quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

APOSTILA DOS AUTORES COMPLETA

ÍNDICE
1. OLIVEIRA, Marta K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento; um processo sócio-histórico. 4. ed. São Paulo: Scipione,1997.
2. ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação - epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep, 2001.
3. COLL, César e outros. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.
4. COLL, César; MARTÍN, Elena e colaboradores. Aprender conteúdos & desenvolver capacidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.
5. CONTRERAS, José. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2002.
6. DELORS, Jacques e EUFRAZIO, José Carlos. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1998.
7. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
8. GARDNER, Howard; PERKINS, David; PERRONE, Vito e colaboradores. Ensino para a compreensão. A pesquisa na prática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
9. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2003.
10. HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001.
11. LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o possível, o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.
12. MARZANO, Robert J.; PICKERING, Debra J.; POLLOCK, Jane E. Ensino que funciona: estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos alunos. Porto Alegre: Artmed, 2008.
13. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2006.
14. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
15. PIAGET, Jean. Para onde vai a educação?. Rio de Janeiro: José Olimpio, 2007.
16. PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia: a resposta do grande psicólogo aos problemas do ensino. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
17. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
18. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 2001.
19. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da Aprendizagem - Práticas de Mudança: por uma práxis transformadora. São Paulo: Libertad, 2003.
20. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.






1.OLIVEIRA, MARTA K. DE. VYGOTSKY: APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO; UM PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO. 4. ED. SÃO PAULO: SCIPIONE,1997.

Palavras-chave: mediação, internalização, intrapessoal, maturacionista, ZPD – Zona de desenvolvimento proximal


A professora Marta Kohl de Oliveira, neste livro, ressalta importantes pontos na teoria de Vygotsky:
- “o homem biológico transforma-se em social por meio de um processo de internalização de atividades, comportamentos e signos culturalmente desenvolvidos”
- a obra de Vygotsky é apenas um esboço de um projeto;
- um grande problema na área da educação no Brasil é a tentativa de se estabelecer uma proposta pedagógica única, baseada numa idéia de escolha da melhor teoria, principalmente nos confrontos entre as teorias de Vygotsky e Piaget.
E a autora considera, ainda, que estes autores nos trazem uma enorme contribuição, destacando que a melhor forma de atuação será a de compreender o melhor possível cada abordagem para que haja um real aprimoramento da reflexão sobre o objeto a ser estudado.



.
Vivemos hoje um momento em que as ciências em geral, e as ciências humanas em particular, tendem a buscar áreas de intersecção, formas de integrar o conhecimento acumulado, de modo a alcançar uma compreensão mais completa de seus objetos. A interdisciplinaridade e a abordagem qualitativa têm, pois, forte apelo para o pensamento contemporâneo.
Do mesmo modo, a idéia do ser humano como imerso num contexto histórico e a ênfase em seus processos de transformação também são proposições muito importantes no ideário contemporâneo.
A discussão do pensamento Vygotsky na área da educação e da psicologia nos remete a uma reflexão sobre as relações entre este autor e Piaget.
No Brasil, Piaget tem sido a referência teórica básica nessas áreas e a penetração das ideias de Vygotsky sugere, inevitavelmente, um confronto entre as teorias dos dois autores.


Vygotsky foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir em que as funções psicológicas são um produto da atividade cerebral, explicando a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história.

Ele enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. A questão central de sua obra é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, por meio de um processo denominado mediação.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. O autor propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.
Suas concepções sobre o funcionamento do cérebro humano colocam que (...) “o cérebro é a base biológica, e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano.”
Essas concepções fundamentam sua idéia de que as funções psicológicas superiores (por ex. linguagem, memória) são construídas ao longo da história social do homem em sua relação com o mundo. Assim, as funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem.




A linguagem, sistema simbólico dos grupos humanos, representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Sendo assim, sociedades e culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas.
A cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real. Ela dá o local de negociações no qual seus membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações.
O processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna - é interpessoal e se torna intrapessoal.
Vygotsky usa o termo função mental para se referir aos processos de pensamento: memória, percepção e atenção; sustenta que o pensamento tem origem na motivação, no interesse, na necessidade, no impulso, no afeto e na emoção.







A interação social e o instrumento lingüístico são decisivos para a zona de desenvolvimento proximal (ZDP).


Para J. Piaget, dentro da reflexão construtivista, desenvolvimento e aprendizagem se interrelacionam, sendo a aprendizagem a alavanca do desenvolvimento. A perspectiva piagetiana é considerada maturacionista, no sentido de que ela preza o desenvolvimento das funções biológicas – que é o desenvolvimento - como base para os avanços na aprendizagem. Já na chamada perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, abordada por L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está atrelada ao fato de o ser humano viver em um meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos.
Os processos caminham juntos, ainda que não em paralelo.

Existem, pelo menos, dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um, o nível real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança é capaz de fazer por si própria, e o outro, potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa. Essa interação e sua relação com a imbricação entre os processos de ensino e aprendizagem podem ser melhor compreendidos quando nos remetemos ao conceito de ZDP.


A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas (distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto; potencialidade para aprender, que não é a mesma para todas as pessoas; distância entre os níveis de desenvolvimento real e potencial) nos quais as interações sociais são o centro, estando então, ambos os processos - aprendizagem e desenvolvimento - interrelacionados; assim, um conceito novo que se pretenda trabalhar, como por exemplo, em matemática, requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.
O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental.
Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.
É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano individual interno - relações intrapessoais.
Portanto, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo de ensino-aprendizagem.
O professor tem o papel explícito de interferir neste processo, diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. É o papel do docente, portanto, que provoca avanços dos alunos e isto se torna possível com a interferência do educador na zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
Vemos ainda como fator relevante para a educação, decorrente das interpretações das teorias de Vygotsky, a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo, pois uma intervenção deliberada desses membros da cultura, nessa perspectiva, é essencial no processo de desenvolvimento. Isso nos mostra os processos pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o objeto dessa intervenção a construção de conceitos.
O aluno não é somente o sujeito da aprendizagem; ele é aquele que aprende, junto ao outro, o que o seu grupo social produz, como por exemplo: valores, linguagem e o próprio conhecimento.
A formação de conceitos espontâneos ou cotidianos, desenvolvidos no decorrer das interações sociais, diferencia-se dos conceitos científicos adquiridos pelo ensino, parte de um sistema organizado de conhecimentos.
A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos internos na interação com outras pessoas.
Ao observar a zona proximal, o educador pode orientar o aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real. Nesse processo, o ensino deve passar do grupo para o indivíduo. Em outras palavras, o ambiente influenciaria a internalização das atividades cognitivas no indivíduo, de modo que o aprendizado gere o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental só pode realizar-se por intermédio do aprendizado.



O Biológico e o cultural: os desdobramentos do pensamento de Vygotsky.

A professora Marta Kohl de Oliveira aborda neste capítulo, três aspectos fundamentais:
- o funcionamento cerebral como suporte biológico do funcionamento psicológico;
- a influência da cultura no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos;
- a atividade do homem no mundo, inserida num sistema de relações sociais, como o principal foco de interesse dos estudos em psicologia.

Um dos pilares do pensamento de Vygotsky é a idéia de que as funções mentais superiores são construídas ao longo da história social do homem, a história social objetiva tem um papel essencial no desenvolvimento psicológico que não pode ser buscado em propriedades naturais do sistema nervoso, ou seja, o cérebro é um sistema aberto em constante interação com o meio, este meio será capaz de transformar suas estruturas e mecanismos de funcionamento, podendo se adaptar a diferentes necessidades e servindo a diversas funções estabelecidas na história do homem.
Luria (um de seus colaboradores) aprofunda em sua obra a questão da estrutura básica do cérebro em três unidades: a unidade para regulação da atividade cerebral e do estado de vigília; a unidade para recebimento, análise e armazenamento de informações; a unidade para programação, regulação e controle da atividade. Atividade psicológica é para Luria um sistema complexo que envolve a operação simultânea de três unidades funcionais: percepção visual; a análise da síntese da informação recebida pelo sistema visual; os movimentos dos olhos pelas várias partes do objeto a ser percebido. Outro aspecto importante refere-se à organização cerebral, cuja idéia é a de que a estrutura dos processos mentais e relações entre os vários sistemas funcionais transformam-se ao longo do desenvolvimento individual. Outro importante colaborador de Vygotsky foi Alexei Leontiev, para quem as atividades humanas são formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados, ou seja, o homem orienta-se por objetivos, planeja suas ações agindo de forma intencional. Leontiev distingue a estrutura da atividade humana em três níveis de funcionamento: a atividade propriamente dita, as ações e as operações.

Questões:

1- Quem foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza humana?
a) Vygotsky
b) Piaget
c) Vygotsky e Piaget ao mesmo tempo
d) Sakarov
e) Leontiev

2- Quando se trata da teoria de Vygotsky, à ideia central para a compreensão de suas concepções sobre o desenvolvimento humano, refere-se à qual função psicológica?
a) Aprendizado e desenvolvimento
b) A interação social e o instrumento lingüístico
c) Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)
d) O biológico e o cultural
e) Mediação

3- Quando nos referimos à concepção vygotiskyana de linguagem, estamos tratando de:
a) Sistema simbólico dos grupos humanos, representando um salto qualitativo na evolução da espécie
b) É a que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento
c) É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas
d) Todas as alternativas estão corretas
e) n. d. a.

4- Qual a importância do processo de internalização?
a) Da função mental para referir-se aos processos de pensamento, memória, percepção e atenção.
b) Da cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real.
c) O processo fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano, envolvendo uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna.
d) Todas as alternativas estão corretas.
e) n. d. a.


5) Podemos dizer sobre o ZPD:

I – zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, ou seja, determinado pela capacidade de resolver problemas independentemente, e o nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente.

II - ; potencialidade para aprender, que não é a mesma para todas as pessoas; distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial) nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, interrelacionados;

III – zelar pelo desenvolvimento proximal e o nível demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente.
IV – Somente a alternativa I está correta.
V – as alternativas I e II estão corretas.


Gabarito:


1- A
2- E
3- D
4- C
5 - V


2. ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação - epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep, 2001.

Palavras chaves do autor: reencantamento, aprendente, acessamento, esperançador, sobrante


O autor inicia sua obra analisando os vários aspectos importantes relacionados com a qualidade cognitiva e social da educação.
Ele afirma que o processo educacional, a melhoria pedagógica e o compromisso social têm que caminhar juntos, e que um bom ensino da parte dos docentes não é sinônimo automático de boa aprendizagem por parte dos alunos, ou seja, que há uma pressuposição equivocada de que uma boa pedagogia se resume num bom ensino.

Este explica que a escola não deve ser concebida como simples agência repassadora de conhecimentos prontos, mas como contexto e clima organizacional propício à iniciação em vivências personalizadas do aprender a aprender. A flexibilidade é um aspecto cada vez mais imprescindível de um conhecimento personalizado e de uma ética social democrática.

Sociedade aprendente
Fala-se muito em sociedade do conhecimento e agora também em sociedade aprendente. É importante saber decodificar criticamente e encarar positivamente o desafio pedagógico expressado numa série de novas linguagens.
Toda educação implica doses fortes de instrução, entendimento e manejo de regras, e reconhecimento de saberes já acumulados pela humanidade. Essa instrução não é o aspecto fundamental da educação, já que este reside nas vivências personalizadas de aprendizagem que obedecem à coincidência básica entre processos vitais e processos cognitivos.
No mundo atual, o aspecto instrucional da educação já não consegue dar conta da profusão de conhecimentos disponíveis e emergentes, mesmo em áreas específicas. Portanto, não deveria preocupar-se tanto com a memorização dos saberes instrumentais, privilegiando a capacidade de acessá-los, decodificá-los e manejá-los. O aspecto instrucional deveria estar em função da emergência do aprender, ou seja, da morfogênese personalizada do conhecimento. Isso pode ser ilustrado, com a visão da
memória como um processo dinâmico.

O reencantamento da educação requer a união entre sensibilidade social e eficiência pedagógica. O compromisso ético-político do/a educador/a deve manifestar-se primordialmente na excelência pedagógica e na colaboração para um clima esperançador no próprio contexto escolar.
Na segunda parte do livro, Assman (2001) fala da pós-modernidade e a globalização do mercado.
O objetivo desta reflexão é buscar a ponte entre pós-modernidade/pós-modernismo e didática. O pós-moderno é uma certa valorização da razão lúdica. Por algo a teoria de jogos é parte substancial da engenharia de sistemas cognitivos complexos. O pós-moderno é também um convite a relaxar, a não se levar tão a sério.
O pós-modernismo é,sem dúvida, a denúncia das fissuras da racionalidade moderna, mas é também a tentativa de reintroduzir a lógica nebulosa nas práticas culturais.
O marco referencial do debate pós-modernista, embora importante, é insuficiente para discutir e encarar os novos desafios da educação na situação pós-moderna. O debate pós-modernista geralmente não consegue sair do meio-de-campo, confuso e embolado, da crise das ciências humanas e sociais, onde o que mais se escuta são lamúrias nostálgicas em relação a redenções falidas.
Em meio ao acirramento competitivo, planetariamente globalizado, a educação se confronta como desafio de unir capacitação competente com formação humana solidária, já que hoje a escola incompetente se revela como estruturalmente reacionária por mais que veicule discursos progressistas. Juntar as duas tarefas – habilitação competente e formação solidária – ficou sumariamente difícil, porque a maioria das expectativas do meio circundante (mercado competitivo) se volta quase que exclusivamente para a demanda da eficiência (capacidade competitiva).

O ciclo que termina concentrou-se, por décadas, no aumento quantitativo da oferta escolar. Escolas por todo lado, tendência à universalização do acesso à escola enquanto espaço disponível. Nisso houve bastante êxito. A ênfase prioritária dessa fase (aumento quantitativo) sobrevive como um eco interpelativo no mote: educação para todos.Agora, , a ênfase se desloca do quantitativo para o qualitativo. Daí o exuberante discurso sobre a qualidade, inscrito no que se passou a chamar nova estratégia educacional.
A preocupação por atender, em termos quantitativos, a demanda reprimida, ou nem sequer ativada, permanece. Argumenta-se que faltou, no ciclo anterior, o vínculo dessa expansão escolar com as exigências de modernização do processo produtivo, especialmente em dois aspectos:1. aquisição de um colchão básico de competências flexíveis e multi-adaptáveis e
2. concentração no eixo científico técnico, que se diz estar comandando a dinâmica dos ajustes requeridos para o crescimento econômico.
Cobra-se a ponte entre a escola e uma capacitação básica e flexível diante de um mercado de trabalho cada vez mais exigente no que se refere à versatilidade adaptativa do trabalhador e ao acompanhamento atualizado dos avanços científico-técnicos. Destacam-se cidadania competitiva e criatividade produtiva. Não há como ignorar que, nessa proposta, há muitos aspectos irrecusáveis, assim como os há carregado de ambigüidade.
Na quarta parte, o autor discorre sobre a qualidade vista desde o pedagógico, afirmando que no futuro ninguém sobreviverá, em meio à competitividade crescente do mercado, sem uma educação fundamental que lhes entregue os instrumentos para a satisfação de suas necessidades básicas de aprendizagem no que se refere a competências mínimas e flexíveis. No fundo, é a isso que se refere à questão da qualidade. E é também para isso que convergem os interesses, ainda rudimentares e confusos, que setores do empresariado começam a demonstrar numa verdadeira universalização da educação básica.
Algumas manobras poderosas já acontecem para instaurar uma verdadeira cruzada em favor da educação pela/para a qualidade, e até se chega a falar, pomposamente, em pedagogia da qualidade, mesmo havendo muitos que persistem em ignorar o fato, ou o têm como insignificante, ou, ainda o consideram, um banal modismo passageiro.
As linguagens sobre qualidade funcionam, hoje, como território ocupado. Muitos ainda não se deram conta do fato de que o discurso sobre a qualidade se encontra, agora, aprisionado dentro de um campo de significação bem determinado. E, pelo menos por algum tempo, não será fácil arrancá-lo de lá e libertá-lo para outros sentidos.
O núcleo do processo pedagógico deve ser localizado nas experiências do prazer de estar conhecendo, nas experiências de aprendizagem que são vividas como algo que faz sentido para as pessoas envolvidas e é humanamente gostoso, embora possa implicar também árduos esforços.


.

Assim, para refletir sobre a qualidade de um processo educativo, nossa atenção deveria voltar-se, antes de tudo, para o problema seguinte: como criar melhores situações de aprendizagem, melhores contextos cognitivos, melhor ecologia cognitiva e melhores interações geradoras da vibração biopsicoenergética do sentir-se como alguém que está aprendendo.
Na quinta e última parte, o autor, relaciona a questão da cidadania com a exclusão social. Ele diz que o maior desafio ético da atualidade é, sem dúvida, a presença de uma estarrecedora lógica da exclusão do mundo de hoje. Grandes contingentes da população mundial passam ao rol de “massa sobrante” e faltam as decisões políticas necessárias para uma efetiva dignificação de suas vidas.
O fascínio e a manipulabilidade da linguagem sobre a cidadania faz com que ninguém dê mostras de querer desistir dela.
Cidadania não pode significar mera atribuição abstrata, ou apenas formalmente jurídica, de um conjunto de direitos e deveres básicos, comuns a todos os integrantes de uma nação, mas deve significar o acesso real, em juridicamente exigível, ao exercício efetivo desses direitos e ao cumprimento desses deveres. Não há cidadania sem a exigibilidade daquelas mediações históricas que lhe confira conteúdo no plano da satisfação das necessidades e dos desejos, correspondentes àquela noção de dignidade humana que seja estendível a todos num contexto histórico determinado.
A mediação histórica fundamental da cidadania básica é o acesso seguro aos meios para uma existência humana digna. Daí a correlação estreita entre cidadania e trabalho (no sentido de emprego justamente remunerado) na visão até hoje comum dessa temática. Para o trabalhador e seus dependentes, a cidadania se alicerça no direito ao trabalho.

.




CONCLUSÃO

O livro é um conjunto de reflexões integradas e direcionadas aos vários aspectos que possam interferir na qualidade do processo educacional.
Assman, (2001), demonstra uma série de descobertas fascinantes acerca de como se dá a experiência do conhecimento na vida das pessoas. Ele fundamenta a convicção de que hoje estamos em condições de entender melhor a relação indissolúvel entre processos vitais e processos de conhecimento, não apenas no sentido do ditado “vivendo e aprendendo”, mas num sentido mais profundo que nos leva a compreender que a própria vida se constitui intrinsecamente mediante processos de aprendizagem.
Ao longo do livro Assman (2001) mostra que a complexidade deve transformar-se num principio pedagógico pela simples razão de que, os docentes devem estar atentos às formas complexas que assumem na vida dos aprendentes, essa relação intrínseca entre os processos vitais e processos do conhecimento. Nesta perspectiva acredita-se em reformas curriculares no ensino universitário brasileiro, que efetivamente possam contribuir com a formação de profissionais.






Questões:

1- Quando e como Assmann afirma sobre a melhoria pedagógica?
a) Em nenhuma parte do texto ele afirma sobre a melhoria pedagógica
b) Quando o processo educacional e a melhoria pedagógica caminharem separadas
c) Quando o processo educacional, a melhoria pedagógica e o compromisso social caminharem juntos
d) Todas as alternativas estão corretas
e) n.d.a.

2- Como o autor fala sobre a Escola?
a) Quando ele define que educar não é apenas ensinar, mas criar situações de aprendizagem
b) Quando ela não for concebida como simples agência repassadora de conhecimentos prontos
c) Quando ela for concebida como simples agência repassadora de conhecimentos prontos
d) As alternativas a e b estão corretas
e) Apenas a alternativa a está correta

3- Qual a visão do autor sobre o pós-modernismo?
a) Ele não possui uma visão crítica sobre o pós-modernismo
b) Quando ele diz sobre a globalização do mercado
c) Quando ele reflete sobre a pós-modernidade e a didática
d) Quando o pós-modernismo é, sem dúvida, a denúncia das fissuras da racionalidade moderna, mas é também a tentativa de reintroduzir a lógica nebulosa nas práticas culturais
e) As alternativas b e c estão corretas

4- No decorrer do texto, qual é a reflexão que podemos tirar do autor?
a) É buscar a ponte entre pós-modernidade/pós-modernismo e didática
b) Que a escola melhorará com a globalização dos mercados
c) Todas as anteriores estão corretas
d) Apenas a alternativa b está correta
e) n.d.a.

5- Qual é a relação entre questão de cidadania com a exclusão social?
a) Todas, pois ambas acabam andando juntas
b) Nenhuma, pois ambas acabam andando separadas
c) Porque cidadania e exclusão social podem significar uma mera atribuição abstrata, ou apenas, um conjunto de direitos e deveres básicos, e, ambas devem significar o acesso real ao exercício efetivo dos direitos e ao cumprimento dos deveres
d) Cidadania e exclusão social não podem significar uma mera atribuição abstrata, ou apenas, um conjunto de direitos e deveres básicos, e ambas devem significar o acesso real ao exercício efetivo dos direitos e ao cumprimento dos deveres.
e) A relação entre as duas é o maior desafio ético da atualidade e, neste sentido, o fato maior desse nosso tempo é, sem dúvida, a presença de uma estarrecedora lógica de exclusão do mundo de hoje



Gabarito:

1- C
2- B
3- D
4- A
5- E







3. COLL, César e outros. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

Jeferson Anibal Gonzalez
Pedagogo (FFCLRP/USP) e Mestrando em Educação (FE/UNICAMP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR (GT/UNICAMP).

1. Os professores a e concepção construtivista (Isabel Solé e César Coll)

O construtivismo não é uma teoria, e sim uma referência explicativa, composta por diversas contribuições teóricas, que auxilia os professores nas tomadas de decisões durante o planejamento, aplicação e a avaliação do ensino. Ou seja, o construtivismo não é uma receita, um manual que deve ser seguido à risca sem se levar em conta as necessidades de cada situação particular. Ao contrário, os profissionais da educação devem utilizá-lo como auxílio na reflexão sobre a prática pedagógica; sobre o como se aprende e se ensina, considerando-se o contexto em que os agentes educativos estão inseridos. Essas afirmações demonstram a necessidade de se compreender os conteúdos da aprendizagem como produtos sociais e culturais, o professor como agente mediador entre indivíduo e sociedade, e o aluno como aprendiz social.
Tendo em vista uma educação de qualidade, entendida como aquela que atende a diversidade, o processo educativo não é responsabilidade do professor somente. Desse modo, o trabalho coletivo dos professores, normas e finalidades compartilhadas, uma direção que tome decisões de forma colegiada, materiais didáticos preparados em conjunto, a formação continuada e a participação dos pais são pontos essenciais para a construção da escola de qualidade.
A instituição escolar é identificada pelo seu caráter social e socializador. É por meio da escola que os seres humanos entram em contato com uma cultura determinada. Nesse sentido, a concepção construtivista compreende um espaço importante à construção do conhecimento individual e interação social, não contrapondo aprendizagem e desenvolvimento. Aprender não é copiar ou reproduzir, mas elaborar uma representação pessoal da realidade a partir de experimentações e conhecimentos prévios. É preciso aprender significativamente, ou seja, não apenas acumular conhecimentos, mas construir significados próprios a partir do relacionamento entre a experiência pessoal e a realidade. A pré-existência de conteúdos confere certa peculiaridade à construção do conhecimento, que deve ser entendida como a atribuição de significado pessoal aos conteúdos concretos, produzidos culturalmente.
Pensando especificamente o trabalho do professor, o construtivismo é uma concepção útil à tomada de decisões compartilhadas, que pressupõe o trabalho em equipe na construção de projetos didáticos e rotinas de trabalho. Por fim, é importante ressaltar que o construtivismo não é um referencial acabado, fechado a novas contribuições; sua construção acontece no âmbito da situação de ensino/aprendizagem e a ela deve servir.

2. Disponibilidade para a aprendizagem e sentido da aprendizagem (Isabel Solé)

A aprendizagem é motivada por um interesse, uma necessidade de saber. Mas o que determina esse interesse, essa necessidade? Não é possível elaborar uma única resposta a essa questão. No entanto, um bom caminho a seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos, a aprendizagem envolve aspectos afetivo-relacionais. Ao construir os significados pessoais sobre a realidade, constrói-se também o conceito que se tem de você mesmo (autoconceito) e a estima que se professa (auto-estima), características relacionadas ao equilíbrio pessoal. O autoconceito e a auto-estima influenciam a forma como o aluno constrói sua relação com os outros e com o conhecimento; reconhecer essa dimensão afetivo-relacional é imprescindível ao processo educativo.
Em relação à motivação para conhecer, é necessário compreender a maneira como alunos encaram a tarefa de estudar, que pode ser dividida em dois enfoques: o enfoque profundo e o enfoque superficial. No enfoque profundo, o aluno se interessa por compreender o significado do que estuda e relaciona os conteúdos aos conhecimentos prévios e experiências. Já no enfoque superficial, a intenção do aluno limita-se a realizar atarefas de forma satisfatória, limitando-se ao que o professor considera como relevante, uma resposta desejável e não a real compreensão do conteúdo. Importante ressaltar que o enfoque com que o aluno aborda a tarefa pode variar; dessa forma, o enfoque profundo pode ser a abordagem de uma relação a uma tarefa e o enforque superficial em relação a outras pelo mesmo aluno. A inclinação dos alunos para um enfoque ou outro vai depender, dentre outros fatores, da situação de ensino da qual esse aluno participa. Entretanto, o enfoque profundo pode ser trabalhado com os alunos de maneira intencional. Para isso, é preciso conhecer as características da tarefa trabalhada, o que se pretende com determinado conteúdo e a sua necessidade. Tudo isso demanda tempo, esforço e envolvimento pessoal.
Outro ponto importante a ser ressaltado é que o professor, ao entrar numa sala de aula, carrega consigo certa visão de mundo e imagem de si mesmo, que influenciam seu trabalho e sua relação com os alunos. Da mesma forma, os alunos constroem representações sobre seus professores. Reconhecer esses aspectos afetivos e relacionais é fundamental para motivação e interesse pela construção de conhecimento, tendo em vista que o autoconceito e a auto-estima, ligados às representações e expectativas sobre o processo educativo, possuem um papel mediador na aprendizagem escolar.
As interações, no processo de construção de conhecimento, devem ser caracterizadas pelo respeito mútuo e o sentimento de confiança. É a partir dessas interações, das relações que se estabelecem no contexto escolar, que as pessoas se educam. Levar isto em consideração é compreender o papel essencial dos aspectos afetivo-relacionais no processo de construção pessoal do conhecimento sobre a realidade.

3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos: os conhecimentos prévios (Mariana Miras)

Quando se inicia um processo educativo, as mentes dos alunos não estão vazias de conteúdo como lousas em branco. Ao contrário, quando chegam à sala de aula os alunos já possuem conhecimentos prévios advindos da experiência pessoal. Na concepção construtivista é a partir desses conhecimentos que o aluno constrói e reconstrói novos significados.
Identificam-se alguns aspectos globais como elementos básicos que auxiliam na determinação do estado inicial dos alunos: a disposição do aluno para realizar a tarefa proposta, que conta com elementos pessoais e interpessoais com sua auto-imagem, auto-estima, a representação e expectativas em relação à tarefa a ser realizada, seus professores e colegas; capacidades, instrumentos, estratégias e habilidades compreendidas em certos níveis de inteligência, raciocínio e memória que possibilitam a realização da tarefa.
Os conhecimentos prévios podem ser compreendidos como esquemas de conhecimento, ou seja, a representação que cada pessoa possui sobre a realidade. É importante ressaltar que esses esquemas de conhecimento são sempre visões parciais e particulares da realidade, determinadas pelo contexto e experiências de cada pessoa. Os esquemas de conhecimento contêm, ainda, diferentes tipos de conhecimentos, que podem ser, por exemplo, de ordem conceitual (saber que o coletivo de lobos é alcatéia), normativa (saber que não se deve roubar), procedimental (saber como se planta uma árvore). Esses conhecimentos são diferentes, porém não devem ser considerados melhores ou piores que outros.
Para o ensino coerente, é preciso considerar o estado inicial dos alunos, seus conhecimentos prévios e esquemas de conhecimentos construídos. Esse deve ser o início do processo educativo: conhecer o que se tem para que se possa, sobre essa base, construir o novo.

4. O que faz com que o aluno e a aluna aprendam os conteúdos escolares? A natureza ativa e construtiva do conhecimento (Teresa Mauri)

Entre as concepções de ensino e aprendizagem sustentadas pelos professores, destacam-se três, cada uma considerando que aprender é:
1) Conhecer as respostas corretas: Nessa concepção entende-se que aprender significa responder satisfatoriamente as perguntas formuladas pelos professores. Reforçam-se positivamente as respostas corretas, sancionando-as. Os alunos são considerados receptores passivos dos reforços dispensados pelos professores.

2) Adquirir os conhecimentos relevantes: Nessa concepção, entende-se que o aluno aprende quando apreende informações necessárias. A principal atividade do professor é possuir essas informações e oferecer múltiplas situações (explicações, leituras, vídeos, conferências, visitas a museus) nas quais os alunos possam processar essas informações. O conhecimento é produto da cópia e não processo de significação pessoal.

3) Construir conhecimentos: Os conteúdos escolares são aprendidos a partir do processo de construção pessoal do mesmo. O centro do processo educativo é o aluno, considerado como ser ativo que aprende a aprender. Auxiliar a construção dessa competência é o papel do professor.

A primeira concepção está ligada às concepções tradicionais, diferenciada em relação às duas restantes por enfatizar o papel supremo do professor na elaboração das perguntas. As outras duas concepções, pelo contrário, ocupam-se de como os alunos adquirem conhecimentos; no entanto, entendem de formas diferentes esse processo.
Compreendendo-se que aprender é construir conhecimentos, identifica-se a natureza ativa dessa construção e a necessidade de conteúdos ligados ao ato de aprender conceitos, procedimentos e atitudes. Nesse sentido, é preciso organizar e planejar intencionalmente as atividades didáticas tendo em vista os conteúdos das diferentes dimensões do saber: procedimental (como a observação de plantas); conceitual (tipos e parte das plantas); e atitudinal (de curiosidade, rigor, formalidade, entre outras). O trabalho com esses conteúdos demonstra a atividade complexa que caracteriza o processo educativo, trabalho que demanda o envolvimento coletivo na escola.

