada. O cérebro tem uma estrutura básica, resultante da evolução da espécie, que cada membro traz consigo ao nascer. Essa estrutura pode ser articulada de dife¬rentes formas pelo sujeito, isto é, um mesmo problema pode ser soluciona¬do de diferentes formas e mobilizar diferentes partes do cérebro.
Há uma forte ligação entre os pro¬cessos psicológicos e a inserção do in-divíduo num contexto sócio-histórico específico. Instrumentos e símbolos construídos socialmente é que definem quais possibilidades de funcionamento cerebral serão concretizadas. Vygotsky apresenta a ideia de mediação: a rela¬ção do homem com os objetos é medi¬ada pêlos sistemas simbólicos (repre¬sentações dos objetos e situações do mundo real no universo psicológico do indivíduo), que lhe possibilita planejar o futuro, imaginar coisas, etc.
Em resumo: operar com sistemas simbólicos permite o desenvolvimen¬to da abstração e da generalização e define o salto para os processos psi-cológicos superiores, tipicamente hu¬manos. Estes têm origem social, isto é, é a cultura que fornece ao indiví¬duo o universo de significados (repre-sentações) da realidade. As funções mentais superiores baseiam-se na operação com sistemas simbólicos e são construídas de fora para dentro num processo de internalização.
O processo de formação de conceitos
A linguagem é o sistema simbóli¬co fundamental na mediação entre sujeito e objeto do conhecimento e tem duas funções básicas: interação social (comunicação entre indivídu¬os) e pensamento generalizante (sig¬nificado compartilhado pelos usuári¬os). Nomear um objeto significa colocá-lo numa categoria de objetos com atributos comuns. Palavras são signos mediadores na relação do ho¬mem com o mundo.
O desenvolvimento do pensamen¬to conceitual segue um percurso ge-nético que parte da formação de con¬juntos sincréticos (baseados em nexos vagos e subjetivos), passa pelo pensa¬mento por complexos (baseado em ligações concretas e factuais) e chega à formação de conceitos (baseados em ligações abstratas e lógicas).
Esse percurso não é linear e refe¬re-se à formação de conceitos cotidianos ou espontâneos, isto é, de¬senvolvidos no decorrer da atividade prática da criança em suas interações sociais imediatas e são, portanto, im-pregnados de experiências. Já os con¬ceitos científicos são os transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem e geralmente começam por sua definição verbal e vão sendo ex¬pandidos no decorrer das leituras e dos trabalhos escolares. Assim, o desen¬volvimento dos conceitos espontâne¬os é ascendente (da experiência para a abstração) e o de conceitos científi¬cos é descendente (da definição para um nível mais elementar e concreto). A partir do exposto, duas conclusões são fundamentais:
1a - diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico;
2a - a instrução escolar é de enorme importância nas sociedades letradas.
Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon
Heloysa Dantas
Wallon tem uma preocupação per¬manente com a infra-estrutura orgâni¬ca de todas as funções psíquicas. Seus estudos partem de pessoas com pro¬blemas mentais, portanto, seu ponto de partida é o patológico, isto é, utiliza a doença para entender a normalidade.
Para Wallon, o ser humano é or¬ganicamente social, isto é, sua estru¬tura orgânica supõe a intervenção da cultura. A metodologia do seu traba¬lho ancora-se no materialismo dialético, concebendo a vida dos organismos como uma pulsação permanen¬te, uma alternância de opostos, um ir e vir permanente, com avanços e recuos.
A motricidade: do ato motor ao ato mental.
A questão da motricidade é o gran¬de eixo do trabalho de Wallon. Para ele, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. Ao longo do desenvol-vimento mental, a motricidade ciné¬tica (de movimento) tende a se redu¬zir, dando lugar ao ato mental. Assim, mesmo imobilizada no esforço men¬tal, a musculatura permanece em atividade tônica (músculo parado, ati¬tude). A tipologia de movimento que Wallon adota parte de atos reflexos, passa pelos movimentos involuntários e chega aos voluntários ou praxias, só possíveis graças à influência ambiental aliada ao amadurecimento cerebral.
Ao nascer, é pela expressividade mímica que o ser humano atua sobre o outro. A motricidade disponível consiste em reflexos e movimen¬tos impulsivos, incoordenados. A ex¬ploração da realidade exterior só é possível quando surgem as capacida¬des de fixar o olhar e pegar. A competência no uso das mãos só se com¬pleta ao final do primeiro ano de vida, quando elas chegam a uma ação complementar (mão dominante e auxiliar). A etapa dominantemente práxica da motricidade ocorre para-lelamente ao surgimento dos movi¬mentos simbólicos ou ideativos. O movimento, a princípio, desencadeia o pensamento. Por exemplo, uma cri-ança de dois anos, que fala e gesti¬cula, tem seu fluxo mental atrofiado se imobilizada. O controle do gesto pela ideia inverte-se ao longo do de-senvolvimento. Há uma transição do ato motor para o mental.
As fases da inteligência - as etapas de construção do eu
No processo de desenvolvimento da inteligência há preponderância (a cada período mais marcado pelo afetivo segue-se outro mais marcado pelo cognitivo) e alternância de funções (a criança ora está mais voltada para a realidade das coisas/conhecimento do mundo - fases centrípetas, ora mais vol¬tada para a edificação da pessoa/co¬nhecimento de si - fases centrífugas).
1a fase: impulsivo-emocional (de zero a um ano). Voltada para o desen-volvimento motor e para a construção do eu. No recém-nascido, os movi-mentos impulsivos que exprimem des¬conforto ou bem estar são interpreta¬dos pelos adultos e se transformam em movimentos comunicativos atra¬vés da mediação social; até o final do primeiro ano a relação com o ambi¬ente é de natureza afetiva e a criança estabelece com a mãe um "diálogo tônico" (toques, voz, contatos visuais).
2a fase: sensório-motor e projetivo (de um a três anos). Aprenden¬do a andar a criança ganha mais autonomia e volta-se para o conhe¬cimento do mundo. Surge uma nova fase de orientação diversa, voltada para a exploração da realidade exter¬na. Com a linguagem, inicia-se o do¬mínio do simbólico.
3a fase: personalismo (três a seis anos). Novamente voltada para den¬tro de si, a preocupação é agora construir-se como ser distinto dos demais (individualidade diferenciada). Com o aperfeiçoamento da linguagem, de-senvolve-se o pensamento discursivo. Sucedem-se uma etapa de rejeição (atitudes de oposição), outra de sedução do outro e conciliação (idade da graça) e outra de imitação (toma o outro como modelo).
4a fase: categorial (seis a onze anos). Voltada para o cognitivo, é a fase escolar. Ao seu final, há a superação do sincretismo do pensamen¬to em direção à maior objetividade e abstração. A criança torna-se capaz de diferenciações intelectuais (pensa¬mento por categorias) e volta-se para o conhecimento do mundo.
5a fase: puberdade e adolescên¬cia (a partir dos onze anos). Nesta fase, caracterizada pela auto-afirmação e pela ambivalência de atitudes e sentimentos, a criança volta-se no¬vamente para a construção da pes¬soa. Há uma reconstrução do esquema corporal e o jovem tem a tarefa de manter um eu diferenciado (dos outros) e, ao mesmo tempo, integra¬do (ao mundo), o que não é fácil.
PARTE II - AFETIVIDADE E COGNIÇÃO
Desenvolvimento do juízo moral e afetividade na teoria de Jean Piaget
Yves de La Taille
A obra "O julgamento moral da criança"(1932) traz implícita a relação que existe entre afetividade e cognição para Piaget, bem como a importân¬cia que ele atribui à autonomia moral.
a) As regras do jogo
Segundo Piaget, toda moral con¬siste num sistema de regras, sendo que a essência da moralidade deve ser procurada no respeito que o indi¬víduo tem por elas. Piaget utilizou o jogo coletivo de regras como campo de pesquisa por considerá-lo paradi¬gmático para a moralidade humana porque: é atividade inter-individual regulada por normas que podem ser modificadas e que provêem de acor¬dos mútuos entre os jogadores, sen¬do que o respeito às normas tem um caráter moral (justiça, honestidade..).
Piaget dividiu em três etapas a evolução da prática e da consciência de regras:
1a - anomia (até 5/6 anos): as cri¬anças não seguem atividades com regras coletivas;
2a - heteronomia (até 9/10 anos): as crianças vêm as regras como algo de origem imutável e não como contrato firmado entre os jogadores; ao mesmo tempo, quando em jogo, in¬troduzem mudanças nas regras sem prévia consulta aos demais; as regras não são elaboradas pela consciência e não são entendidas a partir de sua função social;
3a - autonomia: é a concepção adul¬ta de jogo; o respeito às regras é visto como acordo mútuo em que cada jo¬gador vê-se como possível "legislador".
b) O dever moral
O ingresso da criança no univer¬so moral se dá pela aprendizagem dos deveres a ela impostos pelos pais e demais adultos, o que acontece na fase de heteronomia e se traduz pelo "realismo moral" que tem as seguin¬tes características:
• a criança considera que todo ato de obediência às regras impostas é bom;
• as regras são interpretadas ao pé da letra e não segundo seu espírito;
• há uma concepção objetiva de res¬ponsabilidade: o julgamento é feito pela consequência do ato e pela
intencionalidade.
c) A justiça
A noção de justiça engloba todas as outras noções morais e envolve ideias matemáticas (proporção, peso, igualdade). Quanto menor a criança mais forte a noção de justiça imanente (todo crime será castigado, mesmo que seja por força da natureza), mais ela opta por sanções expiatórias (o castigo tem uma qualidade estranha ao delito) e mais severa ela é (acha que quanto mais duro o castigo, mais justo ele é). A partir dos 8/9 anos a desobediência já é vista como ato le¬gítimo quando há flagrante injustiça.
As duas morais da criança e os tipos de relações sociais
Mesmo concordando que a mo¬ral é um ato social, para Piaget o su¬jeito participa ativamente de seu desenvolvimento intelectual e moral e detém uma autonomia possível pe¬rante os ditames da sociedade.
As relações interindividuais são divididas em duas categorias:
• coação: derivada da heteronomia, é uma relação assimétrica, em que um dos pólos impõe suas verda¬des, sendo contraditória com o de-senvolvimento intelectual; cooperação: é uma relação simé¬trica constituída por iguais, regida pela reciprocidade; envolve acordos e exige que o sujeito se descentre para compreender o ponto de vis¬ta alheio; com ela o desenvolvimen¬to moral e intelectual ocorre, pois ele pressupõe autonomia e supe¬ração do realismo moral.
Em resumo: para Piaget, a coerção é inevitável no início da educação, mas não pode permanecer exclusiva para não encurralar a criança na heteronomia. Assim, para favorecer a conquista da autonomia, a escola pre¬cisa respeitar e aproveitar as relações de cooperação que espontaneamente, nascem das relações entre as crianças.
Afetividade e inteligência na teoria piagetiana do desenvolvimento do juízo moral
Para La Taille, o notável na teoria piagetiana é que nela "não assistimos a uma luta entre afetividade e moral"(p.70). Afeto e moral se conju¬gam em harmonia: o sujeito autôno¬mo não é reprimido mas um homem livre, convencido de que o respeito mú¬tuo é bom e legítimo. A afetividade adere espontaneamente aos ditames da razão. Ele considera que na obra "O juízo moral na criança" intui-se um Piaget movido por alguma "emoção", que sustenta um grande otimismo em relação ao ser humano. No entanto, para ele, o estudo sobre o juízo moral poderia ter sido completado por ou-tros que se detivessem mais nos as¬pectos afetivos do problema.
O problema da afetividade em Vygotsky
Morta Kohl de Oliveira
Vygotsky pode ser considerado um cognitivista (investigou processos in-ternos relacionados ao conhecimen¬to e sua dimensão simbólica), embora nunca tenha usado o termo cognição, mas função mental e consciência. Para ele há uma distinção básica en¬tre funções mentais elementares (atenção involuntária) e superiores (atenção voluntária, memória lógica). É difícil compreender cada função mental isoladamente, pois sua essên¬cia é ser inter-relacionada com outras funções. Sua abordagem é globalizante. Ele utiliza o termo consciên¬cia para explicar a relação dinâmica (interfuncionalidade) entre afeto e in¬telecto e, portanto, questiona a divi¬são entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológi¬co. Para ele, não dá para dissociar interesses e inclinações pessoais (aspec-tos afetivo-volitivos) do ser que pen¬sa (aspectos intelectuais).
Consciência
Vygotsky concebe a consciência como "organização objetivamente observável do comportamento, que é imposta aos seres humanos atra¬vés da participação em práticas sócio-culturais"(p.78). É evidente a fun-damentação em postulados marxis¬tas: a dimensão individual é considerada secundária e derivada da dimen¬são social, que é a essencial. Carre¬ga ainda um fundamento sócio-histórico, isto é, a consciência humana, resultado de uma atividade comple¬xa, formou-se ao longo da história social do homem durante a qual a ati¬vidade manipuladora e a linguagem se desenvolveram.
As impressões que chegam ao homem, vindas do mundo exterior são analisadas de acordo com categori¬as que ele adquiriu na interação so¬cial. A consciência seria a própria es¬sência da psique humana, o compo¬nente mais elevado das funções psi¬cológicas humanas e envolve a inter-relação dinâmica e em transformação entre: intelecto e afeto, atividade e representação simbólica, subjetividade e interação social.
Subjetividade e intersubjetividade
As funções psicológicas superio¬res, tipicamente humanas, referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, meca¬nismos intencionais. Apresentam alto grau de autonomia em relação a fatores biológicos, sendo, portanto, o resultado da inserção do homem em determinado contexto sócio-histórico.
O processo de internalização de formas culturais de comportamento, que corresponde à própria formação da consciência, é um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade. Assim, a passagem do nível interpsicológico para o intrapsicológico envolve relações interpessoais e a construção de sujeitos únicos, com trajetórias pessoais singulares e ex¬periências particulares em sua relação com o mundo e, fundamental¬mente, com as outras pessoas.
Sentido e significado
Para Vygotsky, os processos men¬tais superiores são mediados por sis-temas simbólicos, sendo a linguagem o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. O significado é componente essencial da palavra, o filtro através do qual o indivíduo com¬preende o mundo e age sobre ele. Nele se dá a unidade de duas funções bá¬sicas da linguagem: a interação soci¬al e o pensamento generalizante. Na concepção sobre o significado há uma conexão entre os aspectos cognitivos e afetivos: significado é núcleo estável de compreensão e sentido é o signifi¬cado da palavra para cada indivíduo, no seu contexto de uso e relacio¬nado às suas vivências afetivas.
A linguagem é, assim, polissêmica: requer interpretação com base em fatores linguísticos e extralingüísticos. Para entender o que o outro diz, não basta 'entender suas palavras, mas também seu pensamento e suas motivações.
O discurso interior
O discurso interior corresponde à internalização da linguagem. Ao lon¬go de seu desenvolvimento, a pessoa passa de uma fala socializada (comu-nicação e contato social) a uma fala internalizada (instrumento de pensamento, sem vocalização), correspon¬dente a um diálogo consigo mesma.
A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon
Heloysa Dantas
A teoria da emoção
Para Wallon a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quan¬to do conhecimento. A emoção é ins-trumento de sobrevivência típico da espécie humana. O bebê humano, frá¬gil como é, pereceria não fosse sua capacidade de mobilizar poderosa-mente o ambiente para atender suas necessidades. A função biológica do choro, por exemplo, é atuar fortemente sobre a mãe, fornecendo o primeiro e mais forte vínculo entre os humanos. Assim, a emoção tem raízes na vida orgânica e também a influencia, um estado emocional intenso, por exem¬plo, provoca perda de lucidez.
Segundo Wallon, a atividade emo¬cional é simultaneamente social e bio-lógica. Através da mediação cultural (social), realiza a transição do estado orgânico para a etapa cognitiva e raci¬onal. A consciência afetiva cria no ser humano um vínculo com o ambiente social e garante o acesso ao universo simbólico da cultura - base para a atividade cognitiva - elaborado e acumu¬lado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma, para Wallon, o psiquismo é uma síntese entre o orgâ¬nico e o social. Daí sua natureza con¬traditória de participar de dois mundos.
A opção metodológica adotada por Wallon é o materialismo dialético. Isso quer dizer que não dá para pensar o desenvolvimento como um processo linear, continuista, que só caminha para a frente. Pelo contrário, é um processo com idas e vindas, contraditó¬rio, paradoxal. Assim, sua teoria da emoção é genética (para acompanhar as mudanças funcionais) e dialética.
A origem da conduta emocional depende de centros subcorticais (de expressão involuntária e incontrolável) e torna-se susceptível de controle voluntário com a maturação cortical. Para Wallon, as emoções podem ser de natureza hipotônica ou redutora do tônus (como o susto e a depres-são) e hipertônica ou estimuladora do tônus (como a cólera e a ansiedade).
Características do comportamento emocional
A longa fase emocional da infân¬cia tem correspondência na história da espécie humana: é a emoção que garante a solidariedade afetiva e a sobrevivência do indivíduo.
Da função social da emoção resul¬tam seu caráter contagioso (a ansie¬dade infantil pode provocar irritação ou angústia no adulto, por exemplo) e a tendência para nutrir-se com a pre¬sença do outro (uma platéia alimenta uma chama emocional entre os parti¬cipantes, por exemplo). Devido a seus efeitos desorganizadores, anárquicos e explosivos, a emoção pode reduzir o funcionamento cognitivo, se a capa¬cidade cortical da ação mental ou motora para retomar o controle da si¬tuação for baixa. Se a capacidade cortical for alta, soluções inteligentes poderão ser encontradas.
Para Wallon não existe estado não emocional. Até a serenidade exprime emoção. Assim, a educação da emo¬ção deveria ser incluída entre os pro-pósitos da ação pedagógica para evi¬tar a formação do "circuito perverso de emoção": a emoção surge num momento de incompetência do su¬jeito e, não conseguindo transformar-se em atividade racional, provoca mais incompetência. O efeito desorganizador da emoção concen¬tra a sensibilidade no próprio corpo e diminui a percepção do exterior.
Afetividade e inteligência
O ser humano é afetivo por exce¬lência. É da afetividade que se diferen¬cia a vida racional. No início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas. Ao longo do desenvolvimento, a reciprocidade se mantém de tal forma que as aquisições de uma repercute sobre a outra. A pes¬soa se constitui por uma sucessão de fases com predomínio, ora do afetivo, ora do cognitivo. Cada fase incorpora as aquisições do nível anterior.
Para evoluir, a afetividade depende da inteli¬gência e vice-versa. Dessa forma, não é só a inteligência que evolui, mas tam¬bém a emoção. Com o desenvolvimen¬to, a afetividade incorpora as conquis¬tas da inteligência e tende a se racio¬nalizar. Por isso, as formas adultas de afetividade são diferentes das infantis No início a afetividade é somática, tônica, pura emoção. Alarga seu raio de ação com o surgimento da função simbólica. Na adolescência, exigências racionais são colocadas: respeito recíproco, justiça, igualdade de direitos.
Inteligência e pessoa
O processo que começa com a simbiose fetal tem por horizonte; individualização. Para Wallon, não há nada mais social do que o processo pelo qual o indivíduo se singulariza, em que o eu se constrói alimentando-se da cultura, sendo que o destino humano, tanto no plano individual quanto no social, é uma obra sempre inacabado.
10. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola. O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002
Introdução
Embora seja difícil e demande tempo, a escola necessita de trans-formações profundas no que concer¬ne ao aprendizado da leitura e da es-crita, que só serão alcançadas atra¬vés da compreensão profunda de seus problemas e necessidades, para que então seja possível falar de suas pos¬sibilidades.
Capítulo 1
Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário
Aprender a ler e escrever na esco¬la deve transcender a decodificação do código escrito, deve fazer sentido e estar vinculado à vida do sujeito, deve possibilitar a sua inserção no meio cultural a qual pertence, tornando-o capaz de produzir e interpretar textos que fazem parte de seu entorno.
Torna-se então necessário reconceitualizar o objeto de ensino toman¬do por base as práticas sociais de lei¬tura e escrita, re-significando seu aprendizado para que os alunos se apropriem dele 'como práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpre¬tar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir'.
Para tornar real o que compreen¬demos ser necessário é preciso co¬nhecer as dificuldades que a escola apresenta, distinguindo as legítimas das que fazem parte de 'resistências sociais' para que então se possa pro¬por soluções e possibilidades.
A tarefa é difícil porque, a própria especificidade do aprendizado da lei¬tura e da escrita que se constituem em construções individuais dos sujei¬tos agindo sobre o objeto (leitura e escrita) torna a sua escolarização difí¬cil, já que não são passíveis de se sub¬meterem a uma programação sequencial. Por outro lado, trata-se de práticas sociais que historicamen¬te foram, e de certo modo continuam sendo, patrimônio de certos grupos, mais que de outros, o que nos leva a enfrentar e tentar buscar caminhos para resolver as tensões existentes na instituição escolar entre a tendência à mudança (democratização do ensino) e a tendência à conservação (repro¬dução da ordem social estabelecida).
É difícil ainda, porque o ato de ensinar a ler e escrever na escola tem finalidade puramente didática: a de possibilitar a transmissão de saberes e comportamentos culturais, ou seja, a de preservar a ordem pre-estabelecida, o que o distancia da função social que pressupõe ler para se comunicar com o mundo, para conhecer outras possibilidades e refletir sobre uma nova perspectiva.
É difícil também, porque a estruturação do ensino conforme um eixo temporal único, segundo uma pro¬gressão linear acumulativa e irreversível entra em contradição com a própria natureza da aprendizagem da leitura e da escrita, que como vimos ocorre por meio de aproximações do sujeito com o objeto, provocando coordenações e reorganizações cognitivas que lhe per¬mite atribuir um novo significado aos conteúdos aprendidos.
E, finalmente, a necessidade da escola em controlar a aprendizagem da leitura faz com que se privilegie mais o aspecto ortográfico do que os interpretativos do ato de ler, e o siste¬ma de avaliação, onde cabe somente ao docente o direito e o poder de ava¬liar, não propicia ao aluno a oportuni-dade de autocorreção e reflexão sobre o seu trabalho escrito, e conseqüentemente não contribui para a construção da sua autonomia intelectual.
Diante desses fatos, o que é pos¬sível fazer para que se possa concili¬ar as necessidades inerentes a insti¬tuição escolar e, ao mesmo tempo, atender as necessidades de formar leitores e escritores competentes ao exercício pleno da cidadania?
Em primeiro lugar devem se tor¬nar explícitos aos profissionais da edu-cação os aspectos implícitos nas prá¬ticas educativas que estão acessíveis graças aos estudos sociolingüísticos, psicolingüísticos, antropológicos e históricos, ou seja, aqueles que nos mostram como a criança aprende a ser leitora e escritora; o que facilita ou quais são as prerrogativas essen-ciais a esse aprendizado.
Em segundo lugar, é preciso que se trabalhe com projetos como fer-ramenta capaz de articular os propó¬sitos didáticos com os comunicativos, já que permitem uma articulação dos saberes sociais e os escolares. Além disso, o trabalho com projetos esti¬mula a aprendizagem, favorece a au-tonomia, já que envolve toda a clas¬se, e evita o parcelamento do tempo e do saber, já que tem uma aborda¬gem multidisciplinar.
"É assim que se torna possí¬vel evitar a justaposição de atividades sem conexão - que abordam aspectos também sem conexão com os conteúdos -, e as crianças tem oportunidade de ter acesso a um trabalho sufici¬entemente duradouro para resolver problemas desafiantes, construindo os conhecimentos necessários para isso, para estabelecer relações entre diferen¬tes situações e saberes, para consolidar o aprendido e reutilizá-lo... ".(p.23).
Finalmente, é possível repensar a avaliação, sabendo que esta é neces-sária, mas que não pode prevalecer sobre a aprendizagem. Segundo a au-tora, 'ao diminuir a pressão do con¬trole, toma-se possível avaliar aprendi-zagens que antes não ocorriam [...]' já que no trabalho com projetos os alu¬nos discutem suas opiniões, buscam informações que possam auxiliá-los e procuram diferentes soluções, fatores importantíssimos a formação de cida¬dãos praticantes da cultura escrita.
Capítulo 2 - Para Transformar o Ensino da Leitura e da Escrita
"O desafio [...] é formar se¬res humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explicita ou implicitamente, pe¬los autores dos textos com os quais interagem em vez de per¬sistir em formar indivíduos de¬pendentes da letra do texto e da autoridade dos outros", (p.27)
Para que haja uma transformação verdadeira do ensino da leitura e da escrita, a escola precisa favorecer a aprendizagem significativa, abandonan¬do as atividades mecânicas e sem sen¬tido que levam o aluno a compreender a escrita como uma atividade pura e unicamente escolar. Para isso, a esco¬la necessita propiciar a formação de pessoas capazes de apreciar a literatu¬ra e de mergulhar em seu mundo de significados, formando escritores e não meros copistas, formando produtores de escrita conscientes de sua função e poder social. Precisa também, prepa-rar as crianças para a interpretação e produção dos diversos tipos de texto existentes na sociedade, conseguindo que a escrita deixe de ser apenas um objeto de avaliação e passe a ser um objeto de ensino, capaz não apenas de reproduzir pensamentos alheios, mas de refletir sobre o seu próprio pensa¬mento, enfim, promovendo a desco¬berta da escrita como instrumento de criação e não apenas de reprodução. Para realmente transformar o en¬sino da leitura e da escrita na escola, é preciso, ainda, acabar com a discri¬minação que produz fracasso e abandono na escola, assegurando a todos o direito de 'se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essen¬ciais de progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal'.
É possível a mudança na escola?
Ensinar e ler e escrever faz parte do núcleo fundamental da instituição escolar, está nas suas raízes, consti¬tui a sua missão alfabetizadora e sua função social, portanto, é a que mais apresenta resistência a mudanças. Além disso, nos últimos anos, foi a área de que mais sofreu com a inva¬são de inovações baseadas apenas em modismos.
"... O sistema de ensino continua sendo o terreno pri¬vilegiado de todos os voluntarismos - dos quais talvez seja o último refúgio. Hoje, mais de que ontem, deve suportar o peso de todas as expectativas, dos fantasmas, das exigências de toda uma sociedade para a qual a educação é o ultime portador de ilusões"2.
Sendo assim, para que seja pos¬sível uma mudança profunda da prá¬tica didática vigente hoje nas institui¬ções de ensino, capaz de tornar pos¬sível a leitura na escola, é preciso que esta esteja fundamentada na evolu¬ção histórica do pensamento peda¬gógico, sabendo que muito do que se propõe pode ser encontrado nas ideias de Freinet, Dewey, Decroly e outros pensadores e educadores, o que significa estarem baseadas no avanço do conhecimento científico dessa área, que como em outras áre¬as do conhecimento científico, teve suas hipóteses testadas com o objetivo de desvendar a gênese do conhe¬cimento humano - como os estudos realizados por Jean Piaget. É preciso compreender também, que essas mudanças não dependem apenas da capacitação adequada de seus pro-fissionais, já que esta é condição ne¬cessária, mas não suficiente, é preci¬so conhecer o cotidiano escolar em sua essência, buscando descobrir os mecanismos ou fenômenos que per¬mitem ou atravancam a apropriação da leitura e da escrita por todas as crianças que ali estão inseridas.
O que vimos até hoje, por meio dos trabalhos e pesquisas que temos realizado no campo da leitura e da escrita, é que existe um abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita - lê-se na escola trechos sem sentido de uma realidade desconhecida para a crian-ça, já que foi produzido sistematica¬mente para ser usado no espaço es-colar - a fragmentação do ensino da língua (primeiro sílabas simples, de-pois complexas, palavras, frases...) não permite um espaço para que o aluno possa pensar no que aprendeu dentro de um contexto que lhe faça sentido, e ainda, fazem com que esta perca a sua identidade.
"Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilân¬cia epistemológica que garan¬ta uma semelhança fundamen¬tal entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos apren¬dam. A versão escolar da leitura e da escrita não deve afas¬tar-se demasiado da versão social não-escolar". (p.35)
O "Contrato Didático"
O Contrato Didático aqui é consi¬derado como as relações implícitas estabelecidas entre professor e alu¬no, sobretudo porque estas exercem influência sobre o aprendizado da lei¬tura e da escrita, já que o aluno deve concentrar-se em perceber ou des¬cobrir o que o professor deseja que ele 'saiba' sobre aquele texto que o professor escolheu para que ele leia e não em suas próprias interpreta¬ções: "A 'cláusula' referente à inter¬pretação de textos parece estabelecer [...] que o direito de decidir so¬bre a validade da interpretação é privativo do professor...".
Se o objetivo da escola é formar cidadãos praticantes da leitura e da escrita, capazes de realizar escolhas e de opinar sobre o que leem e veem em seu entorno social, é preciso que seja revisto o Contrato Didático, prin-cipalmente no âmbito da leitura e da escrita, e essa revisão é encargo dos pesquisadores de didática - divulgan¬do os resultados obtidos bem como os elementos que podem contribuir para as mudanças necessárias -, é responsabilidade dos organismos que regem a educação - que devem levar em conta esses resultados -, é encar¬go dos formadores de professores e de todas as instituições capazes de comunicar à comunidade e particu¬larmente aos pais, da importância que tem a análise, escolha e exercício de opinião de seus filhos quando do exer¬cício da leitura e da escrita.
Ferramentas para transformar o ensino
Vimos que transformar o ensino vai além da capacitação dos profes-sores, passa pela sua revalorização pessoal e profissional; requer uma mudança de concepção da relação ensino-aprendizagem para que se possa conceber o estabelecimento de objetivos por ciclos que abrangem os conhecimentos - objeto de ensino -de forma interdisciplinar, visando diminuir a pressão do tempo didático e da fragmentação do conhecimento.
Requer que não se perca de vista os objetivos gerais e de prioridade absoluta, aqueles que são essenciais à educação e lhe conferem significa¬do. Requer ainda, que se compreenda a alfabetização como um processo de desenvolvimento da leitura e da escrita, e que, portanto, não pode ser desprovido de significado.
Essa compreensão só será alcançada na medida em que forem conhecidos e compreendidos os es¬tudos científicos realizados na área, e que nos levaram a descobrir a impor¬tância da atividade mental construti¬va do sujeito no processo de constru¬ção de sua aprendizagem, re-significando o papel da escola. Colocando em destaque o aprendizado da leitura e da escrita, consideramos fundamen¬tal que sejam divulgados os resulta¬dos apresentados pelos estudos psicogenéticos e psicolingüísticos, não apenas a professores ou profissionais ligados à educação, mas a toda soci-edade, objetivando conscientizá-los da sua validade e importância, levando-os a perceber as vantagens das estra¬tégias didáticas baseadas nesses es¬tudos, e, sobretudo, conscientizando-os de que educação também é objeto da ciência.
Voltando a capacitação, enfati¬zando sua necessidade, é preciso que se criem espaços de discussão e tro¬ca de experiências e informações, que dentre outros aspectos servirão para levar o professor a perceber que a di¬versidade cultural não acontece ape¬nas em sua sala de aula, que ela faz parte da realidade social na qual estamos inseridos, e que sendo assim, não poderia estar fora da escola, e ain¬da, que esta diversidade tem muito a contribuir se o nosso objetivo educa¬cional consistir em preparar nossos alunos para a vida em sociedade. No que concerne a leitura e escrita, pare¬ce-nos essencial ter corno prioritária a formação dos professores como lei¬tores e produtores de texto, capazes de aprofundar e atualizar seus saberes de forma permanente'.
Nossa experiência nos levou a considerar que a capacitação dos professores em serviço apresenta melhores resultados quando é realizada por meio de oficinas, sustentadas por bibliografias capazes de dar conta das interrogações a respeito da prática que forem surgindo durante os encontros, que devem se estender durante todo o ano letivo, e que contam com a participação dos coordenadores também em sala de aula, mas que, à longo prazo, capacitem o
professor a seguir autonomamente, sem que seja necessário o acompanhamento em sala de aula.
Capítulo 3 – Apontamentos a partir da Perspectiva Curricular
É importante que, ao propor uma transformação dídática a uma instituição de ensino, seja considerada a sua particularidade, o que se dá atra¬vés do conhecimento de suas neces¬sidades e obstáculos, implícitos ou explícitos, que caberá a proposta su¬prir ou superar. É imperativo que a elaboração de documentos curricula¬res esteja fortemente amparada na pesquisa didática, já que será neces¬sário selecionar os conteúdos que serão ensinados o que pressupõe uma hierarquização, já que privilegi¬ará alguns em detrimento de outros.
"Prescrever é possível quan¬do se está certo daquilo que se prescreve, e se está tanto mais seguro quanto mais investigada está a questão do ponto de vista didático".(p. 55).
As escolhas de conteúdos devem ter como fundamento os propósitos educativos', ou seja, se o propósito educativo do ensino da leitura e da escrita é o de formar os alunos como cidadãos da cultura escrita, então o objeto de ensino a ser selecionado deve ter como referência fundamental às práticas sociais de leitura e es¬crita utilizadas pela comunidade, o que supõe enfatizar as funções da leitura e da escrita nas diversas situações e razões que levam as pessoas a ler e escrever, favorecendo seu ingresso na escola como objeto de ensino.
Os estudos em torno das práticas de leitura existentes ou preponderan¬tes no decorrer da história da huma¬nidade mostraram que em determi¬nados momentos históricos privilegi¬avam-se leituras intensas e profun¬das de poucos textos, como por exemplo, os pensadores clássicos, se¬guidos de profundas reflexões reali¬zadas por meio de debates ou con¬versas entre pequenos grupos de pes¬soas ou comunidades, se tomarmos como exemplo a leitura da Bíblia.
Com o avanço das ciências e o aumento da diversidade literária dis¬ponível - nas sociedades mais abas¬tadas - as práticas de leitura passa¬ram a se alternar entre intensivas ou extensivas (leitura de vários textos com menor profundidade), mas sempre mantendo um fator comum: elas, lei¬tura e escrita, sempre estiveram inseridas nas relações com as outras pessoas, discutindo hipóteses, ideias, pontos de vista ou apertas indicando a leitura de algum título ou autor.
O aspecto mais importante que podemos tirar acerca dos estudos históricos é que aprende-se a ler, len¬do (ou a escrever, escrevendo), por-tanto, é preciso que os alunos tenham contato com todos os tipos de texto que veiculam na sociedade, que eles tenham acesso a eles, que esses materiais deixem de ser privilégio de alguns, passando a ser patrimônio de todos. Didaticamente, isto significa que os alunos precisam se apropriar destes textos através de práticas de leitura significativas que propiciem reflexões individuais e grupais, que embora demandem tempo, são es¬senciais para que o sujeito possa, no futuro, ser um praticante da leitura e da escrita.
"...É preciso assinalar que, ao exercer comportamentos de leitor e de escritor, os alunos têm também a oportunidade de entrar no mundo dos textos, de se apropriar dos traços distintivos[...] de certos gêne¬ros, de ir detectando matizes que distinguem a 'linguagem que se escreve' e a diferenci¬am da oralidade coloquial, de pôr em ação [...] recursos linguísticos aos quais é neces¬sário apelar para resolver os diversos problemas que se apresentam ao produzir ou in¬terpretar textos [...[é assim que as práticas de leitura e escrita, progressivamente, se transfor¬mam em fonte de reflexão metalingüística". (p. 64).
Capítulo 4
E possível ler na escola?
"Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do tex¬to e assumir uma postura crí¬tica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...".(p.73).
Ensinar a ler e escrever foi, e ain¬da é, a principal missão da escola, no entanto, dois fatores parecem contribuir para que a escola não ob¬tenha sucesso:
1. A tendência de supor que existe uma única interpretação pos¬sível a cada texto;
2. A crença - como diria Piaget - de que a maneira como as crianças aprendem difere da dos adultos, e que, portanto, basta ensinar-lhes o que julga¬rem pertinente, sem que haja preocupação com o sentido ou significado que tais conteúdos tem para as crianças, o que, além de tudo, facilita o controle da aprendizagem, já que essa concepção permite uma padronização do ensino.
Para que seja possível ler na es¬cola, é necessário que ocorra uma mudança nessas crenças, é preciso, como já vimos, que sejam conside-rados os resultados dos trabalhos ci¬entíficos em torno de como ocorre o processo de aprendizagem nas crian¬ças: que ele se dá através da ação da criança sobre os objetos (físicos e sociais), sendo a partir dessa ação que ela (a criança) lhe atribuirá um valor e um significado.
Sabendo que a leitura é antes de tudo um objeto de ensino que na escola deverá se transformar em um objeto de aprendizagem, é importante não perder de vista que sua apropri¬ação só será possível se houver sen¬tido e significado para o sujeito que aprende, que esse sentido varia de acordo com as experiências prévias do sujeito e que, portanto, não são suscetíveis a uma única interpretação ou significado e que o caminho para a manutenção desse sentido na es¬cola está em não dissociar o objeto de ensino de sua função social.
O trabalho com projetos de leitu¬ra e escrita cujos temas são dirigidos à realização de algum propósito so¬cial vem apresentando resultados positivos. Os temas propostos visam atender alguma necessidade da co-munidade em questão e são estru¬turados da seguinte forma:
a) Proposta do projeto às crian¬ças e discussão do plano do trabalho;
b) Curso de capacitação para as crianças visando prepará-las para a busca e consulta autônoma dos materiais a serem utilizados quando da realização das etapas do projeto;
c) Pesquisa e seleção do materi¬al a ser utilizado e/ou lugares a serem visitados;
d) Divisão das tarefas em peque¬nos grupos;
e) Participação dos pais e da co¬munidade;
f) Discussão dos resultados en¬contrados pelos grupos;
g) Elaboração escrita dos resul¬tados encontrados pelos gru¬pos (que passará pela revisão de outro grupo e depois pelo professor);
h) Redação coletiva do trabalho final;
i) Apresentação do projeto à co¬munidade interessada.
j) Avaliação dos resultados.
Nesses projetos tem-se a oportu¬nidade de levar a criança a extrair in-formações de diversas fontes, inclu¬sive de textos que não foram escritos exclusivamente para elas, e que, por¬tanto, apresentam um grau maior de dificuldade. A discussão coletiva das informações que vão sendo coletadas propicia a troca de ideias e a verifica¬ção de diferentes pontos de vista, como acontece na vida real, e, ain¬da, durante a realização desses pro¬jetos as crianças não leem e escre¬vem só para 'aprender', a leitura as-sume um propósito, um significado, que atende também aos propósitos do docente - de inseri-las no mundo de leitores e escritores. Os projetos permitem ainda, uma administração mais flexível do tempo, porque pro-piciam o rompimento com a organização linear dos conteúdos já que costumam trabalhar com os temas selecionados de forma interdisciplinar, o que possibilita a retomada dos pró¬prios conteúdos em outras situações e ainda, a análise destes a partir de um referencial diferente.
Acontecem concomitantemente e em articulação com a realização dos projetos, atividades habituais, como 'a hora do conto' semanal ou momen-tos de leitura de outros gêneros, como o de curiosidades científicas e ativi-dades independentes que podem ter caráter ocasional, como a leitura de um texto que tenha relevância pon¬tual ou fazer parte de situações de sistematização: passar a limpo uma reflexão sobre uma leitura realizada durante uma atividade habitual ou pontual. Todas essas atividades con-tribuem com o objetivo primordial de 'criar condições que favoreçam a formação de leitores autônomos e críticos e de produtores de textos adequados à situação comunicati¬va que os torna necessário' já que em todos eles observam-se os esfor¬ços por produzir na escola as condi¬ções sociais da leitura e da escrita.
"É assim que a organização baseada em projetos permite coordenar os propósitos do docente com os dos alunos e contribui tanto para preservar o sentido social da leitura como para dotá-la de um sentido pessoal para as crianças". (p.87).
Ainda, o trabalho com projetos, por envolver grupos de trabalho e, abrir espaço para discussão e troca de opiniões, permite o estabelecimen¬to de um novo contrato didático, ou seja, um novo olhar sobre a avalia¬ção, porque admite novas formas de controle sobre a aprendizagem, nas quais todos os sujeitos envolvidos tomam parte, o que contribui para a formação de leitores autônomos, já que estes devem justificar perante o grupo as conclusões ou opiniões que defendem. É importante ressaltar, que essa modalidade de trabalho torna ainda mais importante o papel das intervenções do professor - fazendo perguntas que levem a ser conside-rados outros aspectos que ainda não tenham sido levantados pelo grupo, ou a outras interpretações possíveis do assunto em questão. Em suma, é importante que a necessidade de con¬trole, inerente a instituição escolar, não sufoque ou descaracterize a sua missão principal que são os propósi-tos referentes à aprendizagem.
O professor: um ator no papel de leitor
É muito importante que o profes¬sor assuma o papel de leitor dentro da sala de aula.
Com esta atitude ele estará propiciando a criança a opor¬tunidade participar de atos de leitura. Assumir o papel de leitor consiste em ler para os alunos sem a preocupação de interrogá-los sobre o lido, mas de conseguir com que eles vivenciem o prazer da leitura, a experiência de seguir a trama criada pelo autor exatamente para este fim, e ao terminar, que o professor comente as suas im¬pressões a respeito do lido, abrindo espaço para o debate sobre o texto -seus personagens, suas atitudes.
Assumir o papel de leitor é fator ne¬cessário, mas não suficiente, cabe ao professor ainda mais, cabe-lhe propor estratégias de leitura que aproximem cada vez mais os alunos dos textos.
A Instituição e o sentido da leitura
Quando os projetos de leitura atingem toda a instituição educacional, cria-se um clima leitor que atinge também os pais, e que envolvem os professores numa situação de traba¬lho conjunta que tem um novo valor: o de possibilitar uma reflexão entre os docentes a respeito das ferramen¬tas de análise que podem contribuir para a resolução dos problemas didáticos que por ventura eles possam estar vivendo.
As propostas de trabalho e as reflexões aqui apresentadas mostram que é possível sim! Ler e escrever na escola, desde que se promova uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, reconsiderando as formas de avaliação, não deixando que estas interfiram ou atrapalhem o propósito essencial do ensino e da aprendizagem. Desde que se elabo¬rem projetos onde a leitura tenha sen¬tido e finalidade social imediata, trans-formando a escola em uma 'micros-sociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pais e professores...". (p. 101).
Capítulo 5
O Papel do Conhecimento Didático na Formação do Professor
"O saber didático é cons¬truído para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, é o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino; é produto da análise das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico; é elaborado através da investiga¬ção rigorosa do funcionamen¬to das situações didáticas". (p. 105).
É importante considerar que o saber didático, como qualquer outro objeto de conhecimento, é construído através da interação do sujeito com o objeto, ele se encontra, portanto, dentro da sala de aula, e não é exclu-sividade dos professores que traba¬lham com crianças, ele está presen¬te também em nossas oficinas de capacitação. Então, para apropriar-se desse saber é preciso estar em sala de aula, buscando conhecer a sua realidade e as suas especificidades.
A atividade na aula como objeto de análise
O registro de classe apresenta-se como principal instrumento de aná¬lise do que ocorre em sala de aula. Esses registros podem ser utilizados durante a capacitação objetivando um aprofundamento do conhecimento didático, já que as situações nele apre¬sentadas permitem uma reflexão con¬junta a respeito das situações didáti¬cas requeridas para o ensino da lei¬tura e escrita.
Optamos por utilizar, a princípio, os registros das 'situações boas' ocor-ridas em sala de aula, porque perce¬bemos, através da experiência, que a ênfase nas 'situações más' distanci¬ava capacitadores e educadores, e para além, criavam um clima de in¬certeza, por enfatizar o que não se deve fazer, sem apresentar direções do que poderia ser feito, em suma, quando enfatizamos 'situações boas´ estamos mostrando o que é possível realizar em sala de aula, o que por si só, já é motivador.
É importante destacar que as 'si¬tuações boas' não se constituem em situações perfeitas, elas apresentam erros que, ao serem analisados, en-riquecem a prática docente, pois são: considerados como importantes ins-trumentos de análise da prática didática - ponto de partida de uma nova reflexão - sendo vistos como parte integrante do processo de constru¬ção do conhecimento.
"... a análise de registros de classe opera como coluna ver¬tebral no processo de capacitação, porque é um recurso insubstituível para a comunica¬ção do conhecimento didático e porque é a partir da análise dos problemas, propostas e in¬tervenções didáticas que adqui¬re sentido para os docentes se aprofundarem no conhecimen¬to do objeto de ensino e de s processos de aprendizagem desse objeto por parte das crianças", (p. 116).
Palavras Finais
Quanto mais os profissionais capacitadores conhecerem a prática pedagógica e os que exercitam essa prática no dia-a-dia: as crenças que os sustentam e os mecanismos que utilizam; quanto mais conhecerem como se dá o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola, mais estarão em condições de ajudar o professor em sua prática docente.
11. LERNER, D. e SADOVSKY, P. O sistema de numeração:um problema didático. In: PARRA, Cecília; SAIZ Irmã; [et al] (Org.). Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógicas. Tradução por Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 73-155.
Como e porque se iniciou a pesquisa sobre a aquisição da noção de número.
A relação entre os grupamentos e a escrita numérica tem sido um problema para as crianças nas ex¬periências escolares o que tem le¬vado pesquisadores e educadores re¬alizarem esforços, com experimen¬tos de recursos didáticos diversos, para tornar real a noção de agrupa¬mentos numéricos às crianças nas series iniciais. A gravidade do pro¬blema foi detectada através de en¬trevistas com crianças que não eram trabalhadas nos programas que usa¬vam estes recursos.
Elas utilizavam métodos conven¬cionais nas operações de adição e subtração (vai um) sem entende¬rem os conceitos de unidades, de¬zenas e centenas. Mesmo naque¬las que pareciam acertar, não de¬monstravam entender os algaris¬mos convencionais na organização de nosso sistema de numeração. (Lerner,D 1992).
As dificuldades foram detectadas e analisadas em crianças de vários países. Chamou a atenção dos pesquisadores o fato das crianças não entenderem os princípios do sistema numérico. Foi verificado que as práticas pedagógicas não consideravam os aspectos sociais e históricos vivi¬dos pelas crianças, ou seja, o dia-dia que traziam para escola não era importante quando os alunos che¬gavam à escola, e mesmo no decor¬rer do ano letivo; a preocupação es¬tava centrada apenas na fixação da representação gráfica.
Era necessário compreender o caminho mental que essas crian¬ças percorriam para adquirirem este conhecimento. Para tornar cla¬ro esse fenômeno, iniciaram pela elaboração de situações didáticas. Assim foi necessário testá-las em aula para descobrir os aspectos relevantes para as crianças no sis¬tema de numeração, tais como: as ideias elaboradas sobre os núme¬ros, formulação de problemas e conflitos existentes.
Foi por meio de entrevistas com as crianças de 5 a 8 anos que se es-clareceu o caminho que percorrem, de forma significativa, na construção de conceito de número. Através das ideias, justificações e conflitos de-monstrados nas respostas foi possí¬vel traçar novas linhas de trabalho didático.
// - História dos conhecimentos que as crianças elaboram a respeito da numeração escrita
A pergunta levantada pelos pesqui¬sadores é: como as crianças compre-endem e interpretam os conhecimen¬tos vivenciados no seu cotidiano no meio social-familiar de utilização da numeração escrita? A hipótese era que as crianças elaboram critérios própri¬os para produzir representações nu¬méricas e que a construção da nota¬ção convencional não segue a ordem da sequência numérica.
Para buscar a resposta às hipóte¬ses levantadas, situações experimentais, através de jogos foram projetadas e relacionadas à comparação de nú-meros. Através das respostas das cri¬anças entrevistadas chegou-se a su-posição que elas elaboram uma hipó¬tese de "quanto maior a quantidade de algarismos de um número, maior é o número", ou "primeiro número é quem manda".
As crianças usam como critério de comparação de números maiores ou menores elaborando a partir da interação com a numeração escrita, quando ainda não conhecem a de¬nominação oral dos números que comparam. Ao generalizarem estes critérios, outras crianças mostraram dificuldades com afirmações contra¬ditórias quando afirmavam que "o numeral 112 é maior que 89, por que tem mais números, mas logo muda apontando para o 89 como maior por que - 8 mais 9 é 17 -, então é mais."
Assim concluiu-se que a elabora¬ção de critério de comparação é im-portante para a compreensão da nu¬meração escrita.(p. 81).
A posição dos algarismos como critério de comparação ou "o primeiro é quem manda"
Um dos argumentos usados pe¬las crianças respondentes é que ao comparar os números com a mes¬ma quantidade de algarismos, dizi¬am que, a posição dos algarismos é determinada pela função no sistema de números (por exemplo: que 31 é maior que 13 por que o 3 vem primeiro). Assim elas descobrem que além da quantidade de algarismos, a magnitude do número é outra carac¬terística específica dos sistemas posicionais.
Tais respostas não são precedidas de conhecimentos das razões que originaram as variações.
Para as crianças da 1a série que ainda não conhecem as dezenas, mas conseguem ver a magnitude do nú¬mero, fazem a seguinte comparação: o 31 é maior porque o 3 de 31 é maior que o 2 do 25.
Assim "os dados sugerem que as crianças se apropriam primeiro da es-crita convencional da potência de base."
Papel da numeração falada
Os conceitos elaborados pelas crianças a respeito dos números são baseados na numeração falada e em seu conhecimento descrita conven-cional dos "nós".
"Para produzir os números cuja escrita convencional ainda não havi¬am adquirido, as crianças misturavam os símbolos que conheciam colocan-do-os de maneira tal, que se correspondiam com a ordenação dos termos na numeração falada" (p.92). Sendo assim, ao fazerem compara¬ções de sua escrita, o fazem como resultado de uma correspondência com a numeração falada, e por ser esta não posicional.
"Na numeração falada a justapo¬sição de palavras supõe sempre uma operação aritmética de soma ou de multiplicação - elas escrevem um número e pensam no valor total des¬se número. Como exemplo: duzen¬tos e cinquenta e quatro -escrevem somando 200+ 50+ 4 ou 200504 e quatro mil escrevem 41000- dando a ideia de multiplicação".
A numeração escrita regular é mais fechada que a numeração falada. É regular porque a soma e a multiplica¬ção, são utilizadas sempre pela multi-plicação de cada algarismo pela po¬tência da base correspondente, e se somam aos produtos que resultam dessas multiplicações." É fechada porque não existe nenhum vestígio das operações aritméticas racionais envol¬vidas, sendo deduzidas a partir da posição que ocupam os algarismos.
Ex: 4815 = 4x 103 + 8x102+ 1x 101 + 5x10.
Através destes insipientes resulta¬dos acima citados, é possível dedu¬zir "uma possível progressão nas correspondências entre o nome e a no-tação do número até a compreensão das relações aditivas e multiplicativas envolvidas na numeração falada".
As crianças que realizam a escrita não-convencional o fazem a seme-lhança da numeração falada, pois demonstraram em suas escritas numé-ricas que as diferentes modalidades de produção coexistem para os números posicionados em diferentes in¬tervalos da sequência ao escreverem qualquer número convencionalmen¬te com dois ou três algarismo em correspondência com a forma oral. Exemplo: podem escrever cento e trin¬ta e cinco em forma convencional (135), mas representam mil e vinte e cinco da seguinte forma: 100025. Mesmo aquelas crianças que escrevem convencionalmente os números entre cem e duzentos, podem não genera¬lizar esta modalidade a outras cente¬nas. Por exemplo, escrevem 80094 (oitocentos e noventa e quatro).
Assim é que a relação numeração fala/numeração escrita não é unidirecional. Observa-se também que a numeração falada intervém na conceitualização da escrita numérica.
O que parece é que algumas cri¬anças demonstram que utilizam um critério para elaborar a numeração escrita. Assim acham que mil e cem e cem mil sejam a mesma coisa, pois elaboram o elemento símbolo, quali¬ficação e não quantificação. Desta forma as crianças apropriam-se pro-gressivamente da escrita convencio¬nal dos números a partir da vinculação com a numeração falada. Mas pergun¬ta-se, como fazem isto? Elas supõem que a numeração escrita se vincula estritamente à numeração falada, e sabem também que em nosso sistema de numeração a quantidade de algarismos está relacionada à magni¬tude do número representado.
Do conflito à notação convencional
Há momentos em que a criança manipula a contradição entre suas conceitualizações sem conflito. Às vezes centram-se exclusivamente na quantidade de algarismos das suas escritas que produziram, e parece ignorar qualquer outra consideração a respeito do valor dos números re-presentados. Assim também parece claro que não é suficiente conhecer o valor dos números para tomar cons¬ciência do conflito entre quantidade de número e a numeração falada.
Em outros momentos a criança parece alternar os sistemas de conceitualizações dos números. Em outro momento, o conflito aparece, pois ao vincular a criança a numera¬ção falada na produção da escrita, mostra-se insatisfeita achando que é muito algarismo.
Exemplo: Ao pedir-se para escre¬verem seis mil trezentos e quarenta e cinco, fazem 600030045. Ao mes¬mo tempo escrevem 63045. Isto mostra que nesse momento encon¬tra-se em conflito pela aproximação da escrita convencional e a falada.
O conflito é percebido após com¬pararem e corrigirem a escrita numé¬rica feita por eles mostrando uma solução mais ou menos satisfatória.
É percebido que pouco a pouco a criança vai tomando consciência das contradições procurando superar o conflito, mas sem saber como; pou¬co a pouco através da re-significação da relação entre a escrita e a numera-ção falada elaboram ferramentas para superar o conflito. Essa parece ser uma importante etapa para progredir na escrita numérica convencional. Portanto, as crianças produzem e in¬terpretam escritas convencionais an-tes de poder justificá-las através da "lei de agrupamento recursivo".
Sendo assim torna-se importante no ensino da matemática considerar a natureza do objeto de conhecimen¬to como valorizar as conceitualizações das crianças à luz das propriedades desse objeto.
/// - Relações entre o que as Crianças sabem e a organização posicional do sistema de numeração.
Devido a convivência com a lingua¬gem numérica não percebemos a distinção entre a propriedade dos números e a propriedade da notação numé¬rica, ou seja, das propriedades do sis¬tema que usamos para representá-lo.
As propriedades dos números são universais, enquanto que as leis que regem os diferentes sistemas de numeração não o são. Por exemplo: oito é menor que dez é um conceito uni¬versal, pois em qualquer lugar, tem¬po ou cultura será assim. O que muda é a justificativa para esta afirmação, pois varia de acordo com os sistemas qualitativos e quantitativos dos núme¬ros ou posicionai dos algarismos.