5. Ensinar: criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir (Javier Onrubia)

O ensino na concepção construtivista deve ser entendido como uma ajuda ao processo de ensino-aprendizagem, sem a qual o aluno não poderá compreender a realidade e atuar nela. Porém, deve ser apenas ajuda porque não pode substituir a atividade construtiva do conhecimento pelo aluno.
A análise aprofundada do ensino enquanto ajuda leva ao conceito de “ajuda ajustada” e de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). No conceito de “ajuda ajustada” observa-se que o ensino, enquanto ajuda o processo de construção do conhecimento, deve ajustar-se a esse processo de construção. Para tanto, conjuga duas grandes características: 1) a de levar em conta os esquemas de conhecimento dos alunos, seus conhecimentos prévios em relação aos conteúdos a serem trabalhados; 2) e, ao mesmo tempo, propor desafios que levem os alunos a questionarem esses conhecimentos prévios. Ou seja, não se ignora aquilo que os alunos já sabem, porém aponta-se para aquilo que eles não conhecem, não realizam ou não dominam suficientemente, incrementando a capacidade de compreensão e atuação autônoma dos alunos.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) foi proposto pelo psicólogo soviético L. S. Vygotsky, partindo do entendimento de que as interações e relações com outras pessoas são a origem dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano. Nesse sentido, a ZDP pode ser identificada como o espaço no qual, com a ajuda dos outros, uma pessoa realiza tarefas que não seria capaz de realizar individualmente. A contribuição do conceito de ZDP está relacionada à possibilidade de se especificar as formas em aula, ajudando os alunos no processo de significação pessoal e social da realidade.
Para o trabalho com os conceitos acima arrolados, indicam-se os seguintes pontos: 1) Inserir atividades significativas na aula; 2) Possibilitar a participação de todos os alunos nas diferentes atividades, mesmo que os níveis de competência, conhecimento e interesses forem diferenciados; 3) Trabalhar com as relações afetivas e emocionais; 4) Introduzir modificações e ajustes ao logo da realização das atividades; 5) Promover a utilização e o aprofundamento autônomo dos conhecimentos que os alunos estão aprendendo; 6) Estabelecer relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios dos alunos; 7) Utilizar linguagem clara e objetiva evitando mal-entendidos ou incompreensões; 8) Recontextualizar e reconceitualizar a experiência.
Trabalhar a partir dessas concepções caracteriza desafios à prática educativa que não está isenta de problemas e limitações. No entanto, entende-se que esse esforço, mesmo que acompanhado de lentos avanços, é decisivo para a aprendizagem e o desenvolvimento das escolas e das aulas.

6. Os enfoques didáticos (Antoni Zabala)

A concepção construtivista considera a complexidade e as distintas variáveis que intervêm nos processos de ensino na escola. Por isso, não receita formas determinadas de ensino, mas oferece elementos para a análise e reflexão sobre a prática educativa, possibilitando a compreensão de seus processos, seu planejamento e avaliação.
Um método educacional sustenta-se a partir da função social que atribui ao ensino e em determinadas idéias sobre como as aprendizagens se produzem. Nesse sentido, a análise das tarefas que propõem e conteúdos trabalhados, explícita ou implicitamente (currículo oculto), requer a compreensão do determinante ideológico que embasam as práticas dos professores. A discriminação tipológica dos conteúdos, ou seja, a análise dos conteúdos trabalhados segundo a natureza conceitual, procedimental ou atitudinal, mostra-se como importante instrumento de entendimento do que acontece na sala de aula.
Outro instrumento importante para a compreensão do processo educativo é a concepção construtivista da aprendizagem, que estabelece a aprendizagem como uma construção pessoal que o aluno realiza com a ajuda de outras pessoas; processo que necessita da contribuição da pessoa que aprende, implicando o interesse, disponibilidade, conhecimentos prévios e experiência; implica também a figura do outro que auxilia na resolução do conflito entre os novos saberes e o que já se sabia, tendo em vista a realização autônoma da atividade de aprender a aprender.
O problema metodológico para o fazer educativo não se encontra no âmbito do “como fazemos”, mas antes na compreensão do “que fazemos” e “por quê”. Na elaboração das sequências didáticas que devem auxiliar a prática educativa deve-se levar em consideração os objetivos e os meios que se tem para facilitar o alcance desses objetivos.


7. A avaliação da aprendizagem no currículo escola: uma perspectiva construtivista (César Coll e Elena Martín)

A questão da avaliação do processo educativo tem sido muito discutida. Com o desenvolvimento de propostas teóricas, metodológicas e instrumentais, expressões e conceitos como o de avaliação inicial, formativa e somatória povoam o vocabulário educacional. Junto a isso, construiu-se o consenso de que não se deve avaliar somente o aluno, mas também a atuação do professor, o planejamento de atividades e também sua aplicação. No entanto, muitas questões ainda se encontram sem respostas e se configuram como desafios aos envolvidos com o tema.
Uma primeira questão a ser levantada é a relação entre a avaliação e uma série de decisões relacionadas a ela, como promoção, atribuição de crédito e formatura de alunos. Essas decisões não fazem parte, em sentido estrito, do processo de avaliação, porém essas decisões devem ser coerentes com as avaliações realizadas. O desafio é alcançar a máxima coerência entre os processos avaliativos e as decisões a serem tomadas.
Todo processo avaliativo deve levar em conta os elementos afetivos e relacionais da avaliação. Desse modo, o planejamento das atividades avaliativas parte do entendimento de que o aluno atribui certo sentido a essa atividade, sentido que depende da forma como a avaliação lhe é apresentada e também de suas experiências e significações pessoais e sociais da realidade. É preciso levar em conta também o caráter sempre parcial dos resultados obtidos por meio das avaliações, devido à complexidade e diversificação das situações de aprendizagem vivenciadas pelos alunos. Assim, as práticas avaliativas privilegiadas devem ser aquelas que consideram a dinâmica dos processos de construção de conhecimentos.
Ao contrário das concepções que buscam neutralizar as influências do contexto nos resultados das avaliações, a concepção construtivista ressalta a necessidade de considerar as variáveis proporcionadas pelos diversos contextos particulares. Para isso, recomenda-se a utilização de uma gama maior possível de atividades de avaliação ao longo do processo educativo.
Partindo da consideração que é na prática que se utiliza o que se aprende, um dos critérios, que devem ser levantados nas atividades avaliativas, é o menor ou maior valor instrumental das aprendizagens realizadas, ou seja, em que grau pode-se utilizar o que se aprendeu, o que se construiu na significação dos saberes. Na medida em que aprender a aprender significa a capacidade para adquirir, de forma autônoma, novos conhecimentos, avaliar os aspectos instrumentais, é de suma importância a qualidade da educação.
Por fim, ressalta-se a necessidade da abordagem da avaliação em estreita ligação com o planejamento didático e o currículo escolar. Dessa forma, “o quê”, “como” e “quando” ensinar e avaliar se unem configurando uma prática educativa global, na qual as atividades avaliativas não estão separadas das demais atividades de construção de conhecimento pelos alunos.


4. COLL, César; MARTÍN, Elena e colaboradores. Aprender conteúdos & desenvolver capacidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.

O primeiro objeto de qualquer ato de aprendizagem, além do prazer que nos possa dar, é o de que deverá servir-nos no presente e valer-nos no futuro. Aprender não deve apenas levar a algum lugar, mas também permitir, posteriormente, ir além de maneira mais fácil. Também é a construção de significados relativos ao conteúdo da mesma por parte do aluno. Acredito que há vários modos pelos quais a aprendizagem será útil para o futuro. Deste modo, a aprendizagem escolar aparece como resultado de uma interação de três elementos:
• O aluno, que constrói os significados;
• os conteúdos de aprendizagem pelos quais o aluno constrói os significados;
• o professor, que atua como mediador entre o conteúdo e o aprender do aluno.

Cada geração e projetos pedagógicos dão nova forma às aspirações que modelam a educação em seu tempo. O que talvez esteja surgindo, como marca nossa, é um amplo renovar da preocupação com a qualidade e os objetivos intelectuais da educação, sem que abandonemos, porém o ideal de que ela deve ser um meio de preparar homens bem equilibrados para uma vida saudável. Aí surgem os conceitos, as teorias e os conflitos sociocognitivos baseados em fatos da realidade. Como:
Psicologia genética e ciências experimentais na escola primária, investigando as “condutas exploratórias” que se referem ao interesse pelos padrões de condutas que habitualmente designamos com os nomes de “curiosidade” e “exploração”, assunto recente na história da psicologia cientifica. São várias as atividades “exploratórias” existentes no ambiente escolar como Hipóteses diretrizes. A partir daí adota-se uma definição ampla das atividades espontâneas de exploração e qualifica-se como tal todos os comportamentos ou seqüências de comportamentos. O aspecto metodológico deve respeitar dois princípios básicos: favorecer o aparecimento de atividades espontâneas de exploração e respeitar, na medida do possível, as principais variáveis da situação escolar. A discussão dos resultados, na concepção atual, após os distintos ensaios realizados propõe uma articulação de três níveis de intervenção:
1) as atividades espontâneas, tal como foram expostas:
2) as sessões de síntese,durante as quais o conjunto da classe discute sobre os problemas que apareceram espontaneamente nas sessões de manipulação livre cuja finalidade é provocar uma confrontação de idéias e opiniões:
3) e as atividades propostas que recolhem os problemas que suscitaram mais interesse nas sessões precedentes. Estas três fases não são concebidas em termos de sucessão rígida e sua única constante é partir das atividades espontâneas, isto é, das sessões de manipulação livre. Cabe, no entanto, supor a possibilidade de estabelecer uma tipologia das condutas segundo a sua finalidade exploratória, na esperança de se chegar, assim, a uma hierarquização das mesmas, acontecendo assim a atividade exploratória e investigação da realidade.
Portanto, conceitos, teorias e metodologia sobre o ensino da criança colocam em realce o fato de que, em cada estágio de desenvolvimento, ela possui um modo característico de visualizar, perceber e entender o mundo e explicá-lo para si mesma. A tarefa de ensinar determinada matéria a uma criança, em qualquer idade, é a de representar a estrutura da referida matéria em termos da visualização que a criança tem das coisas. A hipótese geral que se estabelece tem como premissa o amadurecido juízo de que toda “ideia”, “teoria” pode e deve ser representada de maneira honesta e útil nas formas de pensamento da criança em idade escolar. Podendo se confirmar na obra de Piaget e outros teóricos.
A importância da atividade do educador, ou todas as atuações do educador e do aluno, são igualmente determinantes do rumo que o desenvolvimento de uma tarefa vai tomar. A hipótese é que algumas destas decisões e atuações merecem uma atenção especial, a tal ponto que sua confluência permite determinar diferentes modalidades de interatividade ou, o que é a mesma coisa, analisar as tarefas escolares em termos de atividade do aluno e do professor, que se destacam como dimensões como: levar em conta qual é a finalidade educativa que se pretende alcançar com a realização da tarefa; referir-se à existência, ou não, de um saber específico (conhecimentos, normas, hábitos, habilidades) ao redor do qual organiza-se a totalidade da tarefa ou inclusive uma série de tarefas sucessivas; outra dimensão é a que concerne a maneira como o educador planeja,organiza e propõe a tarefa a realizar. No que tange ao professor, a ultima dimensão retida
refere-se ao tipo de intervenções que ele faz durante a realização da tarefa.
Já no campo de atuações do aluno, o primeiro fator a se levar em conta é o grau de iniciativa que tem para escolher a tarefa e seu conteúdo, o grau de iniciativa do mesmo na realização da tarefa e no estabelecimento na diferença entre atividades. Quanto às dimensões para a análise da interatividade, referem-se à finalidade educativa que pretende o professor com a tarefa proposta, tais como: potencializar a apropriação de um saber (conhecimento, habilidade, hábito,norma); potencializar a atividade do aluno (com o fim de favorecer a autonomia, a independência, a iniciativa, a apropriação de um saber. Existência ou não de um saber, há um saber escolhido pelo educador ou não há, mas com a introdução, durante a realização da tarefa, a partir da observação do que as crianças fazem ou de suas propostas. Não há nada em absoluto. Planejamento pelo educador.
Ausência de planejamento, propostas de materiais diversos com diretrizes precisas sobre as tarefas a realizar. Proposta de uma tarefa concreta sem diretrizes precisas sobre como executá-la e proposta de uma tarefa detalhada e planejada com instruções precisas para executá-la. Por último, as intervenções do educador durante a realização das tarefas, que são:sem intervenção, intervenções de disciplina e controle, intervenções de direção e supervisão, intervenções de valorização da tarefa, intervenções de reflexo, intervenções de ajuda e intervenções de proposta.
No entanto, e , apesar de tudo, o professor constitui o principal “recurso” no processo de ensino em nossa escolas. Não são necessárias pesquisas elaboradas para saber que comunicar, transmitir conhecimentos depende, em grande medida, do domínio que se possui sobre o conhecimento a ser transmitido. Isto é bastante óbvio, quer o professor utilize ou não outros recursos. Há, claro, certas medidas que devem ser tomadas para melhorar as condições de trabalho desses profissionais, devendo ser perseguido como objetivos primordiais. Para comunicar conhecimentos e oferecer um modelo de competência, o professor deve ter liberdade para ensinar e para aprender. O professor é também um símbolo pessoal imediato do processo educativo, figura com a qual os alunos podem se identificar e se comparar.

Um marco Psicológico para o Currículo Escolar.
Embora na elaboração de um currículo escolar seja absolutamente imprescindível utilizar e integrar informações que provêm de fontes distintas (da análise sócio-antropológica, da análise pedagógica e também da análise disciplinar) , as que têm sua origem na análise psicológica possuem, , uma importância especial. O tema das contribuições da psicologia ao currículo, e à educação escolar em geral, é muito complexo e não podemos abordá-lo aqui em todas as suas vertentes.
O marco de referência psicológica representa o quanto a psicologia vem trazendo contribuições para a elaboração do currículo. No entanto, é conveniente fazer uma reflexão prévia sobre um tema que está na origem das intenções de utilizar as contribuições da psicologia no âmbito curricular, para não corrermos o risco de criar confusões, referindo a maneira de entender as relações entre desenvolvimento, aprendizagem e ensino e, conseqüentemente, a própria concepção que se tem da educação em geral, e da educação escolar em particular.
Princípios psicopedagógicos do currículo escolar e seus possíveis efeitos das experiências educacionais escolares sobre o desenvolvimento pessoal do aluno que estão fortemente e igualmente condicionados por sua aptidão cognitiva e pelos conhecimentos prévios e seu nível de desenvolvimento operatório, pertinentes com os quais inicia a sua participação nas mesmas.
Sendo assim, fazendo as considerações finais, a questão relacionada com a elaboração do currículo escolar não manifesta uma preocupação somente de estudos sistematizados e baseados em processos científicos, como também manifestada pela população que passou a se interessar por um problema que até recentemente dizia respeito apenas a especialista como: “Quem vamos ensinar, e com que fim?Esse novo espírito talvez reflita nossos tempos. Um dos pontos sobre o qual se tem manifestado essa preocupação renovada é o planejamento de currículos para as escolas primária e secundária com participação sem precedentes no desenvolvimento de currículos, por parte de estudiosos e cientistas.


QUESTÕES

QUESTÕES - RESENHA DOS LIVROS:
APRENDER CONTEÚDOS E DESENVOLVER CAPACIDADES- Autor – Cesar Coll


1) A Psicologia da educação é basicamente entendida por núcleos de conteúdos que são:

a) As teorias da Aprendizagem
b) O estudo e a medida das diferenças individuais
c) A psicologia da criança
d) Todas as respostas corretas (x)
e) Todas as respostas estão incorretas.

2) Nota-se no início do desenvolvimento que:

a) No período pré-operatório ,” o real” se impõe de forma absoluta
b) No período operatório –concreto , a aquisição das primeiras operações, graças à reversibilidade do pensamento produzem mudanças significativas.
c) O raciocínio hipotético dedutivo, que caracteriza essa fase, permite que as deduções superem o plano da realidade concreta e se realizem a partir de enunciados hipotéticos.
d) Todas as respostas estão corretas (x)
e) Todas as respostas estão incorretas.


3) Segundo César Coll, quanto ao aspecto metodológico devem ser respeitados dois princípios básicos que são:

a) Favorecer o aparecimento de atividades espontâneas de exploração.
b) A importância das atividades do educador, ou todas as atuações do educador e do aluno.
c) Respeitar, na medida do possível, as principais atividades espontâneas de exploração.
d) Somente a e b, estão corretas (x)
e) Somente b e c estão corretas


4) Segundo César Coll, o aspecto metodológico deve se respeitar dois princípios básicos:

I) Favorecer as atividades espontâneas de exploração.
II) Respeitar, na medida do possível as principais variáveis da situação escolar.
III) A importância da atividade do educador, ou todas as atuações do educador e do aluno.
IV) Qualidades intelectuais da educação.
a) Somente I e II estão corretas (x)
b) Somente I e III estão corretas
c) Somente III e IV estão corretas
d) Somente II e IV estão corretas
e) I, II, III e IV estão corretas


5. CONTRERAS, José. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2002.


1- Introdução



A Autonomia dos professores, bem como a própria ideia de seu profissionalismo, são temas recorrentes nos últimos tempos nos discursos pedagógicos. No entanto, sua profusão está se dando, sobretudo, na forma de slogans, que como tal de desgastam e seus significados se esvaziam com o uso frequente. Pode-se dizer que, por serem slogans, são utilizados em excesso para provocar uma atração emocional, sem esclarecer nunca o significado que se lhes quer atribuir.
Há casos em que este sentido de slogan, de palavra com aura, é muito mais evidente. Tomemos o exemplo da qualidade da educação. Atualmente, todo programa, toda política, toda pesquisa, toda reivindicação educativa é feita em nome da qualidade, porém citá-la sem mais nem menos é, às vezes, um recurso para não defini-la. Remeter à expressão “qualidade da educação”, em vez de explicitar seus diversos conteúdos e significados para diferentes pessoas, e em diferentes posições ideológicas, é uma forma de pressionar para um consenso sem permitir discussão. Evidentemente esse é um recurso que pode ser utilizado por quem tem poder para dispor e difundir slogan como forma de legitimar seu ponto de vista sem discuti-lo.
Em relação à autonomia dos professores, estamos diante de um caso parecido. Uma vez que a expressão passou a fazer parte dos slogans pedagógicos, já não podemos evitá-la. Porém, usá-la como slogan é apoiar os que têm a capacidade de exercer o controle discursivo, os que se valem da retórica para criar consenso evitando a discussão.
Deste modo, temos que aproveitar o processo de esclarecimento para recuperar e repensar aqueles significados que supõem uma defesa expressa de certas opções; e que, mais do que nos limitarmos a repeti-las, possamos descobrir seu valor educativo e social.
Esta é a pretensão deste livro. Esclarecer o significado da autonomia de professores, tentando diferenciar os diversos sentidos que lhe podem ser atribuídos, bem como avançar na compreensão dos problemas educativos e políticos que encerra. Deve-se compreender, no entanto, que apesar da pretensão de esclarecer os diferentes significados da autonomia, isto não quer dizer que o propósito seja puramente conceitual. Contreras pretende captar a significação no contexto de diferentes concepções educativas e sobre o papel daqueles que ensinam.
O esclarecimento da autonomia é por sua vez a compreensão das formas ou dos efeitos políticos dos diferentes modos de conceber os docentes, bem como as atribuições da sociedade na qual esses profissionais atuam. Ao falar da autonomia do professor, estamos falando também de sua relação com a sociedade e, por conseguinte, do papel da mesma com respeito à educação.
O presente texto está estruturado em três partes:
• na Parte I, analisa-se o problema do profissionalismo no ensino, situando essa questão no debate sobre a proletarização do professor, as diferentes formas de entender o que significa ser profissional e as ambiguidades e contradições ocultas na aspiração à profissionalidade.
• na Parte II, o autor discute as três tradições diferentes com respeito à profissionalidade de professores: a que entende os professores como técnicos, a que defende o ensino como uma profissão de caráter reflexivo e a que adota para o professor o papel do intelectual crítico.
A Parte III é dedicada a estabelecer uma visão global do que se deve entender por autonomia de professores, mostrando o equilíbrio necessário requerido entre diferentes necessidades e condições de realização da prática docente, e propondo as condições pessoais, institucionais e sociopolíticas que uma autonomia profissional deveria ter que não signifique nem individualismo, nem corporativismo, tampouco submissão burocrática ou intelectual.
Segundo o autor, este não é um livro no qual se façam propostas concretas, se entendermos por isso planos de ação.Ao contrário, o livro possui, sim, um sentido muito prático, se aceitarmos que a forma com que pensamos tem muito a ver com a forma com que encaramos a realidade e decidimos nela nos inserir. A Autonomia não é isolamento e não é possível sem o apoio, a relação, o intercâmbio.
Nem sempre as sugestões provêm das leituras dos rascunhos. Provêm também, e neste caso especialmente, do clima intelectual e profissional no qual se criam oportunidades para discussões interessantes ou para análise de nós mesmos como docentes e de nossas circunstâncias profissionais.




CAPÍTULO 1: A AUTONOMIA PERDIDA: A PROLETARIZAÇÃO DOS PROFESSORES



Uma das ideias mais difundidas na atualidade com respeito aos professores e, ao mesmo tempo, uma das mais polêmicas é a sua condição de profissional. Uma das razões que torna esse assunto problemático é que a palavra “profissional”, e suas derivações, embora em princípio pareçam apenas referir-se às características e qualidades da prática docentes, não são sequer expressões neutras. O tema do profissionalismo – como todos os temas em educação – está longe de ser ingênuo ou desprovido de interesse e agendas mais ou menos escusas.
O ensino, enquanto um ofício, não pode ser definido apenas de modo descritivo, ou seja, pelo que encontramos na prática real dos professores em sala de aula, já que a docência defini-se também por suas aspirações e não só por sua materialidade. Por isso, se quisermos entender as características e qualidades do ofício de ensinar, temos de discutir tudo o que se diz sobre ele ou o que dele se espera. E também o que é e o que não deveria ser; o que se propõe, mas que se torna, ao menos, discutível.
Esta é a razão pela qual, se quisermos abordar o tema da autonomia profissional, precisamos discutir os aspectos contraditórios e ambíguos que encerra. A aspiração do autor com essa discussão é, portanto, conseguir manter o confronto ideológico, com o objetivo de resgatar uma posição comprometida com determinados valores para a prática docente.
O tema da proletarização dos professores nos oferece uma perspectiva adequada para essa preocupação. A tese básica da proletarização de professores é que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda da autonomia.


1. O debate sobre a proletarização dos professores


Embora não se possa falar em unanimidade entre os autores que defendem a teoria da proletarização de professores, a tese básica dessa posição é a consideração de que os docentes, enquanto categoria, sofreram ou estão sofrendo uma transformação, tanto nas características de suas condições de trabalho como nas tarefas que realizam as quais os aproxima cada vez mais das condições e interesses da classe operária. Autores como Apple (1987; 1989b; Apple e Jungck, 1990), Lawn e Ozga (1988; Ozga, 1988), ou Densmore (1987) são representantes de tal perspectiva.
Este tipo de análise, segundo Jimenez Jaén (1988), tem como base teórica a análise marxista das condições de trabalho do modo de produção capitalista e o desenvolvimento e aplicação dessas propostas realizadas por Braverman (1974). Com o objetivo de garantir o controle sobre o processo produtivo, este era subdividido em processos cada vez mais simples, de maneira que os operários eram especializados em aspectos cada vez mais reduzidos da cadeia produtiva, perdendo deste modo a perspectiva do conjunto, bem como as habilidades e destrezas que anteriormente necessitavam para o seu trabalho. O produto dessa atomização significava, por conseguinte, a perda da qualificação do operário. Agora, o trabalhador passa a depender inteiramente dos processos de racionalização e controle de gestão administrativa da empresa e do conhecimento científico e tecnológico dos experts. Deste modo, os conceitos-chave que explicam esse fenômeno de racionalização do trabalho são:
a) A separação entre concepção e execução no processo produtivo;
b) A desqualificação;
c) A perda de controle sobre o seu próprio trabalho.

Esta lógica racionalizadora transcendeu o âmbito da empresa, como âmbito privado e de produção, enquanto processo de acumulação de capital para invadir a esfera do Estado.
No caso do ensino, a atenção a essas necessidades realizou-se historicamente mediante a introdução do mesmo espírito de “gestão científica”, tanto no que se fere ao conteúdo da prática educativa como ao modo de organização e controle do trabalho do professor. Assim, o currículo começou a conceber também uma espécie de processo de produção, organizado sob os mesmos parâmetros de decomposição em elementos mínimos de realização – os objetivos -, os quais corresponderiam a uma descrição das atividades particulares e específicas da vida adulta para as quais haveria que se preparar (Bobbit, 1918).
A determinação cada vez mais detalhada do currículo a ser adotado nas escolas, a extensão de todo tipo de técnicas e diagnóstico e avaliação dos alunos, a transformação dos processos de ensino em microtécnicas dirigidas à consecução de aprendizagens concretas perfeitamente estipuladas e definidas de antemão, as técnicas de modificação de comportamento, dirigidas fundamentalmente ao controle disciplinar dos alunos, toda a tecnologia de determinação de objetivos operativos ou finais, projetos curriculares nos quais se estipula perfeitamente tudo o que deve fazer o professor passo a passo ou, em sua carência, os textos e manuais didáticos que enumeram i repertório de atividades que professores e alunos devem fazer etc. (Jimenez Jaen, 1988). Tudo isso reflete o espírito de racionalização tecnológica do ensino.
A degradação do trabalho, privado de suas capacidades intelectuais e de suas possibilidades de ser realizado como produto de decisões pensadas e discutidas coletivamente, regulamentado na enumeração de suas diferentes tarefas e conquistas a que se deve dar lugar, fez com que os professores fossem perdendo aquelas habilidades e capacidades e aqueles conhecimentos que tinham conquistado e acumulado “ao longo de dezenas de anos de duro trabalho” (Apple e Jungck, 1990:154).


2. Profissionalismo e proletarização


Um dos mecanismos que, segundo teóricos da proletarização, tem sido utilizado entre os professores como modo de resistência à racionalização de seu trabalho e à desqualificação, tem sido a reivindicação de seus status de profissionais (Densmore, 1987). Para Densmore, a pretensão dos docentes de serem reconhecidos como profissionais não reflete mais que uma aspiração para fugir de sua assimilação progressiva às classes trabalhadoras. Com efeito, a base social que se nutriu do trabalho dos professores foi evoluindo também à proporção que este se foi degradando.
Segundo Apple (1989b), não se pode explicar o surgimento do profissionalismo como defesa ideológica diante da desqualificação, sem entender a forma de evolução do sentido de responsabilidade entre os professores. Conforme aumenta o processo de controle, da tecnicidade e da intensificação, os professores e professoras tendem a interpretar esse incremento de responsabilidades técnicas como um aumento de suas competências profissionais.
A tese definida por Lawn e Ozga sobre este particular: “Entre os professores, o profissionalismo pode ser considerado uma expressão do serviço à comunidade, bem como em outros tipos de trabalho (...). Também se pode considerar uma força criada externamente que os une numa visão particular de seu trabalho (...). O profissionalismo é, em parte, uma tentativa social de construir uma “qualificação”; a autonomia era, em parte, a criação por parte dos professores de um espaço defensivo em torno da referida ‘qualificação’”. (Lawn e Ozga, 1988:213).
Em contrapartida, isso permitiria entender fenômenos segundo os quais, em algumas ocasiões, os professores se comprometem com as políticas de legitimação do Estado, por meio de seus sistemas educativos: “Muitos mestres se comprometerão com elas (as metas de políticas reformistas) acreditando que vale a pena alcançá-las, e investirão quantidades excepcionais de tempo necessárias, tratando de assumi-las com seriedade. Estes mestres explorarão a si mesmos trabalhando inclusive mais duramente, com baixa remuneração e em condições intensificadas, fazendo tudo para vencer as contraditórias pressões às quais estarão submetidos. Aos mesmo tempo, porém, a carga adicional de trabalho criará uma situação na qual será impossível alcançar plenamente essas metas” (Apples e Jungck, 1990:169).



3. A Proletarização em nosso contexto recente


Outro aspecto crítico que convém considerar com respeito à análise da profissão do professor afetada por um processo de proletarização é que a maioria dos estudos sobre essa questão provêm de uma realidade social e educacional muito diferente da nossa, a maioria dos estudos é realizada na Europa. Estão se perdendo muitas das habilidades e conhecimentos profissionais que possuíam e estão sendo afastados de funções para determinação do currículo que anteriormente lhes correspondiam.
O professor do ensino fundamental passa atualmente por sucessivas transformações que elevam sua categoria até transformá-lo em estudos universitários, enquanto que para o professor do ensino médio se institui também uma formação pedagógica ainda mínima. (Varela e Ortega, 1984).
O certo é que essa requalificação permite transformar e ocultar a forma de controle, ao justificar-se por seu valor técnico para a eficácia, “neutralizando” o conteúdo anterior puramente ideológico. Desta maneira, embora pudéssemos falar de um processo de regulação, burocracia e tecnicidade cada vez mais detalhadas, isto não ocorre em um processo de anterior domínio e independência profissional.
O modo de assegurar o controle e a dedicação dos professores, como vimos, reside em obter sua colaboração nos processos de racionalização, os novos mecanismos de racionalização que a reforma pôs em prática conseguirão eliminar as possíveis resistências dos professores à medida que consigam sua aceitação.


4. O controle ideológico e controle técnico no ensino

Em primeiro lugar, embora a análise dos processos de proletarização costume fazer referência fundamentalmente à perda das competências técnicas e a seu desprendimento das funções de concepção, com as quais se atribui significação ao trabalho, o certo é que no âmbito educativo há um aspecto mais importante que o da desqualificação técnica e que é mais de natureza ideológica. No contexto educativo, a proletarização, se ela significa alguma coisa, é sobretudo a perda de um sentido ético implícito no trabalho do professor.
Há processos de controle ideológico sobre os professores que podem ficar encobertos por um aumento de sofisticação técnica e pela aparência de uma maior qualificação profissional. Um determinado resgate de habilidades e decisões profissionais pode se transformar em uma forma mais sutil de controle ideológico. Se a posição clássica da proletarização era a perda da autonomia ocasionada pela redução de professores a meros executores de decisões externas, a recuperação de determinado controle pode não ser mais que a passagem da simples submissão a diretrizes alheias à “autogestão do controle externo”.


A RETÓRICA DO PROFISSIONALISMO E SUAS AMBIGUIDADES



A discussão sobre o profissionalismo dos professores está atravessada de ponta a ponta pelas ambiguidades que a própria denominação “profissional” acarreta, bem como pelos interesses no uso desse termo. Algo desse assunto pode ser observado ao analisar o modo conflitivo e contraditório com que o termo é usado quando os professores tratam de fugir da proletarização. Passa a ser ambíguo porque sua fuga é tanto uma resistência à perda de qualidade em sua atividades de docência, como uma resistência a perder – ou não obter – um prestígio, um status ou uma remuneração que se identifique com a de outros profissionais.