A posicionalidade é responsável pela relação quantidade de algaris¬mos e valor do números.
A criança começa pela detecção daquilo que é observável no contexto da interação social e a partir deste ponto os números são baseados na numera¬ção falada e em seu conhecimento da escrita convencional ("dos nós").
IV - Questionamento do enfoque usualmente adotado para o sistema de numeração
O ensino da notação numérica pode ter modalidade diversa como: trabalhar passo a passo através da administração de conhecimento de forma "cômoda quotas anuais" - me¬tas definidas por série - ou através do saber socialmente estabelecido.
Pergunta-se: é compatível traba¬lhar com a graduação do conheci¬mento? Ou seja, traçar um caminho de início e fim, determinado pelo sa¬ber oficial? E qual é o saber oficial? E o que se estar administrando de co¬nhecimento numérico nas aulas?
O processo passo a passo e aperfeiçoadamente, não parece com¬patível com a natureza da criança, pois elas pensam em milhões e milhares, elaboram critérios de comparação fun¬damentados em categorias. Podem conhecer números grandes e não sa¬ber lidar com os números menores.
Os procedimentos que as crian¬ças utilizam para resolver as opera¬ções têm vantagens que não podem ser depreciadas se comparadas com procedimentos usuais da escola.
No esforço para alcançar a com¬preensão das crianças no sistema de numeração e não a simples memo¬rização é que muitos educadores tem utilizado diferentes recursos para materializar o grupamento numérico. Alguns utilizam sistemas de códigos para traduzir símbolos dando a cada grupamento uma figura diferente como, triângulo para potências de 10, quadradinho para potências de 100, ou a semelhança do sistema egípcio para trabalhar a posicionalidade de, um número ou empregam o ábaco como estratégia para as noções de agrupar e reagrupar a fim de levar a compreensão da posicionalidade.
No entanto todos estes pressupos¬tos não são viáveis por razões próprias da natureza da criança, como também considerando o ambiente social, no qual convivem com os números.
As crianças buscam desde cedo a notação numérica. Querem saber o mais cedo possível, como funcio¬na, para que serve, como e quando se usa. Inicialmente, não se interes¬sam pela compreensão dos mesmos e sim pela sua utilidade. Dessa for¬ma, a compreensão passa a ser o ponto de chegada e não de partida.
Outro problema com as aulas de aritmética é que os professores ofe-recem respostas para aquilo que as crianças não perguntam e ainda ig-noram as suas perguntas e respostas.
V - Mostrando a vida numérica da aula
O ensino do sistema de numera¬ção como objeto de estudo passa por diversas etapas, definições e redefinições, para então, ser devida¬mente compreendida.
Usar a numeração escrita envol¬ve produção e interpretação das es¬critas numéricas, estabelecimento de comparações como apoio para resol¬ver ou representar operações.
Inicialmente o aprendiz, ao utili¬zar a numeração escrita encontra pro-blemas que podem favorecer a me¬lhor compreensão do sistema, pois através da busca de soluções torna possível estabelecer novas relações; leva à reflexões, argumentações, a validação dos conhecimentos adqui-ridos, e ao inicio da compreensão das regularidades do sistema.
O sistema de numeração na aula.
A seguir serão discutidas algumas ideias sobre os princípios que orien¬tam o trabalho didático através da reflexão da regularidade no uso da numeração escrita.
As regularidades aparecem como justificação das respostas e dos procedimentos utilizados pelas crianças ou como descobertas, necessários para tornar possível a generalização, ou a elaboração de procedimentos mais econômicos. P.117
Assim, a análise das regularidades da numeração escrita é uma fonte de insubstituível no progresso da compreensão das leis do sistema.
O uso da numeração escrita como ponto de partida para a reflexão deve, desde o inicio ser trabalhada com os diferentes intervalos da sequência nu¬mérica, através de trabalho com pro¬blemas, com a numeração escrita desafiadora para a condução de resolu¬ções, de forma que cada escrita se construa em função das relações significativas que mantêm com as outras. Os desafios e argumentações le¬vam as crianças serem capazes de resolver situações-problema que ain¬da não foram trabalhadas e à sociali-zação do conhecimento do grupo.
As experiências nas aulas são de caráter provisório, às vezes comple¬xas, mas são inevitáveis, porque no trabalho didático é obrigado a consi¬derar a natureza do sistema de nu¬meração como processo de constru¬ção do conhecimento.
No trabalho de ensinar e apren¬der um sistema de representação será necessário criar situações que permi¬tam mostrar a organização do siste-ma, como ele funciona e quais suas propriedades, pois o sistema de nu-meração é carregado de significados numéricos como, os números, a re-lação de ordem e as operações arit¬méticas. Portanto comparar e operar, ordenar, produzir e interpretar, são os eixos principais para a organização das situações didáticas propostas.
Situações didáticas vinculadas à relação de ordem
O entendimento do sistema deci¬mal posicionai está diretamente ligada a relação de ordem. Por isto as atividades devem estar centradas na comparação, vinculada à ordenação do sistema. Alguns exemplos po¬dem melhorar o entendimento des¬sas relações, são elas: simulação de uma loja para vender balas, em pa¬cotes de diferentes quantidades. Ao sugerir que as crianças decidam qual o preço de cada tipo de pacote, es¬tarão fazendo comparações em con¬junto com os colegas, notações, com¬param as divergências, argumentam e discutem as ideias, orientadas por uma lógica. Assim os critérios de comparação podem não ser coloca¬dos imediatamente em ação por to¬das as crianças, pois algumas irão realizar com maior ou menor esfor¬ço o ordenamento, outras ordenam parcialmente alguns números, e os demais se limitam a copiar a que os outros colegas fizeram. Todos nesta atividade se interagem. Os primeiros têm a oportunidade de fundamentar sua produção e conceitualizar os re-cursos que já utilizavam. As crianças que ordenam parcialmente aprendem ao longo da situação, levantam per¬guntas e confirmam as ideias que não tinham conseguido associar. As cri¬anças que não exteriorizaram nenhu¬ma resposta, também se indagam e podem obter respostas que não ti¬nham encontrado. As crianças que se limitam copiar, é importante que o professor as estimule com interven¬ções orientadas para desenvolver nelas o trabalho autônomo. Também devem ser estimuladas a pergunta¬rem a si mesmas antes de ir aos ou¬tros, recorrer ao que sabem e des¬cobrir seus próprios conhecimentos, e que são capazes de resolver os pro¬blemas. Enfim, deve ser incentivada a autonomia.
Uma segunda experiência é aquela que pode usar materiais com nume-ração sequencial com fita métrica, régua, paginação de livros, numera¬ção das casas de uma rua. Todas es¬tas atividades ajudam as crianças buscarem por si mesmas as informa¬ções que precisam.
No trabalho conjunto todas as cri¬anças tem oportunidade de aprender, mesmo que em ritmos diferentes, aprendem com o trabalho cooperati¬vo na construção do conhecimento.
Outra proposta de atividade pode ser direcionada a interpretação da escrita numérica no contexto de uso social do cotidiano de cada uma. Pode ser realizado através de: comparação de suas idades, de preços, datas, medidas e outras. Experiências como: formar lista de preços, fazer notas fis¬cais, inventariar mercadorias, etc. Atra¬vés de experiências semelhantes, é possível levar as crianças considerar a relevância da relação de ordem numérica. As atividades desenvolvi¬das produzem efeito no sentido de modificar a escrita, ou da interpreta¬ção originalmente realizada. A longe prazo, devem ser capazes de montar e utilizar estratégias de relação de or¬dem para resolver problemas de pro¬dução e interpretação.
Se nas atividades a professora detecta que determinado número tem diferentes notações na turma, deve trabalhar com argumentações até que cheguem a interpretação correta.
Percebe-se através dos argumentos utilizados pelas crianças a busca pela relação de ordem, mesmo naquelas que utilizaram anotações não conven¬cionais, a ponto de transformarem a partir de sucessivas discussões e objeções que elas fazem a si próprias.
A relação numeração falada/nu¬meração escrita é um caminho que as crianças transitam em duas direções: da sequência oral como recur¬so para compreensão da escrita nu¬mérica e como sequência da escrita como recurso para reconstruir o nome do número.
Para isso é importante desenvolver atividades que favoreçam a aplicação de regularidade podendo ser observado nas situações de comparação, de produção ou interpretação.
Mas pergunta-se: quais as regularidades necessárias trabalhar na contagem dos números? Estabelecer as regularidades tem o objetivo de tornar possível a formulação de problemas dirigidos às crianças, mas também para que adquiriram ferramentas para auto-criticar as escritas baseadas na correspondência com a numeração falada e na contagem dos números. Exemplo: as dezenas com dois algarismos, as centenas com três algarismos. Depois do nove vem o zero e passa-se para o número seguinte
Como intervir para que as crian¬ças avancem na manipulação da se-quência oral? Pode-se sugerir as cri¬anças que procurem um material que tenha sequência correspondente e descubra-se por si mesma a regula-ridade. Buscar nos números de um a cem quais os que terminam em nove, identificar e nomear os núme¬ros seguintes do nove. Esta é uma atividade de interpretação e tão im¬portante quanto a produção na con¬tagem dos números. Exemplo: Como descobrir as semelhanças e diferen¬ças entre os números de um a qua¬renta. Localizar em todos os núme¬ros de dois dígitos que terminam em nove e anotar qual é o seguinte de cada um deles. Esta atividade pode ser encontrada em materiais como calendário, régua e fita métrica.
Um critério importante para tra¬balhar é estabelecer primeiro as regularidades para um determinado intervalo. A partir daí passar a sua generalização através do uso de ma¬teriais que contenham números mai-ores. Só então o indivíduo começa a questionar o seu significado.
As crianças são capazes de inventar algarismos próprios e colocam em jogo as propriedades das opera¬ções como conhecimento implícito sobre o sistema de numeração, im¬portante para descobrir as leis que regem o sistema. Ao estudar o que acontece quando se realizam as so¬mas é possível estabelecer regularidades referentes ao que muda e ao que se conserva.
As atividades como colocar pre¬ços em artigos de lojas, contar no¬tas de dez em dez, fazer lista de pre¬ço, colocar novos preços aos que já tem, contar livros das prateleiras das estantes de uma biblioteca, e ao comparar a numeração das páginas de um jornal, é possível analisar o que transforma nos números quan¬do lhes soma dez. utilizar dados nos aspectos multiplicativos em que cada ponto do dado vale dez e vão ano-tando a pontuação de cada um dos participantes do grupo. A partir desta atividade são levadas a refletir sobre o que fizeram e sobre a função multiplicativa e relacioná-la com a interpretação aditiva. Desta forma, levá-los a uma maior compreensão do valor posicional. Através de diferentes comparações estabelecem regularidades numéricas para os dezes e os cens e refletir sobre a or¬ganização do sistema.
As crianças têm oportunidade de formular regras e leis para as opera¬ções com números e concentram nas representações numéricas.
Na segunda série a calculadora pode ser introduzida, desde que de forma adequada, pois leva as crianças aprofundarem suas reflexões, to¬marem consciência das operações numéricas e torna possível que cada um detecte por si mesma quando é que estão corretas e o que não está certo, auto-corrija os erros e formu¬le regras que permitam antecipar a operação que levará ao resultado procurado.
Assim, refletir sobre o sistema de numeração e sobre as operações aritméticas levam as crianças a for¬mularem leis para acharem proce-dimentos mais econômicos. Leva a indagações das razões das regula-ridades de forma significativa. Bus¬ca resposta para organizar os siste-mas, para novas descobertas da numeração escrita.
12. NEMIROVSKY, Myriam. O Ensino da Linguagem escrita. Artmed, 2002
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Membro do Grupo de Pesquisa HISTEDBR
Luciana Cristina Salvatti Coutinho
Pedagoga pela Faculdade de Educação da Unicamp. Mestranda em Filosofia e História da Educação pela FE/Unicamp. Membro do grupo de estudos e pesquisas HISTEDBR.
O livro de Myriam Nemirovsky destina-se aos professores, principalmente àqueles que têm como tarefa a alfabetização das crianças nos primeiros anos de escolarização. A autora define alfabetização como a “[...] responsabilidade da escola de aprendizagem da leitura e da escrita durante todos e em cada um dos níveis e ciclos educativos.” (p.07) Ressalta, ainda, que se trata de um processo contínuo que não se encerra nos primeiros anos de escolarização.
1 Antes de começar: Que hipóteses fazem as crianças sobre o sistema da escrita?
Baseada em Emília Ferreira, a autora traça os três níveis pelos quais passam todas as crianças no seu processo de alfabetização, lembrando-nos que a idade cronológica não é o fator que determina o nível de sua escrita, mas as características apresentadas pela sua escrita.
Nos diferentes níveis são encontrados fatores quantitativos e qualitativos. Os quantitativos são: sem controle da quantidade de letras, com controle da quantidade de letras, hipótese silábica (cada letra representa uma sílaba), hipótese silábico-alfabética (uma letra para cada sílaba alternando com uma letra para cada som), hipótese alfabética (cada letra representa um som). Os aspectos qualitativos são: sem diferenciação no traçado (traços contínuos ou descontínuos), com diferenciação no traçado (grafias, semiletras, letras), com valor sonoro convencional. No processo de alfabetização pode ser que a criança se encontre num determinado estágio referente ao aspecto quantitativo e em outro no aspecto qualitativo.
Essa classificação parte do princípio de que, como afirma Nemirovsky “[...] existem níveis prévios ao uso do sistema convencional de escrita – não determinados pela forma nem pelo método de ensino...” (p.18).
No processo de alfabetização o professor tem um papel de suma importância: cabe a ele a função de elaborar e por em prática as situações didáticas que contribuam “[...] no âmbito da instituição escolar, para a aprendizagem do sistema de escrita mediante a produção e a interpretação de textos.” (p.17).
2 Como organizar o ensino da linguagem escrita? Uma proposta de planejamento.
Na década de 1970 iniciou-se um processo de alfabetização. Nessa revisão deslocou-se o objeto de ensino da ação educativa colocando a centralidade do processo educativo na criança como produtora de seu caminho. No final da década de 1980, incorporou-se ao trabalho pedagógico uma preocupação maior com o processo de alfabetização, principalmente com a linguagem escrita. É nesse contexto que a autora elabora uma proposta de planejamento para o ensino da linguagem escrita cujo conteúdo apresenta nesta obra.
Sua primeira questão foi determinar a finalidade do ensino da leitura e da escrita que, para ela, “[...] consiste em formar sujeitos que sejam capazes de produzir e interpretar textos, sendo progressivamente, ainda, melhores usuários do sistema de escrita convencional” (p.22).
A base, portanto, do trabalho pedagógico deve ser diferentes textos com funções diferenciadas. A autora utiliza dois critérios para selecionar esses textos: a maior incidência de circulação na comunidade da qual a escola faz parte e as possibilidades que apresentam para o trabalho didático. Após a seleção dos textos, procede-se à escolha das propriedades a serem trabalhadas, assim elencadas por Nemirovsky:
Propriedades do texto A que se refere
Função Qual a função do texto? Para que foi escrito?
Autor/autores Quem escreveu o texto? Quem é essa pessoa?
Público Potencial A quem se destina o texto? Qual seu leitor potencial?
Relações com a realidade O texto corresponde a fatos verídicos ou imaginários? Qual seu grau de relação com a realidade? É um texto científico? De ficção?
Extensão Qual o tamanho do texto? Breve, médio, mais longo?
Fórmulas fixas Como se inicia o texto? Qual o estilo (conto, carta, convite, etc.)?
Vocabulário Explorar a riqueza do vocabulário de cada texto.
Categorias gramaticais Quais categorias gramaticais se quer trabalhar? Em cada tipo de texto há uma incidência maior ou menor de categorias gramaticais.
Estrutura Qual a estrutura do texto?
Tipografia Quais os tipos de letras utilizadas? Quando é usada, no texto, um determinado tipo de letra?
Formato Qual a organização do texto no espaço gráfico?
Uso posterior da leitura Qual o destinado que é dado ao texto após sua leitura? Por quê?
Modo de leitura Qual o tipo de texto e por que o estamos lendo? Isso define as condições em que lemos.
Relação título-conteúdo Qual a relação entre o título do texto e seu conteúdo? O título tem dupla função: antecipar o conteúdo e chamar a atenção do leitor.
Relação imagem-texto Qual a relação da imagem com o texto? Para que se usa a imagem?
Suporte Onde é escrito determinado tipo de texto: tipo e tamanho da folha, encadernação, capa. Cada tipo de texto requer um suporte específico.
Tempos, modos ou formas verbais Quais os tempos, modos e formas verbais que predominam no texto?
Personagens Quem são os personagens do texto? Reais? Fictícios?
Temática Qual o tema central do texto?
Propriedades do sistema de escrita A que se refere
Diferença desenho-escrita Onde está a escrita? Onde está o desenho?
Propriedades qualitativas Quantas letras têm determinada palavra?
Propriedades quantitativas Quais letras têm determinada palavra?
Direcionalidade do sistema Direção da escrita: da esquerda para a direita, de cima para baixo.
Tipos de letra Imprensa ou cursiva; maiúscula ou minúscula.
Ortografia Priorizar, em cada produção, os aspectos ortográficos que pretende-se que o aluno melhore.
Pontuação Que pontuação usar? Quando? Por quê?
Separação entre palavras Refletir sobre os espaços vazios entre as palavras através da análise do texto.
Antes de se iniciar o trabalho acerca das propriedades do texto e do sistema de escrita deve-se considerar o tipo de texto escolhido e a etapa na qual se encontra a criança no processo de alfabetização.
Para planejar o trabalho didático Nemirovsky aponta quatro etapas: 1) Escolha do tipo de texto; 2) Definir as propriedades do texto que serão trabalhadas; 3) Escolher as propriedades do sistema de escrita que serão abordadas; 4) Elaborar a sequência didática com a previsão de atividades/situações a serem desenvolvidas. Situações pontuais, por exemplo, um fato social importante, envolvendo as situações planejadas, as imprevistas e situações de rotina devem ser consideradas para garantir um bom desenvolvimento do trabalho.
3 Quem participa da organização do ensino da linguagem escrita?
Para Nemirovsky, no processo de ler e escrever participam e interagem diferentes sujeitos envolvidos em contextos diversos.
O professor ocupa um papel de suma importância já que é ele “[...] que articula o trabalho educativo e coordena o processo de ensino” (p.47). Para a autora, a estratégia do professor alfabetizador deve partir de evidenciar seu próprio interesse pela leitura e pela escrita. Outra estratégia é o professor ler em voz alta, escolhendo textos que despertem interesse e emocione os alunos.
A interação entre os alunos é fundamental para a construção do conhecimento da leitura e da escrita, assim, a estratégia de trabalho em grupo é central. Mas, adverte a autora, o trabalho em grupo requer a atenção a quatro fatores na organização de atividades coletivas: 1) O professor deve organizar a constituição do grupo atentando para as necessidades, habilidades e dificuldades de cada; 2) Limitar o grupo em dois a três alunos para melhor desenvolvimento do trabalho; 3) Variar os critérios para selecionar os membros do grupo; 4) Para cada tarefa a ser desenvolvida constituir um novo grupo.
A interação entre alunos de turmas diferentes na escola também é uma experiência de trabalho em grupo que pode enriquecer o desenvolvimento da linguagem escrita. Nemirovsky descreve três sequências didáticas que ela vem desenvolvendo, com resultados positivos, quais sejam: trabalho com vocabulário, leitura em voz alta, escrita de ditado. Nesses grupos, os alunos maiores cumprem o papel de tutores e os menores de tutorandos.
A participação de outros membros da escola significa ampliar a participação de outros alunos e professores. Instrui-se os alunos para que comentem sobre o tema que estão desenvolvendo, peçam colaboração de materiais, leituras, dicas aos colegas de outras turmas. O professor, por sua vez, compartilhe com seus colegas o trabalho que está fazendo.
A participação das famílias dos alunos no processo de escolarização é fundamental. Reuniões entre pais e professores, regularmente, é uma estratégia positiva. Outra maneira de aproximar a família é abrindo horários específicos para que os familiares possam observar o trabalho realizado e, até mesmo, participarem de atividades, por exemplo, leitura de contos.
O último aspecto discutido neste capítulo é o da transcrição que significa a reescrita dos textos dos alunos que ainda não escrevem de acordo com as normais convencionais. Não são todos os textos das crianças que deverão ser transcritos, somente aqueles que serão compartilhados. Para a reescrita, se faz necessário observar determinados aspectos: a) Quem transcreve pode ser o próprio docente, um aluno que já usa convencionalmente a escrita ou algum familiar; b) A transcrição deve ser feita ao mesmo tempo em que a criança escreve, pois crianças muito pequenas não conseguem se lembrar, com clareza, o que escreveram; c) a transcrição pode ser na mesma folha em que o aluno redigiu seu texto e com o mesmo material ou escrever em outra folha e anexar à folha do aluno; ou ainda transcrever em uma folha transparente observando a mesma sequência e espaço utilizados pelas crianças.
Reconhece Nemirosvsky que não são em todos os lugares que se pode contar com a participação de todos os que estão, de alguma forma, envolvidos no processo de alfabetização das crianças. “Por isso, todos os professores que adotam esse enfoque em alfabetização devem ser reconhecidos por seu esforço e compromisso profissional” (p.76).
4 Com o que organizar o ensino da linguagem escrita?
Para uma concepção já superada de educação, os materiais didáticos são, em geral, aqueles que se utilizam estritamente no ambiente escolar e não guardam relação nenhuma com os objetos usados na vida social. Criticando essa idéia reduzida, Nemirovsky entende materiais didáticos como os “[...] objetos que são utilizados como apoio para ensinar, na medida em que possibilitam uma contribuição ao processo de aprendizagem” (p.79). Dentre essa variedade a autora destaca e discute três: materiais lúdicos, decorativos e impressos.
A respeito dos materiais lúdicos propõe que os jogos e os objetos utilizados na vida social sejam utilizados no processo pedagógico, nas escolas. Cabe ao professor analisar as propriedades de cada material e avaliar quais aspectos didáticos podem ser trabalhados.
Quanto à decoração que, em geral, é feita pelos docentes, Nemirovsky aconselha usar reproduções das obras de artistas, além de, em vários momentos, a própria produção dos alunos. Assim, o professor, por um lado, ganha tempo para desenvolver atividades relacionadas ao seu trabalho pedagógico e, por outro, possibilita aos alunos o contato com obras consagradas que lhe fornecerão o desenvolvimento mais aguçado da dimensão estética.
Referente aos materiais impressos a crítica da autora se dirige à perda de sentido da leitura e da escrita uma vez que se abstraem dos textos seus usos e funções sociais. Os textos, em sua maioria, são utilizados para responder algumas perguntas de interpretação ou de gramática. Desse modo, “durante a escolaridade, o aluno que utiliza esses materiais não assume a leitura de textos de forma verdadeira, nem sequer quando no livro escolar existem fragmentos de textos de uso social” (p.89). Para superar essa situação é sugerido que se utilizem materiais escritos de uso social: contos, receitas, enciclopédia, obras teatrais, anúncios publicitários, jornais, etc. Além disso, objetivando o aprendizado de que existe uma diversidade lingüística, é importante disponibilizar materiais escritos em diferentes línguas.
Encerrando, são discutidas duas idéias centrais: primeiro, a inserção, na escola, de materiais, livros, textos e práticas de uso social; segundo, “trata-se de fazer da escola uma instituição que represente os níveis mais altos de cultura, da arte, da tecnologia, da ciência, dos valores humanos.” (p.95).
5 Sequências Didáticas
Nemirovisky destaca que o que diferencia um projeto das outras propostas é o papel central que se atribui ao aluno em sua organização. A autora discorda tanto desta atribuição quanto do fato de caber ao aluno a função de estabelecer o projeto que vai ser trabalhado. Ela justifica afirmando que é o professor quem detêm os elementos necessários para definir o que será trabalhado em aula. Ainda que, supostamente, a origem de um projeto tenha sido a sala de aula o que leva à sua organização são a valorização e a relevância que o docente lhe atribui. Para a autora, o mais importante é discutir e analisar sobre o que e quais são os conteúdos de ensino a serem trabalhados. Em princípio, as temáticas sobre as quais os alunos trabalham fora da sala de aula não merecem constituir-se em conteúdos de ensino. O que se deve priorizar são as temáticas socialmente relevantes para sua participação na sociedade.
Nemirovisky alerta para a limitação dos temas caso leve-se em conta somente os assuntos sobre os quais os alunos manifestem interesse. O aluno pode interessar-se por temas que desconhece, dos quais não conceba sequer a existência? Partindo dessa perspectiva, a função do professor não é partir dos interesses dos alunos, mas gerar interesses neles.
Entendendo a seqüência didática como “organização do trabalho em sala de aula, mediante conjuntos de situações didáticas estruturadas e vinculadas entre si por sua coerência interna e sentido próprio, realizada em momentos sucessivos”, Nemirovisky afirma que planejá-la implica analisar seu andamento, fazer trocas, incorporar situações não previstas, modificar seu rumo. Porém, ressalta a autora, ao elaborá-la deve-se saber se a sequência será integradora ou globalizadora de diferentes áreas do conhecimento. Contudo, trata-se de não forçar situações para abarcar diferentes áreas do conhecimento em uma mesma sequência didática. É perfeitamente viável organizar sequências didáticas centradas em conteúdos de uma só área. Por outro lado, há casos nos quais a integração de conteúdos de ensino que correspondem a diferentes áreas do conhecimento pode ser pertinente. Contudo, se o objetivo da integração for promover a aprendizagem de conteúdos de diferentes áreas de conhecimento, é fundamental que as atividades desencadeiem múltiplas, rigorosas e sucessivas situações de análise, de comparação, de exploração, de verificação, de argumentação, acerca dos conteúdos que se quer ensinar. Resumindo, existem três possibilidades: 1) Seqüências didáticas centradas em aprendizagens de uma área do conhecimento. 2) Seqüências didáticas que podem integrar conteúdos de mais de uma área de conhecimento. 3) Seqüências didáticas centradas em determinada área do conhecimento que podem incluir uma fase em que se trabalham conteúdos de outra área do conhecimento.
Uma vez definida a forma e a temática da sequência didática, é imprescindível fazer um determinado recorte, estabelecendo certos limites que constituem o objeto de estudo. O critério básico para determinar o recorte pode ser: uma área de conhecimento, um tema específico ou uma tarefa em grupo. Sob essa perspectiva a autora apresenta nos capítulos 6 a 10 cinco exemplos de sequências didáticas.
6 Personagem Prototípico do Conto
A professora Carla trabalha com alunos de 3 a 4 anos. Seu objetivo foi fazer com que seus alunos avançassem na aprendizagem como bons ouvintes de contos. Para tanto ela partiu de algumas premissas: não permitia interrupções durante a leitura; não agregava explicações; sentavam-se cômoda e relaxadamente; atenuava a iluminação da sala; escolhia versões originais, de boa qualidade, com vocabulário realmente literário, bem estruturado – início, trama central e desenlace; presença de elementos fantásticos; não mostrava as imagens. Isto porque ela acreditava que o objetivo exclusivo da leitura de textos literários é o prazer. Inicialmente parecia. No entanto, ela foi incorporando, gradualmente, hábitos e promovendo mudanças que despertaram o interesse das crianças, além de impor algumas normas.
Quando todos estavam participando satisfatoriamente, Carla elaborou a sequência didática. Detectou o personagem de maior interesse das crianças: as fadas. Organizou a seqüência em três fases: 1ª) Leitura de contos com fadas. Comentários e análises desses personagens; 2ª) Escrita individual de contos nos quais apareçam fadas; 3ª) Edição de um livro de contos de fadas.
As atividades desenvolvidas foram: na primeira fase, leitura, seguindo suas premissas, e elaboração de um cartaz – o quadro das fadas – onde anotavam as características das fadas de cada conto. A segunda fase foi a da escrita dos contos. Como nenhum membro do grupo escrevia de maneira convencional – tinha desde uma escrita indiferenciada até escritas silábicas – a professora sentava-se junto a cada um para realizar a transcrição. Nesta fase a professora promoveu uma reflexão em relação ao tamanho das palavras, organizou um fichário com os nomes dos personagens, promoveu a leitura pelos autores e finalizou com a “reescrita” dos contos. À terceira fase coube a edição, a apresentação e o uso social do livro elaborado. A professora sabia que quanto mais relevante fosse essa fase, maior seria o entusiasmo com a proposta seguinte.
Análise da sequência didática: está centrada na linguagem escrita; o tipo de texto é o conto, com uma fase de trabalho sobre o sistema de numeração. Embora os alunos tivessem participado da elaboração de letreiros e cartazes isso não indica que tenham se constituído em objetos de reflexão e análise. Em relação aos contos, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, as personagens prototípicas, a estrutura e o suporte.
7 Reunião de Pais
A professora Marta trabalha com uma turma de cinco anos. Seu objetivo foi realizar a primeira reunião com os pais, a fim de informá-los sobre a modalidade de trabalho, trocar pontos de vista, estabelecer algumas formas de intervenção e abordar algum outro tema que ela e os alunos achassem conveniente.
Junto com seus a alunos planejou a reunião. Pediu opiniões sobre o que eles gostariam que fosse contado a seus familiares, tomou nota das propostas dos alunos, e assim delimitou os temas centrais, horário e data da reunião. O passo seguinte foi a elaboração dos convites, a partir de modelos que foram lidos e analisados. O modelo escolhido foi escrito na lousa, após debates e sugestões foi reelaborado e copiado pelos alunos. Nesta ocasião a professora aproveitou para promover uma reflexão sobre tipos de letra.
Agora tinham que organizar a reunião. Decidiram que fariam uma exposição dos trabalhos plásticos realizados pela turma. Depois de rever todos os trabalhos, listaram as técnicas que conheciam, escolheram e revisaram os trabalhos, montaram a exposição, organizaram o espaço, fixaram cartazes explicativos sobre as técnicas plásticas, decoraram o espaço e preparam o lanche que serviriam aos participantes.
Análise da sequência didática: trata-se de uma tarefa complexa realizada pelo grupo. Em relação à linguagem escrita, abordou o texto epistolar, especificamente o convite; em relação às artes plásticas obteve um avanço nas distintas técnicas conhecidas; ainda que tenham feito certos cálculos matemáticos estes não caracterizaram situações didáticas geradoras de avanços; em relação ao texto epistolar foram três as propriedades centrais: modo de leitura, estrutura e léxico.
8 O Fundo do Mar
A professora Lúcia trabalha com uma turma do ensino fundamental. Ao propor a eles um estudo sobre o fundo do mar percebeu que não tinham conhecimentos anteriores e nem curiosidade sobre o tema; porém, ela decidiu prosseguir. Organizou um cartaz com duas colunas – o que sabemos e o que queremos saber - e como não houvesse iniciativa dos alunos, ela mesma começou com algumas anotações. A professora assumiu esse papel porque acreditava que “o papel do professor não pode limitar-se ao de um mero transmissor de informação”, pois uma coisa é ser mero transmissor e outra é negar aos alunos as informações que não têm. Ela cuidou de despertar o interesse da turma que acabou se envolvendo e à medida que coletavam os materiais, surgiam mais perguntas e mais informações que eram agregadas ao quadro inicial.
Quando ambas as listas tinham cerca de dez anotações, Lucia organizou a turma em duplas e trios, cada qual encarregado de verificar uma informação e responder a uma pergunta. Revisaram, selecionaram e distribuíram os materiais que já possuíam. As dúvidas e questões eram levadas para o círculo de discussão comum. Para expor os trabalhos, revisaram e organizaram, também, textos publicitários. Durante a exposição o quadro inicial foi colocado para que todos pudessem agregar informações e perguntas nas colunas.
Análise da sequência didática: quanto à linguagem escrita o tipo de texto trabalhado foi o expositivo, com uma parcial aproximação com texto publicitário; com relação ao tema, destacou-se a existência da vida marinha; em relação ao texto expositivo, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, relação título/conteúdo como organizadores do texto; relação imagem/texto; e extensão dos textos.
9 Pintores
A professora Carmem trabalha em uma escola rural com alunos de 4 a 9 anos. Embora não tivesse nenhum conhecimento sobre os pintores consagrados, professora resolveu pôr em prática a proposta que fora apresentada em um seminário de formação docente. Considerando que o vínculo afetivo do docente com a temática é uma variável determinante, Carmem começou a buscar e revisar reproduções de obras de arte. Sentindo-se atraída por algumas obras de Pablo Picasso decidiu que trabalharia este pintor com seus alunos. Propôs o tema e durante as semanas seguintes desenvolveram dois tipos de atividades: reunir mais reproduções, além daquelas que ela havia levado; recolher e ler fragmentos de biografias sobre Picasso. Nas atividades de leitura a professora chamou a atenção para a freqüência de verbos e para o tempo verbal empregado nos textos. Trabalhou a estrutura das biografias,os sinais de pontuação, um fichário com o título das obras, reprodução das obras, sistema de medidas e proporção. Foram desenvolvidas diferentes atividades considerando a diferença de idade dos alunos. Finalizaram com uma exposição na qual os quadros pintados pelos alunos foram vendidos e o dinheiro arrecadado doado a uma ONG.
Análise da sequência didática: o tipo de texto trabalhado foi o biográfico; alunos avançaram em aspectos vinculados com a atividade plástica; aprenderam sobre um pintor consagrado; quanto à matemática houve avanços significativos referentes à reflexão sobre proporção e medição; com respeito às atividades de contar os cartões e colocar os preços nas reproduções, ambas foram excessivamente pontuais, sem um o rigor e a consistência necessários para considerá-los como aporte para o conhecimento; em relação ao texto biográfico, foram cinco as propriedades centrais: o suporte, a estrutura, variadas extensões, categorias gramaticais e tempos verbais.
10 Contos Clássicos
A professora Aline trabalha com alunos de 4 e 5 anos. Aproveitando-se do interesse de seus alunos pelos contos clássicos, a professora elaborou uma sequência didática acerca deste tema. Foram realizadas leituras de vários contos; às vezes essas leituras eram interrompidas e as crianças deveriam criar a continuação da história que no dia seguinte era comparada com a versão original. Foram feitas atividades envolvendo a análise dos títulos sem conhecer o conteúdo; leitura e análise do conto, sem conhecer o título; leitura e análise de diferentes versões de um mesmo conto estabelecendo-se quadros comparativos entre eles. Ao final dessas atividades os alunos escreveram o seu próprio conto que também foram lidos e comparados entre eles e com as versões “oficiais”. Trabalharam ainda a biografia dos diferentes autores de um mesmo conto e, no sistema de escrita, a separação das palavras e o uso de letras iniciais maiúsculas.
Análise da sequência didática: o a seqüência se sentou exclusivamente na linguagem escrita, o tipo de texto trabalhado foi o conto clássico; em relação ao conto, foram três as propriedades centrais: modo de leitura, autor e relação imagem/texto.
11 Sobre as Sequências Didáticas Apresentadas
A função dos diferentes tipos de texto é trabalhada nas cinco sequências didáticas, pois cada tipo de texto se lê e se escreve na escola com a mesma função que tem no uso social. No entanto, em certas ocasiões, podem-se complementar com momentos didáticos específicos. Também nas cinco sequências didáticas, propicia-se o avanço dos alunos em relação ao sistema de escrita.
A inclusão das cinco propostas tem por objetivo oferecer um panorama mais amplo para a análise, colocando em evidência as sustentações teóricas dessa proposta de alfabetização. Também objetiva oferecer modelos ao professor que encontra dificuldades para projetar seu trabalho e às vezes tem de escolher propostas já elaboradas para, progressivamente, ir avançando na elaboração de suas próprias sequência didáticas.
A escolha do conto como eixo articulador em duas sequências deve-se a que esse é um tipo de texto muito usado nas salas de aula. O elemento inovador consiste na maneira de aproveitar o conto na tarefa de alfabetização.
Concluindo, afirma Nemirovsky, cabe ao professor indagar sobre as opções com uma autêntica atitude reflexiva e comprometida, pois é no conjunto dessas ações que o trabalho docente torna-se um espaço de crescimento profissional e pessoal.
13. SCHNEUWLY, Bernard. Palavra e ficcionalização: Um caminho para o ensino da linguagem oral. In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas(SP): Mercado de Letras; 2004.
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga pela UFMS, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP; membro integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas HISTEDBR. cardosoangelica@terra.com.br
A tese defendida por Schneuwly é de que o ensino do oral na escola, em língua materna, pode se dar segundo um caminho que implica a construção de uma relação nova com a linguagem. Nesse sentido, a linguagem se insere num enfoque mais geral, conforme resume Vygotsky: “o aluno tem acesso a um nível superior da linguagem, reorganizando, por isso mesmo, seu funcionamento psíquico superior”. Desenvolver essa linha de pensamento passa pelas seguintes questões: as representações habituais do oral e de seu ensino; a concepção de oralidade; as finalidades do ensino da língua materna; uma nova concepção de desenvolvimento; e uma visão dialética do desenvolvimento da linguagem.
Algumas concepções usuais sobre o oral e seu ensino
A partir de entrevistas com professores-estudantes de Ciências da Educação sobre a concepção do oral, o autor organizou as respostas em três grupos: a) o oral como materialidade; b) o oral como espontaneidade; c) o oral como norma. A análise destas entrevistas revelou o que é o oral para os professores. Conforme Schneuwly, há uma complexa sedimentação da história do ensino do francês, apontando para uma visão de língua como norma, para a dependência do oral em relação à norma escrita, mas também é visto como lugar privilegiado da espontaneidade e da liberação. Poder-se-ia dizer que o oral é, por um lado, aquele em que o aluno se exprime espontaneamente, no qual não existe escrita, por outro lado, o oral cotidiano através do qual se comunicam professores e alunos. Para o autor, nem um nem outro parece suscetíveis de se tornarem objetos de ensino: o oral puro escapa de qualquer intervenção sistemática; aprende-se naturalmente, na própria situação. O oral que se aprende é o oral da escrita.
Abordagens do ensino que decorrem da concepção usual de oral
Dada a idealização da escrita como forma perfeita da língua, a fala só pode ser concebida de duas formas: seja como tendente necessariamente à forma ideal, fundindo oral e escrita; seja como fundamentalmente diferente da escrita em sua forma e sua função. Nos dois casos, o oral é concebido como um todo homogêneo que se confunde com a escrita ou se opõem a ela. Vejamos algumas dessas abordagens:
A primeira, o desenvolvimento do francês oral elevado propõe-se a melhorar globalmente a linguagem dos alunos, levando-os a um falar elevado. O conteúdo lingüístico dessa abordagem comporta “um conjunto de variantes elevadas, de ordem fonológica e morfológica”. Esse procedimento arrisca-se a levar a um movimento “supernormalizante”.
A segunda abordagem enfoca a expressão oral como uma oportunidade de expressão de si. Essa abordagem, além de não definir objetivos pedagógicos e didáticos, apresenta dois outros aspectos problemáticos: a dimensão comunicativa da expressão oral e a inclusão expressa de conteúdos que são do domínio da esfera estritamente privada, introduzindo assim uma confusão quanto ao papel da escola.
Partir das finalidades do ensino de língua materna: qual concepção do oral?
Considerando que aprender uma língua é aprender a comunicar, o autor traça a finalidade do ensino da língua a partir dos seguintes princípios: levar os alunos a conhecer e dominar sua língua; desenvolver, nos alunos, uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento linguístico, oferecendo-lhes instrumentos para melhorar suas capacidades de escrever e de falar; construir, com eles, uma representação das atividades de escrita e de fala, em situações complexas, como produto de um trabalho de lenta elaboração.
Isso implica uma concepção mais rica e complexa do oral e uma relação mais dialética entre oral e escrita. Não existe o oral, mas os orais, em múltiplas formas, que entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: exposição oral, teatro, leitura, debates, conversação cotidiana. Existem práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão pelo uso da palavra, mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar.
De modo geral, as capacidades que operam no comportamento verbal não podem ser respondidas, pois, não há capacidades orais independentes das situações e das condições de comunicação em que se atualizam. É preciso, portanto, escolher uma entrada mais precisa, um ponto de vista que, há um só tempo, torne possíveis o enfoque e a descrição de objetos e permita a intervenção didática.
A entrada que o autor privilegiou foi a dos gêneros textuais, pois são, a um só tempo, complexos e heterogêneos produtos sócio-históricos, definidos empiricamente, além de serem instrumentos semióticos para a ação de linguagem.
Definir os gêneros textuais consiste em encará-los como instrumentos culturalmente forjados. Psicologicamente, um instrumento tem duas dimensões: por um lado, ele é um artefato material ou simbólico que materializa a finalidade a que serve, e, por outro, constitui um esquema de uso que contém a possibilidade de agir numa situação.
Conforme Bakhtin, podem-se definir três dimensões que formam a identidade de um gênero: o que é dizível por meio dele (conteúdo temático), a forma de organização do dito (a estrutura composicional) e os meios linguísticos que operam para dizê-lo (o estilo).
O gênero desempenha o papel de interface entre os interlocutores: ele é um instrumento de comunicação, à medida que define, para o enunciador, o que é dizível e a forma de dizê-lo e, para o destinatário, o “horizonte de expectativas”.
Sendo assim, o autor define o que constitui o objeto do desenvolvimento de linguagem: é saber falar, não importa em que língua, é dominar os gêneros que nela emergiram historicamente, dos mais simples aos mais complexos.
Outros pontos de vista poderiam ter sido adotados: operações comunicativas, atos de fala, etnometodologias, tipos de discurso. De certa maneira, eles se implicam mutuamente: uma etnometodologia, por exemplo, está constituída por atos de fala, eles próprios fundados por operações comunicativa; ao mesmo tempo, as etnometodologias inscrevem-se nos gêneros textuais.
Não há nenhuma dimensão de linguagem que permitiria definir de maneira uniforme o oral em relação à escrita. O oral não existe; existem os orais, atividades de linguagem realizadas oralmente, gêneros que se praticam essencialmente na oralidade. Os meios linguísticos diferem fundamentalmente; as estruturas sintáticas e textuais são diferentes; a utilização da voz também se faz de maneira diversa; e igualmente a relação com a escrita é, em cada situação, específica. Trabalhar os orais pode dar acesso ao aluno a uma gama de atividades de linguagem e, assim, desenvolver capacidades de linguagem diversas.
Questões de desenvolvimento
Nos anos de 1970, no Quebec e na Bélgica, experimentou-se uma abordagem que tentou desenvolver as capacidades orais, criando situações de comunicação diversificadas e variando sistematicamente os parâmetros contextuais, instaurando, assim, restrições às quais os alunos deveriam adaptar-se, desenvolvendo novas estratégias comunicativas. As situações propostas exigem a operação de estratégias, mas sem que seja proposto um trabalho sistemático, visando instrumentalizar os alunos para o domínio dessas situações. Essa abordagem comunicativa estrita sustenta que situações comunicativas reais e variadas são suficientes para desenvolver as habilidades.
Outra forma de abordar a discussão sobre o desenvolvimento é estendendo para a reflexão sobre a aquisição, desenvolvimento e aprendizagem, em particular, sobre o que é o objeto da aquisição, do desenvolvimento, da aprendizagem: trata-se unicamente de automatismos da linguagem? Ou também da relação que estabelecemos com nossa língua e com a linguagem em geral?
Referindo-se a Vygotsky que coloca a educação e, particularmente, o ensino como um desenvolvimento artificial do ser humano, o autor considera que a forma escolar de intervenção educativa é uma condição necessária para o aparecimento de certas formas cognitivas complexas, ligadas a técnicas culturais particularmente elaboradas e cujo acesso implica lugares sociais particulares de aprendizagem. Esta tese considera que o desenvolvimento é restringido por seu resultado; já é pré-programado, não pelo interior, mas pelo exterior. Contudo, essa forma não define inteiramente o desenvolvimento, mas o coloca sob uma tensão que não pode ser definida a partir do próprio desenvolvimento – automovimento – mas por uma interação entre esse desenvolvimento e a forma à qual ele se dirige.
Uma outra maneira de pensar o desenvolvimento parte da premissa de que toda a capacidade humana é construída pela apropriação de instrumentos semióticos. O sujeito que age sobre o mundo com a ajuda de instrumentos que são ferramentas psicológicas ou semióticas constrói novas funções psíquicas concebidas como transformações dos próprios processos psíquicos pela integração desses novos instrumentos. Por essa concepção, o contexto, a intervenção educativa e o ensino não podem ser meramente concebidos como “alimentação”. A intervenção educativa dá uma forma particular ao desenvolvimento porque coloca à disposição, em termos de instrumentalização do desenvolvimento da criança, instrumentos semióticos que lhe permitem construir e reconstruir suas próprias funções psíquicas. Esse tipo de abordagem é considerado como interacionismo social e instrumental (semiótico).
Para Schneuwly é certo que aprendizagem em meio escolar participa grandemente da apropriação de uma cultura de comunicação. Assim, o objeto do desenvolvimento só pode ser múltiplo, heterogêneo e, sobretudo, complexo.
O desenvolvimento e o ensino da linguagem oral: a necessidade de ficcionalização
A tradição escolar é pouco desenvolvida no ensino do oral e os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral na idade escolar são muito limitados.
Vygotsky descreveu o papel da escola como sendo o de elevar os alunos do diálogo “natural” ao monólogo “artificial”; trata-se de levar os alunos das formas de produção oral auto-reguladas, cotidianas e imediatas a outras mais definidas do exterior, mais formais e mediatas. É precisamente a escola que produz e pressupõe, para seu funcionamento, modos de comunicação mais fortemente formalizados e convencionalizados, o que não exclui a continuação paralela dos outros modos cotidianos.
As formas cotidianas de produção oral funcionam, principalmente, na forma de reação imediata à palavra dos outros interlocutores presentes; portanto, a gestão da palavra é coletiva; a palavra do outro constitui o ponto de partida da palavra própria. Ainda que inscrita numa situação de imediatez, pelo fato de que a produção oral se dá em presença de outros, as formas institucionais do oral implicam outros modos de gestão que são essencialmente individuais. Essas palavras podem ser integradas de uma forma enunciativa explícita no discurso próprio; a estrutura do discurso é o resultado de uma intensa ação recíproca entre gestão local e gestão mais global do discurso. Isso pressupõe o domínio de instrumentos semióticos complexos, que podem ser aqueles das formas cotidianas, mas utilizados de outra maneira, ou podem ser específicos, ligados às formas institucionais de comunicação oral.
Para o autor, toda atividade de linguagem complexa supõe uma ficcionalização, uma representação puramente interna, cognitiva, da situação de interação social. A modelização dessa representação isola quatro parâmetros da produção: enunciador, destinatário, finalidade ou objetivo e lugar social. A construção dessa representação é uma atividade produtiva cujos efeitos refletem-se na produção, manifestados pelo tratamento inerente à língua. A ficcionalização revela-se, então, como uma geradora da “forma do conteúdo” do texto: ela é o motor da construção da base tipo de orientação da produção, colocando certas restrições sobre a escolha do gênero discursivo.
As formas institucionais implicam sempre uma parte de ficcionalização, à medida que os parâmetros contextuais não estão dados pela situação imediata, mas pré-definidos institucionalmente e materializadas no próprio gênero. O enunciador, o destinatário, lugar social são parcialmente instâncias físicas e sociais da produção e da recepção imediatas e devem ser ficcionalizados para aparecer no texto produzido, em forma de traços diversos. Essa palavra fortemente definida e regulada do exterior permite e pede uma intervenção didática, portanto, é sobre ela que deve incidir prioritariamente o ensino do oral. Nesse sentido, o trabalho sobre a ficcionalização parece constituir uma dimensão essencial do trabalho sobre o oral.
Concluindo, o autor afirma que há ficcionalização nos gêneros complexos a serem trabalhados em sala de aula. A particularidade do oral em relação à escrita reside no fato de que essa ficcionalização deve se articular com uma representação do aqui e agora, gerenciada simultaneamente, graças aos meios de linguagem que são o gesto, a mímica, a corporalidade, a prosódia. Palavra e ficcionalização constituem os dois vetores a partir dos quais se constroem as novas capacidades de linguagem oral. O fato de que essa construção não pode se dar sem uma intervenção da escrita mostra o poder desse instrumento e prova que é necessário que se forje uma concepção dialética dos diferentes aspectos do ensino da língua materna.
14.SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade de Campinas, 6. ed., 1993.
Alguns pontos de partida
A alfabetização tem se revelado uma das questões sociais mais fundamentais em virtude de suas implicações político-econômicas e por ser ao mesmo tempo instrumento e veículo de uma política educacional que ultrapassa em muito o espaço meramente acadêmico e escolar. A ideologia da ‘democratização do ensino’ produz a ilusão de um maior número de alfabetizados no menor tempo possível. Ocorre que no processo da produção do ensino em massa as práticas pedagógicas aplicadas não apenas discriminam e excluem, como emudecem e calam.
Durante as décadas de 1960 e 1970, o Estado brasileiro difundiu e implementou a idéia da educação compensatória que, confundindo propositadamente ‘diferença’ com ‘deficiência’, criou e, de certa forma, consolidou inúmeros mitos com relação ao fracasso escolar: do mito da incapacidade da criança começou o surgir o mito da incompetência do professor.
Para ‘compensar’ esta nova ‘deficiência’ era necessário implementar os cursos de treinamento e os manuais didáticos para o professor malformado, mal-informado e desatualizado. “Numa surda situação de simulacro” – como escreve Smolka (1993, p. 16) – “em que os professores desconfiam das crianças e dos pais; os pais não confiam nos próprios filhos nem nos professores; as crianças aprendem a não confiar em si mesmas nem nos adultos, as relações interpessoais vão sendo camufladas, interrompidas e ninguém parece questionar as condições ou duvidar dos métodos” – enquanto que a escola se manteve a mesma e o problema da evasão sem solução.
Segundo Smolka, a escola que se mostrou deficiente em sua tarefa pedagógica de alfabetizar, passou a apontar cada vez mais uma série de ‘patologias’ nas crianças: dislexias, problemas psicomotores, foniátricos, neurológicos; o desinteresse total, a apatia, a falta de motivação, isto é, começam a ‘surgir’ nas crianças problemas que não, necessariamentes, elas os têm.
No começo da década de 1980, os pesquisadores brasileiros começam a ter acesso aos primeiros resultados do estudo de Emília Ferreiro sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares argentinas e mexicanas, indagando os métodos de alfabetização existentes. É a partir deste trabalho que Smolka desenvolveu sua pesquisa sobre os processos de aquisição da escrita nas crianças, cujos resultados este livro apresenta.
O que de fato se comprovou, segundo Smolka, foi a indiscutível influência das condições de vida das crianças no processo de elaboração e construção do conhecimento do mundo. E, nestas condições, o importante papel que desempenha a presença ou a ausência de adultos ou pessoas mais experientes, como interlocutores e informantes das crianças.
Salas de aula, relações de ensino
Entendendo que a alfabetização implica leitura e escritura como momentos discursivos, uma vez que o próprio processo de aquisição também vai se dando numa sucessão de momentos discursivos, de interlocução, de interação, Smolka discute neste segundo capítulo alguns parâmetros ou pontos de apoio para a análise que busca fazer em sua pesquisa. E vai buscá-los na Teoria da Enunciação e na Análise do Discurso.
A Teoria da Enunciação, extraída da obra de Bakhtin, aponta para a consideração do fenômeno social da interação verbal nas suas formas orais e escritas, procurando situar essas formas em ligação às condições concretas da vida, levando em consideração o processo de evolução da língua, isto é, sua elaboração e transformação sócio-histórica.
As referências para a Análise do Discurso, Smoka encontra em Orlandi e Pêcheaux. Enquanto para Orlandi o discurso pedagógico considera a função de ensinar do ponto de vista da escola e do professor: quem/ ensina/ o que/ para quem/ onde; Pêcheaux argumenta que todo processo discursivo supõe, da parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, isto é, sua habilidade de imaginar, de pensar onde seu ouvinte o enquadra, e que esta antecipação de ‘o que o outro vai pensar’ do lugar em que ele se representa como tal parece constitutiva de todo discurso.
Ambos os casos apontam para a ilusão em que vivem os professores que assumem a tarefa, a eles atribuída pela sociedade, de ensinar. Ou seja, da forma como tem sido vista na escola, a tarefa de ensinar adquiriu algumas características (é linear, unilateral, estática) porque, do lugar em que o professor se posiciona (e é posicionado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; acredita que o possui (é levado a acreditar) e que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. Desse modo, o professor monopoliza o espaço da sala de aula: seu discurso pré-domina e se impõe. Daí sucede que o estatuto do conhecimento passa pela escolarização, o que significa dizer que quem não vai à escola não possui conhecimentos.
A ilusão ao qual o professor está submetido decorre da não-consideração de vários aspectos cruciais no processo de convivência, interação e relação com os alunos, pais, colegas de trabalho, funcionários, superiores, no cotidiano da escola. Nesse lugar, o(a) professora(a) ocupa uma posição de responsável pelo processo de alfabetização e assume a tarefa de ensinar crianças a ler e a escrever. Nesse mesmo lugar, as crianças ocupam uma posição de alunos, e assumem a tarefa de aprender a ler e a escrever. Isto parece claro e evidente, portanto, não se questiona.
Smolka dá como exemplo uma situação em que a professora escreve na lousa e propõe às crianças um exercício como o descrito, percebe-se que ela está desempenhando o papel a ela atribuído e imagina-se que assim esteja alfabetizando as crianças. Mas, pelos comentários da professora desta situação-exemplo verifica-se que as crianças não corresponderam às suas expectativas, isto é, não entendem o que devem fazer, nem executam a tarefa dada conforme era esperado. Isto indica que as ‘pressuposições’ não se confirmam, indica que existe algo nesta situação que não está sendo revelado, que é preciso procurar as ‘pistas’ que geralmente passam despercebidas e são tidas como irrelevantes nas análises das relações de ensino. A professora que sabe qual é a sua função dentro da sala de aula ensina crianças que ainda não desempenham seu papel dentro da sala de aula conforme o esperado. Isso gera na professora um sentimento de incapacidade, incompetência e fracasso que ela acaba por transferir para as crianças. Ou seja, como a tarefa suplanta ou apaga a relação de ensino, evidencia-se, então a luta de poder. Como elas não conseguem realizar as expectativas da professora, supõe-se e conclui-se que as crianças têm problemas; que elas são incapazes; que elas não prestam atenção e não tem os pré-requisitos desenvolvidos; o que significa dizer que não podem ser alfabetizadas. Essas conclusões e suposições, que na realidade se caracterizam como pressuposições, transformam-se em preconceitos. E é isso, segundo Smolka, que tem permeado, implicitamente, as relações de ensino.