1. Imagens e características


Em geral, parece que a reivindicação de profissionalismo ou o sentimento de “profissionais” por parte dos professores obedece a uma série de características que normalmente eles expressam como se pertencessem por direito próprio a seu trabalho. É o caso, por exemplo, da reivindicação de condições de trabalho como a remuneração, horas de trabalho, facilidade para atualização como profissionais e reconhecimento de sua formação permanente , tudo isso em conformidade com a importância da função social que cumprem. Mas é também um pedido de reconhecimento “como profissionais”, isto é, como dignos de respeito e como especialistas em seu trabalho e, portanto, a rejeição à ingerência de “estranhos” em suas decisões e atuações. Isso significa, ao menos em certo sentido, “autonomia profissional”, mas também dignificação e reconhecimento social de seu trabalho, sobretudo em épocas em que se sentem questionados pelos pais nos conselhos escolares.
São muitos os quadros elaborados tentando expor quais são esses traços determinantes de uma profissão. Para Skopp, são eles:
• Um saber sistemático e global (o saber profissional)
• Poder sobre o cliente (disposição deste de acatar suas decisões)
• Atitude de serviço diante de seus clientes
• Autonomia ou controle profissional independente
• Prestígio social e reconhecimento legal e público de seu status
• Subcultura profissional especial
Já Fernandez Enoita (1990), por sua vez, assinalou os seguintes traços:
• Competência (ou qualificação num campo de conhecimentos)
• Vocação (ou sentido de serviço a seus semelhantes)
• Licença (ou exclusividade em seu campo de trabalho)
• Independência (ou autonomia, tanto frente às organizações como frente a seus clientes
• Auto-regulação (ou regulação e controle exercido pela própria categoria profissional).

Assim quando se compara os professores com essas características, a conclusão mais habitual que se chega é que a única denominação possível a ser atribuída é a de semiprofissionais.



2. O profissionalismo como ideologia


Estudos de Larson (1977) colocaram em evidência que as teorizações sobre os traços não são senão formalizações de supostos ideológicos que as próprias profissões sustentam, com o objetivo de manter a legitimidade de seu status e privilégios, e para manter sua diferenciação com respeito a outras ocupações.
No entanto, segundo Larson, esse suposto poder autônomo não corresponde à realidade e hoje menos do que nunca. A necessidade de depender do poder do Estado para a defesa de seus interesses e do capitalismo monopolista modificaram as condições de trabalho dos profissionais, tornando-se agora um especialista assalariado em uma grande organização empresarial ou burocrática.
Essa transformação fez com que o status tradicional de muitos profissionais não seja agora mais que o de trabalhadores assalariados e burocratizados.
Além disso, se o profissionalismo como ideologia se encontra ligado à capacidade de impor um conhecimento como exclusivo, despolitizando e tornando tecnocrática a atuação social, está longe de ficar claro que isso seja uma conquista social, esta é uma advertência que Popkewitz (1990) faz.


5. O controle sobre o conhecimento e as profissões do ensino.



A profissionalização encontrou seu processo mais forte de legitimação na posse do conhecimento cientifico. O profissionalismo, como assessoria de experts no planejamento e regulação escolar, transformava a administração política educativa em um problema meramente racional, que poderia ser resolvido mediante habilidades técnicas adquiridas pelos especialistas graças ao caráter científico de seu conhecimento. (Popkewitz, 1991: cap.3)
“A formação de professores existe e está historicamente ligada ao desenvolvimento institucional do ensino. Conforme o ensino evoluiu como forma social de preparar as crianças para a vida adulta, também se desenvolveu um grupo ocupacional especializado em elaborar o plano de sua vida diária. Este grupo desenvolveu algumas corporações especializadas em imagens, alegorias e rituais que explicam a ‘natureza’ do ensino e sua divisão do trabalho. A formação de professores pode ser entendida, em parte, como um mecanismo para fixar e legitimar as pautas ocupacionais de trabalho para os futuros professores” (Popkewitz, 1987:3)
O resultado é que os professores ocupam uma posição subordinada na comunidade discursiva da educação. Quem detém o status de profissional no ensino é, fundamentalmente, o grupo de acadêmicos e pesquisadores universitários, bem como o de especialistas com funções administrativas, de planejamento e de controle no sistema educacional.



4. As armadilhas do profissionalismo



Em nome da profissionalização, ou de atributos que lhe são associados, com o objetivo de garanti-la, ou ampliá-la, justificam-se transformações administrativas e trabalhistas para os docentes, exigindo-se sua colaboração. Evidentemente, não se pode defender a oposição a uma reforma se, como consequência da mesma, começarmos a ser reconhecidos como melhores profissionais ou, se nos negamos a fazê-la, estaremos abandonando nossas responsabilidades profissionais.
Smyth (1991a), por exemplo, explica a forma em que o profissionalismo dos professores está se redefinindo e utilizando, como fator de legitimação, as novas políticas de reforma, as quais se caracterizam por uma combinação entre as decisões centralizadas e pelas metas curriculares claramente definidas e fixadas pelo Estado, por um lado, e a participação local e a decisão colegiada nos centros escolares por outro.
Dessa perspectiva, a profissionalização atua como modo de garantir a colaboração sem discutir os limites de atuação. Isto é o que Hargreaves e Dave (1990) chamam de “colegização artificial”.




5. Autonomia no profissionalismo


A reivindicação de autonomia do profissionalismo parece mais uma defesa contra a intrusão. É previsível que essa reação contra a intervenção externa possa se sustentar com mais facilidade diante dos setores mais fracos da sociedade, do que frente às organizações ou aos poderes públicos; isto é, ante os receptores de seus serviços e não frente a seus empregadores (Fernandez Enguita, 1993; Gil, 1996). Nesse sentido, os movimentos de profissionalização podem obter mais êxito em preservar suas atuações da crítica e da participação social, do que na determinação do conteúdo ou das condições de seu trabalho nas instituições nas quais se integram.
A autonomia como não intromissão costuma ser, por um lado, uma descrição equivocada da função desempenhada pelo ensino, já que este se situa no terreno da transmissão de valores e saberes sancionados socialmente.



OS VALORES DA PROFISSIONALIZAÇÃO E A PROFISSIONALIDADE DOCENTE


1. A profissionalidade docente e as qualidades do trabalho educativo


Como afirmaram Lawn e Ozga (1988), ou Carlson (1987;1992), as exigências profissionais que os professores podem fazer não se diferenciam em muitas ocasiões das que podem ser feitas por outros trabalhadores. Pretender um maior controle sobre o próprio trabalho não é privativo dos trabalhadores da área de ensino,porém essa reivindicação não se reduz a um desejo de maior status.
A educação requer responsabilidade e não se pode ser responsável se não é capaz de decidir, seja por impedimentos legais ou por falta de capacidades intelectuais e morais. Autonomia, responsabilidade, capacitação são características tradicionalmente associadas a valores profissionais que deveriam ser indiscutíveis na profissão de docente. E a profissionalização pode ser, nessa perspectiva, uma forma de defender não só os direitos dos professores, mas da educação.


2. A obrigação moral


A primeira dimensão da profissionalidade docente deriva do fato de que o ensino supõe um compromisso de caráter moral para quem a realiza (Contreras, 1990:16e ss). Este compromisso ou obrigação moral confere à atividade de ensino um caráter que, como assinalou Sockett (1989:100), se situa acima de qualquer obrigação contratual que possa ser estabelecida na definição do emprego. É preciso atender o avanço na aprendizagem de seus alunos, enquanto que não se pode esquecer das necessidades e do reconhecimento do valor que, como pessoas , merece todo o alunado.
É inevitável o fato de que o trabalho de ensinar consista na relação direta e continuada com pessoas concretas sobre as quais se pretende exercer uma influência, com a bondade das pretensões e com os aspectos mais pessoais de evolução, os sentimentos e o cuidado e atenção que podem exigir como pessoas (Noddings, 1986).
O aspecto moral do ensino está muito ligado à dimensão emocional presente na relação educativa. Na verdade, sentir-se compromissado ou “obrigado” moralmente reflete este aspecto emocional na vivência das vinculações com o que se considera valioso.
O professor ou professora , inevitavelmente, se defronta com sua própria decisão sobre a prática que realiza, porque ao ser ele ou ela quem pessoalmente se projeta em sua relação com alunos e alunas, tratando de gerar uma influência, deve decidir ou assumir o grau de identificação ou de compromisso com as práticas educativas que desenvolve, os níveis de transformação da realidade que enfrenta etc.



3. O compromisso com a comunidade


A educação não é um problema da vida privada dos professores, mas uma ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente.
É também necessário entender que a responsabilidade pública envolve a comunidade na participação das decisões sobre o ensino. Se a educação for entendida como um assunto que não se reduz apenas às salas de aula, mas que tem uma clara dimensão social e política, a profissionalidade pode significar uma análise e uma forma de intervir nos problemas sociopolíticos que competem ao trabalho de ensinar
Todos os campos de compromisso social da prática docente supõem para os professores, em muitas ocasiões, um conflito com as definições institucionais da escola, a regulação de suas funções e as inércias tradições assentadas.
Já não estamos falando do professor ou da professora, isolados na sua sala de aula, como forma de definir o lugar da sua competência profissional, mas da ação coletiva e organizada e da intervenção naqueles lugares que restringem o reconhecimento das consequências sociais e da política do exercício profissional do ensino.


4. A competência profissional


A obrigação moral dos professores e o compromisso com a comunidade requerem uma competência profissional coerente com ambos. Temos que falar de competências profissionais complexas que combinam habilidades, princípios e consciência do sentido das consequências das práticas pedagógicas. Dificilmente, pode-se assumir uma obrigação moral ou um compromisso com o significado e as repercussões sociais do ensino se não se dispuser desta competência (Sockett, 1993: cap5).
É necessário destacar, de qualquer modo, que a atenção a competências profissionalizadoras que requerem um distanciamento dos contextos imediatos para entender os fatores de determinação da prática educativa há de ser compensada e simultaneamente sustentada com a atenção e cuidado às pessoas concretas que se deduz da obrigação moral.
Da mesma maneira, podemos dizer que a competência profissional é o que capacita o professor para assumir responsabilidades, mas ele ou ela dificilmente pode desenvolver sua competência sem exercitá-la, isto é, se carecer de autonomia profissional, porque, como afirmou Gimeno: “(...) um professor não pode se tornar competente naquelas facetas sobre as quais não tem ou não pode tomar decisões e elaborar juízos arrazoados que justifiquem suas intervenções” (Gimeno, 1989:15).



MODELOS DE PROFESSORES: EM BUSCA DA AUTONOMIA PROFISSIONAL DO DOCENTE


A Autonomia Ilusória: o professor como profissional técnico


Trata-se mais precisamente de aprofundar o entendimento da autonomia como chave para compreensão de um problema específico do trabalho educativo, característica que se mostrará essencial na possibilidade de desenvolvimento das qualidades essenciais da prática educativa.


1. A prática profissional do ensino a partir da racionalidade técnica


Como afirmou Schön (1983;1992), o modelo dominante que tradicionalmente existiu sobre como atuam os profissionais na prática, e sobre a relação entre pesquisa, conhecimento e prática profissional, foi o da racionalidade técnica. A ideia básica deste modelo é que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica.
Segundo essa perspectiva, Schein identificou no conhecimento profissional três componentes essenciais:

a) Ciência ou disciplina básica, sobre o qual a prática se apóia e a partir do qual se desenvolve.
b) Ciência aplicada ou de engenharia, a partir do qual deriva a maioria dos procedimentos cotidianos de diagnóstico e de solução de problemas.
c) Habilidade e atitude, que se relaciona com a atuação concreta a serviço do cliente, utilizando para isso os dois componentes anteriores da ciência básica e aplicada.


“A racionalidade técnica impõe, então, pela própria natureza da produção do conhecimento, uma relação de subordinação dos níveis mais aplicados e próximos da prática aos níveis mais abstratos de produção do conhecimento, ao mesmo tempo em que se preparam as condições para o isolamento dos profissionais e seu confronto gremial” (Pérez Gómez, 1991 b: 375).


2. Domínio Técnico e dependência profissional


No campo da educação, a falta de aplicação técnica de grande parte do conhecimento pedagógico, juntamente com a natureza ambígua e, por vezes, conflituosa de seus fins, levou a que se considere o ensino como uma profissão somente em um sentido muito fraco e limitado. O reconhecimento que, como profissionais, os professores possuem, sob essa concepção, relaciona-se com o domínio técnico demonstrado na solução de problemas, ou seja, no conhecimento dos procedimentos adequados de ensino e em sua aplicação inteligente.
O conhecimento pedagógico relevante, a partir da mentalidade da racionalidade técnica, é sobretudo aquele que estabelece quais os meios mais eficientes para levar a cabo alguma finalidade predeterminada, ou seja, aquele que se pode apresentar como técnica ou método de ensino (Holiday, 1990:29)


3. A irredutibilidade técnica do ensino

O professor, como profissional técnico, compreende que sua ação consiste na aplicação de decisões técnicas. Ao reconhecer o problema diante do qual se encontra, ao ter claramente definidos os resultados que deve alcançar, ou quando tiver decidido qual é a dificuldade de aprendizagem de tal aluno ou grupo, seleciona entre o repertório disponível o tratamento que melhor se adapta à situação e o aplica. A prática docente é, em grande medida, um enfrentamento de situações problemáticas nas quais conflui uma multidão de fatores e em que não se pode apreciar com clareza um problema que coincida com as categorias de situações estabelecidas de situações para as quais dispomos de tratamento.
Aqueles professores que entendem que seu trabalho consiste na aplicação de habilidades para alcançar determinadas aprendizagens, tendem a resistir à análise de circunstâncias que ultrapassa a forma pela qual já compreenderam seu trabalho. Por outro lado, os que se sensibilizam diante dessas questões, terão de aceitar o contexto mais amplo nas origens e consequências de sua prática educativa como parte de seu compromisso profissional, embora percam necessariamente a segurança que lhes dava a redução de sua competência profissional, e se abrirão à complexidade, à instabilidade e à incerteza.


4. A autonomia ilusória: a incapacitação política


Eliot (1991b) denominou de “expert infalível” aquele tipo de professor que demonstra uma preocupação pelo rigor maior do que pela relevância. Segundo este autor, o expert infalível não está preocupado em desenvolver uma visão global da situação na qual atua, mas, sim, em função das categorias extraídas do conhecimento especializado que possui.
Ainda segundo Elliott, dada a lacuna existente na epistemologia positivista, da prática entre o domínio do conhecimento técnico e seu uso nas situações reais, o “expert infalível” aplica esse conhecimento de forma intuitiva, baseando-se no saber do senso comum, que se manipula na cultura profissional.
Um dos efeitos evidentes da concepção dos professores como “experts técnicos” é o que se refere às finalidades do ensino. Em termos da prática de ensino, tanto a fixação externa de objetivos educacionais como sua redução a resultados, não resolvem os problemas de obrigação moral, os quais os professores necessariamente enfrentarão.



O DOCENTE COMO PROFISSIONAL REFLEXIVO



O que o modelo de racionalidade técnica - como concepção da atuação profissional - revela é a sua incapacidade para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo o que não pode ser interpretado como um processo de decisão e atuação regulado segundo um sistema de raciocínio infalível a partir de um conjunto de premissas.
Por isso, é necessário resgatar a base reflexiva da atuação profissional, com o objetivo de entender a forma pela qual realmente se abordam situações problemáticas da prática.
A partir da descrição que Schön realizou, observando a forma com que diferentes profissionais realizam realmente seu trabalho, foi se caracterizando essa perspectiva, apresentada a seguir.



1. Schön e os profissionais reflexivos



A ideia de profissional reflexivo desenvolvida por Schön (1983;1992) trata justamente de dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam aquelas situações que não se resolvem por meio de repertórios técnicos; aquelas atividades que, como o ensino, se caracterizam por atuar sobre situações que são incertas, instáveis, singulares e nas quais há um conflito de valor.
Essa ideia de reflexão na ação habitual, na vida cotidiana, adota determinadas características próprias na prática profissional. Conforme sua prática fica estável e repetitiva, seu conhecimento na prática se torna mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento profissional o que lhe permite confiar em sua especialização.
Os professores podem se encontrar em processos imediatos de reflexão na ação no caso de terem de responder a uma alteração imprevista no ritmo da classe. Este processo de reflexão na ação transforma o profissional, segundo Schön, em um “pesquisador no contexto da prática” (1983:69)
A prática constitui-se, desse modo, um processo que se abre não só para a resolução de problemas de acordo com determinados fins, mas à reflexão sobre quais devem ser os fins, qual o seu significado concreto em situações complexas e conflituosas, “que problemas valem a pena ser resolvidos e que papel desempenhar neles” (ibid.:130).
“Um profissional que reflete na ação tende a questionar a definição de sua tarefa, as teorias na ação das quais ela parte e as medidas de cumprimento pelas quais é controlado. E, ao questionar essas coisas, também questiona elementos da estrutura do conhecimento organizacional na qual estão inseridas suas funções (...). A reflexão na ação tende a fazer emergir não só os pressupostos e as técnicas mas também os valores e propósitos presentes no conhecimento organizacional”. (Schön, 1983:338-9)


2. Stenhouse e o professor como pesquisador

A concepção do ensino como prática reflexiva, e dos professores como profissionais reflexivos, transformaram-se em denominações habituais na atual literatura pedagógica, de tal maneira que, como veremos mais adiante, chegou-se inclusive, a obscurecer algumas vezes o sentido que Schön quis dar a esses termos.
Para Stenhouse, o ensino é uma arte, visto que significa a expressão de certos valores e de determinada busca que se realiza na própria prática do ensino. Por isso, pensa que os docentes são como artistas, que melhoram sua arte experimentando-a e examinando-a criticamente. E compara a busca e experimentação de um professor com a que realiza, por exemplo, um músico tentando extrair o que há de valioso em uma partitura, tentando experimentá-la, pesquisando possibilidades, examinando efeitos, até encontrar o que para ele expressa seu autêntico sentido musical. (Stenhouse, 1985).
Tanto Stenhouse com Schön expõem sua posição em relação aos professores ou aos profissionais como resistência e oposição aos modelos de racionalidade técnica.
Uma das ideias básicas no pensamento de Stenhouse foi a da singularidade das situações educativas. Não é possível saber o que é, ou o que será, uma situação de ensino até que se realize. Desta forma, é impossível dispor de um conhecimento que nos proporcione os métodos que devam ser seguidos no ensino, porque isso seria como aceitar que há ações cujo significado se estabelece à margem dos que o atribuem, ou que é possível depender de generalizações sobre métodos, quando o importante na educação é atender as circunstâncias que cada caso apresenta e não pretender a uniformização dos processos educativos, ou dos jovens.
Como a prática docente supõe o ensino de algo, a criação de determinadas situações de aprendizagem, a busca de certas qualidades na aprendizagem dos alunos etc., é o currículo que reflete o conteúdo do ensino. O currículo necessita ser sempre interpretado, adaptado e, inclusive, (re) criado por meio do ensino que o professor realiza. Como expressa J. Mac Donald: “O ensino não é a aplicação do currículo, mas a contínua invenção, reinvenção e improvisação do currículo.
O professor, como pesquisador de sua própria prática, transforma-a em objeto de indagação dirigida à melhoria de suas qualidades educativas. O currículo, enquanto expressão de sua prática e das qualidades pretendidas, é o elemento que se reconstrói na indagação, da mesma maneira que também se reconstrói a própria ação.
A ideia do professor como pesquisador está ligada, portanto, à necessidade dos professores de pesquisar e experimentar sobre sua prática enquanto expressão de determinados ideais educativos.


3. O fundamento aristotélico: a racionalidade prática


Tanto o trabalho de Schön como o de Stenhouse, e seus seguidores, podem ser assumidos perfeitamente sob a perspectiva da racionalidade prática aristotélica.
Para Aristóteles, há uma diferença clara entre o que se chama de atividades técnicas e as atividades práticas. De acordo com essa ética, é evidente que a educação é um tipo de atividade prática se for entendida como dirigida não à consecução de produtos, mas à realização de qualidades intrínsecas ao próprio processo educativo.


4. Autonomia das decisões profissionais e responsabilidade social


Ser sensível às características do caso, e atuar em relação ao mais apropriado para o mesmo, é algo que requer processos reflexivos, os quais não podem manipular elementos que não estiverem assimilados por seus protagonistas, seja a partir de sua própria experiência ou da proposição de uma tradição. Se a deliberação é sobre a forma de realizar o bem, nenhum professor poderá evitar agir em relação à sua própria concepção do que é o bem na educação, independentemente das restrições ou das ordens às quais estejam submetidos.
A conclusão que se extrai é a de que a educação não pode ser determinada a partir de fora; entenda-se a partir disto a ideia de que a prática educativa não pode ser a realização de valores educativos formulados por agentes externos à própria ação. São os próprios profissionais do ensino que, em ultima instância, decidem a forma com que planejam suas aulas, por meio das quais as tentativas de influência externa são transformadas em práticas que nem sempre têm muito a ver com a essência das mudanças pretendidas.
“Como poderemos nós, professores, conhecer o que se deve fazer: Uma resposta possível é que teremos de receber instruções em forma de currículo e de especificações sobre os métodos pedagógicos. Pessoalmente, rejeito essa ideia. A educação é um aprendizado no contexto de uma busca da verdade. A verdade não pode estar definida pelo Estado, nem sequer por meio de processos democráticos: um controle estrito do currículo e dos métodos pedagógicos nas escolas é equivalente ao controle totalitário da arte. Alcançar a verdade por meio da educação é um assunto de juízo profissional em cada situação concreta, e os professores de educação ou os administradores não podem nos indicar o que devemos fazer. As recomendações vão variar em cada caso. Não necessitaremos de um médico se o que este nos indicar for um tratamento prescrito pelo Estado ou sugerido por seu professor, sem sequer nos ter examinado e diagnosticado previamente” (Stenhouse, 1985:44-5)


CONTRADIÇÕES E CONTRARIEDADES: DO PROFISSIONAL REFLEXIVO AO INTELECTUAL CRÍTICO



Não vivemos em uma sociedade simplesmente pluralista, mas estratificada e dividida em grupos com status desigual, poder e acesso a recursos materiais e culturais (Warnke, 1992:150). A prática profissional não é só a realização de pretensões educativas. Nós, docentes, em um mundo não só plural, mas também desigual e injusto, nos encontramos submetidos a pressões e vivemos contradições e contrariedades das quais nem sempre é fácil sair, ou nem sequer captar com lucidez.
É essa fraqueza ou insuficiência de argumentação do profissional reflexivo que conduz à busca de uma concepção que, sem renunciar ao que anuncia a pretensão reflexiva (uma prática consciente e deliberativa, guiada pela busca da coerência pessoal entre as atuações e convicções), dê conta dessas preocupações em relação a qual deveria ser a orientação para a reflexão do professor


1. Apropriação generalizada do termo reflexivo


Desde que se publicou a obra de Schön (1983), a ideia do docente como profissional reflexivo passou a ser moeda corrente na literatura pedagógica. Vários autores tentaram fazer uma revisão sobre o enfoque reflexivo. De um lado, não se sabe, em muitas ocasiões, o que querem dizer os autores com o termo reflexão, fora do uso comum utilizado pela maioria dos professores.
Zeichner (1993), por exemplo, em uma tentativa de esclarecer o campo, identificou na literatura pedagógica cinco variedades da prática reflexiva:

• Versão acadêmica: que acentua a reflexão sobre as disciplinas, e a representação e tradução do conhecimento disciplinar em matérias, para promover a compreensão dos estudantes;
• Versão de eficiência social: que ressalta a aplicação minuciosa de estratégias particulares de ensino que vêm sugeridas por um “conhecimento básico” externo à prática e que se deduz da pesquisa sobre o ensino;
• Versão evolutiva que prioriza um ensino sensível ao pensamento, aos interesses e às pautas do desenvolvimento evolutivo dos estudantes, bem como da própria evolução do professor como docente e como pessoa;
• Versão de reconstrução social que acentua a reflexão sobre os contextos institucionais, sociais e políticos, bem como a valorização das atuações em sala de aula em relação à sua capacidade para contribuir para uma igualdade maior, justiça e condições humanas, tanto no ensino como na sociedade;
• Versão genética, na qual se defende a reflexão em geral, sem especificar grande coisa em relação aos propósitos desejados ou ao conteúdo da reflexão


2. Crítica à concepção reflexiva de Schön


Liston e Zeichner (1991) apontaram os limites da teoria de Schön. Para eles, este é um enfoque reducionista e estreito, que limita, por conseguinte, o sentido do que deveria ser uma prática reflexiva.
“A prática reflexiva competente pressupõe uma situação institucional que leve a uma orientação reflexiva e a uma definição de papéis, que valorize a reflexão e a ação coletivas orientadas para alterar não só as interações dentro da sala de aula e na escola, mas também entre a escola e a comunidade imediata e entre a escola e as estruturas sociais mais amplas” (Liston e Zeichner, 1991: 81).
A crítica de Liston e Zeichner se dirige à falta de especificidade de Schön em relação ao fato de que os professores reflitam sobre sua linguagem, seu sistema de valores, de compreensão sobre a forma com que definem seu papel, pois é necessário propor a forma com que isto se constitui como parte importante do processo de reflexão na ação.


3. Os limites do professor como artista reflexivo


Da mesma forma que no caso de Schön, há outros autores que criticaram as limitações do pensamente de Stenhouse em relação a sua concepção do professor como pesquisador.
A ideia do artista reflete o fato de que uma pessoa se auto-analista, com seus próprios recursos e sua própria compreensão, para desenvolver as qualidades artísticas de sua obra, dentro de uma tradição estética.
Quando se define a ideia do professor como artista ou como pesquisador, bem como a do profissional reflexivo, estamos diante do mesmo problema: define-se uma configuração das relações entre determinadas pretensões e as práticas profissionais, em um contexto de atuação, mas não se está revelando nenhum conteúdo para essa reflexão.


4. As práticas institucionais dos professores e as limitações da reflexão


Não poderemos compreender as possibilidades que a reflexão tem em si mesma para detectar os interesses de dominação da prática escolar, e para transcender os limites que esta impõe à emancipação, se não tivermos em conta a forma com que professores e professoras, no contexto da instituição escolar, constroem seu papel. O ensino, enquanto prática social, não é definido ex novo pelos docentes, mas estes se incorporam a uma instituição, a qual já responde a certas pretensões, uma história, rotinas e estilos estabelecidos.
Contudo, a lógica do controle tecnocrático entra em contradição com a forma pela qual as instituições expressam o sentido da missão encomendada. Enquanto que por um lado, se formulam as finalidades educativas como formas de preparação para uma vida adulta com capacidade crítica em uma sociedade plural, por outro lado a docência e a vida na escola se estruturam negando essas pretensões.


5. A crítica teórica como superadora das limitações da reflexão


Muitos professores, em virtude das características da instituição educacional e da forma pela qual nela se socializam, tendem a limitar seu universo de ação e de reflexão à sala de aula. O excesso de responsabilidade e a insegurança em que vivem os levam a aceitar as concepções regulamentares e tecnocráticas, que lhes oferecem uma segurança aparente, porém, ao mesmo tempo, a regulamentação burocrática e externa lhes impede de atender simultaneamente às necessidades de seus alunos e às exigências de controle. Em sua insatisfação, os sentimentos de responsabilidade conduzem ao isolamento e ao deslocamento da culpa para os contextos mais imediatos: os alunos, os colegas, o funcionamento da escola.
Segundo expressa Giroux: “Os professores podem não ser conscientes da natureza de sua própria alienação, ou podem não reconhecer o problema como tal (...). Esta é precisamente a ideia da teoria crítica: ajudar os professores a desenvolver uma apreciação crítica da situação na qual se encontram”.


6. Giroux e o professor como intelectual crítico


Foi Giroux quem melhor desenvolveu essa ideia dos professores como intelectuais. Baseando-se nas ideias de Gramsci sobre o papel dos intelectuais na produção e reprodução da vida social, para Giroux, o sentido dos professores compreendidos como intelectuais reflete todo um programa de compreensão e análise do que, para ele, devem ser os professores. Por um lado, permite entender o trabalho do professor como tarefa intelectual, em oposição às concepções puramente técnicas ou instrumentais.
“O ensino para a transformação social significa educar os estudantes para assumir riscos e para lutar no interior das contínuas relações de poder, tornando-os capazes de alterar as bases sobre as quais se vive a vida. Atuar como intelectuais transformadores significa ajudar os estudantes a adquirir um conhecimento crítico sobre as estruturas sociais básicas, tais como a economia, o Estado, o mundo do trabalho e a cultura de massas, de modo que estas instituições possam se abrir a um potencial de transformação. Uma transformação, neste caso, dirigida à progressiva humanização da ordem social” (Giroux, 1991:90).


7. A reflexão crítica


Facilitar a ligação de uma concepção libertadora da prática de ensino com um processo de emancipação dos próprios professores para sua configuração como intelectuais críticos requer, na opinião de Smyth (1991b; 1986; 1987) e Kemmis (1985; 1987), a constituição de processos de colaboração com os professores para favorecer sua reflexão crítica.
A reflexão crítica não se pode ser concebida como um processo de pensamento sem orientação. Pelo contrário, ela tem um propósito muito claro de “definir-se” diante dos problemas e atuar consequentemente, considerando-os como situações que estão além de nossas próprias intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise como problemas que têm uma origem social e histórica. Para Kemmis (1987), refletir criticamente significa colocar-se no contexto de uma ação, na historiada situação, participar de uma atividade social e ter uma determinada postura diante dos problemas. Significa explorar a natureza social e histórica, tanto de nossa relação como atores nas práticas institucionalizadas da educação, quanto da relação entre nosso pensamento e ação educativos. Colmo essa maneira de atuar tem consequências públicas, a reflexão crítica induz a conceber como uma atividade também pública, exigindo, por conseguinte, a organização das pessoas envolvidas e dirigindo-se à elaboração de processos sistemáticos de crítica que permitiriam a reformulação de sua teoria e prática social e de suas condições de trabalho.
Com o objetivo de poder articular a forma pela qual a prática reflexiva se relaciona com um compromisso crítico, Kemmis (1985) chamou a atenção para os elementos que configuram como processo. São os seguintes:

1. A reflexão não está biológica ou psicologicamente determinada, nem é tampouco “pensamento puro”; expressa uma orientação à ação e tem a ver com a relação entre pensamento e ação nas situações reais históricas nas quais nos encontramos.
2. A reflexão não é o trabalho individualista da mente, como se fosse um mecanismo ou mera especulação; pressupõe e prefigura relações sociais.
3. A reflexão não está livre de valores nem é neutra; expressa e serve a particulares interesses humanos, sociais, culturais e políticos.
4. A reflexão não é indiferente ou passiva em relação à ordem social, nem se reduz a discutir os valores sobre os quais exista acordo social; ativamente, reproduz ou transforma as práticas ideológicas que estão na base da ordem social.
5. A reflexão não é um processo mecânico nem tampouco um exercício puramente criativo na construção de novas ideias; é uma prática que expressa nosso poder para reconstruir a vida social pela forma de participação por meio da convivência, da tomada de decisões ou da ação social (Kemmis, 1985:149).