Discutindo pontos de vista
Dentro desta perspectiva apontada no capítulo anterior, as falhas ou os erros estão sempre nas crianças e nunca nos procedimentos utilizados pela escola, que são sempre ‘cientificamente’ comprovados e legitimados. Entretanto, uma análise feita sob outra perspectiva pode nos apontar, entre outras coisas, que o que está subterrâneo nas práticas adotadas nas escolas pelos professores são concepções de aprendizagem e de linguagem que não levam em consideração o processo de construção, interação e interlocução das crianças, nem as necessidades e as atuais condições de vida das crianças fora do ambiente escolar e, por isso mesmo, podem ser consideradas historicamente ultrapassadas.
Como em inúmeras outras situações do contexto escolar, os movimentos de interação entre as crianças e entre as crianças e o professor são cerceados por questões disciplinares: o silêncio em sala de aula, por exemplo. Dessa forma, a alfabetização na escola fica reduzida a um processo, individualista e solitário, que pouco tem a ver com as experiências de vida e de linguagem das crianças. Nesse sentido, é estéril e estática, porque baseada na repetição, na reprodução, na manutenção do status quo. Configura-se assim um tipo de sujeito que não precisa perguntar, que não precisa da ajuda dos outros para aprender.
De um ponto de vista construtivista, essa situação escolar se colocaria como insustentável uma vez que não considera o ponto de vista da criança que aprende, não leva em consideração os processos de elaboração do conhecimento sobre a escrita. Para compreender esta questão, Smolka se ampara na pesquisa de Ferreiro & Teberosky que partem do pressuposto de que a criança é um sujeito ativo e conhecedor, as autoras indicam a importância de se compreender a lógica interna das progressões das noções infantis sobre a escrita, mostrando que as crianças exigem de si mesmas uma coerência rigorosa no processo de construção do conhecimento. Nesse processo, as autoras mostram a importância do erro como fundamentalmente construtivo na superação de contradições e conflitos conceituais, explicitando, numa progressão, etapas e hipóteses que as crianças levantam sobre a escrita: em outras palavras, o processo de aprendizagem não é conduzido pelo professor, mas pela criança.
Porém como alerta Smolka, as análises de Ferreiro e Teberosky não podem dar conta, em termos político-pedagógicos, do fracasso da alfabetização escolar. Elas mostram mais um fator que precisa ser conhecido e observado no processo de alfabetização que são o significado e a importância das interações, mas não resolvem nem pretendem resolver o problema. No entanto, os estudos destas autoras acabou sendo incorporado pelas redes de ensino sem à devida adaptação à realidade educacional brasileira, o que faz com que alguns conceitos provenientes da educação compensatória sejam, agora, substituídos pelo linguajar construtivista, novamente culpabilizando a criança pela não-aprendizagem, pela não-compreensão.
O que acontece de fato, mas que permanece implícito, é que o ensino da escrita, cristalizando a linguagem e neutralizando (e ocultando) as diferenças, provoca um conflito fundamentalmente social. Porque não se ‘ensina’ simplesmente a ‘ler’ e ‘escrever’, aprende-se a usar ‘uma’ forma de linguagem, ‘uma’ forma de interação verbal, ‘uma’ atividade, ‘um’ trabalho simbólico: em outras palavras, o processo de elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a escrita, que primeiramente passa pela linguagem falada, fica comprometido porque a escrita apresentada na escola está longe da linguagem falada pelas crianças.
A emergência do discurso na escrita inicial
Neste capítulo, a autora discute que a alfabetização não significa apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e frases. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Enquanto que a escola parece ocupada em ensinar as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e frases feitas, isto é, não trabalha com as crianças o ‘fluir do significado’, a estruturação deliberada do discurso interior pela escritura. Essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que escrevo e por que?
Segundo Smolka, quando as crianças escrevem palavras soltas ou ditadas pelos professores, a característica da escritura é uma, e identifica-se, mais facilmente, a correspondência entre a dimensão sonora e a extensão gráfica. Mas quando as crianças começam a escrever o que pensam, o que querem dizer, contar, narrar, elas escrevem porções, fragmentos do ‘discurso interior’ (que é sempre diálogo consigo mesmo ou com outros).
Em termos pedagógicos, então, o que se faz relevante aqui é o fato de que, quando se permite as crianças falarem e se relacionarem em sala de aula, questões vitais para elas vêm à tona e se tornam ‘matéria-prima’ do processo de alfabetização. Nessas conversas, concepções, pressuposições e valores se revelam. Assim, o texto de cada criança não repete ou reproduz o texto coletivo, mas permite que se inaugure novos momentos de interlocução, de acordo com o que pareceu mais importante e relevante para cada uma, pelo que cada uma disse ou deixou de dizer. São os modos de perceber, de sentir, de viver, de conviver, de conhecer e de pensar o mundo que as crianças passam a expressar. A escrita começa a se tornar uma forma de interação consigo mesma e com os outros, uma forma de ‘dizer’ as coisas. Com todas as hesitações, trocas e tentativas ortográficas, a criança passa a escrever o que ela quer ou precisa dizer. Entretanto, a função da escritura ‘para outro’ e a presença de interlocutores também provocam uma tensão: no esforço de explicação do discurso interior, abreviado, sincrético, povoado de imagens – é nesse trabalho de explicitação das idéias por escrito para o outro que as crianças vão experimentando e aprendendo as normas de convenção porque é justamente da leitura do outro, da leitura que o outro faz (ou consegue fazer) do meu texto, daquilo que eu escrevo no meu texto, do distanciamento que eu tomo da minha escrita, que eu me organizo e apuro esta possibilidade de linguagem, esta forma de dizer pela escritura.
Aqui, novamente, se apresenta a questão dos procedimentos de ensino da leitura e da escrita na escola: a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e frases pela escritura; tem ensinado as crianças a ler um sentido supostamente unívoco e literal das palavras e dos textos e tem banido (reprovado) aqueles que não conseguem aprender o que ela ensina, culpando-os pela incapacidade de entendimento e de compreensão. O que a escola não percebe é que a incompreensão não é resultado de uma incapacidade do indivíduo, mas de uma forma de interação.
15. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.
O objetivo desse livro é ajudar educadores e profissionais a promover a utilização de estratégias de leitura que permitam interpretar e compreender os textos escritos.
Capítulo 1 - O desafio da Leitura
A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto para satisfazer um propósito ou finalidade. Lemos para algo: devanear, preencher um momento de lazer, seguir uma pauta para realizar uma atividade, entre outras coisas.
Para compreender o texto leitor utiliza seus conhecimento de mundo e os conhecimentos do texto.
Controlar a própria leitura e regulá-la, implica ter um objetivo para ela, assim como poder gerar hipóteses sobre o conteúdo que se lê. Por isso a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam a construção de uma interpretação.
Na leitura de um texto encontramos, inicialmente o título, subtítulo, negrito, itálico, esquema. Isso pode ser utilizado como recursos para prever qual será o assunto do texto, por exemplo.
Esses indicadores servem para ativar o conhecimento prévio e serão úteis quando se precisar extrair as idéias centrais.
O que foi apresentado até agora pode dar pistas de como as práticas pedagógicas podem organizar situações de ensino e aprendizagem que tragam em si essas análises.
A leitura na escola
Um dos objetivos mais importante das escola é fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente. Essa aquisição da leitura é indispensável para agir com autonomia nas sociedades letradas.
Pesquisas realizadas apontam que a leitura não é utilizada tanto quanto deveria, isto é, não lemos o bastante.
Uma questão que se coloca é a seguinte: será que os professores e a escola têm clareza do que é ler?
A leitura, um objeto de conhecimento
No Ensino Fundamental a leitura e a escrita aparecem como objetivos prioritários. Acredita-se que ao final dessa etapa os alunos possam ler textos de forma autônoma e utilizar os recursos ao seu alcance para referir as dificuldades dessa área.
O que se vê nas escolas, no ensino inicial da leitura, são esforços para iniciar os pequenos nos segredos do código a partir de diversas abordagens. Poucas vezes considera-se que essa etapa tem início antes da escolaridade obrigatória.
O trabalho de leitura costuma a se restringir a ler o texto e responder algumas perguntas relacionadas a ele como: seus personagens, localidades, o que mais gostou, o que não gostou, etc. isso revela que o foco está no resultado da leitura e não em seu processo.
Percebe-se que as práticas escolares dão maior ênfase no domínio das habilidades de decodificação.
Capítulo 2 - Ler, compreender e aprender
É fundamental que ao ler, o leitor se proponha a alcançar determinados para determinar tanto as estratégias responsáveis pela compreensão, quanto o controle que, de forma inconsciente, vai exercendo sobre ela, à medida que lê. O controle da compreensão é um requisito essencial para ler de forma eficaz.
Para que o leitor se envolva na atividade leitura é necessário que esta seja significativa. É necessário que sinta que é capaz de ler e de compreender o texto que tem em mãos. Só será motivadora, se o conteúdo estiver ligado aos interesses do leitor e, naturalmente, se a tarefa em si corresponde a um objetivo.
Como isso pode ser transferido para a sala de aula: sabe-se que na diversidade da classe torna-se muito difícil contentar o interesse de todas as crianças com relação à leitura, portanto, é papel do professor criar o interesse.
Uma forma possível de propiciar esse interesse é possibilitar o a diferentes suportes para a leitura, que sejam e incentivem atitudes de interesse e cuidado nos leitores.
Ao professor cabe o cuidado de analisar o conteúdo que veiculam.
Compreensão leitora e aprendizagem significativa
A leitura nos aproxima da cultura. Por isso um dos objetivos da leitura é ler para aprender.
Quando um leitor compreende o que lê, está aprendendo e coloca em funcionamento uma série de estratégias cuja função é assegurar esse objetivo.
Isso nos remete a mais um objetivo fundamental da escola: ensinar a usar a leitura como instrumento de aprendizagem.
Devemos questionar a crença de que, quando uma criança aprende a ler, já pode ler de tudo e também pode ler para aprender. Se a ensinarmos a ler compreensivamente e a aprender a partir da leitura, estamos fazendo com que aprenda a aprender.
Capítulo 3 - O ensino da leitura
Vamos apontar nesse capítulo a idéia errônea que consiste em considerar que a linguagem escrita requer uma instrução e a linguagem oral não a requer.
Código, consciência metalingüística e leitura
Devemos considerar como fundamental a leitura realizada por outros (família, amigos, pessoas) por familiarizar a criança com a estrutura do texto escrito e com sua linguagem.
Na escola ao se deparar com a linguagem escrita, a crianças, em muitos casos se encontra diante de algo conhecido, sobre o que já aprendeu várias coisas. O fundamental é que o escrito transmite uma mensagem, uma informação, e que a leitura capacita para ter acesso a essa linguagem. Na aquisição deste conhecimento, as experiências de leitura da criança no seio da família desempenham uma função importantíssima. Para além da existência de um ambiente em que se promova o uso dos livros e da disposição dos pais a adquiri-los e a ler, o fato de lerem para seus filhos relatos e histórias e a conversa posterior em torno dos mesmos parecem ter uma influência decisiva no desenvolvimento posterior destes com a leitura.
Assim, o conhecimento que a criança tem das palavras e suas características aumentará consideravelmente quando ela começar a manejar o impresso.
O trabalho que se deve realizar com as crianças é mostrá-las que ler é divertido, que escrever é apaixonante, que ela pode fazê-lo. Precisamos instigá-las a fazer parte desse mundo maravilhoso e cheio de significados.
O ensino inicial da leitura
Na escola, as atividades voltadas para o ensino inicial da leitura devem garantir a interação significativa e funcional da criança com a língua escrita, como um meio de construir os conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas de sua aprendizagem.
Para isso é fundamental trazer para a sala de aula, como ponto de partida, os conhecimentos que as crianças já possuem e a partir de suas idéias, ampliar suas significações.
A leitura e a escrita são procedimentos e devem ser trabalhados como tal em sala de aula.
Um aspecto importante que precisa ser garantido é o acesso a diferentes materiais escritos para as crianças: jornais, revistas, gibis, livros, rimas, poemas, HQ, e gêneros diversos.
Capítulo 4 - O ensino de estratégias de compreensão leitora
Já tratamos no capítulo anterior que os procedimentos precisam ser ensinados. Se estratégias de leitura são procedimentos, então é preciso ensinar estratégias para a compreensão dos textos: não como técnicas precisas, receitas infalíveis ou habilidades específicas, mas como estratégias de compreensão leitora que envolvem a presença de objetivos, planejamento das ações, e sua avaliação.
Estas estratégias são as responsáveis pela construção de uma interpretação para o texto. E uma construção feita de forma autônoma.
Que estratégias vamos ensinar? O papel das estratégias na leitura
São aquelas que permitem ao aluno planejar sua tarefa de modo geral. Perguntas que o leitor deve se fazer para compreender o texto:
1. Compreender os propósitos implícitos e explícitos da leitura. Que/Por que/Para que tenho que ler?
2. Ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios relevantes para o conteúdo em questão. Que sei sobre o conteúdo do texto?
3. Dirigir a atenção ao fundamental, em detrimento do que pode parecer mais trivial.
4. Avaliar a consistência interna do conteúdo expressado pelo texto e sua compatibilidade com o conhecimento prévio e com o “sentido comum”. Este texto tem sentido?
5. Comprovar continuamente se a compreensão ocorre mediante a revisão e a recapitulação periódica e a auto-interrogação. Qual é a idéia fundamental que extraio daqui.
6. Elaborar e provar inferências de diversos tipos, como interpretações, hipóteses e previsões e conclusões. Qual poderá ser o final deste romance?
Um conjunto de propostas para o ensino de estratégias de compreensão leitora pode ser considerado segundo BAUMANN (1985;1990) nos processos:
1. Introdução. Explica-se aos alunos os objetivos daquilo que será trabalhado e a forma em que eles serão úteis para a leitura.
2. Exemplo. Exemplifica-se a estratégia a ser trabalhada mediante um texto.
3. Ensino Direto. O professor mostra, explica e escreve a habilidade em questão, dirigindo a atividade.
4. Aplicação dirigida pelo professor. Os alunos devem por em prática a habilidade aprendida sob o controle e supervisão do professor.
5. Prática individual. O aluno deve utilizar independentemente a habilidade com material novo.
Tipos de texto e expectativas do leitor
Alguns autores, entre eles ADAM (1985), classificam os textos da seguinte forma:
1. Narrativo: texto que pressupõe um desenvolvimento cronológico e que aspira explicar alguns acontecimentos em uma determinada ordem.
2. Descritivo: como o nome diz, descreve um objeto ou fenômeno, mediante comparações e outras técnicas.
3. Expositivo: relaciona-se à análise e síntese de representações conceituais ou explicação de determinados fenômenos.
4. Instrutivo-indutivo: tem como pretensão induzir a ação do leitor com palavras de ordem, por exemplo.
Seria fundamental que essa diversidade de textos aparecesse na escola e não um único modelo. Principalmente os que freqüentam a vida cotidiana.
Trata-se de organizar um ensino que caracterize cada um destes textos, mostrando as pistas que conduzem à uma melhor compreensão, fazendo com que o leitor saiba que pode utilizar as mesmas chaves que o autor usou para formar um significado, e além de tudo interpretá-lo.
Capítulo 5 - Para compreender... Antes da leitura
Apresentam-se aqui seis passos importantes para a compreensão, que devem ser seguidos antes da leitura propriamente dita:
1. Idéias Gerais
São algumas idéias que o professor tem sobre a leitura:
ler é muito mais do que possuir um rico cabedal de estratégias e técnicas.
ler é um instrumento de aprendizagem, informação e deleite.
a leitura não deve ser considerada uma atividade competitiva.
quem não sente prazer pela leitura não conseguirá transmiti-lo aos demais.
a leitura para as crianças tem que ter uma finalidade que elas possam compreender e partilhar.
a complexidade da leitura e a capacidade que as crianças têm para enfrentá-la.
2. Motivação para a leitura
Toda atividade deve ter como ponto de partida a motivação das crianças: devem ser significativas, motivantes, e a criança deve se sentir capaz de fazê-la.
3. Objetivos da leitura
Os objetivos dos leitores, ou propósitos, com relação a um texto podem ser muito variados, de acordo com as situações e momentos. Vamos destacar alguns dos objetivos da leitura, que podem e devem ser trabalhados em sala de aula:
ler para obter uma informação precisa;
ler para seguir instruções;
ler para obter uma informação de caráter geral;
ler para aprender;
ler para revisar um escrito próprio;
ler por prazer;
ler para comunicar um texto a um auditório;
ler para praticar a leitura em voz alta; e
ler para verificar o que se compreendeu.
4. Revisão e atualização do conhecimento prévio
Para compreender o que se está lendo é preciso ter conhecimentos sobre o assunto. Mas algumas coisas podem ser feitas para ajudar as crianças a utilizar o conhecimento prévio que têm sobre o assunto, como dar alguma explicação geral sobre o que será lido; ajudar os alunos a prestar atenção a determinados aspectos do texto, que podem ativar seu conhecimento prévio ou apresentar um tema que não conheciam.
5. Estabelecimento de previsões sobre o texto
É importante ajudar as crianças a utilizar simultaneamente diversos indicadores: como títulos, ilustrações, o que se pode conhecer sobre o autor, cenário, personagem, ilustrações, etc. para a compreensão do texto como um todo.
6. Formulação de perguntas sobre ele
Requerer perguntas sobre o texto é uma estratégia que pode ser utilizada para ajudar na compreensão de narrações ensinando as crianças para as quais elas são lidas a centrar sua atenção nas questões fundamentais.
Capítulo 6 - Construindo a compreensão... Durante a leitura
Para a compreensão do texto uma das capacidades envolvidas é a elaboração de um resumo, que reproduz o significado global de forma sucinta.
Para isso, deve-se ter a competência de diferenciar o que constitui o essencial do texto e o que pode ser considerado como secundário.
O professor pode utilizar em sala de aula a estratégia da leitura compartilhada, onde o leitor vai assumindo progressivamente a responsabilidade e o controle do seu processo é uma forma eficaz para que os alunos compreendam as estratégias apontadas, bem como, a leitura independente, onde podem utilizar as estratégias que estão aprendendo.
Não estou entendendo, o que eu faço? Os erros e as lacunas de compreensão
Para ler eficazmente, precisamos saber quais as nossas dificuldades. Podem ser: a compreensão de palavras, frases, nas relações que se estabelecem entre as frases e no texto em seus aspectos mais globais.
Para isso devemos ter estratégias como o uso do dicionário ou a continuação da leitura que pode sanar alguma dúvida.
Capítulo 7- Depois da leitura: continuar compreendendo e aprendendo...
A compreensão do texto resulta da combinação entre os objetivos de leitura que guiam o leitor, entre os seus conhecimentos prévios e a informação que o autor queria transmitir mediante seus escritos.
Para que os alunos compreendam a idéia principal do texto, o professor pode explicar aos alunos o que consiste a “idéia principal”, recordar porque vão ler concretamente o texto - função real, ressaltar o tema, à medida que vão lendo informar aos alunos o que é considerado mais importante, para que, finalmente concluam se a idéia principal é um produto de uma elaboração pessoal.
O resumo
Utilizar essa estratégia pode ser uma boa escolha para estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua idéia principal e seus detalhes secundários.
É importante, também, que os alunos aprendam porque precisam resumir, e como fazê-lo, assistindo resumos efetuados pelo seu professor, resumindo conjuntamente, passando a utilizar essa estratégia de forma autônoma
COOPER (1990), afirma que para ensinar a resumir parágrafos de texto é importante que o professor:
1. ensine a encontrar o tema do parágrafo e a identificar a informação trivial para deixá-la de lado.
2. ensine a deixar de lado a informação repetida.
3. ensine a determinar como se agrupam as idéias no parágrafo para encontrar formas de englobá-las.
4. ensine a identificar uma frase-resumo do parágrafo ou a elaborá-la.
Capítulo 8- O ensino e a avaliação da leitura
Considerando o que foi visto até agora em relação aos processos de leitura e compreensão é interessante ressaltar que:
Aprender a ler significa aprender a ser ativo ante a leitura, ter objetivos para ela, se auto-interrogar sobre o conteúdo e sobre a própria compreensão.
Aprender a ler significa também aprender a encontrar sentido e interesse na leitura.
Aprender a ler compreensivamente é uma condição necessária par poder aprender a partir dos textos escritos.
Aprender a ler requer que se ensine a ler, e isso é um papel do professor.
Ensinar a ler é uma questão de compartilhar. Compartilhar objetivos, compartilhar tarefas, compartilhar os significados construídos em torno deles.
Ensinar a ler exige a observação dos alunos e da própria intervenção, como requisitos para estabelecer situações didáticas diferenciadas capazes de se adaptar à diversidade inevitável da sala de aula.
É função do professor promover atividades significativas de leitura, bem como refletir, planejar e avaliar a própria prática em torna da leitura.
Para finalizar esse livro se faz necessário ressaltar que as mudanças na escola acontecem quando são feitas em equipe. Reestruturar o ensino da leitura deve passar por isso: uma construção coletiva e significativa para os alunos, e também para os professores.
16. TEBEROSKY, Ana, COLOMER, Teresa. Aprender a Ler e a Escrever - uma proposta construtivista. Porto Alegre Artmed. 2002.
Nos dias atuais tem-se encontrado grande dificuldade em saber a maneira carreta, ou mais acertada, de agir devido as grandes (e proveitosas) renovações que estão acontecendo no campo da educação.
A grande questão é saber unir teoria, prática e reflexão.
É sobre esses temas que vamos falar um pouco nesse livro.
Capítulo 1 - A Língua Escrita
Observando o percurso histórico do surgimento da escrita e de suas variadas representações, é possível verificar que a existência desta permitiu op registro da memória coletiva, e uma comunicação maior entre as pessoas, pois as mensagens não dependiam mais da presença física dos interlocutores.
Na época posterior a industrialização a concepção de alfabetização é revista a partir das mudanças sociais (até então a alfabetização estava ligada ao ócio e ao âmbito social). Essa demanda social tornou a escolarização obrigatória.
Em nossa sociedade, no decorrer do século XX a língua escrita (alfabetização) se torna tecnologia fundamental, como pré-requisito para qualquer progresso, potencialização dos conhecimentos e acesso aos diferentes usos da mesma.
Estudos realizados concebem a língua como código oral e código escrito. O processo de produção ou reprodução da língua escrita é diferente do uso oral porque implica uma relação entre pensamento e linguagem diferente. A língua escrita permite fixar o discurso oral e convertê-lo em objeto de análise. “A língua escrita seria, em suma, o meio mais eficiente para que um indivíduo chegue a dominar as máximas potencialidades de abstração da linguagem, independentemente de os discursos construídos por ele serem, ao final, orais ou escritos”.
Entende-se a aprendizagem da língua escrita como um domínio lingüístico progressivo - não meramente do código gráfico -, nas situações e para as funções que cumpre socialmente.
No texto “Aprendices em el domínio de la lengua escrita”, Wells (1987) trabalha o domínio da escrita a partir de quatro níveis coexistentes:
epistêmico
instrumental
funcional
executivo
Cada nível representa:
O nível executivo insiste na posse do código como tal; diz respeito ao domínio da língua para traduzir a mensagem do código escrito.
No nível funcional inclui-se saber como a língua escrita varia segundo o contexto; refere-se a utilizar os conhecimentos para enfrentar exigências cotidianas como ler jornal ou seguir instruções.
No nível instrumental usa-se tanto o código quanto a forma textual e reside na possibilidade de buscar e registrar informações escritas.
No nível epistêmico usa-se a língua escrita como meio de atuação e transformação sobre o conhecimento: refere-se ao interpretar e avaliar.
Capítulo 2 - O que é ler?
Tradicionalmente pode-se considerar a definição de ler como a capacidade de entender um texto escrito pode parecer simplista, mas não é.
As práticas escolares comumente trazem atividades que partem de pequenos fragmentos de textos, palavras soltas ou letras isoladas para o ensino da leitura. Essa situação revela uma concepção e um desconhecimento: porque ler é um ato de raciocínio.
Através da percepção, da memória de curto e longo prazo (esta segunda que armazena as informações e conhecimentos que temos do mundo) e dos esquemas de conhecimento que as pessoas formam ao longo da vida, a compreensão e a interpretação das informações se tornam possíveis através da leitura.
Ler consiste em processar as informações visuais de um texto e as informações não-visuais - conhecimentos do leitor. A partir das informações do texto o leitor formula hipóteses, antecipa significados, faz inferências e, no decorrer da leitura, verifica se suas hipóteses iniciais estavam corretas.
Frank Smith - e outros autores - revela que ao explorar um texto através da leitura, o leitor: não precisa oralizar o texto para compreendê-lo; desloca os olhos em saltos percebendo fragmentos do texto - não lemos letra por letra - e percebe globalmente um conjunto de elementos gráficos.
Seguindo esses propósitos alguns cuidados devem ser tomados no trabalho com a compreensão leitora:
a organização de atividades com propósitos claros: ler com a finalidade de obter informação ou ler por prazer, ou ainda, para aprender; e
os conhecimentos trazidos pelo leitor (prévios) - sobre o texto escrito (conhecimentos paralinguísticos, das relações grafofônicas, morfológicos, sintáticos, semânticos e textuais) e sobre o mundo. Quanto maior o conhecimento do leitor, mais fácil será sua compreensão do texto.
Capítulo 3 - O Ensino e a Aprendizagem da Leitura
De acordo com as concepções que as escolas apresentam do que é ler, é que se configuram o ensino e a aprendizagem da leitura.
Para compreender melhor essa configuração, vamos retomar um pouco da história:
Numa concepção tradicional acreditava-se que ler significava realizar correspondência entre os fonemas e os signos, dos mais simples para os mais complexos. A aprendizagem da leitura se dava através da leitura em voz alta.
A partir da década de 50 a leitura “passa a ser considerada como um processo psicológico específico, formado pela integração de um conjunto determinado de habilidades e que pode desenvolver-se a partir de um certo grau de maturação de cada uma delas”. Essa concepção trabalha com pré-leitura ou maturação leitora na escola.
Com estudos mais recentes e avanços realizados a leitura “deixou de ser considerada como um processo psicológico específico para incluir-se entre os processos gerais de representação humana da realidade e adotou a perspectiva teórica de um modelo psicolingüístico-cognitivo”.
Considerando essa concepção, a leitura passa a ter outra significação e o modo de ensiná-la também muda. O ensino:
considera e parte dos conhecimentos dos alunos sobre as funções da leitura;
permite a comunicação com função real (sendo significativa)
trabalha a relação com a língua escrita e seu uso funcional;
fomenta a consciência metalingüística;
utiliza textos de circulação social, concebidos para leitura, e não textos escolares, o que permite maior significado para os alunos;
permite experiências com textos variados para aprender suas características diferenciais;
trabalha a leitura sem oralização, a não ser que haja uma função específica (comunicar algo a alguém), diferentemente de como era trabalhado tradicionalmente;
Da mesma forma, deve ser trabalhada nas escolas, a compreensão leitora. Algumas pesquisas mostram que essa compreensão é pouco trabalhada apesar dos alunos lerem com freqüência. Pode-se apontar, como uma das causas dessa realidade, a utilização da leitura - e compreensão - sem propósito real.