8. O fundamento habermasiano da reflexão crítica

Todas estas discussões sobre a reflexão crítica encontram seu fundamento na Teoria Crítica e, mais especificamente, nas ideias de Habermas. O projeto teórico de Habermas está baseado na ideias da emancipação, no aprofundamento de seu significado, na fundamentação de sua razão de ser e no papel do conhecimento nela contido. A partir de sua teoria dos interesses constitutivos do conhecimento, Habermas (1982; 1984) defende que as concepções práticas, ou seja, aquelas que supõem uma ação comunicativa dirigida ao entendimento e ao acordo (e sobre as quais se sustenta o modelo profissional reflexivo), não são possíveis em uma sociedade em que os modos dominantes de produção, o imperativo da mentalidade tecnológica, aplicada aos sistemas de relações humanas, e dos interesses dos grupos que detêm o poder, forçaram certas relações que estão enraizadas em uma comunicação distorcida, ou em sistemas diretamente coercitivos, que dão lugar a consciências deformadas pela ideologia.
Nas relações que Habermas estabelece em todo este plano de conhecimento dirigido à ação política, a figura do teórico (e de sua teoria) fica esboçada de forma problemática, já que reconhece por um lado um momento de privilégio, simultâneo à incapacidade de justificar-se conclusivamente.
“A reivindicada superioridade do ilustrador sobre aquele que ainda deve se ilustrar é teoricamente inevitável, mas é, ao mesmo tempo, fictícia e necessita de autocorreção: em um processo de ilustração há somente participantes” (Habermas, 1987:48).

9. Diversos entendimentos sobre crítica



A importância deste fato para nós é que, quando se trata de estimular professores a buscarem processos de emancipação guiados pela reflexão crítica, à maneira do que propunham Kemmis ou Smyth, não é nem um pouco evidente que estejamos diante de uma caso semelhante aos dos grupos organizados por interesses comuns e por intenção política. Em todo o caso, o que se propunha era mais o desejo de que a reflexão crítica conduzisse à necessidade de uma ação transformadora.

10. Autonomia ou emancipação



O que o modelo dos professores como intelectuais críticos sugere é que tanto a compreensão dos fatores sociais e institucionais que condicionam a prática educativa, como a emancipação das formas de dominação que afetam nosso pensamento e nossa ação não são processos espontâneos que se produzem “naturalmente” pelo mero fato de participarem de experiências que se pretendem educativas. Do esforço também para descobrir as formas pelas quais os valores ideológicos dominantes, as práticas culturais e as formas pelas quais os valores ideológicos dominantes, as possibilidades de ação do professor, mas também as próprias perspectivas de análise e compreensão do ensino, de suas finalidades educativas e de sua função social. Igualmente o intelectual crítico está preocupado com a captação e potencialização dos aspectos de sua prática profissional, que conservam uma possibilidade de ação educativamente valiosa, enquanto busca a transformação ou a recondução daqueles aspectos que não a possuem, sejam eles pessoais, organizacionais ou sociais.


AUTONOMIA E SEU CONTEXTO

A CHAVE DA AUTONOMIA DOS PROFESSORES



A autonomia profissional de acordo com os três modelos de professores:








MODELOS DE PROFESSORES
Especialista Técnico Profissional Reflexivo Intelectual Crítico
DIMENSÕES DA PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR Obrigação Moral Rejeição de problemas normativos. Os fins e valores passam a ser resultados estáveis e bem definidos, os quais se espera alcançar O ensino deve guiar-se pelos valores educativos pessoalmente assumidos. Definem as qualidades morais da relação e da experiência educativas Ensino dirigido à emancipação individual e social, guiada pelos valores de racionalidade, justiça e satisfação.
Compromisso com a comunidade Despolitização da prática. Aceitação das metas do sistema e preocupação pela eficácia e eficiência em seu êxito Negociação e equilíbrio entre os diferentes interesses sociais, interpretando seu valor e mediando política e prática entre eles. Defesa de valores para o bem comum (justiça, igualdade e outros).Participação em movimentos sociais pela democratização.
Competência profissional Domínio técnico dos métodos para alcançar os resultados previstos Pesquisa/reflexão sobre a prática. Deliberação na incerteza acerca da forma moral ou educativa correta de agir em cada caso Auto-reflexão sobre as distorções ideológicas e os condicionantes institucionais. Desenvolvimento da análise e da crítica social. Participação na ação política transformadora.
CONCEPÇÃO DA AUTONOMIA PROFISSIONAL Autonomia como status ou como atributo. Autoridade unilateral do especialista. Não ingerência. Autonomia ilusória: dependência de diretrizes técnicas, insensibilidade para os dilemas, incapacidade de resposta criativa diante da incerteza Autonomia como responsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista. Equilíbrio entre a independência de juízo e a responsabilidade social. Capacidade para resolver as situações-problema para a realização prática das pretensões educativas. Autonomia como emancipação: liberação profissional e social das opressões. Superação das distorções ideológicas. Consciência crítica. Autonomia como processo coletivo (configuração discursiva de uma vontade comum), dirigido à transformação das condições institucionais e sociais de ensino


AS NOVAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E A AUTONOMIA DE PROFESSORES.
Não é possível falar da autonomia de professores sem fazer referência ao contexto trabalhista, institucional e social em que os professores realizam seu trabalho. As condições reais de desenvolvimento de sua tarefa, bem como o clima ideológico que a envolve, são fatores fundamentais que a apóiam ou a entorpecem. E sem condições adequadas, o discurso sobre a autonomia pode cumprir apenas duas funções: ou é uma mensagem de resistência, de denúncia de carências para um trabalho digno e com possibilidades de ser realmente educativo, ou é uma armadilha para os professores, que só pretende fazê-los crer falsamente que possuem condições adequadas de trabalho e que, portanto, o problema é só deles.


1. A autonomia necessária: diagnóstico de uma mudança de perspectiva sobre os professores



A comunicação ou disseminação das inovações se transformam em um fator-chave: como conseguir que o receptor, os professores, as entenda, as aceite e as leve a cabo. Como vencer suas resistências.
Grande parte da teoria e da pesquisa sobre a inovação educativa moveu-se sob os pressupostos anteriores, de maneira que se entendeu que a formulação de uma inovação, que emanava dos técnicos e especialistas, externos às salas de aula e às escolas, significavam um elemento em si positivo.
Tudo isso não fizeram senão aumentar a perspectiva dominante sobre os professores, os quais não só tinham uma imagem de passividade, como de realizadores de atuações que outros planejavam, e que os inovadores e reformadores se moveram durante muito tempo no desejo de que fossem mais obedientes do que autônomos. A autonomia, mais do que uma pretensão para os professores, poderia chegar a ser um estorvo na realização fiel das reformas esboçadas. As modificações que os professores poderiam introduzir nas inovações planejadas significavam um fracasso, uma adulteração das mesmas, e era necessário contê-las. Planejar bem uma inovação era reduzir ao máximo a possibilidade de que fosse “deformada” pelos professores.
As experiências de desenvolvimento do currículo baseadas nos professores.
Como alternativas às concepções tecnológicas do currículo, nas quais o docente ficava reduzido ao papel do técnico aplicador de planos alheios, surgiram experiências em que os professores eram protagonistas do desenvolvimento curricular. Nesses casos, não se pretendia a fidelidade dos professores ao programa curricular, mas o contrário, apelava-se para sua capacidade de experimentação das propostas de ensino, para que eles mesmos testassem suas possibilidades educativas.
Mudança de perspectiva na compreensão dos professores.
Um dos fatores fundamentais nesta mudança de mentalidade foi a aceitação, por parte da comunidade de pesquisadores, de que os professores não poderiam ser compreendidos o suficiente em termos de suas condutas ou como simples aplicadores de diretrizes. Com o advento do behaviorismo e o assentamento dos modelos cognitivos surgiu uma nova linha de pesquisa que entendia em uma nova fonte de compreensão dos professores como mediadores cognitivos das ideias e propostas educativas, bem como pensadores dinâmicos de sua própria realidade de ensino (Clark e Peterson, 1989).
A escola como unidade de ação e mudança. Após sucessivas experiências de inovação e diversas tentativas de transformação curricular, foi-se descobrindo também que era insuficiente pensar no ensino e em sua melhoria com professores isolados em suas salas de aula. No entanto, o reconhecimento do papel mediador das escolas não se pode realizar sem levar em conta que são as pessoas concretas que as habitam, ou seja, aqueles que vivem, interpretam, transmitem e transformam os costumes, relações e crenças que constituem a cultura da escola.
A crise das ideias de mudança como solução definitiva de problemas. Uma das razões para a perda de fé nos clássicos modelos de inovação encontra-se no fato de que cada vez mais se desconfia da aspiração para encontrar a solução definitiva dos problemas que afligem a educação ou sua organização institucional. Os problemas e suas circunstâncias mudam no tempo e no espaço, transformando-se e singularizando-se, e as soluções devem ser aceitas como aproximações provisórias que se tentam adequar como tentativa de circunstâncias concretas de casa caso ou escola em particular. A realidade é sempre mutante e as organizações educativas devem aprender a se adaptar e a encontrar suas próprias estratégias de ação. Isto supõe a transformação da própria noção de mudança escolar.


2. A descentralização administrativa das reformas


Um fenômeno bastante comum na maioria dos países ocidentais, na década de 1990, foi o surgimento de reformas educacionais que estão apresentando três âmbitos fundamentais de preocupação: o currículo, as escolas e os professores. Embora de forma bastante ambígua, quando não claramente contraditória, a descentralização e a autonomia estão sendo utilizadas como princípios nos quais se dizem baseadas as mudanças propostas: a descentralização do currículo associada à autonomia de escolas e professores.
Em termos de política educativa, poderíamos dizer que uma das coisas que o princípio de descentralização supôs foi o reconhecimento, no processo de planejamento curricular, deste fato. Razão pela qual se tende a pensar cada vez mais no currículo oficial como aquele documento que deve ser adaptado, desenvolvido ou concretizado nas circunstâncias particulares de ensino. Este princípio passou a fazer parte do discurso público e da retórica da administração em relação ao currículo, e que, não sendo tão novo na experiência dos professores, não justificou por si só as atuais tendências de descentralização curricular.
Especialistas e administradores insistem na importância de que as escolas se considerem unidades de autogestão, sensíveis a seu contexto, tratando de atender às suas demandas e em contínuo desenvolvimento profissional e institucional. Os professores tornarão sua a reforma se tomarem o currículo como seu e se comprometerem com sua escola, conferindo-lhe um caráter próprio e singular. A qualidade da educação depende da qualidade das escolas, e estas, por sua vez, dependem de que os professores se comprometam com elas, de que trabalhem em colaboração com seus colegas para sua permanente melhoria, atendendo às necessidades do contexto e respondendo às demandas.
Que cada escola assuma “autonomamente” a responsabilidade de seu próprio projeto educacional tem sua tradução na prática no assumir tal responsabilidade perante a “sociedade”, entendendo-se, neste caso, as famílias concretas que buscam as escolas concretas. A sociedade, particularizada nas famílias singulares com filhos em idade escolar, assume as responsabilidades “devolvidas” pelo Estado, adquirindo a obrigação de exigir das escolas uma educação de qualidade. A forma pela qual se entende esse princípio de participação das famílias é, sobretudo, incentivando e facilitando a escolha das escolas.
Dessa forma, a devolução de responsabilidades é entendida como entrega, aos atores concretos (as escolas específicas e as famílias envolvidas em cada uma delas), da responsabilidade dos efeitos de suas decisões isoladas. Efeitos que, entretanto, por vezes só podem ser entendidos em sua dimensão sociológica, cultural e política, e não só na dimensão particular em que se tomam estas decisões.

4. O que há por trás? As mudanças ideológicas de fundo

Até o momento, as razões dessas tendências reformistas, que podem ser observadas tanto na Espanha como internacionalmente, estão presentes, de um modo ou de outro, nos discursos públicos e na retórica das administrações. Entretanto, devemos compreender o fenômeno da descentralização atendendo às motivações profundas que animam esse tipo de tendência.
“O problema com a legitimidade do Estado parece se basear, ao menos em parte, em sua natureza supercentralizadora (real ou percebida), na distância entre a base e o sistema político, em seu caráter monopolista, sua incapacidade estrutural para atender as variações importantes dentro da sociedade e na qualidade amiúde impessoal, coercitiva e desumana de sua burocracia administrativa. Se esta avaliação for correta, então tudo o que pareça com um Estado menos centralizado e monopolista, mais atento às variações de necessidades internas, pode ser visto como fonte potencial de ampliação de legitimidade”. (Weiler, 1990:441-2)
O currículo descentralizado e a autonomia nas escolas podem ser, portanto, o lugar em que os conflitos se diluem ou se reduzem a casos particulares. As diferenças sociais da sociedade em geral são muito perceptíveis em cada escola em particular. Vistas individualmente, cada uma pode ser internamente mais homogênea, podendo concretizar o currículo de forma aparentemente menos conflituosa. Ou, ainda, as escolas em que se produzem conflitos sociais ou ideológicos podem ser menores em quantidade, ficando isoladas do resto do sistema.
É este o modelo que agora se afirma estar em crise. Tanto suas dificuldades internas como o ataque ideológico a que foi submetido foram assinalando aspectos controversos do mesmo e ocasionando mudanças ideológicas e políticas de longo alcance. Entre as múltiplas mudanças que vêm sendo produzidas, vamos destacar três delas:
(A) A crise fiscal do Estado: os Estados se transformaram em máquinas enormes, intrincadas e complexas, que geram um gasto muito grande, e, com isso, o Estado entrou em uma crise fiscal cada vez mais difícil de ser sustentada, o que está gerando uma discussão sobre o papel do Estado na cidadania.
b) A crise de motivação da sociedade: o modelo de Estado de bem-estar, ao atuar como provedor das necessidades sociais, o fez assumindo quais eram elas e como deveriam ser satisfeitas, dando alento ao consumo passivo da provisão nacional, minando a confiança dos cidadãos em dirigir suas próprias vidas e aumentando continuamente à burocracia, a vigilância, a imposição de ordens e o controle nacional (Keane, 1992:21)
c) A crise de motivação dos serviços públicos: a mesma apatia que se observava na sociedade em geral pode se apreciar também nos serviços públicos. Na medida em que estes são organismos planejados de forma centralizadora, burocraticamente complicados, dependentes de diferentes organismos, ao mesmo tempo centrais, periféricos e locais, perderam progressivamente coerência e capacidade de adaptação e de mudança.


5. A autonomia aparente

Se relacionarmos hoje as transformações ideológicas e políticas que vêm sendo produzidas ao papel do Estado, dos serviços públicos, da cidadania e da democracia, com as mudanças das reformas educacionais, poderemos entender de forma mais global a direção em que pode estar se encaminhando o sistema escolar. E, além das mudanças legislativas (onde se pode situar a maior vitória do neoliberalismo como ideologia), poderemos também analisar qual o tipo de mentalidade que parece estar se estendendo no mundo educacional.
Ou seja, se as escolas forem mais diferenciadas entre si, isto leva às escolas à competitividade em que o mercado de oferta e procura deve se ajustar. É evidente que essa discussão da competitividade e do ajuste entre a oferta e a demanda tem suas perversões.
Em primeiro lugar, os recursos econômicos e de influência, para saberem se mover dentro do sistema na busca da melhor escolha, devem levar em conta que as escolas são bens escassos ou justos no mercado; as “boas” escolas, seja elas o que forem, serão ainda mais escassas; poder optar por uma “boa” escola depende da capacidade do consumidor para isso.
Em segundo lugar, a competitividade como motivação da sociedade não é neutra. O critério a partir do qual se compete não é livremente escolhido pela sociedade, posto que venha decidido pela capacidade de rendimento em termos fixados pelo currículo oficial (Hatcher, 1994).


Conclusão:


O que tudo isso reflete é efetivamente um modelo de ajuste e demanda, mas não um modelo de diálogo social na definição da escolaridade. A escola começa a se movimentar para oferecer o que atrai a clientela. E a clientela se movimenta em função do que sente como competitivo no mercado social. Assim, enquanto a escola e usuários não se sentarem para discutir o que acreditam que deveria ser a prática educativa, ambos estarão fazendo movimentos de ajuste a partir de demandas e necessidades que eles próprios não controlam, porque não atuam enquanto grupo que toma decisões deliberativas e compartilhadas, senão como agentes isolados guiados por interesses individuais, não sociais.




QUESTÕES:


1- Assinale a alternativa correta a respeito das afirmações a seguir:


I – A tese básica da proletarização de professores é que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda da autonomia.

II – Um dos mecanismos que, segundo os teóricos da proletarização, tem sido utilizado entre os professores como modo de resistência à racionalização de seu trabalho e à desqualificação de seu status de profissionais.

III – A pretensão dos docentes de serem reconhecidos como profissionais não reflete mais que a aspiração para fugir de sua assimilação progressiva às classes trabalhadoras.

IV – O professor do ensino fundamental passa atualmente por sucessivas transformações que elevam sua categoria até transformá-lo em estudos universitários, enquanto que para o professor do ensino médio se institui também uma formação pedagógica ainda que mínima.


a) Apenas a alternativa I está correta
b) Apenas a alternativa I e II estão corretas
c) Nenhuma das alternativas está correta
d) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão incorretas

2- Quais são os principais modelos de professores definidos por Contreras?

a) Especialista técnico, profissional reflexivo, intelectual crítico.
b) Especialista técnico, profissional autônomo, intelectual reflexivo.
c) Especialista autônomo, profissional reflexivo, intelectual crítico.
d) Especialista técnico, profissional crítico, intelectual reflexivo.
e) Nenhuma das anteriores; o autor não menciona este tipo de modelo.

3- Contreras define algumas competências profissionais que os professores e professoras autônomos devem possuir, com base neste conceito, assinale a única alternativa que não indica uma dessas competências profissionais:

a) Domínio técnico dos métodos para alcançar resultados previstos.
b) Deliberação na incerteza acerca da forma moral ou educativa correta de agir em cada caso.
c) Participação na ação política transformadora
d) Desenvolvimento da análise crítica social
e) Autonomia profissional desprovida de qualquer politização ou ideologia

4- Contreras defende que “... a obrigação moral dos professores e o compromisso com a comunidade requerem uma competência profissional coerente com ambos...”, desta forma assinale a alternativa que demonstra a obrigação moral coerente a um intelectual crítico:

a) Domínio técnico dos métodos para alcançar os resultados previstos
b) Ensino dirigido à emancipação individual e social, guiada pelos valores de racionalidade, justiça e satisfação.
c) Pesquisa e reflexão sobre a prática
d) Despolitização da prática
e) Deliberação na incerteza acerca da forma de agir, previamente determinada.


5- Analise as afirmativas a seguir:


I – A reflexão não é o trabalho individualista da mente, como se fosse um mecanismo ou mera especulação; pressupõe e prefigura relações sociais.

II – A reflexão não está livre de valores nem é neutra; expressa e serve a particulares interesses humanos, sociais, culturais e políticos.

III – A reflexão deve ser totalmente indiferente à ordem social e ao contexto político do local, ela deve apenas reproduzir as práticas ideológicas da ordem social estabelecida.

Com base nelas, assinale a alternativa correta:

a) Todas as alternativas estão corretas;
b) Apenas a alternativa III está correta;
c) Apenas as alternativas I e II estão corretas;
d) Todas estão corretas
e) Todas estão incorretas;


GABARITO:

1 – D
2 – A
3 – E
4 – B
5 – C


6.DELORS, Jacques e EUFRAZIO, José Carlos. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1998.

CAPÍTULO 1


DA COMUNIDADE DE BASE À
SOCIEDADE MUNDIAL


Hoje em dia, grande parte do destino de cada um de nós, quer o queiramos quer não, joga-se num cenário em escala mundial. Imposta pela abertura das fronteiras econômicas e financeiras, impelida por teorias de livre comércio, reforçada pelo desmembramento do bloco soviético, instrumentalizada pelas novas tecnologias da informação, a interdependência planetária não cessa de aumentar, no plano econômico, científico, cultural e político. Sentida de maneira confusa por cada indivíduo, tornou-se para os dirigentes uma fonte de dificuldades. A conscientização generalizada desta “globalização” das relações internacionais constitui, aliás, em si mesma, uma dimensão do fenômeno. E, apesar das promessas que encerra, a emergência deste mundo novo, difícil de decifrar e, ainda mais, de prever, cria um clima de incerteza e, até, de apreensão, que torna ainda mais hesitante a busca de uma solução dos problemas realmente em escala mundial.


A comunicação universal

As novas tecnologias fizeram a humanidade entrar na era da comunicação universal; abolindo as distâncias, concorrem muitíssimo para moldar a sociedade do futuro, que não corresponderá, por isso mesmo, a nenhum modelo do passado. As informações mais rigorosas e mais atualizadas podem ser postas ao dispor de quem quer que seja, em qualquer parte do mundo, muitas vezes, em tempo real, e atingem as regiões mais recônditas. Em breve,a interatividade permitirá não só emitir e receber informações, mas também dialogar, discutir e transmitir informações e conhecimentos, sem limite de distância ou de tempo. Não podemos nos esquecer, contudo, que numerosas populações carentes vivem ainda afastadas desta evolução, principalmente em zonas desprovidas de eletricidade.
Recordemos, também, que mais da metade da população mundial não tem acesso aos diversos serviços oferecidos pela rede telefônica.
Esta livre circulação de imagens e de palavras, que prefigure o mundo de amanhã, até no que possa ter de perturbador, transformou tanto as relações internacionais, como a compreensão do mundo pelas pessoas; é um dos grandes aceleradores da mundialização.
Tem, contudo, contrapartidas negativas. Os sistemas de informação são ainda relativamente caros, e de difícil acesso para muitos países. O seu domínio confere às grandes potências, ou aos interesses particulares que o detêm, um verdadeiro poder cultural e político, principalmente sobre as populações que não foram preparadas, através de uma educação adequada, a hierarquizar,a interpretar e a criticar as informações recebidas. O quase monopólio das indústrias culturais, por parte de uma minoria de países, e a difusão de sua produção pelo mundo inteiro, junto de um público vastíssimo, constituem poderosos fatores de erosão das especificidades culturais. Se bem que uniforme e, muitas vezes, de grande pobreza de conteúdo, esta falsa “cultura mundial” não deixa, por isso, de trazer consigo normas implícitas e pode induzir, nos que lhe sofrem o impacto, um sentimento de espoliação e de
perda de identidade.
A educação tem, sem dúvida, um papel importante a desempenhar, se se quiser dominar o desenvolvimento do entrecruzar de redes de comunicação que, pondo os homens a escutarem-se uns aos outros, faz deles verdadeiros vizinhos.


Um mundo multirriscos
A queda, em 1989, do bloco soviético virou uma página da história mas, paradoxalmente, o fim da guerra fria, que marcara os decênios precedentes, deu origem a um mundo mais complexo e inseguro, e sem dúvida mais perigoso. Talvez a guerra fria encobrisse, há muito tempo já, as tensões latentes que existiam entre nações, etnias, comunidades religiosas, que agora surgem à luz do dia, constituindo outros tantos focos de agitação, ou causas
de conflitos declarados. A entrada neste mundo “multirriscos”, ou pressentido como tal, constituído por elementos ainda por decifrar, é uma das características dos finais do século XX, que perturba e inquieta profundamente a consciência mundial.
É correto, sem dúvida, considerar a queda de alguns regimes totalitários como um avanço da liberdade e da democracia. Mas há muito caminho a percorrer ainda, e a revelação da multiplicidade de riscos que pesam sobre o futuro do mundo coloca o observador perante numerosos paradoxos: o poder totalitário revela-se frágil, mas os seus efeitos persistem; assiste-se, simultaneamente, ao declínio da idéia de Estado nacional e ao aumento dos nacionalismos; a paz parece, agora, menos impossível que durante a guerra fria, mas a guerra surge, também, como menos improvável.
A incerteza quanto ao destino comum da humanidade assume novas e variadas formas. A acumulação de armas, mesmo de armas nucleares, não tem o mesmo significado simples de dissuasão nem de segurança contra o risco de uma guerra entre dois blocos; é fruto de uma competição generalizada, para ver quem detém as armas mais sofisticadas.
Ora, esta corrida aos armamentos não diz respeito apenas a alguns Estados; implica entidades não-institucionais, como associações políticas ou grupos terroristas.


O local e o global
O mal-estar, causado pela falta de visão clara do futuro, conjuga-se com a consciência cada vez maior das diferenças existentes no mundo, e das múltiplas tensões que daí resultam, entre o “local” e o “global”.
O desenvolvimento das interdependências veio revelar vários desequilíbrios: desequilíbrio entre países ricos e países pobres; fratura social entre os mais favorecidos e os excluídos, no interior de cada país; uso descontrolado dos recursos naturais, provocando a rápida degradação do meio ambiente. As desigualdades de desenvolvimento agravaram-se, em muitos casos, como é referido pela maior parte dos relatórios internacionais, e observa-se um verdadeiro descontrole dos países mais pobres. Estas escandalosas desigualdades são cada vez mais notórias, devido à expansão dos meios de informação e de comunicação. Os meios de comunicação social comprazem-se, muitas vezes, em dar a conhecer aspectos da vida e hábitos de consumo dos mais favorecidos, suscitando assim, nos mais deserdados, sentimentos de rancor e frustração, ou até, de hostilidade e rejeição. Quanto aos países ricos, é-lhes cada vez mais difícil dissimular a exigência imperiosa de uma ativa solidariedade internacional, se quiserem garantir um futuro comum, mediante a construção progressiva de um mundo mais justo.
Por outro lado, a rápida transformação das sociedades humanas a que assistimos, na junção de dois séculos, dá-se em dois sentidos: no sentido da mundialização, como vimos, mas também no sentido da busca de múltiplas raízes particulares. Cria, também, naqueles que a vivem ou tentam geri-la, um leque de tensões contraditórias, num contexto de completa alteração.
Solicitado por uma modernidade global, na qual, muitas vezes, não tem meios de realmente participar e que pode contrariar em parte, seu engajamento pessoal em diversas comunidades de base a que pertence, o indivíduo sente-se confuso perante a complexidade do mundo moderno, que altera suas referências habituais. Muitos fatores reforçam esta sensação de vertigem: o medo das catástrofes e conflitos que podem atingir a sua integridade; um sentimento de vulnerabilidade perante fenômenos como o desemprego, devido à alteração das estruturas laborais; ou a impotência generalizada, perante uma mundialização em que podem participar, apenas, alguns privilegiados. Abalado por ver, assim, postas em causa as bases da sua existência, o homem contemporâneo corre o risco de encarar como ameaças as evoluções que se operam além das fronteiras do seu grupo imediato e de, paradoxalmente, ser tentado, por um sentimento ilusório de segurança, a fechar-se sobre si mesmo, com a eventual conseqüência de rejeição do outro.
Os dirigentes incumbidos de decisões cruciais enfrentam uma perplexidade diferente, mas de origem idêntica numa altura em que as estruturas de organização do Estado-Nação estão, de algum modo, na ordem do dia, sujeitos aos imperativos da globalização e, em sentido inverso, às exigências das comunidades de base.
Desarmados pela rápida sucessão dos acontecimentos, que parecem por vezes ultrapassar ou frustrar todas as análises, privados, devido à falta de distanciamento, de critérios confiáveis para agir, os tomadores de decisões políticas parecem, muitas vezes hesitar entre posições contraditórias para justificar seus interesses, muitas vezes não tão claros.











CAPÍTULO 2


DA COESÃO SOCIAL À
PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

Qualquer sociedade humana retira a sua coesão de um conjunto de atividades e projetos comuns, mas também, de valores partilhados, que constituem outros tantos aspectos da vontade de viver juntos. Com o decorrer do tempo, estes laços materiais e espirituais enriquecem-se e tornam-se, na memória individual e coletiva, uma herança cultural, no sentido mais lato do termo, que serve de base aos sentimentos de pertencer àquela comunidade, e de solidariedade.
Em todo o mundo, a educação, sob as suas diversas formas, tem por missão criar, entre as pessoas, vínculos sociais que tenham a sua origem em referências comuns. Os meios utilizados abrangem as culturas e as circunstâncias mais diversas; em todos os casos, a educação tem como objetivo essencial o desenvolvimento do ser humano na sua dimensão social. Define-se como veículo de culturas e de valores, como construção de um espaço de socialização, e como caminho de preparação de um projeto comum.
Atualmente, os diferentes modos de socialização estão sujeitos a duras provas, em sociedades ameaçadas pela desorganização e a ruptura dos laços sociais. Os sistemas educativos encontram-se, assim, submetidos a um conjunto de tensões, dado que se trata, concretamente, de respeitar a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos, mantendo, contudo, o princípio da homogeneidade que implica a necessidade de observar regras comuns. Neste aspecto, a educação enfrenta enormes desafios, e se depara com uma contradição quase impossível de resolver: por um lado, é acusada de estar na origem de muitas exclusões sociais e de agravar o desmantelamento do tecido social, mas por outro, é a ela que se faz apelo, quando se pretende restabelecer algumas das “semelhanças essenciais à vida coletiva”, de que falava o sociólogo francês Emile Durkheim, no início deste século.
Confrontada com a crise das relações sociais, a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade um fator positivo de compreensão mútua entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição passa a ser dar a todos os meios necessários a uma cidadania consciente e ativa, que só pode se realizar, plenamente, num contexto de sociedades democráticas.


Uma educação à prova da crise das relações sociais

Desde sempre, as sociedades foram abaladas por conflitos suscetíveis de, nos casos extremos, pôrem em perigo a sua coesão.
Hoje, contudo, não se pode deixar de dar importância a um conjunto de fenômenos que, na maior parte dos países do mundo, surgem como outros tantos índices de uma crise aguda das relações sociais.
Uma primeira verificação relaciona-se com o agravamento das desigualdades, ligado ao aumento dos fenômenos de pobreza e de exclusão. Não se trata, apenas, das disparidades já mencionadas entre países ou regiões do mundo, mas sim de fraturas profundas entre grupos sociais, tanto no interior dos países desenvolvidos como no dos países em desenvolvimento. A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social realizada em Copenhague de 6 a 12 de março de 1995 traçou um quadro alarmante da situação social atual, recordando em particular que “no mundo, mais de um bilhão de seres humanos vivem numa pobreza abjeta, passando a maior parte deles fome todos os dias”, e que “mais de 120 milhões de pessoas no mundo estão oficialmente no desemprego e muitas mais ainda no subemprego”.
Se, nos países em desenvolvimento, o crescimento da população compromete a possibilidade de se alcançar níveis de vida mais elevados, outros fenômenos vêm acentuar o sentimento de uma crise social que atinge a maior parte dos países do mundo.
O desenraizamento ligado às migrações e ao êxodo rural, o desmembramento das famílias, a urbanização desordenada, a ruptura das solidariedades tradicionais de vizinhança, lançam muitos grupos e indivíduos no isolamento e na marginalização, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. A crise social do mundo atual conjuga-se com uma crise moral, e vem acompanhada do desenvolvimento da violência e da criminalidade. A ruptura dos laços de vizinhança manifesta-se no aumento dramático dos conflitos interétnicos, que parece ser um dos traços característicos dos finais do século XX.
De uma maneira geral, os valores integradores são postos em causa de formas muito diversas. O que parece particularmente grave é que esta atitude abrange dois conceitos, o de nação e o de democracia, que podemos considerar como os fundamentos da coesão das sociedades modernas. O Estado-Nação, tal como se constituiu na Europa durante o século XIX, já não é, em certos casos, o único quadro de referência, e tendem a desenvolver-se outras formas de dependência, mais próximas dos indivíduos, na medida em que se situam a uma escala mais reduzida. De maneira inversa, mas sem dúvida complementar, surgem no mundo regiões inteiras que procuram constituir vastas comunidades transnacionais que traçam novos espaços de identificação, embora limitados ainda, em muitos casos, apenas à atividade econômica.
Em certos países, pelo contrário, forças centrífugas distendem, até a ruptura, as relações habituais entre as coletividades e os indivíduos. Nos países da antiga URSS, por exemplo, a queda do sistema soviético trouxe consigo uma fragmentação dos territórios nacionais. Finalmente, a associação da idéia de Estado-Nação à idéia de uma forte centralização estatal pode explicar o aparecimento de preconceitos contrários a essa mesma idéia, que exacerbam a necessidade de participação da sociedade civil e a reivindicação de uma maior descentralização.
O conceito de democracia é, também, questionado de um modo que parece paradoxal. De fato, na medida em que corresponde a um sistema político que procura assegurar, através do contrato social, a compatibilidade entre as liberdades individuais e uma organização comum da sociedade, ele ganha, sem dúvida, cada vez mais terreno e corresponde, plenamente, a uma reivindicação de autonomia individual que se observa por todo o mundo.



A educação e a luta contra as exclusões

A educação pode ser um fator de coesão, se procurar ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos, evitando tornar-se um fator de exclusão social.
O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui, de fato, um princípio fundamental, que deve levar à proscrição de qualquer forma de ensino estandardizado. Os sistemas educativos formais são, muitas vezes, acusados e com razão, de limitar a realização pessoal, impondo a todas as crianças o mesmo modelo cultural e intelectual, sem ter em conta a diversidade dos talentos individuais. Tendem cada vez mais, por exemplo, a privilegiar o desenvolvimento do conhecimento abstrato em detrimento de outras qualidades humanas como a imaginação, a aptidão para comunicar, o gosto pela animação do trabalho em equipe, o sentido do belo, a dimensão espiritual ou a habilidade manual. De acordo com as suas aptidões e os seus gostos pessoais, que são diversos desde o nascimento, nem todas as crianças retiram as mesmas vantagens dos recursos educativos comuns. Podem, até, cair em situação de insucesso, por falta de adaptação da escola aos seus talentos e às suas aspirações.
Além da multiplicidade dos talentos individuais, a educação confronta-se com a riqueza das expressões culturais dos vários grupos que compõem a sociedade, e a Comissão elegeu, como um dos princípios fundamentais da sua reflexão, o respeito pelo pluralismo.
Mesmo que as situações sejam muito diferentes de um país para o outro, a maior parte dos países caracteriza-se, de fato, pela multiplicidade das suas raízes culturais e linguísticas. Nos países outrora colonizados, como os da África subsaariana, a língua e o modelo educativo da antiga metrópole sobrepuseram-se a uma cultura e a um ou a vários tipos de educação tradicionais. A busca de uma educação que sirva de fundamento a uma identidade própria, para lá do modelo ancestral e do modelo trazido pelos colonizadores, manifesta-se, sobretudo, pela crescente utilização das línguas locais no ensino. A questão do pluralismo cultural e linguístico surge, também, em relação às populações autóctones, ou aos grupos migrantes, para os quais há que encontrar o equilíbrio, entre a preocupação de uma integração bem-sucedida e o enraizamento na cultura de origem. Qualquer política de educação deve estar à altura de enfrentar um desafio essencial, que consiste em fazer desta reivindicação legítima um fator de coesão social. É importante, sobretudo, fazer com que cada um se possa situar no seio da comunidade a que pertencem primariamente, a maior parte das vezes, em nível local, fornecendo-lhe os meios de se abrir às outras comunidades. Neste sentido, importa promover uma educação intercultural, que seja verdadeiramente um fator de coesão e de paz.
Depois, é necessário que os próprios sistemas educativos não conduzam, por si mesmos, a situações de exclusão. O princípio de emulação, propício em certos casos, ao desenvolvimento intelectual pode, de fato, ser pervertido e traduzir-se numa prática excessivamente seletiva, baseada nos resultados escolares. Então, o insucesso escolar surge como irreversível, e dá origem, freqüentemente, à marginalização e à exclusão sociais. Muitos países, sobretudo entre os países desenvolvidos, sofrem atualmente de um fenômeno que desorienta as políticas educativas: o prolongamento da escolaridade, paradoxalmente, em vez de melhorar, agrava muitas vezes a situação dos jovens mais desfavorecidos socialmente e/ou em situação de insucesso escolar. Mesmo nos países que mais gastam com a educação, o insucesso e o abandono escolares afetam um grande número de alunos. Dividem os jovens em duas categorias, situação tanto mais grave quanto se prolonga pelo mundo do trabalho. Os não diplomados se apresentam aos recrutadores das empresas com uma desvantagem quase insuperável. Alguns deles, considerados pelas empresas sem capacidades para o emprego, ficam definitivamente excluídos do mundo do trabalho e privados de qualquer possibilidade de inserção social. Gerador de exclusão, o insucesso escolar está, pois, em muitos casos, na origem de certas formas de violência e de desvios individuais.
Estes processos que destroem o tecido social fazem com que a escola seja acusada de ser fator de exclusão social e, ao mesmo tempo, seja fortemente solicitada como instituição-chave para a integração ou reintegração. Os problemas que esta situação cria às políticas educativas são particularmente difíceis: a luta contra o insucesso escolar deve, antes de mais nada, ser considerada como um imperativo social e a Comissão terá ocasião de formular algumas propostas a este respeito, no capítulo sexto.



CAPÍTULO 3

DO CRESCIMENTO ECONÔMICO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

O mundo conheceu, durante o último meio século, um desenvolvimento econômico sem precedentes, O autor recorda que, em sua perspectiva, estes avanços se devem, antes de mais nada, à capacidade dos seres humanos de dominar e organizar o meio ambiente em função das suas necessidades, isto é, à ciência e à educação, motores principais do progresso econômico. Tendo, porém, consciência de que o modelo de crescimento atual depara-se com limites evidentes, devido às desigualdades que induz e aos custos humanos e ecológicos que comporta, o autor julga necessário definir a
educação, não apenas na perspectiva dos seus efeitos sobre o crescimento econômico, mas de acordo com uma visão mais larga: a do desenvolvimento humano.


Um crescimento econômico mundial profundamente desigual

A riqueza mundial cresceu consideravelmente a partir de 1950 sob os efeitos conjugados da segunda revolução industrial, do aumento da produtividade e do progresso tecnológico. O produto interno bruto mundial passou de quatro trilhões para vinte e três trilhões de dólares e o rendimento médio por habitante mais do que triplicou durante este período. O progresso técnico difundiu-se muito rapidamente: para citar apenas um exemplo, recorde-se que a informática conheceu mais do que quatro fases de desenvolvimento sucessivas no espaço de uma vida humana, e que, em 1993, as vendas mundiais de terminais informáticos ultrapassaram doze milhões de unidades.
Os modos de vida e os estilos de consumo sofreram profundas transformações e o projeto de uma melhoria do bem-estar da humanidade pela modernização da economia começou a ganhar forma de modo quase universal. Contudo, o modelo de desenvolvimento baseado apenas no crescimento econômico revelou-se profundamente desigual e os ritmos de progressos são muito diferentes segundo os países e as regiões do mundo. Calcula-se, assim, que mais de três quartos da população mundial vivem em países em desenvolvimento e se beneficiam de apenas 16% da riqueza mundial. Mais grave ainda, de acordo com estudos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), o rendimento médio dos países menos avançados, que englobam ao todo 560 milhões de habitantes, está atualmente baixando. Seria por habitante 300 dólares por ano, contra 906 dólares nos outros países em desenvolvimento e 21 598 dólares nos países industrializados. Por outro lado, as disparidades foram acentuadas pela competição entre nações e os diferentes grupos humanos: a desigualdade na distribuição dos excedentes de produtividade entre os países e até no interior de alguns países considerados ricos, revela que o crescimento aumenta a separação entre os mais dinâmicos e os outros. Certos países parecem, assim, esquecidos na corrida pela competitividade. As disparidades explicam-se, em parte, pela disfunção dos mercados e pela natureza, intrinsecamente desigual, do sistema político mundial; estão também estreitamente ligadas ao tipo de desenvolvimento atual que atribui um valor preponderante à massa cinzenta e à inovação.

A procura de educação para fins econômicos

Observa-se, de fato, que no decurso do período considerado e sob a pressão do progresso técnico e da modernização, a procura de educação com fins econômicos não parou de crescer na maior parte dos países. As comparações internacionais realçam a importância do capital humano e, portanto, do investimento educativo para a produtividade.
A relação entre o ritmo do progresso técnico e a qualidade da intervenção humana torna-se, então, cada vez mais evidente, assim como a necessidade de formar agentes econômicos aptos a utilizar as novas tecnologias e que revelem um comportamento inovador. Requerem-se novas aptidões e os sistemas educativos devem dar resposta a esta necessidade, não só assegurando os anos de escolarização ou de formação profissional estritamente necessários, mas formando cientistas, inovadores e quadros técnicos de alto nível.
Pode-se, igualmente, situar nesta perspectiva o desenvolvimento que teve, nos últimos anos, a formação permanente concebida, antes de mais nada, como um acelerador do crescimento econômico.
A rapidez das alterações tecnológicas fez, de fato, surgir, em nível das empresas e dos países, a necessidade de flexibilidade qualitativa da mão-de-obra. Acompanhar, e até, antecipar-se às transformações tecnológicas que afetam permanentemente a natureza e a organização do trabalho, tornou-se primordial. Em todos os setores, mesmo na agricultura sente-se a necessidade de competências evolutivas articuladas com o saber e com o saber-fazer mais atualizado. Esta evolução irreversível não aceita as rotinas nem as qualificações obtidas por imitação ou repetição e verifica-se que se dá uma importância cada vez maior aos investimentos ditos imateriais, como a formação, à medida que a “revolução da inteligência” produz os seus efeitos.
A formação permanente de mão-de-obra adquire, então, a dimensão de um investimento estratégico que implica a mobilização de vários tipos de atores: além dos sistemas educativos, formadores privados, empregadores e representantes dos trabalhadores estão convocados de modo especial.
Observa-se, assim, em muitos países industrializados um aumento sensível dos meios financeiros dedicados à formação permanente.
Tudo leva a pensar que esta tendência aumentará devido à evolução do trabalho nas sociedades modernas. De fato, a natureza do trabalho mudou profundamente no decorrer dos últimos anos.
Deu-se, em particular, um nítido aumento do setor terciário que emprega, hoje, um quarto da população ativa dos trabalhadores no mundo todo.


Uma reflexão necessária: os prejuízos do progresso

O objetivo de puro crescimento econômico revela-se insuficiente para garantir o desenvolvimento humano. Está posto em questão por duas razões: não só devido ao seu caráter desigual, mas também por causa dos elevados custos que acarreta especialmente em matéria de ambiente e de emprego.
No ritmo atual de produção, os chamados recursos não renováveis correm, de fato, o risco de se tornarem cada vez mais escassos, quer se trate de recursos energéticos ou de terras aráveis.
Por outro lado, as próprias indústrias ligadas às ciências físicas, químicas e biológicas estão na origem de poluições destruidoras ou perturbadoras da natureza. Finalmente, e de um modo geral, as condições de vida sobre a terra estão ameaçadas: a escassez de água potável, o desmatamento, o “efeito estufa”, a transformação dos oceanos em lixeiras gigantes, são manifestações inquietantes de uma irresponsabilidade geral das gerações atuais em relação ao futuro para cuja gravidade alertou a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992.

Por outro lado, o rápido aumento do desemprego nos últimos anos em muitos países constitui, em muitos aspectos, um fenômeno estrutural ligado ao progresso tecnológico. Ao substituir sistematicamente a mão-de-obra por um capital técnico inovador que aumenta constantemente a produtividade do trabalho, se está contribuindo para o subemprego de parte dessa mão-de-obra.
Cada vez maiores de tempo que lhes são impostas por terem de trabalhar mais horas para conseguirem o pão de cada dia, têm o duplo efeito de desvalorizar o seu estatuto social e de manter elevada a taxa de natalidade. Dado que não lhes é possível aumentar, mais ainda, a sua carga de trabalho, as mulheres recorrem, em grande parte, a seus filhos — em especial às filhas — para se libertarem de uma parte de suas tarefas. De fato, a tendência crescente em muitas regiões de não mandar as filhas à escola para que assim possam ajudar a mãe no trabalho fará, com certeza, com que toda uma nova geração de jovens fique com perspectivas de futuro muito limitadas e se sinta em desvantagem em relação aos irmãos.
O fenômeno afetou, em primeiro lugar, o trabalho de execução; começa a atingir, a partir de agora, tarefas de concepção e de cálculo. A generalização da inteligência artificial ameaça fazer com que o fenômeno suba ao longo da cadeia de qualificação. Não se trata, apenas, da exclusão do emprego ou até da sociedade de grupos de indivíduos mal preparados, mas de uma evolução que poderá modificar o lugar e, talvez até, a própria natureza do trabalho nas sociedades de amanhã. É difícil, no estado atual das coisas, fazer um diagnóstico seguro, mas a questão tem pleno cabimento.
Note-se que nas sociedades industriais, alicerçadas no valor integrador do trabalho, este problema constitui já uma fonte de desigualdade: uns têm trabalho, outros são dele excluídos e ficam dependentes da assistência, ou são abandonadas à própria sorte.
Na falta de um novo modelo de estruturação da vida humana estas sociedades estão em crise: para elas o trabalho torna-se um bem raro que os países disputam recorrendo a toda a espécie de protecionismos e de “dumping” social. O problema do desemprego ameaça também, profundamente, a estabilidade dos países em desenvolvimento. O perigo está em toda a parte: muitos jovens desempregados, entregues a si mesmos nos grandes centros urbanos, correm todos os perigos relacionados com a exclusão social. Esta evolução traz grandes custos sociais e, levada ao extremo, constitui uma ameaça para a solidariedade nacional. Pode, pois, dizer de uma forma que se pretende prudente, que o progresso técnico avança mais depressa do que a nossa capacidade de imaginar soluções para os novos problemas que ele coloca às pessoas e às sociedades modernas. É preciso repensar a sociedade em função desta evolução inevitável.




CAPÍTULO 4

OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO

Delors afirma que os meios, nunca antes disponíveis, para a circulação e armazenamento de informações e para a comunicação, o próximo século submeterá a educação a uma dura obrigação que pode parecer, à primeira vista, quase contraditória. A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a se orientarem para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele.
Nesta visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação — uma bagagem escolar cada vez mais pesada — já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança.
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as
três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta.
Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. O autor pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. Uma nova concepção ampliada de educação devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo — revelar o tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão puramente instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para obter certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser.

Aprender a conhecer

Este tipo de aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia.
Aprender para conhecer supõe, antes tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Por outro lado, o exercício da memória é um antídoto necessário contra a submersão pelas informações instantâneas difundidas pelos meios de comunicação social. Seria perigoso imaginar que a memória pode vir a tornar-se inútil, devido à enorme capacidade de armazenamento e difusão das informações de que dispomos daqui em diante. É preciso ser, sem dúvida, seletivo na escolha dos dados a aprender “de cor” mas, propriamente, a faculdade humana de memorização associativa, que não é redutível a um automatismo, deve ser cultivada cuidadosamente. Todos os especialistas concordam em que a memória deve ser treinada desde a infância, e que é errado suprimir da prática escolar certos exercícios tradicionais, considerados como fastidiosos.
Finalmente, o exercício do pensamento ao qual a criança é iniciada, em primeiro lugar, pelos pais e depois pelos professores, deve comportar avanços e recuos entre o concreto e o abstrato.
Também se devem combinar, tanto no ensino como na pesquisa, dois métodos apresentados, muitas vezes, como antagônicos: o método dedutivo por um lado e o indutivo por outro.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. Neste sentido, liga-se cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem-sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele.

Aprender a fazer

Aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução?
Convém distinguir, a este propósito, o caso das economias industriais onde domina o trabalho assalariado do das outras economias onde domina, ainda em grande escala, o trabalho independente ou informal. De fato, nas sociedades assalariadas que se desenvolveram ao longo do século XX, a partir do modelo industrial, a substituição do trabalho humano pelas máquinas tornou-o cada vez mais imaterial e acentuou o caráter cognitivo das tarefas, mesmo na indústria, assim como a importância dos serviços na atividade econômica. O futuro destas economias depende, aliás, da sua capacidade de transformar o progresso dos conhecimentos em inovações geradoras de novas empresas e de novos empregos. Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais ser consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar os diversos aspectos da aprendizagem. Qualidades como a capacidade de comunicar, de trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos, tornam-se cada vez mais importantes. E esta tendência torna-se ainda mais forte, devido ao desenvolvimento do setor de serviços.
Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro, os déficits relacionais possam criar graves disfunções exigindo qualificações de novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual. O que pode ser uma oportunidade para os não diplomados, ou com deficiente preparação em nível superior. A intuição, o jeito, a capacidade de julgar, a capacidade de manter unida uma equipe não são de fato qualidades, necessariamente, reservadas a pessoas com altos estudos. Como e onde ensinar estas qualidades mais ou menos inatas? Não se podem deduzir simplesmente os conteúdos de formação, das capacidades ou aptidões requeridas. O mesmo problema põe-se, também, quanto à formação profissional, nos países em desenvolvimento.


Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros

Sem dúvida, esta aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX. A opinião pública, através dos meios de comunicação social, torna-se observadora impotente e até refém dos que criam ou mantêm os conflitos. Até agora, a educação não pôde fazer grande coisa para modificar esta situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de evitar os conflitos, ou de resolvê-los- de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade?
É de louvar a idéia de ensinar a não-violência na escola, mesmo que apenas constitua um instrumento, entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores de conflitos. A tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos outros.
Por outro lado, o clima geral de concorrência que caracteriza, atualmente, a atividade econômica no interior de cada país, e sobretudo em nível internacional, tende a dar prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. De fato, esta competição resulta, atualmente, numa guerra econômica implacável e numa tensão entre os mais favorecidos e os pobres, que divide as nações do mundo e exacerba as rivalidades históricas. É de lamentar que a educação contribua, por vezes, para alimentar este clima, devido a uma má interpretação da idéia de emulação.
Que fazer para melhorar a situação? A experiência prova que, para reduzir o risco, não basta pôr em contato e em comunicação membros de grupos diferentes (através de escolas comuns a várias etnias ou religiões, por exemplo). Se, no seu espaço comum, estes diferentes grupos já entram em competição ou se o seu estatuto é desigual, um contato deste gênero pode, pelo contrário, agravar ainda mais as tensões latentes e degenerar em conflitos.

A descoberta do outro

A educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta. Desde tenra idade, a escola deve, pois, aproveitar todas as ocasiões para esta dupla aprendizagem. Algumas disciplinas estão mais adaptadas a este fim, em particular a geografia humana a partir do ensino básico e as línguas e literaturas estrangeiras mais tarde.
Passando à descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si mesmo, e por dar à criança e ao adolescente uma visão ajustada do mundo, a educação, seja ela dada pela família, pela comunidade ou pela escola, deve, antes de mais nada, ajudá-los a descobrirem- se a si mesmos.

Tender para objetivos comuns

Quando se trabalha em conjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, as diferenças e até os conflitos interindividuais tendem a se reduzir, chegando a desaparecer em alguns casos.
Uma nova forma de identificação nasce destes projetos que fazem com que se ultrapassem as rotinas individuais, que valorizam aquilo que é comum e não as diferenças. Graças à prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através da experiência e do prazer do esforço comum! E no setor laboral quantas realizações teriam chegado a bom termo se os conflitos habituais em organizações hierarquizadas tivessem sido transcendidos por um projeto comum!
A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos, ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações etc. As outras organizações educativas e associações devem, neste campo, continuar o trabalho iniciado pela escola.



Aprender a ser


Desde a sua primeira reunião, a Comissão reafirmou, energicamente, um princípio fundamental: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa — espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
O enorme desenvolvimento do poder midiático veio acentuar este temor e tornar mais legítima ainda a injunção que lhe serve de fundamento. É possível que no século XXI estes fenômenos adquiram ainda mais amplitude. Mais do que preparar as crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer-lhes constantemente forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e que também lhes dê subsídios para comportarem-se nele como atores responsáveis e justos. Mais do que nunca a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino.

CAPÍTULO 5

EDUCAÇÃO AO LONGO
DE TODA A VIDA


A educação ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas à medida que aumenta o papel que desempenha na dinâmica das sociedades modernas. Este fenômeno tem várias causas. A divisão tradicional da existência em períodos distintos — o tempo da infância e da juventude consagrado à educação escolar, o tempo da atividade profissional adulta, o tempo da aposentadoria — já não corresponde às realidades da vida contemporânea e, ainda menos, às exigências do futuro. Hoje em dia, ninguém pode pensar adquirir, na juventude, uma bagagem inicial de conhecimentos que lhe baste para toda a vida, porque a evolução rápida do mundo exige uma atualização contínua dos saberes, mesmo que a educação inicial dos jovens tenda a prolongar-se. Além disso, a redução do período de atividade profissional, a diminuição do volume total de horas de trabalho remuneradas e o prolongamento da vida após a aposentadoria aumentam o tempo disponível para outras atividades.
Paralelamente, a própria educação está em plena mutação: as possibilidades de aprender oferecidas pela sociedade exterior à escola multiplicam-se, em todos os domínios, enquanto a noção de qualificação, no sentido tradicional, é substituída, em muitos setores modernos de atividade, pelas noções de competência evolutiva e capacidade de adaptação (cf. capítulo quarto).

A Educação no coração da sociedade

A família constitui o primeiro lugar de toda e qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o afetivo e o cognitivo, assim como a transmissão dos valores e das normas. As suas relações com o sistema educativo são, por vezes, tidas como relações de antagonismo: em alguns países em desenvolvimento, os saberes transmitidos pela escola podem opor-se aos valores tradicionais da família; acontece também que as famílias mais desfavorecidas encaram, muitas vezes, a instituição escolar como um mundo estranho de que não compreendem nem os códigos nem as práticas.
Um diálogo verdadeiro entre pais e professores é, pois, indispensável, porque o desenvolvimento harmonioso das crianças implica uma complementaridade entre educação escolar e educação familiar.
Diga-se, a propósito, que as experiências de educação pré-escolar dirigidas a populações desfavorecidas mostraram que a sua eficácia deveu-se muito ao fato das famílias terem passado a conhecer melhor e a respeitar mais o sistema escolar.
Por outro lado, cada um aprende ao longo de toda a sua vida no seio do espaço social constituído pela comunidade a que pertence. Esta varia, por definição, não só de um indivíduo para outro, mas também no decurso da vida de cada um. A educação deriva da vontade de viver juntos e de basear a coesão do grupo que é confrontado com múltiplas obrigações e que seriam particularmente bem-vindas soluções como o trabalho por tempo reduzido, licenças por paternidade, licenças sabáticas ou licenças para formação? Uma política do tempo de trabalho que tivesse em conta estas necessidades,poderia contribuir muito para conciliar a vida familiar e a vida profissional, e para ultrapassar a divisão tradicional de papéis entre homens e mulheres. Desde o começo dos anos oitenta André Gorz lutou por uma redução substancial da duração da vida ativa. A proposta do antigo presidente da Comissão Européia, Jacques Delors — é a de chegarmos a uma duração da vida ativa de 40.000 horas até ao ano 2010 — sublinha a atualidade e pertinência deste ponto de vista.




CAPÍTULO 6

DA EDUCAÇÃO BÁSICA À
UNIVERSIDADE

O conceito de uma educação que se desenrola ao longo de toda a vida não leva o autor a negligenciar a importância da educação formal, em proveito da não-formal ou informal. O autor pensa, pelo contrário, que é no seio dos sistemas educativos que se forjam as competências e aptidões que farão com que cada um possa continuar a aprender. Longe de se oporem, educação formal e informal devem fecundar-se mutuamente. Por isso, é necessário que os sistemas educativos se adaptem a estas novas exigências: trata-se, antes de mais nada, de repensar e ligar entre si as diferentes seqüências educativas, de as ordenar de maneira diferente, de organizar as transições e de diversificar os percursos educativos. Assim se escapará ao dilema que marcou profundamente as políticas de educação: selecionar multiplicando o insucesso escolar e o risco de exclusão, ou nivelar por baixo, uniformizando os cursos, em detrimento da promoção dos talentos individuais.
É no seio da família, mas também e mais ainda, no nível da educação básica (que inclui em especial os ensinos pré-primário e primário) que se forjam as atitudes perante a aprendizagem que durarão ao longo de toda a vida: a chama da criatividade pode começar a brilhar ou, pelo contrário, extinguir-se; o acesso ao saber pode tornar-se, ou não, uma realidade. É então que cada um de nós adquire os instrumentos do futuro desenvolvimento das suas capacidades de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do senso das responsabilidades, é então que aprende a exercer a sua curiosidade em relação ao mundo que o rodeia. A Comissão está bem consciente das disparidades intoleráveis que subsistem entre grupos sociais, países, ou diferentes regiões do mundo: generalizar o acesso a uma educação básica de qualidade continua a ser um dos grandes desafios dos finais do século XX. É, de fato, esse o sentido do compromisso que a comunidade internacional subscreveu por ocasião da Conferência de Jomtien: porque a questão não diz respeito apenas aos países em desenvolvimento, é necessário que todos dominem os conhecimentos indispensáveis à compreensão do mundo em que vivem. Este empenho deve ser renovado, prosseguindo com os esforços já empreendidos. Jaques Delors pensa, porém, que deve constar da agenda das grandes conferências internacionais do próximo século um empenho semelhante a favor do ensino secundário. Este deve ser concebido como uma “plataforma giratória” na vida de cada um: é nessa altura que os jovens devem poder decidir em função dos seus gostos e aptidões; é aí, também, que podem adquirir as capacidades que os levem a ter pleno sucesso na vida de adultos.
Este ensino deve, pois, estar adaptado aos diferentes processos de acesso à maturidade por parte dos adolescentes, que variam conforme as pessoas e os países, assim como às necessidades da vida econômica e social. Convém diversificar os percursos dos alunos, a fim de corresponder à diversidade dos talentos, de multiplicar as fases sucessivas de orientação com possibilidades de recuperação e reorientação. Finalmente, Delors defende vigorosamente o desenvolvimento do sistema de alternância. Não se trata, apenas, de aproximar a escola do mundo do trabalho, mas de dar aos adolescentes os meios de enfrentar as realidades sociais e profissionais e, deste modo, tomar consciência das suas fraquezas e das suas potencialidades: tal sistema será para eles, com certeza, um fator de amadurecimento.


7. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 2008.


Síntese elaborada por Carlos R. Paiva – publicada na Revista de Educação nº 15

Capítulo l - NÃO HÁ DOCÊNCIA SEM DISCÊNCIA
Ensinar não é transferir conhecimentos e conteúdos, nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Ensinar exige rigorosidade metodológica
Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E estas condições exigem a presença de educadores e de educandos criadores, investigadores, inquietos, curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição, por parte dos educandos, de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de saberes, e que estes, não podem ser simplesmente transferidos a eles. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem, tanto educandos quanto educadores transformam-se em sujeitos do processo de aprendizagem. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é aprendido na sua razão de ser.
Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, com a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo - um professor desafiador, crítico.
Ensinar exige pesquisa
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Hoje se fala muito no professor pesquisador, mas isto não é uma qualidade, pois faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Precisamos que o professor se perceba e se assuma como pesquisador. Pensar certo é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico impõem à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodologicamente rigorosa, transforma-se no que Paulo Freire chama de "curiosidade epistemológica".
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos
A escola deve respeitar os saberes dos educandos – socialmente construídos na prática comunitária - discutindo, também, com os alunos, a razão de ser de alguns deles em relação ao ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência dos alunos que vivem em áreas descuidadas pelo poder público para discutir a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde?
Por que não associar as disciplinas estudadas à realidade concreta, em que a violência é a constante e a convivência das pessoas com a morte é muito maior do que com a vida?
Ensinar exige criticidade
A superação, ao invés da ruptura, se dá na medida em que a curiosidade ingênua, associada ao saber comum, se criticiza, aproximando-se de forma cada vez mais metodologicamente rigorosa do objeto cognoscível, tornando-se curiosidade epistemológica. Muda de qualidade, mas não de essência, e essa mudança não se dá automaticamente. Essa é uma das principais tarefas do educador progressista - o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.
Ensinar exige estética e ética
A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ser feita sem uma rigorosa formação ética e estética. Decência e boniteza andam de mãos dadas. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, tornamo-nos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper. Por tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe da ética. Quanto mais fora dela, maior a transgressão.
Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo
Quem pensa certo está cansado de saber que palavras sem exemplo pouco ou nada valem. Pensar certo é fazer certo (agir de acordo com o que pensa). Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal, que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo (de forma progressista), e, ao mesmo tempo, perguntar ao aluno se "sabe com quem está falando".
Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação.
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como critério de recusa ao velho não é o cronológico. O velho que preserva sua validade encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo.
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raças, de classes, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.
Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. É fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que, iluminados intelectuais, escrevem desde o centro do poder. Pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem de ser produzido pelo próprio aprendiz, em comunhão com o professor formador. É preciso possibilitar que a curiosidade ingênua, através da reflexão sobre a prática, vá tornando-se crítica. Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática.
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural
A questão da identidade cultural, com sua dimensão individual e da classe dos educandos, cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem a ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do professor não faz, perdendo-se na estreita e pragmática visão do processo.