A concepção utilizada atualmente considera a aprendizagem significativa. Nessa perspectiva, atividades orientadas a aprender a ler ajudam os alunos na compreensão do texto. Podem ser propostas:
resumir e sublinhar as idéias principais;
ler e construir diagramas e esquemas;
o professor oferecer modelos de compreensão;
organizar atividades onde o texto apresente erros de diferentes níveis para que os alunos apontem as incoerências;
empregar a discussão coletiva (com intervenções do professor);
auxiliar os alunos a reterem informações a partir de estratégias como antecipar, reler, repassar, etc.
organizar produções de texto como recurso para a compreensão.
Capítulo 4 - O Planejamento da Leitura na Escola
Esse capítulo vai falar um pouco sobre o ensino da leitura nas últimas séries do ensino fundamental.
Acredita-se que a aprendizagem da leitura estende-se por toda a escolaridade, não somente no ensino fundamental, mas também por todo o ensino médio.
Estudos mais recentes e a apreensão dos processos de leitura e compreensão apontam a necessidade de que o ensino da leitura tenha sentido de prática social e cultural, onde os alunos possam ampliar seus conhecimentos comunicativos reais.
Trataremos de duas situações de leitura:
1. a primeira que trata das tarefas escolares: a utilização da pedagogia de projeto pode ser uma boa opção pois tira o professor do centro e faz com que os alunos assumam papéis importantes.
2. uma segunda que trata da leitura literária: pois destina-se a “apreciar o ato de expressão do autor, a desenvolver o imaginário pessoal a partir dessa apreciação e a permitir o reencontro da pessoa consigo mesma em sua interpretação”.
Na escola existem espaços que podem e devem tornar-se um contexto real de leitura, pois educa a autonomia dos caminhos de acesso à informação - a biblioteca escolar, por exemplo.
Nesse sentido, algumas ações são importantes: o conhecimento dos materiais disponíveis na biblioteca, exposição do acervo, a hora do conto, a prática de leitura para criação desse hábito, entre outras. Essencial é propagar sua existência de forma a chamar os alunos e outras pessoas para esse espaço, onde possam criar uma bagagem leitora através de diversos meios.
Essa medida, de ampliar o repertório, clama por outras:
1. Relacionadas a compreensão do texto:
leitura e interpretação conjunta de textos que ainda apresentam dificuldade;
ler obras completas, dividindo-a em partes e realizando: análise de capítulos, reconstrução da época, antecipação de informações, descrições, comparações, retomada do conflito e verificação das hipóteses iniciais;
leitura de textos mais breves com focalização de aspectos a serem trabalhados
relacionar o texto com os conhecimentos dos alunos;
comentar diferentes textos de diferentes áreas do conhecimento;
leitura e comentário de um texto para sua compreensão;
utilizar quadros, esquemas e comparações para ajudar na representação mental da ordenação de informações;
2. Relacionadas a compreensão da estrutura significativa dos textos:
organizar gráficos, esquemas ou quadrinhos para representar o texto;
produzir sínteses;
ler notícias e dar-lhes títulos, explicando suas escolhas;
produzir e comparar resumos;
3. Relacionadas “a exercitar as habilidades envolvidas no processo de leitura”:
explicitar o que sabe sobre um tema;
buscar uma informação determinada no texto (jornal, dicionário ou lista telefônica);
consultar anúncios ou sessões do cinema;
buscar uma informação na enciclopédia;
realizar exercícios de antecipação através da ativação dos conhecimentos prévios dos alunos;
continuar a escrita de textos (narrativos, histórias em quadrinhos, etc);
construir textos em cadeia (onde cada aluno produz uma parte);
continuar a escrita de textos informativos;
continuar a escrita de notícias;
recompor textos (cortados previamente pelo professor);
recompor textos de acordo com sua sequência temporal (três notícias de três dia diferentes, por exemplo);
antecipar o conteúdo do texto a partir de indícios gráficos e tipográficos;
preencher espaços vazios de um texto;
brincar de jogo da forca;
O que ajuda muito no desenvolvimento das habilidades leitora e escritora são os exercícios de levantamento e emissão de hipóteses e inferências.
Utilizar as atividades trazidas nos “passatempos” (comumente encontrados em banca de jornais, em livros próprios, revistas ou gibis) também é um importante exercício para os alunos.
Capítulo 5 - A Avaliação da Leitura
Ao retomar o que já foi discutido nesse livro percebe-se que não é mais possível utilizar uma avaliação nos moldes tradicionais. Ela precisa ser formativa: informa os alunos sobre seus progressos e avanços (por isso eles devem saber o tempo todo o que está sendo observado e que resultado obtiveram), e serve como instrumento para o professor ajustar seu planejamento e métodos de ensino (uma reflexão para a ação).
O que comumente vê-se nas escolas é a não clareza do que avaliar e como avaliar. Dessa forma as avaliações não põem em jogo todos os conhecimentos construídos pelos alunos e nem avaliam todos os aspectos apresentados nos outros capítulos.
A proposta de Alexandre Gali é que referencia as avaliações nas escolas catalãs. Ele se baseia na necessidade de separar “os diversos componentes do ato de leitura suscetíveis de serem avaliados de forma diferenciada e distingue cinco: perfeição mecânica, expressão, rapidez, compreensão das palavras e compreensão total”. Dos cinco componentes apresentados considera que os três últimos devam ser avaliados. Para ele, os testes de avaliação devem ser claros e conhecidos dos alunos (as provas devem estar integradas às tarefas educativas), para que tenham que refletir apenas sobre as combinações verbais e o jogo de idéias presente.
O se tratar da avaliação, mesmo que não se tenha claro qual seu objetivo principal, alguns critérios devem ser respeitados - considerando a nova concepção de leitura e escrita. P.H. Johnson afirma que o objetivo da avaliação deve ser “o grau de integração, inferência e coerência com que o leitor integra a informação textual com a anterior”.
Podemos considerar como critérios importantes na avaliação:
1. Atitude emocional no momento da leitura;
2. Buscar informações em um determinado texto;
3. Solicitar que os alunos verbalizem suas idéias em relação ao texto;
4. Verificar a velocidade da leitura e a leitura silenciosa;
5. Explorar os conhecimentos prévios dos alunos com questões relacionadas ao texto;
6. Solicitar que realizem sínteses, dêem títulos a textos;
7. Solicitar que apontem em um texto seus erros e incoerências (previamente preparado pelo professor);
O enfoque principal da avaliação é para que serve? Nesse sentido deve-se utilizá-la como instrumento tanto para o professor quanto para o aluno, na medida em que pode ir controlando seus avanços e onde necessita maior atenção para melhorar.
17. Zabala, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998
Maria Angélica Cardoso
Pedagoga, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.
O livro de Antoni Zabala objetiva “oferecer determinados instrumentos que ajudem [os professores] a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge às suas possibilidades; saber que medidas podem tomar para recuperar o que funciona e generalizá-lo, assim como para revisar o que não está tão claro” (p.24).
1 A Prática Educativa: unidades de análise
O autor inicia o primeiro capítulo afirmando que “um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofício” (p. 13). Esta competência é adquirida mediante o conhecimento e a experiência.
Para Zabala a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas. Conhecer essas variáveis permitirá ao professor, previamente, planejar o processo educativo, e, posteriormente, realizar a avaliação do que aconteceu. Portanto, em um modelo de percepção da realidade da aula estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e a avaliação.
Para analisar a prática educativa, Zabala elege como unidade de análise básica a atividade ou tarefa – exposição, debate, leitura, pesquisa bibliográfica, observação, exercícios, estudo, etc. – pois ela possui, em seu conjunto, todas as variáveis que incidem nos processos de ensino/aprendizagem. A outra unidade eleita são as sequências de atividades ou sequências didáticas: “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18). Ou seja, a sequência didática engloba as atividades.
Apoiando em Joyce e Weil (1985), em Tann (1990) e em Hans Aebli (1988) Zabala determina as variáveis que utilizará para a análise da prática educativa, quais sejam: as sequências de atividades de ensino/aprendizagem ou sequências didáticas; o papel do professor e dos alunos; a organização social da aula; a maneira de organizar os conteúdos; a existência, as características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos; o sentido e o papel da avaliação.
Considerando a função social do ensino e o conhecimento do como se aprende como os instrumentos teóricos que fazem com que a análise da prática seja realmente reflexiva, Zabala utiliza dois grandes referenciais: o primeiro está ligado ao sentido e o papel da educação. As fontes utilizadas são a sócio-antropológica, que está determinada pela concepção ideológica da resposta à pergunta “para que educar?”; e a fonte epistemológica, que define a função do saber, dos conhecimentos e das disciplinas. Este referencial busca o sentido e a função social que se atribui ao ensino. O outro referencial engloba as fontes psicológica e didática. Dificilmente pode se responder à pergunta “como ensinar?”, objeto da didática, se não se sabe sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos e as estratégias de aprendizagem. Este busca a concepção dos processos de ensino/aprendizagem.
2 A Função Social do Ensino e a Concepção sobre os Processos de Aprendizagem: instrumentos de análise
Com base no ensino público da Espanha, Zabala afirma que, além das grandes declarações de princípios, sua função social “tem sido selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido” (p. 27), subvalorando o valor informativo dos processos que os alunos/as seguem ao longo da escolarização.
Uma forma de determinar os objetivos da educação é analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Contudo, existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano. Zabala utiliza a classificação proposta por Coll – capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social. Mas quais os tipos de capacidade que o sistema educativo deve levar em conta?
Diretamente relacionados aos objetivos da educação estão os conteúdos de aprendizagem. Coll (1986) os agrupa em conteúdos conceituais – fatos, conceitos e princípios – procedimentais – procedimentos, técnicas e métodos – ou atitudinais – valores, atitudes e normas. Classificação que corresponde, respectivamente, às perguntas: “O que se deve saber?”, “O que se deve saber fazer?” e “Como se deve ser?”. Assim, no ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdo estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica e universitária priorizará os conceituais.
Quanto ao segundo referencial de análise – a concepção dos processos da aprendizagem – Zabala afirma que não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como as aprendizagens se produzem. As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes. Daí decorre que um enfoque pedagógico deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. Assim, o critério para estabelecer o nível de aprendizagem serão as capacidades e os conhecimentos prévios de cada aluno/a. Esta proposição marcará também a forma de ensinar.
Zabala defende a concepção construtivista como aquela que permite compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem. Para esta concepção “o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação” (p. 38). Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel também ativo do educador. A natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. Nesse processo intervêm, junto à capacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.
Após expor, em condições gerais, o processo de aprendizagem segundo a concepção construtivista, o autor passa a expor sobre a aprendizagem dos conteúdos conforme sua tipologia.
Os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. São conhecimentos indispensáveis para a compreensão da maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Considera-se que o aluno/a aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, portanto, a compreensão não é necessária. Diz-se que o aluno/a aprendeu quando é capaz de recordar e expressar de maneira exata o original. Quando se referem a acontecimentos pede-se uma lembrança o mais fiel possível. Se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal, listas e agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas e representações gráficas, associações, etc. Para fazer estes exercícios de caráter rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável.
Os conteúdos conceituais abrangem os conceitos e princípios. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que, normalmente, descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Considera-se que o aluno/a aprendeu quando este é capaz não apenas repetir sua definição, mas também utilizá-la para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui.
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortado, saltar, inferir, espetar, etc. Em termos gerais aprendem-se os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. O segundo passo é que a exercitação múltipla – fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias – é o elemento imprescindível para o domínio competente do conteúdo. A reflexão sobre a própria atividade é o terceiro passo e permite que se tome consciência da atuação. O quarto e último passo é a aplicação em contextos diferenciados que se baseia no fato de que aquilo que se aprende será mais útil na medida em que se pode utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis.
O termo conteúdo atitudinal engloba valores, atitudes e normas. Cada grupo apresentando uma natureza suficientemente diferenciada. Considera-se que o aluno adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo. Que aprendeu uma atitude quando pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto para quem dirige esta atitude. E que aprendeu uma norma, considerando três graus: o primeiro quando se trata de uma simples aceitação; o segundo quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma; e o último grau quando interioriza a norma e aceita como regra básica de funcionamento da coletividade que a rege.
Concluindo, Zabala identifica e diferencia a concepção tradicional da concepção construtivista, a partir dos dois referenciais básicos para a análise da prática. Na concepção tradicional a sequência de ensino/aprendizagem deve ser a aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da aprendizagem como um processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. As relações interativas são de caráter diretivo: professor → aluno; os tipos de agrupamentos se circunscrevem às atividades de grande grupo. A distribuição do espaço reduz-se ao convencional. Quanto ao tempo, estabelece-se um módulo fixo para cada área com uma duração de uma hora. O caráter propedêutico do ensino faz com que a organização dos conteúdos respeite unicamente a lógica das matérias. O livro didático é o melhor meio para resumir os conhecimentos e, finalmente, a avaliação tem um caráter sancionador centrado exclusivamente nos resultados.
A concepção construtivista apresenta uma proposta de compreensividade e de formação integral, impulsionando a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de conteúdo. O ensino atende à diversidade dos alunos, portanto a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Conforme Zabala (p. 51) “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surge constantemente”. O objetivo será a melhoria da prática. Nesta concepção, o conhecimento e o uso de alguns marcos teóricos levarão a uma verdadeira reflexão sobre a prática, fazendo com que a intervenção pedagógica seja o menos rotineira possível.
3 As Sequências Didáticas e as Sequências de Conteúdo
Neste capítulo o autor apresenta o estudo da primeira variável que incide sobre as práticas educativas: a sequência didática. Ele apresenta quatro unidades didáticas como exemplo e as analisa sob os aspectos do conteúdo, da aprendizagem, da atenção à diversidade e da sequência e tipologia dos conteúdos.
O autor conclui que nestas propostas de trabalho aparecem para os alunos diferentes oportunidades de aprender diversas coisas, e para os professores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliar. Que os diferentes conteúdos que os professores apresentam aos alunos exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas.
Refletir sobre o processo ensino/aprendizagem implica apreender o que está sendo proposto de maneira significativa. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário do que exige um trabalho mais continuado pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e a nós mesmos. As diferentes propostas didáticas analisadas têm diferentes potencialidades quanto à organização do ensino. Portanto, “mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um outro modo de organizar o ensino devemos dispor de critérios que nos permitem considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidade. Utilizar esses critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la” (p.86).
4 As Relações Interativas em Sala de Aula: o papel dos professores e dos alunos
Para Zabala (p. 89) as relações de que se estabelecem entre os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem constituem a chave de todo o ensino e definem os diferentes papéis dos professores e dos alunos.
A concepção tradicional atribui ao professor o papel de transmissor de conhecimentos e controlador dos resultados obtidos. Ao aluno cabe interiorizar o conhecimento que lhe é apresentado. A aprendizagem consiste na reprodução da informação. Esta maneira de entender a aprendizagem configura uma determinada forma que relacionar-se em classe.
Na concepção construtivista ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações pessoais sobre o conteúdo. Trata-se de um ensino adaptativo, isto é, um ensino com capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam. Portanto, os professores podem assumir desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a atenção para a diversidade dos alunos e de situações à posição de desafiar, dirigir, propor, comparar. Tudo isso sugere uma interação direta entre alunos e professores, favorecendo a possibilidade de observar e de intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos/as.
Do conjunto de relações necessárias para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que Zabala (p. 92-104) caracteriza da seguinte maneira:
a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente flexível para permitir adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/aprendizagem. Por um lado, uma proposta de intervenção suficientemente elaborada; e por outro, com uma aplicação extremamente plástica e livre de rigidez, mas que nunca pode ser o resultado da improvisação. b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no início das atividades como durante sua realização.
c) Ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam o que têm que fazer, sintam que podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.
d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.
e) Oferecer ajudas adequadas, no processo de construção do aluno, para os progressos que experimenta e para enfrentar os obstáculos com os quais se depara.
f) Promover atividade mental auto-estruturante que permita estabelecer o máximo de relações com novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau possível e fomentando os processos de meta-cognição que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a aprendizagem.
g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o autoconceito.
h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de negociação, participação e construção.
i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão aos objetivos e em sua realização e controle, possibilitando que aprendam a aprender.
j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem conhecimentos e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para favorecer as estratégias de controle e regulação da própria atividade.
Concluindo, Zabala afirma que os princípios da concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar a ação didática e que, de maneira específica ajuda a caracterizar as interações educativas que estrutura a vida de uma classe, estabelecendo as bases de um ensino que possa ajudar os alunos a se formarem como pessoas no contexto da instituição escolar.
5 A Organização Social da Classe
Neste capítulo Zabala analisa a organização social da classe. As diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Historicamente a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens para sua integração na coletividade eram os processos individuais. Atualmente são diversas as formas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades às quais o professor pode recorrer.
A primeira configuração considerada pelo autor é o grupo/escola em que toda escola tem uma forma de estrutura social determinada. As características desta organização grupal são determinadas pela organização e pela estrutura de gestão da escola e pelas atividades que toda escola realiza. O grupos/classe fixos é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Além de sua facilidade organizativa, oferece aos alunos um grupo de colegas estável, favorecendo as relações interpessoais e a segurança efetiva. A terceira configuração, os grupos/classes móveis ou flexíveis são agrupamentos em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias. As vantagens são, por um lado, a capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores. Na organização da classe como grande grupo todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo. É uma forma de organização apropriada para o ensino de fatos; no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas. Para os conteúdos procedimentais é impossível atender a diversidade; no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembléia, mas é insuficiente. A organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os alunos em grupos de 5 a 8 componentes, durante um período de tempo. As equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar conteúdos atitudinais. A sexta configuração é a organização da classe em equipes móveis ou flexíveis. Implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. São adequadas para o trabalho de conteúdos procedimentais. Também será apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais. O trabalho individual é especialmente útil para memorização de fatos, para o profundamente da memorização posterior de conceitos e, especialmente, para a maioria dos conteúdos procedimentais. Uma forma de trabalho individual especialmente útil é o denominado por Freinet de “contrato de trabalho”. Nos “contratos de trabalho” cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado. Essa forma trabalho é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada, ou seja, alguns conteúdos factuais e muitos conteúdos procedimentais.
Concluindo: a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que se quer ensinar e de que aluno se quer formar; os trabalhos em grupo não excluem o trabalho e o esforço individuais; os contratos de trabalho podem constituir-se num instrumento eficaz para articulara um trabalho personalizado interessante e pelo qual o aluno sinta responsável; o papel formativo do grupo/escola condiciona o que pode se fazer nos diferentes níveis da escola, educativamente falando, ao mesmo tempo que constitui um bom indicador da coerência entre as intenções formativas e os meios para alcançá-las.
Quanto à distribuição do espaço: na estrutura física das escolas, os espaços de que dispõe e como são utilizados corresponde a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Parece lógica que a distribuição atual das escolas continue a ser um conjunto de salas de aula com um conjunto de cadeiras e mesas enfileiradas e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professor.
A utilização do espaço começa a ser problematizada quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. Criar um clima e um ambiente de convivência que favoreçam as aprendizagens se converte numa necessidade da aprendizagem e num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinam novas necessidades espaciais. Para a aplicação dos conteúdos procedimentais torna-se necessário revisar o tratamento do espaço já que é necessária uma atenção às diferenças. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de espaço dessa atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que constituem a maneira de entender os valores por parte da escola.
Quanto à distribuição do tempo: o tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores.
A estruturação horária em períodos rígidos é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens leva os professores a reconsiderar que estes modelos inflexíveis. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação. O planejamento torna-se necessário para que se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.
6 A Organização dos Conteúdos
As relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas é o que se denomina organização de conteúdos. Existem duas proposições acerca das formas de organizá-los: uma baseada nas disciplinas ou matérias; e a outra, oferecida pelos métodos globalizados, onde os conteúdos das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade.
A diferença básica entre os dois modelos está no fato de que para os métodos globalizados as disciplinas não são a finalidade básica do ensino, senão que tem a função de proporcionar os meios ou instrumentos que deve favorecer a realização dos objetivos educacionais; o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. No caso dos modelos disciplinares a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.
Tomando as disciplinas como organizadoras dos conteúdos têm-se, na escola, as diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matéria de estudo possibilitando estabelecer três graus de relações disciplinares:
1) Multidisciplinaridade: é a mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras.
2) Interdisciplinaridade: é a interação entre duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais, da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.
3) Transdisciplinaridade: supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Nesta concepção pode se situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.
Quanto aos métodos globalizados, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e suas necessidades educacionais. Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Esse método nasce a partir do termo sincretismo introduzido por Claparède e, posteriormente, Decroly com termo globalismo.
Existem vários métodos que podem ser considerados globalizados, dentre eles quatro, por sua vigência atual, são analisados no livro: os centros de interesse de Decroly, o sistema de projetos de kilpatrick, o estudo do meio do MCE e os projetos de trabalho globais. O autor os analisa indicando seus pontos de partida, suas sequências de ensino/aprendizagem e suas justificativas. Zabala conclui que, embora todos priorizem o aluno e o como se aprende, o aspecto que enfatizam na função social é diferente. No centro de interesse a função social consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que sabem fazer; para o método de estudo do meio a formação de cidadãos democráticos e com espírito científico; e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de aprender a aprender. Contudo, apesar das diferenças, o objetivo básico desses métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela.
Concluindo, o autor afirma que inclinar-se por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que vai além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de um instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é que os tornam suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, uma vez que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.
7 Os Materiais Curriculares e os outros Recursos Didáticos
Os materiais curriculares são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e de sua avaliação. Por suas características eles podem ser classificados conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utiliza.
Na sequência o autor analisa o uso dos materiais didáticos conforme a tipologia dos conteúdos, o suporte dos diferentes recursos – sua utilização, vantagens e inconvenientes, elabora propostas de materiais curriculares para a escola e indica alguns critérios para análise e seleção dos materiais, quais sejam: detectar os objetivos educativos subjacente a um determinado material; verificar que conteúdos são trabalhados; verificar a sequência de atividades propostas para cada um dos conteúdos; analisar cada uma das sequência de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa; e estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.
A conclusão do autor: de nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, se bem utilizado, não apenas potencializa o processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional.
8 A Avaliação
Porque avaliar, como avaliar, quem são os sujeitos e quais são os objetos da avaliação são analisados nesse último capítulo. A avaliação é o processo-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Nesse sentido suas possibilidades e potencialidades se vinculam para a forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando as avaliações são homogeneizadoras, duras, fechadas, rotineiras, elas têm pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores; oferece a oportunidade para acompanhar todo o processo e, portanto, assegurar a sua idoneidade.
A presença de opções claras sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/aprendizagem e que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se à necessidade de objetivos com finalidades específicas que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária e mais justa. Ao mesmo tempo exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem para analisar o que acontece e tomar decisões para reorientar a situação quando for necessário. E os professores também devem aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar-se no processo. O melhor caminho para fazer é para ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam auto-avaliar-se combinando e estabelecendo o papel que essa atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação. Finalizando tanto a avaliação quanto a auto-avaliação não pode ser um episódio ou um engano, mas algo que deve ser planejado seriamente.
18. VYGOTSKY. L.S. Formação social da mente. Martins Fontes. São Paulo. 2007.
Capítulo 6
Interação entre aprendizado e desenvolvimento
Para Vygotsky, as concepções so¬bre a relação entre os processos de aprendizado e desenvolvimento reduzem-se a três posições teóricas, to¬das por ele rejeitadas:
1a - Parte da premissa que o aprendizado segue a trilha do desen¬volvimento, pressupondo que o de¬senvolvimento é independente do aprendizado. O aprendizado seria um processo externo que se utiliza dos avanços do desenvolvimento mas não o impulsiona nem altera seu curso. O desenvolvimento (ou maturação) é considerado pré-condição para o aprendizado e nunca o resultado dele. Se as funções mentais de uma crian¬ça não amadureceram o suficiente para aprender um determinado assun¬to, nenhuma instrução se mostrará útil. Piaget seria representante desta linha;
2a - Postula que aprendizagem é desenvolvimento. O desenvolvimen¬to é visto como o domínio dos reflexos condicionados. A diferença com -relação ao primeiro grupo relaciona-se ao tempo. Para os primeiros, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Para estes, os dois processos são simultâneos. James representa esta linha;
3a - Tenta superar os extremos das duas primeiras, combinando-as. Para os defensores desta linha (Koffka, gestaltistas), o desenvolvimento se baseia em dois processos diferentes (maturação e aprendizado), porém relacionados e mutuamente depen¬dentes, sendo que um influencia o outro. Assim, a maturação (desenvol¬vimento do sistema nervoso) torna possível o aprendizado e este estimula a maturação. Assim, ao aprender de¬terminada operação, a criança cria estruturas mentais de um certo tipo. independentemente dos materiais e elementos envolvidos.
Portanto, o desenvolvimento é sempre um con¬junto maior que o aprendizado.
Segundo Vygotsky, essa discussão leva a um velho problema pedagógi¬co: a relação entre disciplina formal e transferência de aprendizagem. Movimentos pedagógicos tradicionais têm justificado a ênfase em discipli¬nas aparentemente irrelevantes para a vida diária (línguas clássicas, por exemplo), por sua influência sobre o desenvolvimento global: se o estudan¬te aumenta sua atenção ao estudar gramática latina, aumentaria sua capacidade de focalizar atenção sobre qualquer outra tarefa. O pressuposto é que as capacidades mentais funcionam independentemente do material com que operam. Para o autor, Thorndike e Woodworth desmontaram esse argumento ao demonstrar, por exemplo, que a velocidade de somar números não está relacionada à velocidade de dizer antônimos.
Zona de desenvolvimento proximal : uma nova abordagem
Vigotsky apresenta uma nova posição com relação às três anteriores. O aprendizado, diz ele, começa muito antes de as crianças frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado escolar tem uma história pré¬via. Por exemplo, antes de aprender aritmética a criança já lidou com no¬ções de quantidade, de adição e ou¬tras operações, de comparação de tamanhos etc. A diferença é que o aprendizado escolar está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico. Diz o autor: "Aprendizagem e desenvolvimento es¬tão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (p. 95). O apren¬dizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criança, além da pura sistematização. Para esclarecer esse "algo novo", Vygotsky apresenta o conceito de zona de desenvolvi-mento proximal. Para ele, existem dois níveis de desenvolvimento:
1° - nível de desenvolvimento real, que é o resultado ou produto final de ciclos de desenvolvimento já completados. Por exemplo, a idade mental de uma criança medida num teste. Esse nível é dado por aquilo que a criança consegue fazer por si mes¬ma, isto é, pela solução independen¬te de problemas. Ele caracteriza o desenvolvimento mental retrospecti-vamente.
2° - nível de desenvolvimento proximal, que define as funções que estão em processo de maturação, o estado dinâmico de desenvolvimento: é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de de-senvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento proximal é determi¬nado através da solução de proble¬mas sob a orientação de adultos e em colaboração com companheiros mais capazes (quando o professor inicia a solução e a criança completa, por exemplo). Ele caracteriza o desenvol-vimento mental prospectivamente.