Capítulo 2 - ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria construção. Quando o educador entra em uma sala de aula, deve estar aberto a indagações, curiosidade e inibições dos alunos: um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tem - a de ensinar e não a de transferir conhecimento.
Pensar certo é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. É difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temos de exercer sobre nós mesmos para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerências grosseiras. É difícil porque nem sempre temos o valor indispensável para não permitir que a raiva que podemos ter de alguém vire raivosidade, gerando um pensar errado e falso. É cansativo, por exemplo, viver a humildade, condição sine qua non do pensar certo, que nos faz proclamar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos. Sem rigorosidade metódica não há pensar certo. Ensinar exige consciência do inacabamento
Na verdade, a inconclusão do ser é própria de sua experiência vital. Onde há vida, há inconclusão, embora esta só seja consciente entre homens e mulheres. A invenção da existência envolve necessariamente a linguagem, a cultura, a comunicação em níveis mais profundos e complexos do que ocorria e ocorre no domínio da vida, a espiritualização do mundo, a possibilidade não só de embelezar, mas também de enfear o mundo; tudo isso inscreveria mulheres e homens como seres éticos. Só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética. É necessário insistir na problematização do futuro e recusar sua inexorabilidade.
Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado "Gosto de ser gente, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado... Afinal, minha presença no mundo não é a de quem se adapta, mas a de quem nele se insere". E a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas também sujeito da história.
Histórico-sócio-culturais, tornamo-nos seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, torna-se fundante da produção do conhecimento. Mais ainda, a curiosidade é já o conhecimento. Como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima, é também conhecimento e não só expressão dele. Na verdade, seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse em tal movimento. É neste sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. O ideal é que, na experiência educativa, educandos e educadores, juntos, transformem este e outros saberes em sabedoria. Algo que não é estranho a nós, educadores.
Ensinar exige respeito à autonomia do ser educando
O professor, ao desrespeitar a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, ao ironizar o aluno, minimizá-lo, mandar que "ele se ponha em seu lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, ao se eximir do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, ao se furtar do dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste sentido que o professor autoritário afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de ser curioso e inquieto. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A beleza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.
Ensinar exige bom senso
O exercício do bom senso, com o qual só temos a ganhar, se faz no corpo da curiosidade. Neste sentido, quanto mais colocamos em prática, de forma metódica, a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se torna o nosso bom senso.
O exercício do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que nos envolvemos. O meu bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há algo que precisa ser sabido. É ele que, em primeiro lugar, me diz não ser possível o respeito aos educandos, se não se levar em consideração as condições em que eles vêm existindo, e os conhecimentos experienciais com que chegam à escola. Isto exige de mim uma reflexão crítica permanente sobre minha prática. O ideal é que se invente uma forma pela qual os educandos possam participar da avaliação. E que o trabalho do professor deve ser com os alunos e não consigo mesmo.
O professor tem o dever de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica.
Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores
Como ser educador sem aprender a conviver com os diferentes? Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento?
A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Ainda que a prática pedagógica seja tratada com desprezo, não tenho por que desamá-la e aos educandos.
Não tenho por que exercê-la mal. Minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada dos professores. Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política, e reinventar a forma de lutar.
Ensinar exige apreensão da realidade
Como professor, preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da minha prática. O melhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser humano. Aí radica a nossa educabilidade, bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca.
A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, implica a nossa habilidade de apreender a substantividade de um objeto. Somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso aprender é uma aventura criadora, muito mais rica do que meramente repetir a lição dada. Aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. Toda prática educativa demanda:
- a existência de sujeitos - um que, ensinando, aprende, e outro que, aprendendo, ensina (daí seu cunho gnosiológico);
- a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos;
- o uso de métodos, de técnicas, de materiais.
Esta prática também implica, em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias, ideais. Daí sua politicidade, daí não ser neutra, ser artística e moral. Exige uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à atividade docente. Como professor, se a minha opção é progressista e sou coerente com ela, meu papel é contribuir para que o educando seja o artífice de sua formação. Devo estar atento à difícil caminhada da heteronomia para a autonomia.
"É assim que venho tentando ser professor, assumindo minhas convicções, disponível ao saber, sensível à boniteza da prática educativa, instigado por seus desafios..."
Ensinar exige alegria e esperança
O meu envolvimento com a prática educativa jamais deixou de ser feito com alegria, o que não significa dizer que tenha podido criá-la nos educandos. Parece-me uma contradição que uma pessoa que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante não seja criticamente esperançosa. Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível A realidade não é inexoravelmente esta. E esta agora, e para que seja outra, precisamos lutar, viver a história como tempo de possibilidade, e não de determinação. O amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio. Não posso, por isso, cruzar os braços. Esse é, aliás, um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem pretende que sua presença se torne convivência. O mundo não é. O mundo está sendo. O meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Constato, não para me adaptar, mas para mudar.
No fundo, as resistências orgânicas e culturais são manhas necessárias à sobrevivência física e cultural dos oprimidos. É preciso, porém, que tenhamos na resistência fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas. Não é na resignação que nos afirmamos, mas na rebeldia em face das injustiças. A rebeldia é ponto de partida, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia, enquanto denúncia, precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. Mudar é difícil, mas é possível.
Ensinar exige curiosidade
Como professor, devo saber que, sem a curiosidade que me move, não aprendo nem ensino. A construção do conhecimento implica o exercício da curiosidade, o estímulo à pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada. A dialogicidade, no entanto, não nega a validade de momentos explicativos, narrativos. O bom professor faz da aula um desafio. Seus alunos cansam, não dormem.
Um dos saberes fundamentais à prática educativo-crítica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica. Resultado do equilíbrio entre autoridade e liberdade, a disciplina implica o respeito de uma pela outra, expresso na assunção que ambas fazem de limites que não podem ser transgredidos.

Capítulo 3 - ENSINAR É UMA ESPECIFICIDADE HUMANA
Creio que uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se.
Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade - A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, fundada na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leva a sério sua formação, que não estuda, que não se esforça para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.
Outra qualidade indispensável à autoridade, em suas relações com a liberdade, é a generosidade. Não há nada que inferiorize mais a tarefa formadora da autoridade do que a mesquinhez, a arrogância ao julgar os outros e a indulgência ao se julgar, ou aos seus. A arrogância que nega a generosidade nega também a humildade. O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico. A autoridade, coerentemente democrática, está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta.
Um esforço sempre presente à prática da autoridade coerentemente democrática é o que a torna quase escrava de um sonho fundamental - o de persuadir ou convencer a liberdade para a construção da própria autonomia, ainda que reelaborando materiais vindos de fora de si. É com a autonomia, penosamente construída e fundada na responsabilidade, que a liberdade vai preenchendo o espaço antes habitado pela dependência.
O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção da responsabilidade da liberdade que se assume. O essencial nas relações entre autoridade e liberdade é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.
Nunca me foi possível separar dois momentos - o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. O saber desta impossibilidade é fundamental à prática docente. Quanto mais penso sobre a prática educativa, reconhecendo a responsabilidade que ela exige de nós, mais me convenço do nosso dever de lutar para que ela seja realmente respeitada:
Ensinar exige comprometimento
Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo. Isto aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. Se a minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. Minha presença de professor é, em si, política. Enquanto presença, não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de decidir, de optar e de romper, minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho.
Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo
Outro saber de que 'não posso duvidar na minha prática educativo-crítica é que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção esta que, além do conhecimento dos conteúdos, bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.
Nem somos seres simplesmente determinados nem tampouco livres de condicionamentos genéticos, culturais, sociais, históricos, de classe, de gênero, que nos marcam e a que nos achamos referidos. Continuo aberto à advertência de Marx, a da necessária radicalidade, que me faz sempre desperto a tudo o que diz respeito à defesa dos interesses humanos. Interesses superiores aos de grupos ou de classes de pessoas.
Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição, uma tomada de posição, uma ruptura. Exige que eu escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura.
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais, contra a ordem vigente que inventou a aberração da miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima, apesar de tudo. Contra o desengano que consome e imobiliza e a favor da boniteza de minha própria prática. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço.
Ensinar exige liberdade e autoridade
O problema que se coloca para o educador democrático é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade. Sem os limites, a liberdade se perverte em licença e a autoridade em autoritarismo.
Por outro lado, faz parte do aprendizado a assunção das conseqüências do ato de decidir. Não há decisão que não seja seguida de efeitos esperados, pouco esperados ou inesperados. Por isso a decisão é um processo responsável. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência. Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia é um processo, não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, ou seja, que respeitam a liberdade.
Ensinar exige tomada consciente de decisões
Voltemos à questão central desta parte do texto - a educação, especificidade humana, como um ato de intervenção no mundo. Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto a que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto a que, reacionariamente, pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta.
E que dizer de educadores que se dizem progressistas, mas de prática pedagógica-política eminentemente autoritária?
A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade do ser humano, que se funda em sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente disso,necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão. Um ser ligado a interesses e em relação aos quais tanto pode manter-se fiel à ética quanto pode transgredi-la.
Se a educação não pode tudo, pode alguma coisa fundamental. Se a educação não é a chave das mudanças, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade nem tampouco é a perpetuação do status quo.
Ensinar exige saber escutar
Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da Verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos & falar com eles.
Os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar por democráticos. A questão que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação, enquanto instrumento de apreciação do que fazer, de sujeitos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. Avaliação em que se estimule o falar a como caminho para o falar com. Quem tem o que dizer, tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que o sujeito saiba não ser o único a ter algo a dizer. Mais ainda, que esse algo, por mais importante que seja, não é a verdade alvissareira por todos esperada.
Por isso é que acrescento, quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, para que este diga, fale, responda. É preciso enfatizar - ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, torne-se capaz de inteligir e comunicar o inteligido. É neste sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo a falar com ele. Aceitar e respeitar a diferença é uma das virtudes sem a qual a escuta não pode acontecer. Tarefa essencial da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a i das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade.
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor é o que diz respeito à força, às vezes, maior do que pensamos da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. A ideologia tem a ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade, ao mesmo tempo em que nos torna míopes.
No exercício crítico de minha resistência ao poder da ideologia, vou gerando certas qualidades que vão virando sabedoria indispensável à minha prática docente. A necessidade desta resistência crítica, por exemplo, me predispõe, de um lado, a uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da realidade; de outro, a uma desconfiança metódica que me defende de tornar-me absolutamente certo das certezas. Para me resguardar das artimanhas da ideologia não posso nem devo me fechar aos outros, nem tampouco me enclausurar no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que me admita como dono da verdade.
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir do pressuposto que devo conquistá-los, não importa a que custo, nem tampouco temer que pretendam conquistar-me. É no respeito às diferenças entre mim e eles, na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles.
O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura, com seu gesto, a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educandos?
Com relação a meus alunos, diminuo a distância que me separa de suas condições negativas de vida na medida em que os ajudo a aprender não importa que saber, o do torneio ou do cirurgião, com vistas à mudança do mundo, à superação das estruturas injustas, jamais com vistas à sua imobilização.
Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante. Como educadores progressistas não apenas não podemos desconhecer a televisão, mas devemos usá-la, sobretudo, discuti-la. Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão entregues ou disponíveis ao que vier.
Ensinar exige querer bem aos educandos
O que dizer e o que esperar de mim, se, como professor, não me acho tomado por este outro saber, o de que preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que participo.
Na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade. A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso, obviamente, permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele.
É preciso, por outro lado, reinsistir em que não se pense que a prática educativa vivida com afetividade e alegria prescinda da formação científica séria e da clareza política dos educadores.
Nunca idealizei a prática educativa. Em tempo algum a vi como algo que, pelo menos, parecesse com um que-fazer de anjos. Jamais foi fraca em mim a certeza de que vale a pena lutar contra os descaminhos que nos obstaculizam de ser mais.
Como prática estritamente humana, jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos e os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura reacionalista. Jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual. Estou convencido de que a rigorosidade, a séria disciplina intelectual, o exercício da curiosidade epistemológica não me fazem necessariamente um ser mal-amado, arrogante, cheio de mim mesmo.
Nem a arrogância é sinal de competência nem a competência é causa de arrogância. Certos arrogantes, pela simplicidade, se fariam gente melhor.






8. GARDNER, Howard; PERKINS, David; PERRONE, Vito e colaboradores. Ensino para a compreensão. A pesquisa na prática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Introdução

Martha Stone Wiske apresenta no livro respostas dadas por professores e pesquisadores da Harvard Graduate School of Education a uma série de questões que inquietam professores - Que tópicos valem a pena compreender? O que os alunos devem compreender sobre eles? Como podemos fomentar a compreensão? Como podemos saber o que os alunos compreendem? - descrevendo bases teóricas subjacentes ao marco conceitual do Ensino para a Compreensão (EpC), o processo, os resultados de sua aplicação em sala de aula e as implicações para a formação de professores e transformação da escola, a partir de um projeto prático realizado de 1988 até 1995.
Primeiro define o que vale a pena compreender, organizando um currículo através de tópicos geradores que são centrais, acessíveis e interessantes aos alunos e apaixonem o professor. Segundo, esclarece o que os alunos irão compreender formulando metas de compreensão, focadas em idéias e questões fundamentais à disciplina, claramente explicitadas a alunos, pais e comunidade escolar. Terceiro, estimula a compreensão dessas metas engajando os alunos num processo que os conduza a ampliar, sintetizar e aplicar seus conhecimentos. Quarto, através de avaliações contínuas bem planejadas, mede o que os alunos compreendem.
Como a obra é elaborada a partir de um processo de pesquisa conjunta, apresenta um diálogo contínuo, relacionando teorias pedagógicas à prática. As colocações combinadas dos autores recontam o desenvolvimento, a aplicação e as implicações do marco conceitual do Ensino para Compreensão.
Cada capítulo do livro tem por título uma questão que instigou a pesquisa e a análise, convidando o leitor a interagir em diversos pontos, de acordo com seus interesses.
O livro tem como público-alvo desde pesquisadores em educação, educadores reflexivos, administradores, em especial, os que atuam em escolas de ensino fundamental e médio.

Parte I – Fundamentos do ensino para a compreensão

Capítulo 1 – Por que precisamos de uma pedagogia da compreensão? (Vito Perrone)

Segundo Perrone, há muito perseguimos como meta educacional o ensino para a compreensão, ou seja: o que os alunos aprendem precisa ser internalizado e depois utilizado em diversas e variadas circunstâncias, dentro e fora da escola, sendo a base para um aprendizado contínuo, prolongado e repleto de possibilidades. Entretanto, fracassamos em grande escala na sua implementação, uma vez que nossos alunos não recebem uma educação capaz de transformá-los em pensadores críticos, capazes de apresentar e resolver problemas, de atuar de maneira produtiva em meio à complexidade da vida moderna em constante e rápida transformação.
Ao fazer uma retrospectiva histórica sobre a educação e o ensino, Perrone conclui que o Ensino para a Compreensão (EpC) é quase tão antigo quanto a história da humanidade, vindo de Platão – que ensinava por meio de alegorias elaboradas, passando pelo movimento da “escola comum”, no final do século XIX – que enfatizava a leitura, a escrita e a aritmética, atravessando o “movimento progressista” cujas reflexões e críticas sobre os rumos das escolas iniciaram um importante movimento de reforma, nas palavras de Brooks Adams, historiador e educador norte americano: “Sabendo que você não consegue ensinar tudo a uma criança, é melhor ensinar a ela como aprender”. Estudiosos desse período queriam que os alunos se apropriassem de suas aprendizagens, que as convertessem em algo interno e aplicáveis fora da escola. Nada deveria ser ensinado de forma isolada e o interesse do aluno era crucial.
Neste sentido, Dewey convocava professores a integrar o conteúdo escolar às atividades da vida diária, focalizando a criança e o currículo, ou seja, levando em grande consideração tanto os interesses e intenções dos alunos como as escolhas dos professores quanto a abordagens dos conteúdos, questões e atividades. Defendia que o ensino deveria ser organizado “em torno de temas com amplas possibilidades, acessíveis em muitos níveis de complexidade com conexões naturais com outras áreas de conteúdo”, bem próximo da definição de tópicos geradores defendidos pelo Ensino para a Compreensão (EpC).
Nas décadas de 1960 a 1980, a constatação do fracasso de se prover escolaridade de qualidade para todos, faz surgir várias reformas, embasadas em vários pensadores, entre os quais estava Jerome Bruner que concebia uma abordagem ao aprendizado com sólidas conexões com a vida dos alunos e com suas necessidades de compreender o conteúdo.
Para Bruner qualquer matéria poderia se ensinada para aprendizes de qualquer idade, desafiando a crença de que aprendizes de séries e anos iniciais de estudos deveriam se pautar na construção de habilidades de rotina.
Segundo Perrone, o interesse pelas teorias do Ensino para a Compreensão (EpC) se intensificam no final do século XX, em virtude das críticas à qualidade e igualdade das escolas.
Mais uma vez os críticos convocam alunos a ultrapassarem os fatos, a explorarem as múltiplas possibilidades, a se tornarem solucionadores de problemas e pensadores criativos, a aprenderem como agir a partir de seus conhecimentos.
Ao dirigir o foco para a compreensão, faz-se necessário que os professores procedam de forma sensata ao selecionar conteúdos, tenham clareza com relação aos seus objetivos ou metas e integrem a avaliação ao ensino-aprendizagem.
Qualquer formulação de Ensino para a Compreensão (EpC) deve vencer quatro desafios:
1) Assegurar uma educação de boa qualidade para todos;
2) Planejar currículos que correspondam a padrões de qualidade e que respondam às necessidades individuais de professores e alunos;
3) Produzir evidências de aprendizagem, de modo que professores e alunos sejam responsáveis pelo seu trabalho;
4) Estimular a busca pela compreensão como meta educacional central.
Segundo Vito Perrone, uma pedagogia da compreensão deve ser suficientemente atraente e flexível para servir a todos os alunos, funcionar em todos os níveis de capacidade e rendimento acadêmicos, engajar a total variedade de possibilidades intelectuais, de modo a aflorar os talentos dos alunos e ser adaptável a todas as matérias e séries. O currículo deve estar relacionado às preocupações, aos interesses e às experiências dos alunos, sendo os professores responsáveis por adaptar diretrizes gerais para atender a seus alunos em particular.
Tal pedagogia pressupõe que os alunos devam construir sua própria compreensão, identificar seus interesses, desenvolver seus argumentos, construir muito mais seu próprio conhecimento que apenas absorver conhecimentos produzidos por outros.
Além disso, deve considerar os professores como principais tomadores de decisão sobre currículo, oferecendo-lhes orientações para escolher o que ensinar e planejar um currículo que irá satisfazer padrões gerais de qualidade, apoiando-os em pesquisas contínuas sobre questões fundamentais como o que ensinar, como ensinar e como saber se os alunos estão aprendendo.

Capítulo 2 - O que é a compreensão? (David Perkins)

Atualmente conhecimento, habilidade e compreensão são ações do mercado da educação e os professores estão comprometidos com a aprendizagem de seus alunos e esperam que os mesmos saibam aplicar os conhecimentos, as habilidades e a compreensão adquiridos no processo.
Mas o que é compreensão? Segundo o autor compreensão é a capacidade de pensar e agir de maneira flexível com o que se sabe. Assim, aprender para a compreensão é como aprender um desempenho flexível.

Um critério de desempenho para a compreensão

Como avaliar a compreensão? Os professores querem não apenas que seus alunos saibam, mas que pensem a partir do que sabem.
Piaget, o psicólogo do desenvolvimento, testou a compreensão de crianças sobre estruturas lógicas básicas ao estabelecer tarefas para elas realizarem, como por exemplo, dispor em série um conjunto de bastões do menor para o maior. Os professores do projeto EpC fizeram atividades similares. A explicação dos alunos revela se entenderam os princípios envolvidos.
A compreensão ocorre, portanto, quando a identificamos através de um critério de desempenho flexível. Entretanto, quando o aprendiz não consegue ir além da repetição, do pensamento e das ações rotineiros, significa falta de compreensão.

Uma visão da compreensão como desempenho

Para o autor, compreender um tópico significa ter um desempenho flexível com esse tópico: saber explicar, justificar, extrapolar, relacionar e aplicar de maneira que vão além do conhecimento e das habilidades de rotina. Assim, um desempenho de compreensão é sempre algo que nos leva além.
Desempenho de compreensão é diferente de desempenho de rotina, porém essa diferença não é absoluta. Conhecimentos e hábitos bem treinados aparecem com freqüência na escola: na gramática, na tabuada, na manipulação de equações de álgebra, na memorização e assim por diante. Nós seríamos profundamente deficientes sem um suporte de repetição e da rotina. Porém a compreensão demanda ir mais adiante.
Desempenho de compreensão não menospreza o desempenho de rotina, porém envolve graus e varia de acordo com as pessoas. Assim, um problema de física que desafie um aluno do ensino médio e possibilite que ele demonstre e amplie a sua compreensão, pode ser mera rotina para um estudante mais graduado. Alunos que compreendem a idéia de um conceito de física podem ter dificuldade com a matemática, enquanto outros que dominam a matemática podem não compreender a idéia.
A compreensão efetivamente se dá em graus: pessoas com mais experiências e desenvolvimento diferentes realmente demonstram maior ou menor insight.

Uma visão representacional da compreensão

Para David Perkins, ver envolve assimilar visualmente, capturar a imagem mental daquilo que vimos. Compreender, como ver, requer alcançar uma representação mental daquilo que vimos. Assim, compreender, como ver, requer alcançar uma representação mental que capte o que deve ser compreendido. Depende, pois, de adquirir ou construir uma representação apropriada de algum tipo – um esquema, um modelo ou imagem mental.
Perkins considera importante ressaltar dois tipos diferentes de representações. O primeiro pode ser chamado de modelo mental – objetos mentais que as pessoas manipulam, processam ou exploram em sua mente. O segundo pode ser chamado de esquema de ação – as representações estão no background, não conscientemente inspecionadas por nenhum olho interno, mas, de alguma maneira, guiando nossas ações.
Como tudo isso se relaciona com uma visão de conhecimento como desempenho? Compreender significa possuir a correta estrutura mental ou representação. Desempenhos são parte do quadro, mas apenas em razão de terem uma representação correta. Uma capacidade de desempenho flexível é um sintoma. Não constitui a compreensão, mas indica a posse da representação apropriada. Por outro lado, a visão de desempenho diz que a compreensão é mais bem vista como constante na própria capacidade de desempenho podendo ou não ser parcialmente apoiado por representações.

Por que preferir uma visão de desempenho em vez de modelos mentais?

Para David Perkins, embora representações certamente tenham um papel importante em alguns tipos de compreensão, é difícil sustentar o argumento geral de compreensões serem representações. Um modelo mental não é suficiente para a compreensão porque ele não faz nada sozinho.
Para desempenhos que demonstrem compreensão, uma pessoa deve operar sobre ou com o modelo. Você pode ter um bom modelo de seu bairro e ainda assim ensinar caminhos errados e imprecisos – esquecer por um momento uma contramão que jamais teria esquecido.
Modelos mentais via da regra são complexos, demandam memória de curto prazo, são difíceis de seguir quando em pensamento, ou difíceis de lidar de outras formas.
Na prática compreendemos a gramática de nossa língua materna sem nenhum acesso explicito às regras que governam o discurso gramatical. Passamos no teste do desempenho flexível. Entretanto, mesmo sendo capazes de realizar todas essas operações que demandam flexibilidade, a maioria de nós não chega realmente a compreender a gramática de nossa língua, uma vez que não se consegue identificar de imediato as regras, analisar sua função, fazer comparações com outras línguas etc. Indica que temos o que poderíamos chamar de compreensão ativa de nossa língua, faltando-nos, porém, uma compreensão reflexiva dela, ou seja, a capacidade de falar sobre a gramática, não apenas de usar gramática.
A compreensão ativa é um tipo de compreensão parcial – até porque ninguém jamais compreende tudo sobre tudo. Assim, a compreensão ativa é um tipo importante de compreensão que não precisa envolver nenhum modelo mental específico. Algumas pessoas têm capacidade musical diária: aprendem a sustentar um tom, cantar ou assoviar arranjos e variações sem nenhum conhecimento de notas, escalas.
Mesmo quando as pessoas têm modelos mentais explícitos muitas de nossas ações não são realizadas sustentadas nelas. Agimos efetivamente com referência apenas ocasional a eles.
Modelos mentais sempre envolvem um determinado ponto de vista e ênfase: eles podem informar, mas também confundir.

Por que preferir uma visão de desempenho em vez de esquemas de ação?

Que idéia de compreensão os esquemas de ação nos oferece? Pode fazer sentido dizer que uma compreensão é um esquema de ação, mas não acrescenta muito além de dizer que uma compreensão é uma capacidade de desempenho.
O esquema de ação seria qualquer coisa necessária para regular o desempenho, nada mais nada menos. Isso poderia ser chamado de uma visão representacional da compreensão, mas se trata de uma noção frágil, uma vez que as pessoas podem ter capacidade de desempenho flexível sem quaisquer representações em algum sentido útil de representação.
Em síntese, a visão representacional é uma tentativa de identificar algo por trás da capacidade de desempenho, algum tipo de representação que permita o desempenho. O desempenho flexível pode ocorrer sem esquema de ação.

Uma visão de aprendizagem e ensino como desempenho

A visão de compreensão como desempenho favorece a aprendizagem processual e estimula aprendizes. Requer atenção, prática, refinamento e, caracteristicamente, envolve múltiplos aspectos que necessitam de coordenação cuidadosa e engenhosa.
Desenvolver a compreensão deveria corresponder a chegar a um repertório de desempenhos complexos. Alcançar a compreensão é menos adquirir algo e mais aprender a agir de forma flexível.
Essa concepção coloca os professores menos no papel de informantes e examinadores do que de facilitadores ou treinadores. Assim, uma aula expositiva ou avaliar com um teste passam a ser atividades de suporte e não atividades centrais. A atividade principal é planejar, apoiar e seqüenciar desempenhos de compreensão.
Essa visão de ensino alinha-se bem com diversas tendências pedagógicas contemporâneas, incluindo o aprendizado cognitivo, a idéia de comunidades de pesquisa e a construção de uma cultura de reflexão nas salas de aula.
Princípios que ajudam a definir o trabalho para o aprendiz e professor:
1) Aprender visando à compreensão ocorre principalmente por meio do engajamento reflexivo em desempenhos de compreensão acessíveis, porém desafiadores.
2) Novos desempenhos de compreensão são construídos a partir de compreensões anteriores e novas informações proporcionadas pelo cenário educacional.
3) Aprender um corpo de conhecimentos e habilidades para a compreensão requer necessariamente uma cadeia de desempenhos de compreensão de desafio e variedade cada vez maiores.
4) Aprender visando à compreensão geralmente envolve um conflito com repertórios mais antigos de desempenhos de compreensão e suas idéias e imagens associadas.

Um tipo de construtivismo

A visão de aprendizagem para a compreensão expressada pelo autor possui clara tendência construtivista, desafiando a idéia de que aprender centra-se em informação. Ele define o papel do professor mais como o de um treinador, e coloca bem no centro os esforços do aprendiz para construir a compreensão.
É uma visão de construtivismo um tanto diferente daquela mais habitual em pelo menos duas maneiras:
1) O que se constrói: representação versus capacidade de desempenho: aprender um tópico com compreensão não é tanto construir uma representação, para corresponder ao tópico, quanto desenvolver uma capacidade de desempenho flexível acerca dele. Aprendizes constroem desempenho, porém é mais natural dizer que eles os desenvolvem ou os elaboram.

2) Como se dá a construção: descoberta versus diferentes desempenhos de compreensão: a descoberta é o desempenho exemplar que não só alcança, mas também demonstra a compreensão. Assim, a fim de uma boa representação mental, os aprendizes têm de descobri-la. A descoberta torna-se o desempenho central da compreensão.

Em síntese, a visão da compreensão como desempenho produz um tipo de construtivismo de desempenho devido a sua maior ênfase em construir um repertório de desempenhos de compreensão em vez de cultivar a construção de representações.

Parte II – O ensino para a compreensão em sala de aula

Capítulo 3 - O que é ensino para a compreensão? (Martha Stone Wiske)

Para a autora uma pedagogia para a compreensão precisa de um marco conceitual guia que aborde as seguintes questões-chave:
1) Que tópicos valem a pena compreender?
2) O que os alunos precisam compreender com eles?
3) Como podemos estimular a compreensão?
4) Como podemos saber o que os alunos compreendem?
O projeto empreendido sobre EpC desenvolveu uma forma de responder às questões por meio de um marco conceitual de quatro elementos: tópicos geradores, metas de compreensão, desempenhos de compreensão e avaliação contínua. Cada elemento aborda uma das questões-chave: define o que vale a pena compreender ao identificar tópicos ou temas geradores e organizar o currículo em torno deles; esclarece o que os aprendizes precisam compreender ao articular metas claras centradas em compreensões-chave; estimula a aprendizagem dos alunos ao engajá-los em desempenhos de compreensão que requerem a aplicação, a ampliação e a síntese do que sabem, assim como monitora e promove o progresso dos aprendizes através de avaliações contínuas de seus desempenhos a partir de critérios diretamente relacionados às metas de compreensão. Em conjunto criam uma estrutura para refletirmos sobre como alinhar mais a prática de ensino aos objetivos educacionais mais importantes.

Tópicos geradores

Um tópico pode ser considerado gerador quando é:
1) Central ao domínio da disciplina. Engaja os alunos no desenvolvimento de compreensões que proporcionam uma base para atividades mais complexas no domínio da disciplina.
2) Acessível e interessante para os alunos. Estão relacionados às experiências dos alunos, varia conforme idade, contexto social e cultural, interesses pessoais e formação intelectual dos alunos.
3) Interessante para o professor. Estimula as paixões intelectuais do professor e servem de modelo de engajamento para os alunos.
4) Relacionável. É facilmente relacionado a outros tópicos, inclusive fora do domínio específico. A investigação geralmente conduz a questões mais profundas.

Metas de compreensão

Definem explicitamente o que se espera que os alunos venham a compreender, ou seja, definem mais especificamente as idéias, os processos, as relações ou questões que os alunos compreenderão melhor durante o trabalho.
Definidas as metas de compreensão fica mais fácil planejar desempenhos produtivos, avaliar o desempenho dos alunos.
As metas de compreensão são mais úteis:
1) Quando são definidas de maneira explicita e divulgada publicamente. Tanto o professor como o aluno, a escola e a comunidade ganham com o processo, uma vez que todos sabem para onde a classe está indo que progressos estão alcançando e o que esforços se fazem necessário para atingir o principal.
2) Quando são seriadas em uma estrutura seqüenciada com submetas que conduzem as metas máximas. Um conjunto seqüenciado de metas de compreensão ajuda a esclarecer as relações entre um exercício especifico e os propósitos mais amplos do curso.
3) Quando são focalizadas em conceitos-chave, modos de pesquisa e formas de comunicação relevantes para que os alunos compreendam a matéria.
O Importante é que as metas de compreensão conduzam alunos e professores a um trabalho significativo, em vez de levá-los a áreas periféricas.

Desempenhos de compreensão

Na pesquisa, várias equipes trabalharam com diversos professores de diferentes disciplinas. Eles identificaram uma progressão de categorias de desempenho planejado para estimular a compreensão, a saber:
1) Exploração (messing about). A exploração proporciona ao professor e aos alunos informações sobre o que já sabem e estão interessados em aprender. Pode ser planejada para engajar alunos no desempenho de suas compreensões e no confronto com alguns dos fenômenos ou enigmas que o tópico gerador apresenta.
2) Pesquisa orientada. Engajam os alunos no emprego de idéias ou modos de pesquisa que o professor vê com centrais para compreender as metas identificadas. Conforme desenvolvem a compreensão de metas preliminares por intermédio de desempenhos iniciais, podem se engajar em formas de pesquisas mais complexas.
3) Desempenhos amplos. Pode ser considerado como o projeto final da unidade, ou seja, o produto final. Em geral incentivam os alunos a trabalhar de modo mais autônomo do que faziam em desempenhos preliminares e a sintetizar as compreensões que desenvolveram ao longo de uma ou de séries de unidades curriculares.
Em síntese, desempenhos de compreensão realizam o seguinte:
• Relacionam-se diretamente com as metas de compreensão;
• Desenvolvem e aplicam a compreensão por meio da prática;
• Utilizam múltiplos estilos de aprendizagem e formas de expressão;
• Promovem engajamento reflexivo em tarefas desafiadoras, acessíveis;
• Demonstram compreensão.