Assim, aquilo que é zona de de¬senvolvimento proximal hoje será zona de desenvolvimento real amanhã. Ou, em outras palavras, o que a criança faz hoje com assistência, amanhã fará sozinha.
O conceito de zona de desenvol¬vimento proximal leva a uma reavaliação do papel da imitação no aprendizado. Para Vygotsky, a imita¬ção não é um processo meramente mecânico, uma pessoa só consegue imitar aquilo que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se o professor usa material concreto para resolver um problema, a criança entende; caso ele utilize processos ma¬temáticos superiores, a criança não compreende a solução, não importa quantas vezes a copie.
Uma consequência disso é a mu¬dança nas conclusões que podem ser tiradas de testes diagnósticos de de¬senvolvimento. A zona de desenvol-vimento real medida pelos testes ori¬enta "o aprendizado de ontem", isto é, os estágios já completados, sen¬do, portanto, ineficaz para orientar o aprendizado futuro. A zona de desen¬volvimento proximal permite propor uma nova fórmula: o bom aprendi¬zado é aquele que se adianta ao de-senvolvimento. Assim, para Vygotsky, o aprendizado desperta processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage em seu ambiente e em cooperação com seus compa-nheiros, uma vez internalizados, es¬ses processos tornam-se aquisições independentes.
A grande diferença do homem com o animal é que este último não consegue resolver problemas de for¬ma independente, por mais que seja treinado.
Resumindo: para Vygotsky, os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. O desenvolvimento pro¬gride de forma mais lenta e atrás de aprendizado.
Capítulo 7
O papel do brinquedo no desenvolvimento
Para Vygotsky, o brinquedo exer¬ce enorme influência na promoção do desenvolvimento infantil, apesar de não ser o aspecto predominante da infância. Para ele, o termo brinquedo refere-se essencialmente ao ato de brincar, à atividade. Embora menci¬one modalidades diferentes de brinquedos, como jogos esportivos, seu foco é o estudo dos jogos de papéis ou brincadeiras de faz-de-conta (ma¬mãe e filhinha, por exemplo), típicas de crianças que aprendem a falar e, portanto, já são capazes de represen¬tar simbolicamente e envolver-se em situações imaginárias. A característi¬ca definidora do brinquedo, por ex¬celência, é a situação imaginária.
A imaginação é uma função da consciência que surge da ação. É ati¬vidade consciente, um modo de fun¬cionamento psicológico especifica¬mente humano, não presente na consciência da criança muito peque¬na (com menos de três anos) e inexistente nos animais. A criança muito pequena quer a satisfação ime¬diata de seus desejos. Ela não con¬segue agir de forma independente daquilo que vê, há uma fusão entre o que é visto e seu significado, um exemplo é a seguinte situação: "Tâ¬nia está sentada. Pede-se à criança que repita a frase: Tânia está de pé. Ela mudará a frase para: Tânia está sentada".
É na idade pré-escolar que ocorre a diferenciação entre o campo de sig-nificado e o campo de visão. O pen¬samento passa, de regido pelos objetos externos, a regido pelas idéias. A criança começa a utilizar materiais para representar a realidade ausen¬te. Por exemplo, um cabo de vassou¬ra representa um cavalo. Diz o autor: "A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente daquilo que vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir indepen¬dentemente daquilo que ela vê" (p. 110). Mas essa transformação -separar o pensamento (significado da palavra) do objeto - não se realiza de uma só vez. O objeto torna-se o pivô da separação entre o pensamento e o objeto real. Então, para imaginar um cavalo, a criança usa um "cava¬lo" de pau. Vygotsky situa o começo da imaginação humana na idade de três anos.
O brinquedo é uma forma de satis¬fazer os desejos não realizáveis da cri-ança, de suprir a necessidade que ela tem de agir em relação mundo adulto, extrapolando o universo dos objetos a que ela tem acesso. É através do brin¬quedo que ela pode dirigir um carro ou preparar uma refeição, por exem¬plo. A brincadeira é uma forma de re¬solver um impasse: a necessidade de ação da criança, com gratificação ime¬diata versus a impossibilidade de executar essas ações na vida real e lidar com desejos que só podem ser satisfeitos no futuro. Essa contradição é explorada e resolvida temporariamen¬te através do brinquedo.
Projetando-se nas atividades adul¬tas de sua cultura, a criança procura ser coerente com os papéis assumi¬dos e seguir as regras de comporta¬mento adequadas à situação represen¬tada. Por exemplo, ao imaginar-se como mãe de sua boneca, a menina faz questão de obedecer as regras do comportamento maternal. Ensaia, as¬sim, seus futuros papéis e valores. Nesse processo, a imitação também ganha destaque: imitar os mais velhos gera desenvolvimento intelectual e do pensamento abstrato. O esforço de manter a fidelidade ao que observa faz com a criança atue num nível mais avançado ao habitual para sua idade. "No brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade" (p. 117), diz Vygotsky. Assim, ao atuar no mun¬do imaginário, seguindo suas regras, cria-se uma zona de desenvolvimento proximal, pois há o impulso em direção a conceitos e processos em de¬senvolvimento.
O prazer não é a característica que define o brinquedo. Ele preenche uma necessidade da criança. Para Vygotsky, o mais importante no jogo de papéis de que as crianças participam é induzi-las a adquirir regras de comportamento. Toda situação ima¬ginária contém regras de comporta-mento, assim como todo jogo de re¬gras contém uma situação imaginá¬ria. No brinquedo a criança tem que ter autocontrole, tem que agir contra o impulso imediato, uma vez que deve seguir as regras. Satisfazer as regras torna-se um desejo para a criança e é esse o atributo essencial do brin-quedo.
Para Vygotsky, o brinquedo é o mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. "A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo" (p. 117), diz ele. E mais adiante: "Na idade escolar, o brinque¬do não desaparece mas permeia a atitude em relação à realidade" (p. 118). A instrução e o aprendizado na escola também estão avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo. Tanto o brinquedo quanto a instrução escolar criam uma zona de desenvolvimento proximal.
Capítulo 8
A pré-história da linguagem escrita
A conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento do ho¬mem. Ela possibilita, dentre outras coisas, que o homem planeje a solu¬ção para um problema antes de sua execução. O domínio da linguagem oral promove mudanças profundas, pois permite à criança organizar seu modo de agir e pensar e formas mais complexas de se relacionar com o mundo.
A aquisição da linguagem escrita representa um novo salto no desen-volvimento da pessoa e provoca uma mudança radical das características psicointelectuais da criança. Para Vygotsky, esse complexo sistema de signos que é a linguagem escrita for¬nece um novo instrumento de pen-samento à criança, permite outra for¬ma de acesso ao patrimônio cultural da humanidade (contido nos livros e outros tipos de textos) e promove novas formas de relacionamento com as outras pessoas e com o conheci-mento.
O aprendizado da escrita - pro¬duto cultural construído ao longo da história da humanidade - é um pro¬cesso bastante complexo e começa muito antes de o professor colocar um lápis na mão da criança pela pri¬meira vez. Vigotsky critica o ensino da escrita apenas como habilidade motora. Diz ele: "Ensina-se a criança a desenhar letras e a construir pala¬vras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal" (p. 119). A linguagem escrita é diferente da falada, pois exige um "treinamento artificial" que requer esforços e atenção enormes por parte do aluno e do professor. Então há o perigo de rele¬gar-se a linguagem escrita viva a um segundo plano, com ênfase na técni¬ca (como aprender a tocar piano).
A escrita é um sistema de repre¬sentação simbólica da realidade bas¬tante sofisticado. O processo de de¬senvolvimento da linguagem escrita pode parecer desconexo e confuso mas possui uma linha histórica unificada que conduz às formas su¬periores da linguagem escrita. Isso significa que:
• num primeiro momento, a lin¬guagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem, ou seja, um sistema de signos que designam os sons e as pa¬lavras da linguagem falada; a linguagem falada constitui um sistema de símbolos de primei¬ra ordem, isto é, signos de en¬tidades reais e suas relações;
• gradualmente há uma reversão a um estágio de primeira or¬dem: a língua falada desapa¬rece como elo intermediário e a linguagem escrita adquire um caráter de simbolismo direto, passando a ser percebida da mesma maneira que a lingua¬gem falada.
Vygotsky aponta uma continuida¬de entre as diversas representações simbólicas da realidade que a crian¬ça realiza: gestos, desenhos, brinque-dos. Estas atividades, como formas de representação simbólica, contribu-em para o processo de aquisição da linguagem escrita. A história do desenvolvimento da linguagem escrita na criança começa com o apareci-mento do gesto como "signo visual inicial que contém a futura escrita da criança como uma semente contém um futuro carvalho" (p. 121). Os sig-nos são a fixação de gestos. Para Vygotsky, há uma íntima relação en¬tre a representação por gestos e a representação pêlos primeiros rabiscos e desenhos das crianças.
O brinquedo, ao exercer uma fun¬ção simbólica, também está ligado à linguagem escrita. O brinquedo sim¬bólico é uma espécie de "fala" através de gestos que dá significado aos objetos usados para brincar. Por exemplo: um livro designa uma casa, um lápis significa uma pessoa.
A criança só começa a desenhar quando a linguagem falada já alcan¬çou grande progresso. A esse respei¬to, Vygotsky diz: "O desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal" (p. 127), sen¬do considerado, portanto, um estágio preliminar no desenvolvimento da lin¬guagem escrita. Para Vygotsky (citan¬do Hetzer), a fala é a representação simbólica primária, base de todos os demais sistemas de signos. Na idade escolar, a criança apresenta uma ten¬dência de passar de uma escrita pictográfica (baseada na representa¬ção simplificada dos objetos da reali¬dade) para uma escrita ideográfica (representações através de sinais simbó¬licos abstratos). Gradualmente as cri¬anças substituem traços indiferen¬ciados por rabiscos simbolizadores, substituídos, por sua vez, por peque¬nas figuras e desenhos e, finalmente, pelos signos. Para chegar a isso, a cri¬ança precisa descobrir que, além de coisas, pode-se desenhar a fala. O de¬senvolvimento da linguagem escrita se dá pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. As¬sim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita são momentos di-ferentes de um processo unificado de desenvolvimento da linguagem escri¬ta. Desenhar e brincar são, portanto, estágios preparatórios ao desenvolvi¬mento da linguagem escrita.
A partir dessas descobertas, Vygotsky chega a três conclusões de caráter prático:
1ª - seria natural transferir o ensi¬no da escrita para a pré-escola, pois as crianças mais no¬vas já são capazes de desco¬brir a função simbólica da es¬crita;
2ª - a escrita deve ter significado para as crianças, a necessida¬de de aprender a escrever deve ser despertada e vista como necessária e relevante para a vida: "Só então poderemos estar certos de que ela se de¬senvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de lin¬guagem" (p. 133);
3ª - há necessidade de a escrita ser ensinada naturalmente: os aspectos motores devem ser acoplados ao brinquedo e o escrever deve ser "cultivado" ao invés de "imposto". A criança deve ver a escrita como mo¬mento natural de seu desenvol¬vimento e não como treina¬mento imposto de fora para dentro: "o que se deve fazer é ensinar às crianças a lingua¬gem escrita, e não apenas a escrita das letras" (p. 134), diz Vygotsky.
19. WEISZ, Telma. O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002.
- MEU BATISMO DE FOGO.
Weisz cursou o Normal no Insti¬tuto de Educação, no Rio de Janei¬ro, possivelmente influenciada pela professora de seu curso primário de quem gostava muito. Ao longo do curso, estando envolvida com outros interesses (artes plásticas) quis sair, mas seus pais a convenceram a con-tinuar. Fez, então, o Instituto de Be¬las Artes (atual escola de Artes Visu¬ais do Parque Lage).
Em 1962, quando cursava o seu último ano do Curso Normal, cons¬tatou que a repetência fabricada pe¬las escolas tinha ultrapassado os li¬mites, pelo fato de não haver, em consequência, vagas para alunos novos na 1a. série. O governador, então, tomou três providencias: apro¬vou as crianças por decreto - tendo ido todo mundo para a 2a. série, sa¬bendo ou não ler; montou escolas de madeira, com telhado de zinco, e convocou todas as normalistas do úl¬timo ano do curso para dar aulas.
A partir daí, ela foi dar aula, para um grupo de crianças que tinham entre 11 e 12 anos e, que depois de terem repetido várias vezes a 1a. sé¬rie, tinham passado para a 2a. em função do decreto do governador.
Eram 45 alunos, sendo que apenas 3 não eram negros. Não eram todos analfabetos, porém não se podia considerá-los alfabetizados.
Apesar de empregar as técnicas de ensino, sentia-se como preenchen¬do o tempo de aula. Não conseguia avaliar os resultados do trabalho, nem o que deveria esperar das propostas que colocava em prática, sentindo-se confusa e impotente. Situações da sala revelavam o abismo existente entre o desempenho de seus alunos na escola e o que a vida fora da es-cola exigia deles.
Nesse sentido, tinha a sensação de que a escola parecia uma arma¬dilha montada para que esses meninos não pudessem se sair bem, e também, a convicção de que esse tipo de situação tinha um papel político muito importante que devia ser en¬frentado durante toda a sua vida pro¬fissional. Ficava impressionada quan¬do conversava com algumas mães e essas achavam natural que seus fi¬lhos não tivessem sucesso na esco¬la. Diziam que ela poderia 'bater ne¬les' para ver se estudavam.
Esse foi seu batismo de fogo que fez com que se afastasse por 12 anos da educação. A sensação mais pro¬funda que ficou dessa experiência foi a de ignorância. Ficou claro, para ela, que as informações e ideias que cir-culavam na educação não davam conta do problema do ensino. O pro-fessor era um cego.
Para ela, o professor continua che¬gando hoje à escola com as mesmas insuficiências com a qual ela chegou em 1962, sendo que a diferença, hoje, está na possibilidade que o profes¬sor tem de, se quiser, tentar resolver essa situação. Hoje, os professores têm à sua disposição um corpo de conhecimentos que, se não dá con¬ta de tudo, pelo menos ilumina os processos através dos quais as cri¬anças conseguem ou não aprender certos conteúdos. O entendimento que se tem do professor hoje é o de alguém com condições de ser sujei¬to de sua ação profissional.
Ao final de 1962, e durante os 12 anos seguintes trabalhou em áreas completamente diferentes, e como nenhuma outra atividade dava senti¬do à sua vida profissional, acabou voltando para a educação. Seu com-promisso é com essas crianças - que são maioria nas escolas públicas - para que superem o fracasso e te¬nham sucesso na escola.
Apesar de ser considerada espe¬cialista em alfabetização, sua ques¬tão é a aprendizagem, em especial, a aprendizagem escolar.
Capítulo 2 - UM NOVO OLHAR SOBRE A APRENDIZAGEM.
Apesar de ter iniciado sua docên¬cia em 1962, e de ter na época um certo conhecimento significativo quan¬to ao fato da criança conseguir escre¬ver, mesmo que não ortograficamen¬te, ela não tinha um conhecimento científico acumulado que lhe permi¬tisse superar um ponto de vista "adultocêntrico", ou seja, a forma como se concebe a aprendizagem das crianças a partir da própria pers¬pectiva do adulto que já domina o conteúdo que quer ensinar. A partir dessa perspectiva, não é possível compreender o ponto de vista do aprendiz, pois não se 'enxerga' o objeto de seu conhecimento com os olhos de quem ainda não sabe.
A partir dessa perspectiva, o professor (do lugar de quem já sabe) define, a priori, o que é mais fácil e o que é mais difícil para os alunos e quais os caminhos que eles de¬vem percorrer para realizar as atividades desejadas. Tal concepção, por parte do professor, gera um tipo de procedimento pedagógico que dificulta o processo de aprendizagem para uma parte das crianças, princi¬palmente, aquelas que mais neces¬sitam da ajuda da escola, por ter menos conhecimento construído so¬bre os conteúdos escolares.
Assim, a adoção de uma postu¬ra adultocêntrica não é uma deci¬são voluntária dos professores, uma vez que, o conhecimento científico que trazem consigo, não lhes permi¬te enxergar e acolher uma outra con-cepção de aprendizagem relaciona¬da à perspectiva do aprendiz.
A metodologia embutida nas cartilhas de alfabetização contribui para o fracasso escolar.
A chamada Psicogênese da Lín¬gua Escrita, resultado das pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1970), sobre o que pen-sam as crianças quanto ao sistema alfabético de escrita, evidencia os problemas que a metodologia em¬butida nas cartilhas (que faz uso do método da análise-síntese ou da pa¬lavra geradora) traz para as crianças.
Por meio das pesquisas das auto¬ras acima mencionadas, em uma sociedade letrada, as crianças constroem conhecimentos sobre a escri¬ta desde muito cedo, a partir do que observam na interação com o seu meio físico e social e das reflexões que fazem a esse respeito. As pes¬quisas evidenciaram que quando as crianças ainda não se alfabetizaram, buscam uma lógica que explique o que não compreendem, elaborando hipóteses muito interessantes sobre o funcionamento da escrita.
Esses estudos permitiram com¬preender que a metodologia das cartilhas pode fazer sentido para cri¬anças convencidas de que para es¬crever uma determinada palavra, bas¬tar uma letra para cada sílaba oral emitida (hipótese silábica), mas para aquelas que ainda cultivam ideias
muito mais simples a respeito da escrita, ou seja, que ainda não estabeleceram relação entre a escrita e a fala (pré-silábica), o esforço de demonstrar que uma sílaba, geralmente, se escreve com mais de uma le¬tra não faz nenhum sentido. São es¬sas as crianças que não conseguem aprender com a cartilha e que ficam repetindo a 1a. série várias vezes, chegando a desistir da escola.
As crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus usos a partir da participação em situações nas quais os textos têm uma função so¬cial de fato. Frequentemente as cri¬anças mais pobres são as que têm hipóteses mais simples, pois vivem poucas situações desse tipo. Para elas a oportunidade de pensar e construir ideias sobre a escrita é menor do que para as crianças que vivem em famíli¬as típicas de classe média ou alta, nas quais ouvem a leitura de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adultos manusearem jornais para bus¬car informações, recebem correspon¬dências, fazem anotações, etc.
Isso não quer dizer, que as crianças pobres não tenham acesso à es¬crita ou não façam reflexões sobre seu funcionamento fora da escola, mas habitualmente tais práticas não fazem parte do cotidiano do seu grupo so¬cial de origem e isso faz com que o início de sua escolarização se dê em condições menos favoráveis do que para aquelas crianças que participam de práticas sociais letradas desde pequenas.
Assim, independente do fato de que as crianças venham de uma fa¬mília pobre ou não, o que importe realmente é a ação pedagógica do professor, e esta dependerá da sua concepção de aprendizagem (todo o ensino se apoia numa concepção de aprendizagem).
É possível enxergar o que o aluno já sabe a partir do que ele produz e pensar no que fazer para que aprenda mais.
Nas últimas décadas muitas pes¬quisas pontuam uma concepção de aprendizagem que é resultado da ação do aprendiz. Dessa forma, a função do professor é criar condições para que o aluno possa exercer a sua ação de aprender participando de situações que favoreçam a atividade mental, ou seja, o exercício intelectual.
Quando o professor entende que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para continuar aprendendo ele pode identificar que informação é necessária para que o conhecimento do aluno avance. Essa percepção permite ao professor compreender que a intuição não é mais suficiente para guiar a sua prática e que ele precisa de um conhecimento que é produzi¬do no território da ciência.
É preciso considerar o conhecimento prévio do aprendiz e as contradições que ele enfrenta no processo.
Em uma concepção de aprendi¬zagem construtivista, o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz. Esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas e que, diante de novas informações que têm para ele sentido, realiza um esforço para assimilá-la, assim frente a um pro¬blema (conflito cognitivo) o aprendiz tem a necessidade de superá-lo.
O novo conhecimento aparece como aprofundamento do conheci¬mento anterior que ele já detém. É inerente à própria concepção de aprendizagem que o aprendiz busque o conhecimento prévio que ele pos¬sui sobre qualquer conteúdo.
Através dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e demais colaboradores, sabemos que a cri¬ança representa a escrita de diferen¬tes modos, como a expressão de um conhecimento sobre a escrita que precede a compreensão real do fun¬cionamento do sistema alfabético.
No caso da aprendizagem da es¬crita, o meio social coloca para as crianças uma série de contradições e de conflitos que a forçam a buscar soluções, superar as hipóteses ina¬dequadas quanto ao sistema de escrita, através da construção de no¬vas teorias explicativas. Nesses mo¬mentos, a atuação do professor é fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que depende também das propostas didáticas e da in¬tervenção que ele fizer.
Essas teorias explicativas são for¬mas de interpretação não necessari-amente conscientes, mas que orientam a ação de quem está aprenden¬do. Tais teorias são modificadas no embate com a realidade com a qual o aluno se depara a todo instante e especialmente quando o professor cria contextos adequados para que isso aconteça.
Para aprender, a criança passa por um processo que não tem a lógica do conhecimento final, como é visto pelos adultos.
Do ponto de vista do referencial construtivista, nenhum conceito nas¬ce com o sujeito ou é incorporado de fora, mas precisa ser construído através da interação do sujeito com o meio (físico, social, cultural); nesse processo de construção, as expres¬sões do aprendiz não têm a lógica do conhecimento final, concebido pelo adulto. As pesquisas realizadas pelo psicólogo Jean Piaget quanto à conservação de quantidades (massa/ fichas), demonstram que para crian¬ças com idade de 5/7 anos, o fato de oito fichas apresentarem-se juntas e oito fichas apresentarem-se espalha-das apresentam quantidades diferen¬tes, simplesmente pela disposição / configuração dessas fichas (pensa¬mento pré-operatório/perceptivo/ irreversível).
Começa com Piaget, a construção de um novo olhar sobre a aprendizagem.
Piaget desenvolveu uma teoria do conhecimento (Epistemologia e Psicologia Genética) que explica como se avança de um conhecimento menos elaborado para um conheci¬mento mais elaborado, ressaltando que o conhecimento é resultado da interação do sujeito com o meio ex¬terno, que é um processo no qual o sujeito participa ativamente, modifi¬cando o meio no qual está inserido e sendo, também, modificado por esse mesmo meio.
Foram os estudos de Piaget que abriram a possibilidade de se estu¬dar a construção de conhecimentos específicos, como o fez Emília Fer¬reiro que mostrou que era possível pensar o construtivismo - o modelo geral de construção do conhecimen¬to, tal como formulado por Piaget e colaboradores da Escola de Genebra - como a moldura de uma investiga-ção sobre a aquisição de um conhe¬cimento particular, no caso de Emília Ferreiro, o da leitura e escrita.
A Psicogênese da Língua Escrita é um modelo psicológico de apren-dizagem específico da escrita que serve de informação ao educador, porém a maneira como essas infor¬mações são usadas na ação educativa pode variar muito porque nenhuma pedagogia responde apenas a um modelo psicológico.
O modelo geral no qual se apoia a Psicogênese da Língua Escrita é de que há um processo de aquisi¬ção no qual a criança vai construin¬do hipóteses sobre a escrita, testan¬do-as, descartando umas e recons¬truindo outras. Durante a alfabeti¬zação, aprende-se mais do que es¬crever alfabeticamente. Aprendem-se, pelo uso, as funções da escrita, as características discursivas dos tex¬tos escritos, os gêneros utilizados para escrever e muito outros conteúdos.
O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo cha¬ma-se aprendizagem pela resolução de problemas (situações-problema).
Aprender a aprender é algo possível apenas a quem já aprendeu muita coisa.
Para aprender a aprender, o apren¬diz precisa dominar conhecimentos de diferentes naturezas, como as lin¬guagens, por exemplo. Nesse proces¬so, a flexibilidade e a capacidade de se lançar com autonomia nos desa¬fios da construção do conhecimento são extremamente importantes, pois há todo um saber necessário para poder aprender a aprender; e isso só é possível para quem aprendeu muito sobre muita coisa.
Deste modo, é desejável que o aprendiz saiba buscar informações através do computador, porém é fundamental desenvolver a capacidade de estabelecer relações inteligentes entre os dados, as informações e os conhecimentos já construídos.
Nesse sentido, para ser capaz de aprender permanentemente, a baga¬gem básica necessária atualmente é acadêmico-cultural, em que se ar¬ticulam conhecimentos de origem tradicionalmente escolar e aqueles relacionados aos movimentos cultu¬rais da sociedade (formação geral).
Assim, a escola tem uma tripla função:
1. levar o aluno a aprender a aprender;
2. dar-lhe os fundamentos acadê¬micos e;
3. equalizar as enormes diferen¬ças no repertório de conheci¬mentos dos aprendizes.
É praticamente impossível a es¬cola realizar sozinha essa terceira fun¬ção, mas sua contribuição é essencial, pois é preciso pensar como agir para democratizar o acesso à infor¬mação e às possibilidades e cons¬trução de conhecimento.
Capítulo 3 - O QUE SABE UMA CRIANÇA QUE PARECE NÃO SABER NADA
Saber o que o aluno sabe e o que ele não sabe para poder atuar é uma questão complexa. Esse saber não está relacionado ao conteúdo a ser ensinado (perspectiva adulta) e sim ao ponto de vista do aprendiz porque é esse o conhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que ele já sabe para o que não sabe. O que realmente importa são as construções e ideias que o aprendiz elaborou e que não foram ensinadas pelo professor e, sim, construídas pelo aprendiz.
Quando uma criança escreve fazendo uso de uma concepção silá¬bica de escrita, por exemplo, essa 'escrita' não é reconhecida como um saber, pois do ponto de vista de como se escreve em português, essa escri¬ta não existe. Mas, para chegar a es¬crever em português (escrita alfabé¬tica), o aprendiz precisa passar por uma concepção de escrita desse tipo (silábica), imaginando que quando se escreve representa-se as emissões sonoras que ele consegue reconhe¬cer (a sílaba), isolando-as pela via da audição.
Tal conhecimento é importante e o professor deve reconhecê-lo na aprendizagem da escrita. Caso contrário contribuirá muito pouco com os avanços do aluno em relação à escri¬ta e, se a criança aprender a ler, pro-vavelmente, será por conta própria.
Um olhar cuidadoso sobre o que a criança errou pode ajudar o professor a descobrir o que ela tentou fazer.
Somente um olhar cuidadoso e despojado do professor sobre a pro¬dução do aprendiz (quanto ao saber não reconhecido), permitir-lhe-á des¬cobrir o que pensa esse aprendiz, possibilitando-lhe levantar questões e perguntas sobre tal produção. Ao desconsiderar o esforço do seu alu¬no, dizendo-lhe que sua produção não está correta, acaba desvalorizan¬do sua tentativa e esforço e, conseqüentemente, o aluno vai pensar duas vezes antes de produzir de novo.
O conhecimento se constrói por caminhos diferentes daqueles que o ensino supõe. Isso acontece no processo de aquisição da escrita, na construção dos conceitos matemá¬ticos e na aprendizagem de qualquer outro conteúdo e mesmo quando os alunos estão submetidos a um tipo de ensino convencional, pois o que impulsiona a criança é o esforço para acreditar que atrás das coisas que ela tem de aprender existe uma lógica.
Se o professor não sabe nada so¬bre o que o aluno pensa ou conhece a respeito do conteúdo que quer que ele aprenda, o ensino que ele ofere¬ce não tem com quem dialogar.