Avaliação contínua

Avaliações contínuas baseiam-se em:
I) Critérios relevantes, explícitos e públicos relacionados às metas de compreensão, possibilitam oportunidades para os alunos aplicá-los e compreendê-los antes que sejam usados para avaliar seu desempenho.
II) Acontecem com freqüência, desde o início de uma seqüência curricular até seu final.
III) São conduzidas por múltiplas fontes, por professores, por alunos e entre alunos.
IV) Medem o progresso e instruem o planejamento. Enquanto é medido o desempenho dos alunos (olha para trás) tem em mira os próximos passos.
Sintetizando, através da avaliação contínua os alunos aprendem não apenas se realizaram bem um desempenho, mas também como podem melhorar seus desempenhos. Informa ao professor sobre como responder a alunos, individualmente, e à classe, como um todo, ao planejar atividades de ensino subseqüentes.

Integração dos elementos do ensino para a compreensão

Cada elemento do marco conceitual do EpC (tópicos geradores, metas de compreensão, desempenhos de compreensão e avaliação contínua) evoca os demais. À medida que os professores usam o marco para planejar e programar o currículo, o refinamento de um elemento produz mudança nos outros.

A natureza e o papel do marco conceitual

O marco conceitual do EpC fundamenta-se numa definição de compreensão com desempenho criativo, assim a compreensão sempre envolve invenção pessoal e deve ser construída a partir da própria experiência e do trabalho intelectual do aprendiz, não podendo nunca, simplesmente ser transmitida de um gerador para um receptor.
Ainda orienta os professores a revisitar antigas questões sobre o que ensinar, incentiva-os a continuar aprendendo, enquanto desenvolvem tópicos mais complexos e a articular metas de compreensão mais abrangentes.
Incentiva os professores a escutarem mais seus alunos a fim de aprender como estão entendendo o currículo e ajustá-lo, refinando tarefas visando atender aos interesses, a fim de maximizar o engajamento dos alunos em desempenhos de compreensão.
Também orienta no processo de explicitar o desenvolvimento, a comunicação e a aplicação dos critérios avaliativos para que os alunos avancem sua compreensão tão rápida e completamente quanto possível.

Capítulo 4
Como os professores aprendem a ensinar para a compreensão?
(Martha Stone Wiske, Karen Hammerness e Daniel Gray Wilson)

Pesquisadores da Harvard Graduate School of Education, durante os anos iniciais do projeto, que resultou na presente obra, detectaram que aprender a ensinar para a compreensão é, por si só, um processo de desenvolvimento de compreensão. O próprio marco do EpC oferece uma base para orientar o processo. A pesquisa-ação combina apoio para mudança com análise do processo de mudança.
Para as práticas de pesquisa e ensino dos professores o marco conceitual do EpC fundamentou a definição de metas, o apoio aos desempenhos de compreensão e as oportunidades regulares de avaliar e melhorar tais desempenhos.
No decorrer da pesquisa quatro tipos de estágios de compreensão, cada um associado a desempenhos de compreensão específicos:
Compreensão Identificar os quatro elementos-chave do marco conceitual (tópicos geradores, metas de compreensão, desempenhos de compreensão e avaliação contínua); analisar a prática com referência aos quatro elementos e seus critérios.
Planejamento Planejar unidades de currículo em torno de tópicos geradores, com metas de compreensão explícitas, atividades que engajem os alunos em desempenhos de compreensão e materiais e estratégias para a avaliação contínua.
Implementação Ensinar uma unidade curricular que enfatize os quatro elementos-chave e utilizá-los para a aprendizagem do aluno com foco em metas de compreensão.
Integração Planejar e ensinar uma seqüência de unidades curriculares que leve os alunos a desempenhos cada vez mais amplos. Entretanto, este estágio depende dos outros três e os sintetiza.
A pesquisa demonstrou que ensinar para a compreensão leva tempo, associado a compromisso e suportes contínuos.
Professores e pesquisadores reuniram-se muito para conversar, escrever, planejar, fazer experimentos em sala de aula e refletir sobre as experiências. Ao conversar e escrever sobre a prática com a linguagem do marco, eles desenvolveram a compreensão do EpC. Ao tentar articular tópicos geradores e metas de compreensão, esboçar planos para desempenhos, dois alunos desenvolveram e demonstraram a compreensão do estágio do planejamento. Ao experimentarem seus planos em sala de aula compreenderam o significado do marco conceitual e como implementá-lo.

Relato de prática

Joan Soble - professora de inglês da Cambridge Rindge and Latin High School por 7 anos. Tem 15 anos de experiência.
O começo. Apesar de achar que dava tarefas de escrita interessantes, ela começou a perceber que o curso parecia chato. Conheceu a EpC e queria saber se funcionaria com seus alunos. Teve como parceira de pesquisa Karen Hammerness. Ao conversar e escrever sobre suas metas com Karen, trocar experiências com outros parceiros começou a entender as metas de compreensão.
Entendendo o tópico gerador. Foi o primeiro passo positivo. Escolheu “Escrever sobre um lugar”, pois muitos de seus alunos tinham vindo de outros países, queriam se adaptar e gostavam de escrever sobre eles próprios.
Ela pretendia levar os alunos, a partir de suas experiências pessoais, a pensar e a escrever sobre lugares mais abstratos, como um lugar na sociedade, no futuro e lugar metaforicamente entendido com estado de espírito.
Esforçando-se para definir metas de compreensão. Teve dificuldade de articular o tópico gerador a metas de compreensão claras. Ela não estava acostumada a pensar sobre objetivos para alunos em relação à disciplina redação, isto é, não estava acostumada a planejar o currículo fazendo referencia explicita à estrutura de sua disciplina. Com muito trabalho (ciclos de planejamento de metas preliminares, conversas com a parceira Karen e de reflexão em relação a conceitos-chave na linguagem ela desenvolveu seu entendimento a respeito de metas de compreensão.
Planejando desempenho de compreensão. Propôs que os alunos criassem um mapa, uma colagem visual, como preparação para escrever sobre seu lugar preferido. A seguir pediu que os alunos refletissem sobre seu trabalho, suas escolhas. “Fazer essa colagem parece com escrever um artigo?” Ela percebeu que ao fazer as escolhas de imagens ajudou-os a despertar a memória, formular e articular idéias, fazer escolhas sobre localização, estilo e tom (tanto no trabalho artístico como na escrita). Surge uma inquietação: “a construção de habilidades terá que ser separada de meu currículo de compreensão”. No transcorrer dos estudos ela desenvolveu a compreensão da EpC e ampliou sua capacidade de planejar currículo com esse marco conceitual: as habilidades deveriam ser desenvolvidas no contexto dos desempenhos de compreensão preliminares.
Implementando a avaliação contínua. Ela planejou estruturas de avaliação que informassem aos alunos e a ela também. Eles também continuaram escrevendo portfólios. Ela definiu metas para melhorar a escrita dos alunos com um formulário de estabelecimento de metas. Os alunos escolhiam, ao final de cada unidade, exemplos de escritas para seus portfólios, escrevendo uma capa, descrevendo como o trabalho ilustrava avanço nas metas que havia selecionado.
Repensando as metas de compreensão. Pouco a pouco ela percebeu a importância de explicitar as metas de compreensão para seus alunos. Começou a enumerar metas no topo das tarefas dos alunos. Ela relacionava metas para desempenhos específicos com suas metas para a unidade.
Integrando todo o marco conceitual do EpC. Planejar o currículo já estava mais fácil, os alunos estavam produzindo textos cuidadosos, vigorosos e tocantes. Para Joan o marco conceitual passou a fazer parte da consciência que ela tinha de ensino. Através de implementações repetidas dos elementos do marco conceitual em sua prática, ela estava integrando o EpC em toda a sua abordagem de ensino.
Ajudas e obstáculos. A EpC ajudou a promover e acompanhar a compreensão e a ajustar o currículo às necessidades de seus alunos - alunos em risco de reprovação, historicamente malsucedidos e que se davam por muito satisfeitos quando conseguiam terminar uma tarefa. Compreensão e qualidade de ensino resultam da atenção cuidadosa a quatro áreas importantes (tópicos geradores, metas de compreensão, desempenhos de compreensão e avaliação contínua.) do marco conceitual.

Desenvolvendo a compreensão do ensino para a compreensão

Nesta parte do capítulo, as autoras fazem um relato do trabalho desenvolvido com os professores durante toda a pesquisa.
Para elas, “Os professores demonstraram que aprender a ensinar para a compreensão é efetivamente concebido e mantido como um processo de desenvolvimento da compreensão”.
Inicialmente, fazer o EpC gerador para professores significava vincular suas paixões e ansiedades a esse esforço fundamental de melhoria do ensino, ou seja, atraí-los para o marco conceitual do EpC que atendesse aos interesses e preocupações com o ensino.
A meta explicita da pesquisa era a compreensão do EpC com base no desempenho e os professores deveriam usar os quatro elementos do marco para analisar, planejar implementar o currículo.
A equipe do projeto deu suporte aos professores para a compreensão do EpC, ajudando-os a refinar desempenhos em todos os quatro estágios: compreensão, planejamento, aplicação e integração.
Inicialmente os professores interpretavam os elementos do EpC, em termos que lhe eram atraentes e familiares. Por exemplo, tópico gerador por algumas características foi relacionado ao currículo centrado no aluno, interdisciplinar e autêntico. Quase sempre eles deixavam de lado o critério relativo à centralidade para a área. Na medida em que discutiam sobre metas, desempenho e avaliação, os orientadores de Epc gradualmente formulavam as idéias dos professores na linguagem do marco conceitual do EpC
Também foi de difícil entendimento para muitos professores o conceito de metas de compreensão que interpretavam como objetivos comportamentais.
Tiveram dificuldade em articular metas, pois os professores tinham assimilado um modelo tácito de valores e metas relativos a conteúdos da matéria, modos de pesquisa e hábitos mentais comuns e individuais dos alunos.
Relativamente fácil para a maioria dos professores foi entenderem o conceito de desempenho de compreensão em termos de compreensão e até mesmo de planejamento curricular.
Uma idéia atraente para a maioria dos professores, a avaliação contínua foi difícil de implementar, pois eles comumente a interpretavam como sinônimo de portfólio ou avaliação de desempenho. A avaliação continua do EpC dá ênfase a critérios explícitos e relacionados a metas de compreensão, uma característica que desafiou a maioria dos professores.
A integração da avaliação continua à sala de aula foi particularmente difícil, uma vez que os alunos não conseguiam avaliar desempenhos quando não entendiam bem os critérios para sua aplicação ou ficavam relutantes ao assumir a responsabilidade intelectual pela crítica ao trabalho de seus colegas e ao seu próprio e ao trabalho. A avaliação contínua alterou ainda equilíbrio de poder e autoridade em sala de aula na medida em que deixou de ser uma ferramenta de controle por parte do professor e passou a ser um processo pelo qual professores e seus alunos conjuntamente aprendiam a empregar critérios explícitos para avaliar e melhorar desempenhos de compreensão.
Importante para os professores, durante todo o processo foi refletir sobre suas próprias experiências com o EpC. Isso a esclarecer confusões, controlar a ansiedade e perceber avanços.
O conceito de quatro estágios ou tipos de compreensão (compreensão, planejamento, implementação e integração) foi de fundamental importância no planejamento de desempenhos para promover o EpC e na análise do que ajuda e do que atrapalha tais desempenhos.
Os professores precisavam compreender como apresentar idéias, responder a perguntas e orientar desempenhos a fim de que os alunos se engajassem com sucesso no desempenho de suas compreensões.
O EpC não é a implementação de um modelo pedagógico padronizado, mas uma pesquisa contínua, idiossincrática..
Ensinar para a compreensão em suas mais completas implementações desafia as normas de muitas escolas.
Ensinar para a compreensão requer de professores e alunos engajamento em pesquisa ativa contínua.
O EpC pode ser levado adiante com sucesso em cenários escolares relativamente tradicionais em que livros didáticos e ensino direto são a norma.

Capítulo 5
Como é o ensino para a compreensão na prática?
(Ron Ritchhart, Martha Stone Wiske, Eric Buchovecky e Lois Hethland)

Este capítulo baseia-se no trabalho com alguns professores a fim de examinar como sua prática exemplifica os elementos do marco conceitual do EpC. As descrições detalhadas dos esforços de professores para interpretar, planejar e implementar o EpC baseiam-se parcialmente em diários reflexivos e relatórios que escreveram sobre sua própria experiência.

Características do ensino para a compreensão
O pano de fundo: compreensão engenhosa em contexto

Interpretar os elementos do marco e adaptá-los a fim de atender às demandas de um contexto específico enquanto expressa comprometimentos, paixões e personalidades únicos do professor é onde reside a engenhosidade do EpC.
Os professores incorporam seus próprios interesses em sua prática de EpC, conferindo a cada classe uma atmosfera diferenciada.

Os bastidores: planejar mudanças

O planejamento do professor funciona dinamicamente entre os elementos do marco. Por intermédio dessa interação dinâmica, os professores avançam e retrocedem entre os elementos e critérios do EpC, estreitando as relações entre metas, desempenhos e avaliações nos planos de currículo.

A ação: aplicação e integração.

Via de regra, os professores apresentam ao aluno o tópico gerador por meio de uma exploração aberta inicial, discussão ou tempestade de idéias. Direcionam os alunos a temas, questões e compreensões centrais. Por intermédio de pesquisa orientada, focalizam a atenção dos discípulos e apóiam seus desempenhos com tarefas estruturadas e avaliações contínuas frequentemente realizadas em grupos pequenos. Conforme desenvolvem conhecimentos e habilidades, o trabalho vai se tornando cada vez mais complexo, aberto e auto-orientado. Frequentemente concluem uma unidade curricular com um desempenho amplo que cada aluno desenvolve de modo mais independente.

Dois exemplos práticos:

1. Uma aula de física em uma escola de ensino médio

A escola de Eric, professor de física, a Belmont High School, focalizava a preparação de sua população de aproximadamente 750 alunos para universidade no âmbito de um currículo rígido, adotando uma pedagogia “bastante enraizada em um modelo de transmissão tradicional”.

O pano de fundo: tornando claras as prioridades

“Refinar e esclarecer o que mais desejaria que meus alunos fossem capazes de realizar, depois organizar minha prática de ensino de maneira que focalizasse diretamente o cumprimento dessas metas”.
Eric começou revendo aspectos problemáticos de sua prática. Seus alunos estavam aprendendo conhecimento factual e tinham pouca experiência em pensamento científico.
Trazer à tona aquele esquema mais amplo (pensamento científico), exigiu de Eric a construção de um modelo de pensamento científico que ele pudesse articular com seus alunos e empregar como um guia no planejamento.


Seu modelo aproveitava-se da “natureza recursiva da pesquisa científica” que flui entre inferências intuitivas embasadas em observações iniciais e a construção de teorias para explicar e prever. Os alunos adentravam o processo de pesquisa tanto com experiências quanto com teorias ou modelos tácitos que construíam em um ciclo de refinamento contínuo com base em novas informações e intuição crescente.

Os bastidores: planejamento e preparação

O plano de currículo de Eric ilustrava o avanço dos desempenhos descritos anteriormente: exploração, depois pesquisa orientada conduzindo a um desempenho amplo.

Exploração
Sessão de tempestade de idéias: ele deu aos alunos 10 minutos para apresentarem uma lista de 20 máquinas comuns e uma lista de cinco características essenciais dessas máquinas. A partir da listas de cada grupo conduziu uma discussão sobre sua organização em categorias. Os alunos buscavam generalidades em suas listas e tentavam distinguir relações. Com debates e refinamentos de suas idéias, eles desenvolveram uma lista de trabalho de “critérios de máquinas”.
Alem dessas questões diretivas, Eric apresentou um folheto que fornecia uma visão geral de toda a unidade sobre máquinas e as metas de compreensão para cada essa unidade. Embora inicialmente algumas metas não fizessem sentido para os alunos, elas preparavam a base para o estudo futuro.

Pesquisa Orientada

Ao ajustar suas metas de compreensão a sua meta maior de fazer os alunos pensarem como cientistas, Eric os envolveu em uma investigação de duas semanas sobre um aparelho de alavanca ajustável simples.
Quadro sobre alavancas: escopo e seqüências
Dia 1 Inicio da unidade, tempestade de idéias, sessão sobre máquinas
Dia 2 Exploração em grupos com o aparelho da alavanca
Dia 3 Exploração guiada: coleta de dados e construção da teoria
Dia 4 Construção da teoria e organização dos dados para relatórios
Dia 5 Escrita das versões iniciais dos relatórios
Dia 6 Escrita dos esboços
Dia 7 Revisão pelos pares dos primeiros esboços dos relatórios
Dia 8 Preparação dos esboços finais
Dia 9 Refinamento dos esboços finais
Detalhamento da pesquisa:
Os alunos anotaram suas ideias, perguntas, teorias e dados num livro de registro e produziram um relatório final onde apresentariam sua teoria com evidências de apoio e uma nova aplicação.
Conforme os alunos começavam a explorar o aparelho e a juntar dados, Eric avaliava seu progresso e os questionava a fim de ajudá-los a organizar seu raciocínio e articular suas idéias.

Desempenho Final
À medida que o trabalho dos alunos avançava, e sua compreensão sobre alavancas se desenvolvia, modificava-se o foco de seu trabalho. Eles passavam da experimentação e construção da teoria para a ciência e o desenvolvimento de um desempenho final, que consistia em uma apresentação escrita de sua teoria com evidências de apoio e aplicação. Trabalhando a partir de uma lista de perguntas e de auto-avaliação, os alunos geraram relatório preliminar para revisão dos pares. Conforme avaliavam os relatórios preliminares de outros grupos, perceberam a necessidade de inclusão de evidências de apoio e esclarecimentos em seus próprios relatórios. Ao responderem a revisão dos pares em seus livros de registro, os alunos justificaram aceitar ou rejeitar a retroalimentação crítica que receberam

2. Uma aula de história em uma escola de ensino fundamental

Lois, professora de humanidades muito experiente, e com uma forte visão da compreensão como desempenho. O marco conceitual do EpC era compatível com sua prática de ensino, pois ela a organizava em torno de tópicos geradores há anos e tinha uma extensa experiência no planejamento de projetos de currículos. Ela tinha restrições em relação à ênfase do marco no estabelecimento de metas, pois temia que elas pudessem reprimir sua criatividade enquanto professora. Mesmo assim ela desejava explorar como o marco se associava a seu ensino e o ampliava.
Ela trabalhava numa escola que oferecia um ambiente propício para a inovação ao promover a colaboração entre professores, organizar currículo em torno de temas centrais que estimulavam currículos interdisciplinares e planejar blocos de horários letivos que variavam de 45 minutos a duas horas. Seus alunos estavam habituados a trabalhos interdisciplinares, com base em projetos e eram geralmente bem preparados, motivados e apoiados.
Sua abordagem de ensino era bastante embasada em pesquisa, envolvendo a construção de significados por parte dos alunos e demonstrações de compreensão por meio de projetos interdisciplinares.

Resumo do projeto de Lois

O projeto desenvolveu a “compreensão dos alunos sobre a influência das personalidades da história colonial e sobre os pontos de vista que tais indivíduos proporcionam sobre o período”. Tal projeto relacionou-se diretamente às metas de compreensão de Lois tanto para a unidade quanto para o ano e incorporou desempenhos dos alunos individualmente e em grupo. Incentivou:
a) a autoria dos alunos ao exigir que escolhessem seu objeto de estudo;
b) a profundidade ao proporcionar tempo suficiente para realizar pesquisas e explorar idéias;
c) a interpretação reflexiva ao pedir aos alunos que situassem os indivíduos estudados na cultura do passado enquanto os relacionava com questões atuais.
A presença constante da avaliação contínua e da auto-avaliação ajudou os alunos a internalizar padrões, ao mesmo tempo em que se configurava como um trabalho em curso e permitiu a Lois atender às necessidades tanto dos alunos, individualmente, quanto da classe.
As três fases de ensino apoiaram cuidadosamente a compreensão e os desempenhos dos alunos enquanto estudavam o tópico gerador de aprender história por meio de pesquisas de biografias individuais.

Analisando o ensino para a compreensão na prática dos professores

Segundo os autores do texto, os exemplos analisados comprovam que para aplicar os elementos e os princípios do EpC em sala de aula, os professores devem compreender como adaptar os seus planos de currículo, considerando a evolução das compreensões dos alunos e ajustando as avaliações a fim de apoiar e desafiar todos os alunos, individualmente e a classe como um todo. É um processo interativo que implica considerar o contexto, planejar currículo e ajustar a prática em resposta aos alunos.

O pano de fundo: compreensão engenhosa em contexto

O EpC não é simples nem prescritivo. Os professores devem incorporar o processo à situação peculiar de suas escolas, ao clima de suas salas de aula, às disposições e ao grau de preparação de seus alunos, às exigências do currículo e a sua própria compreensão e experiência.
Quando professores chegam a esse nível de integração, as unidades de EpC que já aconteceram podem ter um foco bem diferente das unidades posteriores, uma vez que no início do ano as unidades curriculares enfatizam o desenvolvimento de processos, habilidades e hábitos mentais na área de estudo e, em unidades posteriores, os alunos aproveitam-se dessa base e avançavam mais rapidamente nas explorações de conteúdos, bem como os professores com vistas a tornar mais explicitas para seus alunos suas metas finais de curso.

Nos bastidores: mudanças de planejamento

Todos os professores no projeto julgaram útil examinar suas próprias prioridades, crenças e compreensões de suas matérias.
Na prática, eles utilizaram uma variedade de estruturas, mecanismos e aparatos para dar suporte ao EpC: formulários de avaliação, perguntas a considerar e formulários de tarefas foram muito usados pelos professores de EpC a fim de expressar as metas de uma unidade, para estruturar os desempenhos dos alunos e esclarecer critérios de avaliação.

A ação: estratégia de aplicação e integração

Para os autores, professores que trabalham com o marco conceitual do EpC acreditam que devem articular submetas em suas metas máximas e engajar os alunos em uma progressão de desempenhos que os leve a desempenhos de compreensão cada vez mais sofisticados.
Embora as pesquisas tenham mostrado ser a seqüência de trabalho, conforme os exemplos acima (de Eric e Lois) particularmente eficazes, o EpC não precisa ficar limitado à aprendizagem com base em projeto. Outros professores usaram seqüências de desempenhos mais graduais para construir paulatinamente níveis mais sofisticados de compreensão. Alguns dos que focalizaram o desenvolvimento da compreensão de conceitos abstratos enfatizaram o desenvolvimento inicial de imagens mentais, seguido do engajamento em desempenhos de compreensão.
Ponto central ao EpC é a manutenção do foco nas metas de compreensão durante todo processo, a fim de que o projeto não se torne um fim em si mesmo. Isso requer um diálogo contínuo com os alunos em que os professores tornam explícitas suas prioridades e expectativas.

Parte III - A compreensão dos alunos em sala de aula

Capítulo 6 - Quais são as qualidades da compreensão?
(Verônica Boix Mansila e Howard Gardner)

A principal meta deste capítulo é introduzir o marco conceitual como ferramenta reflexiva, focalizando dois tópicos e desempenhos de compreensão ideais. Propõe a utilização do marco de compreensão como ferramenta para sistematizar a avaliação dos desempenhos exemplares.

Examinando a compreensão dos alunos

A qualidade de compreensão dos alunos reside em sua capacidade de usar de modo produtivo conceitos, teorias, narrativas e procedimentos, ou seja, deveriam fazer uso do conhecimento para se engajar em um repertório de desempenhos valorizados pela sociedade: criar produtos, contar histórias, resolver problemas, fazer julgamentos e transformar sua vida diária.
Assim, os alunos podem pôr em prática sua compreensão em:
a) Áreas como comércio, esportes, ou artes, cujo ensino está focalizado no desempenho dos aprendizes.
b) Disciplinas mais acadêmicas – história, matemática e ciências onde o ensino, historicamente, tendeu a enfatizar o acúmulo de informações, nas quais o aluno deve dominar acontecimentos e informações.

Sistematizando qualidades de compreensão.

Segundo os autores, o marco conceitual apresentado neste capítulo está enraizado em concepções de estudiosos, filósofos, cientistas e psicólogos, intelectuais eminentes que colocaram seus conhecimentos na busca da compreensão.

Quatro dimensões da compreensão

Objetivando retratar as qualidades da compreensão, o marco conceitual destaca quatro dimensões da compreensão: conhecimento, métodos, objetivos e formas e suas características:

Conhecimento Métodos Objetivos Formas
a) Crenças intuitivas transformadas: até que ponto os desempenhos dos alunos mostram que teorias e conceitos autorizados na área transformaram suas crenças intuitivas? a) Ceticismo saudável: até que ponto os alunos demonstram um ceticismo saudável em relação às suas próprias crenças e ao conhecimento derivado de fontes como livros didáticos, opiniões das pessoas e mensagens da mídia? a) Consciência dos objetivos do conhecimento: até que ponto os alunos percebem questões essenciais, objetivos e interesses que dirigem a pesquisa na área? a) Domínio de gêneros de desempenho: até que ponto os alunos demonstram domínio dos gêneros de desempenho nos quais se engajam, como escrever relatórios, fazer apresentações ou preparar o cenário para uma peça?
b) Redes conceituais coerentes e ricas: até que ponto os alunos são capazes de raciocinar no âmbito de redes conceituais ricamente organizadas, transitando com flexibilidade entre detalhes e visões gerais, exemplos e generalizações? b) Construção do conhecimento na área: até que ponto os alunos usam estratégias, métodos, técnicas e procedimentos semelhantes àqueles usados por profissionais da área para construir conhecimento confiável? b) Múltiplos usos do conhecimento: até que ponto os alunos percebem uma variedade de usos possíveis para aquilo que aprendem? Até que ponto os alunos consideram as consequências do uso desse conhecimento? b) Uso eficaz de sistemas de símbolos: até que ponto os alunos exploram diferentes sistemas de símbolos de modo eficaz e criativo para representar seu conhecimento – por exemplo, usar analogias e metáforas, cores, formas, movimentos?
8) Validação de conhecimento na área: verdade, bondade e beleza dependem de afirmação de autoridade, ou, ao contrário de critérios publicamente acordados, como o uso de métodos sistemáticos, fornecimento de argumentos racionais, tessitura de explicações coerentes e negociação de significados por meio de dialogo cuidadoso? c) Autoria e autonomia: até que ponto os alunos evidenciam autoria e autonomia para usar o que sabem?
Até que ponto os alunos desenvolveram uma posição pessoal acerca do que aprenderam? c) Consideração da audiência e do contexto: até que ponto os desempenhos dos alunos demonstram uma conscientização em relação à audiência, como seus interesses, necessidades, idade, experiência ou antecedentes culturais?
Até que ponto eles demonstram consciência do contexto de comunicação?

Quatro níveis de compreensão

Como a profundidade da compreensão pode variar em cada dimensão é necessário distinguir desempenhos mais fracos e mais fortes. Em decorrência disto, os autores caracterizaram quatro níveis de compreensão: ingênuo, principiante, aprendiz e avançado.
Desempenhos de compreensão ingênuos Fundamentam-se em conhecimento intuitivo, os alunos não percebem a relação entre o que aprendem na escola e suas vidas diárias, não consideram os objetivos e usos da construção do conhecimento. Não refletem as formas nas quais o conhecimento é expresso ou comunicado aos outros.
Desempenhos de compreensão principiante Fundamentam-se em rituais e mecanismos de teste de escolarização. Começam a interpor alguns conceitos e idéias disciplinares, a fim de estabelecerem conexões simples. Retratam a natureza e os objetivos da construção do conhecimento, assim como suas formas de expressão e comunicação como procedimentos mecânicos detalhadamente, cuja validação depende de autoridade externa.
Desempenhos de compreensão de aprendiz Fundamentam-se em conhecimentos e modos de pensamento disciplinar, demonstrando uso flexível de conceitos e idéias. A construção do conhecimento é vista como complexa, seguindo procedimentos e critérios empregados por especialistas da área. Com apoio destacam a relação entre o conhecimento disciplinar e a vida diária, examinando oportunidades e consequências de usar esse conhecimento.
Desempenhos de compreensão avançada São fundamentalmente integradores, criativos e críticos. Os alunos são capazes de transitar com flexibilidade entre dimensões, relacionando os critérios pelos quais o conhecimento é constituído e validado em uma disciplina de acordo com a natureza de seu objeto de estudo ou aos objetivos de pesquisa na área. A construção do conhecimento é complexa, dirigida por estruturas e visões de mundo conflitantes. Os alunos podem usar o conhecimento para reinterpretar o mundo e atuar nele. Podem refletir a consciência crítica dos alunos sobre a construção do conhecimento nas áreas, ou seja, compreensão multidisciplinar: capacidade de combinar disciplinas em desempenhos de compreensão interdisciplinares.

Conclusão

Recontextualizar o conhecimento nas disciplinas como ferramenta requer:
a) Mudança no foco: de fatos isolados sobre o mundo para redes de conhecimentos.
b) Que as pessoas percebam o conhecimento como construção humana fundada em métodos e critérios, o que os torna confiáveis.
c) Atenção para com os objetivos que motivam a investigação sobre problemas específicos e os usos que se possa fazer do corpo de conhecimento resultante.
d) Que as pessoas encontrem formas de comunicar e compartilhar conhecimentos.

Capítulo 7 - Como os alunos demonstram sua compreensão?
(Lois Hetland, Karen Hammerness, Chris Unger e Daniel Gray Wilson)

Neste capítulo, os autores usam o marco conceitual da compreensão com a finalidade de responder as três perguntas. Utilizam farto material da pesquisa para tanto.

1) Como é a compreensão dos alunos em classes de EpC?

Fundamentados nas pesquisas, os autores detectaram que a compreensão é muito difícil de perceber, revela-se em fragmentos, parecendo mais uma tese construída a partir de evidências do que um fato conclusivo, além de ser um sistema dinâmico e ter aparência multifacetada.
Assim, a compreensão tem uma aparência variada, possui diferentes dimensões e se revela numa variedade de situações planejadas e espontâneas.
Os professores reportam que desempenhos e reflexões espontâneas foram acréscimos às evidências de compreensão reunidas a partir de desempenhos planejados e formais e deram oportunidade aos alunos de relações inovadoras entre contextos disciplinares e pessoais.

2) Como podemos avaliar os produtos dos alunos com vistas a uma compreensão profunda?
Ao analisar os produtos dos alunos e relacioná-los às dimensões das disciplinas acadêmicas, os pesquisadores conseguiram respeitar e valorizar pontos fortes e fracos, detectar que eles demonstram, para cada dimensão, vários níveis de experiência que podem servir de bases para esforços posteriores ou alvos a serem desafiados, pois ao perceber que já compreendem grande parte, podem ir além.

3) Como professores podem usar avaliações dos trabalhos dos alunos para promover uma compreensão ainda mais profunda?
Embora poucos professores tenham feito uso do marco para fins de avaliação, no decorrer da pesquisa, alguns passaram a utilizá-lo para planejar e avaliar metas de compreensão objetivando atingir a total extensão da compreensão que as dimensões sugerem.