Conhecimentos prévios dos alunos não deve ser confundido com conteúdo já ensinado pelo professor.
Na perspectiva construtivista - de resolução de problemas - o profes¬sor não pode considerar como sinônimos o que o aluno já sabe e o que lhe foi ensinado, pois não são neces¬sariamente a mesma coisa. Para que isso não aconteça, é preciso que o professor desenvolva uma sensibili¬dade e uma escuta atenta para a re¬flexão que as crianças fazem, supon¬do que o que elas pensam tem senti¬do e não é fruto de sua ignorância.
O professor precisa criar um am¬biente sócio-afetivo para que as cri¬anças possam manifestar livremente/espontaneamente o que pensam; somente assim, poderá favorecer situações de aprendizagem significati¬vas. Tal ambiente deve possibilitar que as crianças pensem sobre suas idei¬as. Do mesmo modo, cabe ao pro¬fessor oferecer conflitos/situações problemas que possibilitem às crian¬ças exercitarem o pensamento, na busca de soluções possíveis. Isso re¬quer do professor estudo e uma pos¬tura reflexiva e investigativa.
A psicogênese da língua escrita abriu a possibilidade de o professor olhar para a criança e acreditar que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem lógica e o que o pro¬fessor não enxerga é porque não tem instrumentos suficientes para perce¬ber o sentido que está sendo mani-festado pela criança.
Um casamento entre a disponibilidade da informação externa e a possibilidade da construção interna.
Quando o professor não entende a produção da criança deve-se per-guntar à criança, mesmo que não consiga entender suas explicações, uma atividade indicada para isso é o trabalho em dupla, pois trabalhando juntas as crianças dão explicações umas às outras e, então, o professor poderá compreender as hipóteses das crianças.
Assim, é importante observar os procedimentos dos alunos diante de uma atividade, para que o professor possa reconhecer esses procedimen¬tos dos alunos, de modo, a saber quais são os menos e os mais avan¬çados e que raciocínio os alunos mais avançados então realizando.
O trabalho em grupo permite que as crianças observem os procedimen-tos de atuação de seus colegas, inclu¬sive daqueles que utilizam procedimen¬tos de resolução de problemas mais avançados. Ao perceberem a possibi¬lidade de diferentes formas de execu¬ção, reconhecem o procedimento do colega como mais produtivo e econô-mico, construindo, assim, a lógica ne¬cessária para poder aprender (a crian¬ça aprendeu com outra que sabe mais).
Tem-se, assim, de um delicado casa¬mento entre a disponibilidade da in-formação externa e a
possibilidade da construção interna - construtivismo: um modelo explicativo da aprendiza¬gem que considera, ao mesmo tem¬po, as possibilidades do sujeito e as condições do meio.
Cabe ao professor tomar decisões importantes, seja na formação das parcerias entre alunos, seja nas ques¬tões que ele mesmo propõe no desenrolar da atividade.
Todas as crianças sabem muitas coisas, só que umas sabem coisas diferentes das outras.
As crianças são provenientes de culturas diferentes e isso contribui para que saibam coisas diferentes, por isso é importante que o professor tenha claro que as crianças provenientes de um nível cultural valorizado pela es-cola apresentam enormes vantagens em relação às outras crianças. Para tais crianças a escola será muito mais fácil, porque está em consonância com a cultura da família e do seu am¬biente. Por outro lado, as crianças pro¬venientes de ambientes onde as pes¬soas possuem menor grau de escolaridade e distantes dos usos cotidianos dos conteúdos que a escola valoriza encontrarão dificuldades.
Assim, a equalização das oportu¬nidades de aprendizagem dessas cri-anças deve ser uma tarefa da escola que deve repensar sua própria práti-ca, de modo a não prejudicar o su¬cesso escolar desses alunos. (...) "É preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não sabem nada".(p, 49)
A equalização de oportunidades de aprendizagem não significa uma pedagogia compensatória. É preci¬so socializar os conteúdos pertencen-tes ao mundo da cultura: literatura, ciência, arte, informação tecnológica, etc., pois isso é uma questão de inserção social e, portanto, direito de to-das as crianças. A escola não pode ser instrumento de exclusão social.
Todo professor deve levar todos os seus alunos a participarem da cultura.
O termo cultura é utilizado não em seu sentido antropológico e sim no do senso comum: a cultura erudita e a de larga difusão, mas produzida para e pela elite.
Todos os professores, principal¬mente, aqueles das classes iniciais que quiserem contribuir para que todos os alunos de sua classe tenham a mes¬ma oportunidade de aprender, devem estimulá-los a participar da cultura.
É papel do professor ler diferen¬tes tipos de assuntos/textos (usar o jornal e outras fontes de informação e de pesquisa) em classe e levar as crianças para exposições de artistas importantes. É preciso oferecer às cri¬anças a oportunidade de navegar na cultura, na Internet, na arte, em to-das as áreas do conhecimento, em todas as linguagens, em todas as pos-sibilidades.
Um exemplo de alguém que sa¬bia como tratar as crianças era Monteiro Lobato que escrevia livros contando coisas da Antiguidade, fa¬lando de astronomia, da história do mundo. Porém, o que normalmente se oferece para as crianças lerem são histórias empobrecidas, versões re¬sumidas e textos com supressões.
Não é possível formular receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de alunos.
Nos anos 1970, uma visão de es¬cola como linha de montagem, de-nominada de tecnicista, voltada para criar máquinas de ensinar, métodos de ensino, sequências de passos pro¬gramados, dominava a concepção de ensino e aprendizagem. No Brasil, esse modelo chamava-se ensino programa¬do. A função do professor, nesse mo¬delo, era simplesmente, a de adminis¬trar o ensino programado e foi, jus¬tamente, esse modelo o responsável por uma exigência cada vez mais bai¬xa de qualificação dos professores.
O ensino programado permitia o que se chamava de 'ensino na me¬dida do estudante', que embora con¬siderasse os vários ritmos de apren¬dizagem da criança, todos aprendi¬am, pois, seguindo os passos progra¬mados chegariam todos, de alguma forma, ao final.
O papel do professor dentro de uma proposta construtivista é bem diferente deste proposto pelo mode¬lo tecnicista. Cabe ao professor cons-truir conhecimentos de diferentes naturezas, que lhe permitam ter claros os seus objetivos, assim como selecionar conteúdos adequados, enxergando na produção de seus alu¬nos o que eles já sabem e construin-do estratégias que os levem a con¬quistar novos patamares de conhe-cimento. Não há receitas prontas a serem aplicadas a grupos de alunos, uma vez que, a prática pedagógica é complexa e contextualizada. O professor precisa ser alguém com autonomia intelectual.
Capítulo 4 • AS IDEIAS, CONCEPÇÕES E TEORIAS QUE SUSTENTAM A PRÁTICA DE QUALQUER PROFESSOR, MESMO QUANDO ELE NÃO TEM CONSCIÊNCIA DELAS.
A prática pedagógica do pro¬fessor é sempre orientada por um conjunto de ideias, concepções e te¬orias, mesmo que nem sempre tenha consciência disso. Para que possa¬mos compreender a ação do professor, é preciso verificar de que forma seus atos expressam sua concepção sobre:
• o conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
• o processo de aprendizagem (os caminhos pelo quais a aprendizagem acontece);
• como deve ser o ensino.
Historicamente, a teoria empirista é a teoria que mais vem im¬pregnando as representações sobre o que é ensinar, quem é o aluno, como ele aprende e o que e como se deve ensinar (modelo de ensino e aprendizagem conhecido como estímulo-resposta).
Essa teoria define a aprendizagem como 'a substituição de respostas erradas por respostas certas', partindo da concepção de que o aluno pre-cisa memorizar e fixar informações, as mais simples e parciais possíveis e ir acumulando com o tempo.
A cartilha está fundamentada nes¬se modelo (palavras-chaves, famílias silábicas usadas exaustivamente, fra¬ses desconectadas, textos com mínimo de coerência e coesão).
Como a metodologia de ensino expressa nas cartilhas concebe os caminhos pelas quais a aprendizagem acontece.
Na concepção empirista, o co¬nhecimento está 'fora' do sujeito (a fonte do conhecimento é externa ao sujeito - é o meio físico e social) e, é interiorizado através dos sentidos, ativado pela ação física e perceptual.
O sujeito é concebido como uma tábula rasa – ‘vazio’ na sua origem, sendo 'preenchido' pelas experiênci¬as que tem com o mundo (conceito de 'educação bancária' criticada por Paulo Freire). O aprendiz é alguém que vai juntando informações.
O processo de ensino fundamentado nessa teoria caracteriza-se pela: có-pia, ditado, memorização pura e sim¬ples, utilização da memória de curto prazo para reconhecimentos das fa¬mílias silábicas, leitura mecânica para posterior leitura compreensiva.
Para mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico
Em uma concepção construtivista, o conhecimento não é concebido como cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito. A teoria construtivista pressupõe uma atividade, por parte do aprendiz, que or-ganiza e integra os novos conheci¬mentos aos já existentes. Isso acon¬tece com alunos e professores em processo de transformação.
Uma preocupação, bastante per¬tinente, diz respeito ao fato do pro¬fessor querer inovar a sua prática, adotando um modelo de construção de conhecimento sem compreender, suficientemente, as questões que lhe dão sustentação, correndo o risco de se deslocar de um modelo que lhe é familiar para o outro meio conheci¬do, mesclando teorias, como se cos-tuma afirmar.
Outra preocupação diz respeito ao entendimento destorcido por parte de professores, que acreditando ser o sujeito sozinho quem constrói o co-nhecimento, veem a intervenção pedagógica como desnecessária.
Tais concepções não fazem nenhum sentido num modelo construtivista.
Conteúdos escolares são objetos de conhecimento complexos, que devem ser dados a conhecer, aos alunos, por inteiro.
Para o referencial construtivista, a aprendizagem da leitura e da escrita é complexa e, portanto, deve ser apre¬sentada / oferecida por inteiro ao aprendiz e de forma funcional. Para os construtivistas, o aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém que vai produzir a transformação, convertendo informação em conhe-cimento próprio.
Essa construção pelo aprendiz não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações nas quais age sobre o que é o objeto do seu conhecimento, pensa sobre ele, re¬cebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo com outras pes¬soas. A diferença entre o modelo empirista e o modelo construtivista é que no primeiro a informação é introjetada ou não; enquanto que no segundo, o aprendiz tem de transfor-mar a informação para poder assimilá-la. Isso resulta em práticas pedagógicas muito diferentes.
Afirmar que o conhecimento prévio é a base da aprendizagem não é defender pré-requisitos.
No modelo construtivista, o co¬nhecimento não é gerado do nada, é uma permanente transformação a partir do conhecimento que já exis¬te. Essa afirmação de que conheci¬mentos prévios constituem a base de novas aprendizagens não significa a crença ou a defesa de pré-requisitos e muito menos significa matéria ensinada anteriormente pelo professor.
Não informar nem corrigir significa abandonar o aluno à própria sorte.
A crença espontaneista de que o aluno constrói o conhecimento, não sendo necessário ensinar-lhe, faz com que o professor passe a não informar, a não corrigir e a se sa¬tisfazer com que o aluno faz ' do seu jeito'; isso significa abandonar o aluno à sua própria sorte.
Cabe ao professor organizar a si¬tuação de aprendizagem de forma a oferecer informação adequada. A fun¬ção do professor é observar a ação da criança, acolher ou problematizar / desestabilizar suas produções, inter¬vindo sempre que achar que pode contribuir para que a concepção da criança sobre o objeto de conheci¬mento avance. É papel do professor apoiar a construção do conhecimento pelo aprendiz.
Capítulo 5 - COMO FAZER O CONHECIMENTO DO ALUNO AVANÇAR.
O processo de ensino deve dialo¬gar com o de aprendizagem. Isso mostra que não é o processo de aprendizagem (aluno) que deve se adaptar ao processo de ensino (pro¬fessor), mas, sim, o processo de en¬sino que deve se adaptar ao proces¬so de aprendizagem.
Para tanto, o professor precisa com¬preender o caminho de aprendizagem que o aluno está percorrendo naquele momento e, a partir disso, identificar as informações e atividades que permitirão ao aluno avançar do patamar de conhecimento que conquistou para outro que é mais avançado.
Para isso, é preciso que o profes¬sor organize situações de aprendiza-gem: atividades planejadas (propos¬tas e dirigidas) com a intenção de fa-vorecer a ação do aprendiz sobre um determinado objeto de conhecimen¬to, sendo que essa ação está na ori¬gem de toda e qualquer aprendizagem.
Tais atividades devem reunir algu¬mas condições e respeitar alguns princípios:
• os alunos devem por em jogo tudo que sabem e pensam so¬bre o conteúdo que se quer en¬sinar;
• devem ter problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõe produzir;
• a organização da tarefa pelo professor deve garantir a má¬xima circulação de informação possível;
• o conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real, sem se transformar em objeto esco¬lar vazio de significado social.
Alunos põem em jogo tudo que sabem, têm problemas a resolver e decisões a tomar:
O aprendiz precisa testar suas hi¬póteses e enfrentar contradições, seja entre as próprias hipóteses, seja en¬tre o que consegue produzir sozinho e a produção de seus pares ou entre o que pode produzir e o resultado tido como convencionalmente correto.
Partindo-se de uma proposta construtivista, o conhecimento só avança quando o aluno tem bons problemas sobre os quais pensar.
Para isso, o professor deve criar boas situações de aprendizagem para os alunos, atividades que representem possibilidades difíceis, porém dificul-dades possíveis de serem resolvidas.
A escola precisa autorizar e incen¬tivar o aluno a acionar seus conheci-mentos de experiências anteriores, fa¬zendo uso deles nas atividades escola¬res; é preciso criar atividades para que isso seja de fato requisitado, sendo útil para qualquer área de conhecimento.
A organização da tarefa garante a máxima circulação de informação possível.
Os livros e demais materiais escri¬tos, a intervenção do professor, a ob-servação de um colega na resolução de um problema, as dúvidas, as difi-culdades, o próprio objeto de conhe¬cimento que o aluno se esforça para aprender são situações que informam.
Por isso, é importante que se ga¬ranta a máxima circulação de infor¬mação possível na classe e o ambi¬ente escolar deve permitir que as per¬guntas e as respostas circulem.
Nesse processo, as informações que chegam até o aprendiz precisam ser trabalhadas ou interpretadas por ele de acordo com que lhe é possível naquele momento.
O professor precisa estar ciente de que o conhecimento avança quando o aprendiz se defronta com situações-problema nas quais não havia pen-sado anteriormente. Situações signi¬ficativas de aprendizagem em sala de aula acontecem quando o professor abre mão de ser o único informante e quando o clima sócio afetivo se ba¬seia no respeito mútuo e não no autoritarismo. É preciso incentivar a cooperação, a solidariedade, o respei-to e o tutoramento (um aluno ajudan¬do o outro) em sala de aula.
A interação entre os alunos é neces¬sária não somente porque o intercâmbio é condição para o convívio social na escola, mas, também, porque informa a todos os envolvidos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem.
O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real.
O ensino da língua portuguesa está cheio de criações escolares que em nada coincidem com as práticas sociais de uso da língua, objeto de ensino na escola, baseadas no sen¬so comum. Isso não acontece somen¬te no ensino da língua portuguesa, mas em todas as outras áreas.
Na escola, por exemplo, aprende-se a linguagem matemática escrita, que é pouco usada na rua. Porém, não se pode deixar de lado esta com¬petência que o aluno já traz desen¬volvida (devido a sua vivência de 'rua') e sobrepor a escolarização a ela.
Quando se trata de ciência ou prá¬tica social convertida em objeto de ensino, estas acabam por sofrer mo¬dificações. A arte é diferente na Edu-cação Artística, o esporte é diferente da Educação Física, a linguagem é diferente do ensino de Língua Portu¬guesa, a ciência é diferente do ensino de Ciências. Porém, não se pode criar invenções pretensamente facilitadoras que acabem tendo existên¬cia própria. É papel da escola garan¬tir a aproximação máxima entre o use social do conhecimento e a forma de tratá-lo didaticamente.
Capítulo 6 - QUANDO CORRIGIR, QUANDO NÃO CORRIGIR.
O professor desenvolve dois tipos de ação pedagógica: planejamento e intervenção, uma intervenção clássi¬ca é a correção que não é a única intervenção possível, nem a mais importante, porém é a que mais tem preocupado os professores.
Numa concepção construtivista de aprendizagem, a função da interven-ção é atuar de modo que os alunos transformem seus esquemas interpretativos em outros que dêem conta de questões mais complexas que as an¬teriores. A correção é algo relaciona¬do a qualquer situação de aprendi¬zagem, o que varia é como ela é com¬preendida pelo professor.
A tradição escolar normalmente vê a correção realizada longe dos alu¬nos na qual os erros são assinalados para que os alunos corrijam, como a mais importante (concepção empirista - exigente com a transmissão). Quando se trata de uma redação, o tex¬to tem que ser passado a limpo, cor¬rigido - o erro poderá ficar fixado na memória do aluno (concepção que supõe a percepção e a memória como núcleos na aprendizagem).
Outra visão de correção é a infor¬mativa que carrega a ideia de que a correção deve informar o aluno e ser feita dentro da situação de aprendi-zagem (concepção de erro constru¬tivo - que faz parte do processo de aprendizagem de qualquer pessoa).
Os erros devem ser corrigidos no momento certo. Que nem sempre é o momento em que foram corrigidos.
A ideia do erro construtivo fasci¬nou muitos educadores, que come¬çaram a ver de outra forma os textos escritos dentro de um sistema silábico e mesmo os de escrita alfabética. Porém, depois que a criança compreendeu o sistema alfabético de escrita é necessário que o professor intervenha na questão ortográfica, considerando a melhor forma de fazer isso. O que deve ser repensado é a concepção tradicional de correção.
Os alunos sabem o que achamos importantes que eles aprendam, mesmo que não falemos nada.
Muitos professores, por não quererem bloquear a criatividade do aluno, acabam deixando que ele escreva de qualquer jeito. Tal procedimento acaba consolidando um contrato didático implícito, pois de alguma forma o aluno percebe que o professor não valoriza esse tipo de conhecimento e acaba por desvalorizá-lo investindo nessas aprendizagens. É importante que o professor tenha claro que depois de um tempo de escolaridade, são inaceitáveis.
Capítulo 7 - A NECESSIDADE E OS BONS USOS DA AVALIAÇÃO.
No que diz respeito à avaliação, é preciso ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresentado um conteúdo novo. O conhecimento prévio é o conjunto de ideias, re¬presentações e informações que servem de sustentação para a nova aprendizagem, ainda que não tenham, necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. É importante investigar e explorar essas ideias e representações prévias porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que se quer que aconteça. Conhecer essas idei¬as e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.
Após esta avaliação inicial, relacionada aos conhecimentos prévios, é preciso que o professor utilize um ou outro instrumento para verificar como os alunos estão progredindo, pois o conhecimento não é construído igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento é a avaliação de percurso - formativa ou processual - feita durante o processo de aprendizagem. Esse procedimento permitirá ao professor avaliar se o tra¬balho que está desenvolvendo com os alunos está sendo produtivo e se os alunos estão aprendendo com as situ¬ações didáticas propostas.
A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do trabalho do professor.
Quando se avalia a aprendizagem do aluno, também se avalia a interven-ção do professor, pois o ensino deve ser planejado e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não.
Assim, é importante a organiza¬ção de espaços coletivos de discus¬são do trabalho pedagógico na es¬cola, valorizando-se a prática de ob¬servação de aula pelo coordenador ou orientador pedagógico - ou mes¬mo por um colega que ajude a olhar de fora. O professor está sempre tão envolvido que, às vezes, não lhe é possível enxergar o que salta aos olhos de um observador externo.
Se a maioria da classe vai bem e alguns não, estes devem receber ajuda pedagógica.
Quando, numa verificação de aprendizagem, grande parte dos alu¬nos apresenta dificuldades, é certo que o professor precisa rever o seu encaminhamento.
Porém, quando a verificação aponta que alguns alunos não estão bem, estes devem ser atendidos imediatamente atra¬vés de outras atividades que possibilitem a superação das dificuldades.
A escola deve estar comprometida com a aprendizagem de todos e, des¬sa forma, criar um sistema de apoio para que os alunos não se percam no caminho. As dificuldades precisam ser detectadas rapidamente para que se¬jam sanadas e continuem progredin¬do, não desenvolvendo bloqueios.
Tais crianças precisam ser aten¬didas por meio de realização de ati¬vidades diferenciadas durante a aula, trabalho conjunto com colegas que possam ajudá-los e intervenções pontuais do professor. É importante, tam¬bém, que essas crianças sejam en¬caminhadas a espaços escolares al¬ternativos que trabalham com crian¬ças com dificuldades momentâneas e que participem, também, de gru¬pos de apoio pedagógico, formados com a finalidade de contribuir para a aprendizagem dos alunos que encon¬tram dificuldades em relação aos novos conteúdos ensinados.
As escolas podem, ainda, elabo¬rar projetos que garantam horários de atendimento desses alunos antes ou depois da aula, permitindo que os alunos entrem e saiam dessas ativi¬dades de apoio pedagógico na me¬dida de suas necessidades e que não sejam estigmatizados por participa¬rem delas. Isso deve ser visto como parte integrante da escolaridade nor¬mal de qualquer um.
Um território delicado: como os alunos se vêem e se sentem como estudantes.
O mau desempenho escolar pode ser fruto de diferentes circunstancias ou razões, que precisam ser conside¬radas quando se pensa a intervenção pedagógica. Há diferentes situações:
• Por não ter compreendido conceitualmente um determi¬nado conteúdo, o prossegui¬mento das aprendizagens do aluno fica comprometido. Nes¬se caso, avaliando onde está a dificuldade que impede o alu¬no de avançar em seus conhe¬cimentos, o professor pode ajudá-lo com atividades e in¬tervenções especificamente planejadas para a superação do que está sendo obstáculo.
• O aluno não avança porque tem procedimentos inadequados, mesmo tendo conseguido aprender os principais concei¬tos relacionados ao que não sabe fazer. Nessa situação, a aju¬da do professor depende funda¬mentalmente de saber localizar a real dificuldade do aluno.
• um mau desempenho pode ser resultado de baixa auto-es¬tima ou de uma atitude desfa¬vorável em relação à própria aprendizagem. E papel do professor encorajar o aluno, fazen¬do-o sentir-se apoiado diante dos desafios.
O que fazer com os alunos que chegam ao final do período sem aprender o que a escola pretendia.
A escola costuma esquecer que as crianças desenvolvem uma vida social com sua turma tão importante em termos formativos quanto a aprendi¬zagem de conteúdos escolares.
Dessa forma, as crianças devem ser mantidas juntas por idade para progredir juntas, evitando-se o absur¬do de se manter meninos de 12/13 anos em classe de meninos de 8 anos.
Não se pode avaliar apenas os con¬teúdos das áreas de conhecimento na hora de decidir a vida escolar
do alu¬no. Se o aluno não alcançou o nível de desempenho exigido pela escola (no ano ou ciclo), a
equipe responsá¬vel pelo trabalho pode garantir que no ano seguinte receba ajuda adequada, tendo
condições mais favoráveis para continuar aprendendo com a sua pró¬pria turma. Frequentemente a
reten¬ção tem um caráter punitivo.
Há situações - raras- em que é um alívio para o aluno repetir o ano porque ele está verdadeiramente defasado em relação à sua turma, e às vezes mal adaptado por causa disso. Nesse sentido, a reprovação pode ser um bem para ele, pois lhe possibilita uma vida escolar mais tranquila.
Capítulo 8 - O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE.
Quando o professor trabalha com um modelo de aprendizagem construtivista e um modelo de ensino por re¬solução de problemas, o desenvolvi¬mento profissional e a qualificação são muito importantes, pois os professo¬res precisam se tornar capazes de cri¬ar ou adaptar boas situações de apren¬dizagem, adequadas a seus alunos reais, cujos percursos de aprendiza¬gem ele precisa saber reconhecer.
Mesmo que a formação inicial se transforme, não abolirá a exigência de um trabalho permanente de estudo e reflexão.
A formação inicial do professor é insuficiente para que ele desempenhe a sua tarefa em sala de aula. É ur¬gente que essa formação seja repen¬sada através da formação contínuada/permanente, que envolve um tra¬balho de reflexão e estudo por parte do professor - exigência hoje, da maior parte das outras profissões.
A qualidade de trabalho pedagógi¬co depende, hoje, diretamente da exis-tência de um projeto educativo com¬partilhado pela comunidade escolar.
Devemos olhar para a prática de sala de aula como um objeto sobre o qual se pode pensar.
A tematização da prática é uma análise que pane da prática documen¬tada para explicitar as hipóteses didáticas subjacentes. Trata-se de olhar para a prática da sala de aula como um objeto sobre o qual se pode pen¬sar. E um instrumento de formação que vai na direção contrária à da tradicio¬nal visão aplicacionista de formação de professores. Tal visão oferece ao professor um corpo de ideias e con¬ceitos teóricos que se espera que ele aplique em sua prática profissional de forma mecânica e acrítica.
Um exemplo de tematização da prática é a gravação em vídeo de uma atividade de sala de aula que permi¬te a conjugação dos múltiplos olha¬res do grupo de professores e, atra¬vés de discussão, a construção de um olhar comum, coletivo, sobre a ativi¬dade que se está analisando, permi-tindo a construção de uma prática de analisar as situações da sala de aula e compreendendo as hipóteses que guiam os atos do professor.
É importante que o professor registre seu trabalho por escrito, porque isso o levará a construir uma prática de reflexão.
As modalidades de reflexão sobre a prática estão articuladas à ideia de documentação (registro escrito; gravação em vídeo). A documentação permite trazer a prática para os espaços de discussão e reflexão, ampliando a possibilidade de contato com a realidade da sala de aula e construindo uma metodologia de tematização da prática apoiada em diferentes suportes de registros.
Todas as escolas deveriam produzir coletivamente um documento para difundir as
características de seu projeto pedagógico.
Dois instrumentos são, particular¬mente, importantes para a formação continuada e a produção de um pro¬jeto educacional pela escola:
1. a documentação da prática da sala de aula e a reflexão coletiva da equipe da escola em tor¬no dela;
2. a exigência de comunicar o pro¬cesso de elaboração desse pro¬jeto educacional coletivo por escrito, pois essa é a condição para que essa pedagogia pro¬duzida na prática pelos profes¬sores nas escolas ganhe corpo, assuma um caráter de projeto implementado coletivamente.
O projeto pedagógico não é um documento único e pronto, vai-se definindo progressivamente pelo conjunto das práticas documentadas e de sínteses, feitas em determinados momentos, que registram o sentido mais amplo dos rumos do trabalho educacional da escola.
Se a sociedade quer um ensino de qualidade terá de assumir que isso implica um professor mais bem qualificado e remunerado.
Enfatiza-se que para que o profes¬sor faça aquilo que se espera dele, ele precisa ganhar muito mais e ter condi¬ções de trabalho adequadas. Salário e valorização andam de mãos dadas. Se a sociedade quer uma escola de quali¬dade terá de assumir que isso requer um profissional diferente daquele que vinha sendo proposto, o que implica um salário bastante diferenciado.
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