Os alunos, nas salas de EpC reportaram satisfação pela clareza proporcionada pelos elementos do marco conceitual, como metas de compreensão e avaliação contínua.

Capítulo 8
O que os alunos compreendem em classes de EpC?
(Karen Hammerness, Rosario Jaramillo, Chris Unger e Daniel Gray Wilson)

Neste capítulo, os pesquisadores analisam o que os alunos compreendem nas classes de EpC, por meio de três questões norteadoras: Até que ponto os alunos atingiram bem as metas de compreensão que seus professores estabeleceram? Alunos em algumas classes desenvolveram compreensões mais profundas que outros? Em caso afirmativo, como essas classes se comparam? O que pode responder por quaisquer diferenças nos desempenhos dos alunos em uma classe e entre classes?
A maior parte da análise baseia-se numa entrevista com alunos de uma unidade de EpC, quadro abaixo:
Protocolo inicial de entrevista com alunos
1. Conte-me sobre o trabalho ou projeto que você recentemente concluiu. Há algo nele que tenha gostado realmente? Há algo de que não gostou?
2. O que você aprendeu – se aprendeu algo – ao fazer isso?
3. Alguma coisa que o professor fez o ajudou a aprender isso, ou você chegou a isso por conta própria a partir de outras aulas?
4. Algo que você fizera em aula o ajudou a aprender isso?
5. O que acha que o professor queria que você aprendesse ao realizar esse projeto? Qual foi a razão para fazer isso?
6. Existem coisas que você acha que o professor quer que compreenda nesse projeto? Ao longo das aulas até agora?
7. O professor tinha essas metas de compreensão (mostra ao aluno as metas para a unidade e para o ano). Você as reconhece? Algumas pessoas acham que conhecer as metas de compreensão de uma classe é útil, e outras pensam que não ajudam tanto. O que você acha?
8. Escolha uma meta que você acha que compreende. Fale-me de sua compreensão sobre ela. Escolha outra meta sobre a qual gostaria de falar e me conte sobre sua compreensão dela. Escolha uma meta que sente não ter compreendido bem e fale sobre a razão pela qual não a compreende.
Dados adicionais foram acrescentados para melhor delinear os objetivos e resultados da pesquisa.
Com o uso do marco conceitual da compreensão, os pesquisadores classificaram as discussões dos alunos em um dos quatro níveis (ingênuo, principiante, aprendiz ou avançado) e numa das quatro dimensões (conhecimento, métodos, objetivos e formas), conforme segue:


Níveis de compreensão dos alunos nas quatro dimensões

Nome Classe Conhecimento Métodos Objetivos Formas
1 História Aprendiz Aprendiz Avançado Aprendiz
2 História Aprendiz Avançado Avançado Aprendiz
3 História Aprendiz Avançado Aprendiz Aprendiz
4 História Aprendiz Principiante Ingênuo Ingênuo
cinco História Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
seis História Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
sete História Avançado Avançado Avançado Avançado
oito História Principiante Principiante Ingênuo Ingênuo
nove História Avançado Avançado Avançado Avançado
10 História Avançado Avançado Avançado Avançado
11 Física Principiante Principiante Principiante Principiante
12 Física Principiante Principiante Principiante Principiante
13 Física Principiante Aprendiz Aprendiz Principiante
14 Física Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
15 Física Principiante Principiante Principiante Principiante
16 Física Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
17 Física Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
18 Física Aprendiz Aprendiz Aprendiz Aprendiz
19 Física Avançado Avançado Avançado Aprendiz
20 Inglês Avançado Aprendiz Avançado Avançado
21 Inglês Principiante Aprendiz Aprendiz Principiante
22 Inglês Ingênuo Principiante Ingênuo Ingênuo
23 Inglês Avançado Avançado Aprendiz Aprendiz
24 Inglês Principiante Aprendiz Aprendiz Aprendiz
25 Inglês Ingênuo Principiante Principiante Principiante
26 Inglês Avançado Avançado Avançado Avançado
27 Inglês Ingênuo Principiante Aprendiz Principiante
28 Inglês Avançado Principiante Aprendiz Principiante
29 Inglês Ingênuo Ingênuo Principiante Ingênuo
30 Inglês Principiante Aprendiz Aprendiz Aprendiz
31 Matemática Ingênuo Ingênuo Principiante Principiante
32 Matemática Principiante Ingênuo Principiante Principiante
33 Matemática Ingênuo Ingênuo Ingênuo Ingênuo
34 Matemática Principiante Principiante Principiante Principiante
35 Matemática Ingênuo Ingênuo Principiante Ingênuo
36 Matemática Aprendiz Principiante Aprendiz Aprendiz
37 Matemática Ingênuo Ingênuo Principiante Principiante
38 Matemática Principiante Principiante Principiante Principiante
39 Matemática Aprendiz Aprendiz Principiante Principiante

















Através dos gráficos acima ficou comprovada uma ampla variedade de compreensões de alunos das quatro classes de EpC das pesquisas descritas em outros capítulos. Os autores alertam que estudos posteriores serão necessários para melhor entendimento dos impactos do EpC na educação.
Pelos estudos ficou constatado:
a) Inúmeros alunos de classes de EpC, mesmo em diferentes circunstâncias, atingiram um nível avançado de compreensão.
b) Os desempenhos de alunos, nas diferentes classes, comprovam o modo pelo qual fatores como experiência dos professores, hábitos estudantis, contexto escolar e a natureza da disciplina podem influenciar o nível de compreensão alcançado.
c) A análise demonstrou que um exame da compreensão em termos de conhecimentos, métodos, objetivos e formas é altamente produtiva para se pensar sobre a compreensão dos alunos, além de possibilitar a observação dos pontos fortes e fracos dos desempenhos dos alunos e dos níveis de compreensão de toda a turma. Possibilita, ainda, ao professor refletir sobre sua prática e empreender esforços para melhorá-la.

Capítulo 9 – O que os alunos pensam sobre a compreensão
(Roger Dempsey, Chris Unger, Rosario Jaramillo e Daniel Gray Wilson)

Os autores buscaram, neste capítulo, compreender como os alunos nas classes de EpC pensavam sobre compreensão e determinar se tais concepções estavam relacionadas às suas compreensões. Para tanto entrevistaram esses alunos duas vezes, bem perto do final do ano letivo, a fim de assegurar tanto o grau de compreensão como também a especificidade em relação às diferentes experiências com o EpC entre as classes.
A primeira parte consistia numa série de questões sobre as concepções dos alunos sobre a compreensão e como ela se desenvolve.
A segunda parte procurava desvendar se os alunos percebiam os elementos do EpC como úteis à sua compreensão.

Concepções dos alunos sobre o currículo gerador

Na primeira parte os resultados demonstraram que muitos alunos perceberam que um currículo enriquecido de conexões com seus interesses pessoais e com outras ideias disciplinares foi útil a sua compreensão.
- Apenas 3 dos 35 alunos não percebeu ou não deu importância às conexões geradoras.
- Um grupo de 8 dos 35 alunos observou que conexões pessoais tornam o trabalho atraente e motivador, mas não reconheceu a centralidade do tópico curricular para a disciplina.
- Um terceiro conjunto, 17 de 35 alunos, indicou que conexões pessoais eram divertidas e davam mais significado, pertinência e razão ao conhecimento que aprendiam.
- Por último, 7 de 35 alunos, reconheceram que conexões pessoais foram cruciais ao processo de compreensão.

Concepções dos alunos sobre metas de compreensão

Os alunos perceberam que as metas de compreensão apresentadas explicitamente foram úteis para sua compreensão:
- Apenas 7 de 35 alunos disseram que as metas de compreensão não ajudaram em nada a sua compreensão;
- 14 de 35 alunos observaram que tanto as metas anuais como as de unidade foram úteis porque lhes dizia o que aprender, o que fazer e o que alcançar;
- 11 de 35 alunos também indicaram que as duas metas delineavam o que fazer e saber, e ainda os ajudavam a focalizar aquilo que era importante e atuavam como uma lista de verificação, um mapa de ideias e relações centrais que eles deveriam ter em mente.
- 3 dos 35 alunos disseram que as metas de compreensão foram úteis porque atuavam como uma guia para sua compreensão, tanto na classe como fora dela e ainda proporcionavam um modelo de ideias e questões centrais e transformavam as perspectivas dos alunos na disciplina.

Concepções dos alunos dos desempenhos de compreensão

Os alunos perceberam desempenhos de compreensão que lhes pedia para usar e aplicar de modo criativo o conhecimento que construíram nas aulas.
- 9 de 35 alunos não mencionaram a utilidade dos desempenhos de compreensão planejados pelo professor. Eles disseram que sua compreensão foi auxiliada por atividades que possibilitaram que “pegassem” melhor as informações, entretanto não perceberam a utilidade de tais atividades para outros objetivos.
-16 de 35 indicaram que desempenhos de compreensão e atividades “práticas” foram muito úteis à sua compreensão.
- 5 de 35 alunos observaram que desempenhos de compreensão foram cruciais à sua compreensão e que tais desempenhos os fizeram refletir sobre as idéias, resolver problemas com autonomia e aplicar e relacionar o conhecimento escolar e do mundo.

Concepções dos alunos sobre avaliação contínua

Os alunos perceberam as avaliações contínuas (auto-avaliação, avaliação pelos pares e avaliação pelo professor) úteis à sua compreensão.
- Apenas 1 de 35 disse que nenhum dos três tipos de avaliação teve utilidade para a sua compreensão.
- 10 de 35 alunos perceberam que as avaliações foram úteis à compreensão. Indicaram a retroalimentação do professor ou dos pares sobre seu trabalho como muito útil por lhes permitir refletir sobre ele. Alem disso, observaram que trabalhar com os outros foi útil porque melhorou os desempenhos em muitos campos.
- 18 de 35 alunos também indicaram a utilidade das avaliações contínuas porque diziam quando estavam certos ou errados. Deram importância à avaliação pelo outros e a auto-avaliação.
- 6 de 35 alunos ressaltaram a utilidade das avaliações contínuas como canal de diálogo com seus pares e com o professor.

Concepções gerais dos alunos sobre compreensão

- 8 de 35 alunos indicaram que compreender é a capacidade de repetir mecanicamente fatos e conceitos.
- 16 de 35 alunos analisam compreensão como capacidade de aplicar ou relacionar fatos e conceitos nas aulas.
- 11 de 35 alunos descreveram a compreensão como a capacidade de relacionar de modo criativo o que estavam aprendendo a outras ideias dentro e fora da sala de aula.

Em síntese, os resultados demonstraram que, para os alunos em classes de EpC, concepções de compreensão e dos elementos do EpC estão correlacionados à sua compreensão.

Parte IV – Promovendo o ensino para a compreensão

Capítulo 10 – Como podemos preparar novos professores
(Vito Perrone)

Vito Perrone afirma que muitas das concepções do EpC parecem natural para os professores em sala de aula, até porque para todos a compreensão dos alunos é objetivo, bem como também lhes é familiar as idéias centrais do EpC a saber: tópicos geradores, metas de compreensão e avaliação contínua. Tudo isso não parece complexo em termos de reflexão sobre o ensino e a aprendizagem.
Anuncia sua meta na formação dos novos professores: “tornar o EpC um lugar comum, uma prática usual em vez de ocasional”, o que representa um desafio significativo.
Seu trabalho inicia pelo detalhamento dos elementos que servem como antecedentes à introdução formal do marco conceitual do EpC, identificando paixões, esclarecendo objetivos, assim como do trabalho de desenvolvimento do currículo, associando conexões geradoras, considerando a realidade na introdução dos elementos do EpC, prosseguindo com um relato focado no marco conceitual e no planejamento do projeto de currículo: tópico gerador, metas de compreensão, atividades de ensino aprendizagem e organização do currículo e plano de avaliação.
Os professores empreenderam um projeto prático, levando para suas escolas e aplicando a seus alunos. A maioria relatou ter atingido sucesso com seus alunos e quando isso não aconteceu reflexões e retroalimentação.
Ao final Perrone conclui que os novos professores compreenderam os fundamentos do EpC e como é importante para a escola como um todo pensar sobre ensino e aprendizagem em termos de compreensão.

Capítulo 11
Como o ensino para a compreensão pode ser ampliado nas escolas?
(Martha Stone Wiske, Eric Buchovecky e Lois Hethland)

Para os autores do texto, a fala dos professores ao escutar sobre EpC é que eles já trabalham daquela maneira. Entretanto, os que usaram o marco conceitual perceberam a transformação ocorrida em suas práticas.
Segundo eles, o EpC apóia uma mudança de paradigma, desloca o foco de professores e transmissão de informações para os alunos e como ajudá-los a construir a compreensão.
Essas mudanças de paradigmas requerem apoio constante, integrado e coordenado em dois níveis;
a) Na prática em sala de aula os professores necessitam de apoio para usar o marco conceitual do EpC a fim de repensar metas e replanejar currículo e avaliação.
b) Nas estruturas organizacionais, políticas, incentivos e normas culturais da escola.

Questões:

1. O tópico gerador no Ensino para a Compreensão (EpC):
I - Engaja os alunos no desenvolvimento de compreensões que proporcionam uma base para atividades mais complexas no domínio da disciplina.
II - Estão relacionados às experiências dos alunos, varia conforme idade, contexto social e cultural, interesses pessoais e formação intelectual dos alunos.
III - Estimula as paixões intelectuais do professor e servem de modelo de engajamento para os alunos.
IV - É facilmente relacionado a outros tópicos, inclusive fora do domínio específico. A investigação geralmente conduz a questões mais profundas.
Estão corretas:
a) Apenas as alternativas I, II e III
b) Apenas as alternativas I, III e IV
c) Apenas as alternativas I, II e IV
d) Todas as alternativas estão corretas

2. Sobre metas de compreensão num contexto e EpC só não podemos afirmar:
a) Que elas definem explicitamente o que se espera que os alunos venham a compreender, ou seja, definem mais especificamente as idéias, os processos, as relações ou questões que os alunos compreenderão melhor durante o trabalho.
b) Quando não definidas as metas de compreensão planejar desempenhos produtivos, avaliar o desempenho dos alunos é realizado de maneira mais autônoma e objetiva.
c) As metas de compreensão são mais úteis quando definidas de maneira explícita e divulgada publicamente, pois tanto o professor e o aluno, assim como a escola e a comunidade, sabem que progressos os alunos estão alcançando e quais esforços se fazem necessários para atingir o principal.
d) O Importante é que as metas de compreensão conduzam alunos e professores a um trabalho significativo, em vez de levá-los a áreas periféricas.

3. Avaliações contínuas baseiam-se em:
I) Critérios relevantes, explícitos e públicos relacionados às metas de compreensão, possibilitam oportunidades para os alunos aplicá-los e compreendê-los antes que sejam usados para avaliar seu desempenho.
II) São conduzidas por múltiplas fontes, por professores, por alunos e entre alunos.
III) Acontecem com freqüência, desde o início de uma sequência curricular até seu final, sendo este final a parte imprescindível da avaliação.
IV) Medem o progresso e instruem o planejamento. Enquanto é medido o desempenho dos alunos (olha para trás) tem em mira os próximos passos.
Estão corretas as afirmativas:
a) Apenas as alternativas I, II e IV
b) Apenas as alternativas I, III e IV
c) Apenas as alternativas II, II e IV
d) Todas as alternativas estão corretas


4. Está correto afirmar apenas:
a) Desempenhos de compreensão aprendiz fundamentam-se em conhecimento intuitivo: os alunos não percebem a relação entre o que aprendem na escola e suas vidas diárias, não consideram os objetivos e usos da construção do conhecimento. Não refletem as formas nas quais o conhecimento é expresso ou comunicado aos outros.
b) Desempenhos de compreensão ingênuos começam a interpor alguns conceitos e ideias disciplinares a fim de estabelecerem conexões simples. Retratam a natureza e os objetivos da construção do conhecimento, assim como suas formas de expressão e comunicação como procedimentos mecânicos detalhadamente, cuja validação depende de autoridade externa.
c) Desempenhos de compreensão principiantes fundamentam-se em conhecimentos e modos de pensamento disciplinar, demonstrando uso flexível de conceitos e ideias. A construção do conhecimento é vista como complexa, seguindo procedimentos e critérios empregados por especialistas da área. Com apoio destacam a relação entre o conhecimento disciplinar e a vida diária, examinando oportunidades e consequências de usar esse conhecimento.
d) Desempenhos de compreensão avançados são fundamentalmente integradores, criativos e críticos. Os alunos são capazes de transitar com flexibilidade entre dimensões, relacionando os critérios pelos quais o conhecimento é constituído e validado em uma disciplina de acordo com a natureza de seu objeto de estudo ou aos objetivos de pesquisa na área. A construção do conhecimento é complexa, dirigida por estruturas e visões de mundo conflitantes. Os alunos podem usar o conhecimento para reinterpretar o mundo e atuar nele.

Gabarito:
1-D 2-B 3-A 4-D




9. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Elaborada pela Profa. Dra. Eunice Almeida da Silva, em 10/4/06.
Dra. em Educação –USP




INTRODUÇÃO

O livro baseia-se nos resultados de duas pesquisas sobre o aprimoramento e a reforma do ensino médio. Tais pesquisas foram realizadas em oito escolas localizadas no Canadá e nos Estados Unidos, foram financiadas pela fundação Spencer com sede neste último país, e teve o apoio de uma parceria financiada pelo Comitê de Educação da região de Peel e pelo Ministério da Educação e Formação de Ontário.

Esta obra focaliza fundamentalmente a natureza, o impacto da aprendizagem e do desenvolvimento profissionais no ensino.

O autor considera a época atual como propícia para uma reforma educacional ampla, uma vez que políticas, prática e conhecimento de pesquisa estão caminhando paralelamente e tentando um intercâmbio de aprendizagem entre si. Com este propósito, há um interesse mundial na maneira como as estratégias Key Stage , integraram os sistemas de ensino à pedagogia baseada em pesquisas e a um intenso aprimoramento profissional.
A sociedade atual pode ser considerada como sociedade de conhecimento e esta se caracteriza, sobretudo, por produzir economias do conhecimento que são estimuladas e movidas pela criatividade e pela inventividade. Portanto, as escolas atuais, uma vez que fazem parte desta sociedade, deverão ter como norteador do processo ensino-aprendizagem a criatividade e a inventividade.

CAPÍTULO 1- O ENSINO PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: EDUCAR PARA A INVENTIVIDADE

Neste capítulo, o autor aponta a profissão de professor como paradoxal. O paradoxo está no fato de ser uma profissão que deve gerar as habilidades e as capacidades necessárias ao fazer profissional na sociedade do conhecimento. Este fazer profissional está diretamente relacionado à construção e inovação contínua da sociedade do conhecimento, o que é essencial para a prosperidade econômica. Ao mesmo tempo, os professores também devem lutar contra os resultados problemáticos provenientes da forma como está organizada a sociedade e a economia do conhecimento. Um destes resultados é a desigualdade social (o distanciamento entre ricos e pobres).

Na Revolução Industrial os recursos do trabalho humano se deslocaram do campo para a cidade. Este movimento gerou fortes impactos na organização social resultantes da superpopulação e, consequentemente, da miséria urbana. Este fato provocou um re-direcionamento dos recursos voltados à criação de grandes instituições da vida e do espaço públicos, tais como a educação, as bibliotecas públicas e os grandes parques municipais visando a beneficiar as pessoas.

A Revolução do conhecimento também tem provocado um redirecionamento dos recursos, mas este tem privilegiado bolsos privados como forma de aumentar as despesas dos consumidores e estimular o investimento no mercado de ações, o que resulta em especulações intermináveis. Esta situação favorece gastos públicos e a promoção de iniciativas privadas, o que coloca em risco muitas instituições, inclusive a educação. Em uma sociedade em que deveríamos obter o máximo do trabalho dos professores e de investimento nestes, uma vez que são os profissionais que preparam as crianças para a sociedade do conhecimento, seus salários têm sido reduzidos pela limitação e retenção dos recursos para este setor.

A profissão de professor vem sendo desvalorizada. Muitos professores têm abandonado a profissão, e desestimulados ,outros a seguem. Estes se encontram presos em um triângulo de interesses e questões conflitantes, em que as laterais do triângulo podem ser representadas pela condição de catalisadores da sociedade do conhecimento e por responsáveis de criar contrapontos à sociedade do conhecimento e a suas ameaças à inclusão, à segurança pública e à vida pública. A base do triângulo representa as baixas da sociedade do conhecimento em um mundo onde as crescentes expectativas com relação à educação estão sendo respondidas com soluções padronizadas, ofertadas a custos mínimos.
As explosões demográficas durante o que Eric Hobsbawn denominou como “a era de ouro da história”, épocas posteriores à Segunda Guerra Mundial, resultam em uma maior demanda por professores, pois havia um otimismo sobre o poder da educação e orgulho em exercer a profissão. É a era do profissional autônomo, com elevados salários e status. Mas, foram poucas as inovações, criadas nesta era, que perduraram. O que vemos, atualmente, é ainda a utilização de estratégias metodológicas tradicionais: alunos em sala de aulas, aulas expositivas, trabalhos a serem realizados por alunos e métodos de pergunta e resposta.

Os países menos desenvolvidos não foram contemplados de forma digna com a riqueza econômica mundial. A ajuda foi direcionada ao estabelecimento ou à ampliação da educação básica fundamental, de nível médio e a alfabetização, níveis de escolaridade considerados necessários para o desenvolvimento econômico. Porém, os recursos foram limitados repercutindo em baixos salários de professores e na desqualificação destes.

Na década de 90, a média de idade dos professores em muitos países da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) estava acima dos 40 anos. Sob as pressões da reforma, desânimo, níveis de estresse, as taxas de esgotamento de professores aumentaram, mesmo em países como o Japão, onde os ciclos de reforma educacional haviam começado mais tarde. Muitos professores começaram a se sentir desprofissionalizados à medida que os efeitos da reforma e da reestruturação se faziam sentir.

A reforma escolar nas nações ocidentais se justificava à medida que se faziam comparações internacionais com outras formas de avaliar o processo de ensino-aprendizado: o milagre econômico dos “tigres” asiáticos de Hong Kong, Cingapura, Coréia, Taiwan e Japão. Contudo, a emergente sociedade do conhecimento necessita de muito mais flexibilidade no ensino e na aprendizagem do que foi permitido por essas tendências.

Nessa sociedade, em constante transformação e autocriação, o conhecimento é um recurso flexível, fluido, em processo de expansão e mudança incessante. Na atualidade, conhecimento, criatividade e inventividade são intrínsecos a tudo o que as pessoas realizam

A exigência que hoje se tem de educar para a inventividade está pautada nas dimensões que envolvem a sociedade do conhecimento: primeiro, esta engloba uma esfera científica, técnica e educacional ampliada; segundo, envolve formas complexas de processamento e circulação de conhecimento e informações em uma economia baseada em serviços; terceiro, implica transformações básicas da forma como as organizações empresariais funcionam de modo a poder promover a inovação contínua em produtos e serviços, criando sistemas , equipes e culturas que maximizem a oportunidade para a aprendizagem mútua e espontânea.



CAPÍTULO 2- O ENSINO PARA ALÉM DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: DO VALOR DO DINHEIRO AOS VALORES DO BEM

Ensinar para além da economia do conhecimento significa desenvolver os valores e as emoções do caráter dos jovens, ressaltar a aprendizagem emocional na mesma medida que a cognitiva, estabelecer compromissos com a vida coletiva e não apenas com o trabalho em equipe de curto prazo e cultivar uma identidade cosmopolita que suporte tolerância com diferenças de raça e gênero, responsabilidade para com os grupos excluídos dentro e além da própria sociedade.

Com este propósito, os professores devem se comprometer com o desenvolvimento e com a aprendizagem profissional formal, trabalhar com os colegas em grupos de longo prazo, e ter oportunidades para ensinar e aprender em diferentes contextos e países. Para tais compromissos existem desafios, um destes é equilibrar as forças caóticas do risco e da mudança com uma cultura de trabalho capaz de gerar coerência entre as muitas iniciativas que a escola tem buscado.

A sociedade do conhecimento é, de várias maneiras, mais uma sociedade do entretenimento na qual imagens fugazes, prazer instantâneo e pensamento mínimo fazem com que “nos divirtamos até a morte”.

Na economia do conhecimento, o consumidor é o centro, para a maioria das pessoas, a opção está inversamente relacionada à significação.

Ensinar, para além do conhecimento, implica resgatar e reabilitar a ideia do ensino como vocação sagrada, que busca uma missão social atrativa.


CAPÍTULO 3 – O ENSINO APESAR DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO I: O FIM DA INVENTIVIDADE

Este capítulo aponta para alguns resultados da pesquisa realizada nos Estados de Nova York e Ontário. Estes mostram que a reforma educacional, até aqui realizada, não tem preparado as pessoas para a economia do conhecimento e também não há preparo para o enfrentamento da vida pública para além desta economia.

Os dados também apontam para os padrões curriculares: são suscetíveis a padronizações insensíveis à realidade. Este fato traz diversas consequências, como por exemplo, a degradação da própria graduação, o fracasso e a frustração dos professores.

Ensinar para a sociedade do conhecimento, e ensinar para além dela, não precisam ser objetivos incompatíveis. Não é adequado tender para um lado específico do “pêndulo”: educando jovens para a economia ou para a cidadania e a comunidade. Essas posições polarizadas trazem poucos benefícios a eles, uma vez que ensinar apenas para a sociedade do conhecimento prepara os alunos e as sociedades para a prosperidade econômica, mas limita as relações das pessoas àquelas instrumentais e econômicas, além de restringir as interações de grupo ao mundo mecânico da “catraca” do trabalho em equipe temporário, canaliza as paixões e os desejos das pessoas para a terapia varejista das compras e do entretenimento e para longe das interações interpessoais.

Ensinar exclusivamente para além da sociedade do conhecimento também poderá acarretar complicações, porque se, por um lado, favorece a atitude de cuidado e solidariedade, desenvolve caráter e constrói identidade cosmopolita, por outro, as pessoas estão despreparadas para a economia do conhecimento, o que poderá possibilitar a exclusão delas.

Os professores e outros deverão agora se dedicar a unir essas duas missões, de ensinar para a sociedade do conhecimento e para além dela, em uma só, tornando-a o ponto alto de seu propósito.


CAPÍTULO 4 -O ENSINO APESAR DA SOCIEDADE DE CONHECIMENTO II: A PERDA DA INTEGRIDADE

A melhoria dos padrões de desempenho, na forma de metas com base em disciplinas, ou ainda a ênfase excessiva com base na alfabetização e nos cálculos aritméticos, acabam por minimizar a questão interdisciplinar importante à educação global, que está no centro da identidade cosmopolita. É também notório que, na reforma padronizada, os professores são tratados como geradores de desempenhos padronizados, monitorados de perto. Estes têm a vida profissional supercontrolada, o que gera uma insatisfação quanto à perda da autonomia, criatividade, flexibilidade restrita e capacidade limitada para exercer seu julgamento profissional. Este fato faz desabar a comunidade profissional, uma vez que os professores lutam de forma solitária, fazendo com que o amor pela aprendizagem desapareça.


CAPÍTULO 5- A ESCOLA DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: UMA ENTIDADE EM EXTINÇÃO

Este capítulo mostra a experiência de uma escola bem sucedida. A escola de nível médio Blue Mountain, de Ontário, é exemplo de uma escola da sociedade do conhecimento. Destaca-se, sobretudo por ter, desde sua criação, seguido os princípios de uma organização de aprendizagem e de uma comunidade de aprendizagem.

Esta escola promove equipes, envolve a todos no contexto geral de suas diretrizes, utiliza a tecnologia para promover a aprendizagem pessoal e organizacional, compartilha os dados e, com base no consenso, toma decisões, envolve os pais na definição das metas para os estudantes quando estes deixam a escola.

A escola referida, além de ser uma comunidade de cuidado e solidariedade, caracterizou-se por ser uma comunidade de aprendizagem que dá valor diferenciado à família, aos relacionamentos e à preocupação cosmopolita com os outros no mundo. Portanto, além desta escola ensinar para a possibilidade de construção e de revitalização da economia do conhecimento, ensina para além desta possibilidade. No entanto, a reforma padronizada foi uma ameaça a essa escola, uma vez que reciclou as transformações em políticas e as direcionou de volta à escola em formatos rígidos que acabaram por tornar as mudanças inviáveis.

CAPÍTULO 6- PARA ALÉM DA PADRONIZAÇÃO: COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL OU SEITAS DE TREINAMENTO PARA O DESEMPENHO?

O Capítulo 6 traz uma análise das políticas de países que não pertencem a América do Norte, que passaram pela experiência de seguir um sistema educacional padronizado e, agora, aderiram à urgência de ir além dela. Esta urgência se caracteriza, sobretudo, pela crise de recrutamento de professores e pela necessidade de atrair e manter pessoas capazes na profissão.

Existem outras tendências de mudança educacional, mas são conflituosas. Tanto os professores, quanto as escolas das nações e comunidades mais pobres, estão sendo submetidas a intervenções microgestadas nas áreas de alfabetização e aritmética, assumindo um modelo de seitas de treinamento para o desempenho. Estas proporcionam aos professores apoio intensivo para a implementação das intervenções altamente prescritivas em áreas “básicas” do currículo, que demandam benevolência profissional.

Os riscos de ir além da padronização está na possibilidade do aparecimento de sistema de apartheid no desenvolvimento profissional, caracterizado pelos privilégios aos ricos e bem-sucedidos em participar da comunidade de aprendizagem profissional, enquanto os pobres e os fracassados sejam submetidos ao treinamento de desempenho sectário.


CAPÍTULO 7- O FUTURO DO ENSINO NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: REPENSAR O APRIMORAMENTO, ELIMINAR O EMPOBRECIMENTO

O Capítulo 7 traz o posicionamento contra o apartheid apontado anteriormente. Este posicionamento se caracteriza pela tarefa essencial de redesenhar a melhoria escolar a partir de linhas de desenvolvimento, voltadas a disponibilizar a comunidade profissional a todos, e pôr fim ao empobrecimento educacional e social que prejudica a potencialidade de avanço que muitas nações e comunidades possam ter. Sob este propósito, a busca da melhoria e o fim da pobreza deveriam ser missões sociais e profissionais fundamentais da reforma educacional no século XXI, em um dos seus grandes projetos de inventividade social.




CONCLUSÃO
O propósito deste livro é apontar a natureza e a importância da sociedade do conhecimento, do mundo no qual os professores fazem atualmente seu trabalho.
Os professores devem preparar os jovens para ter sucesso na economia do conhecimento, com a finalidade de sustentar a própria prosperidade e a de outros, como uma questão necessária à inclusão social, em que as chances sejam disponibilizadas a alunos de todas as raças, origens e habilidades iniciais. Nossa prosperidade futura está diretamente relacionada com a nossa capacidade de inventividade, de aproveitar e desenvolver nossa inteligência coletiva para os atributos centrais da economia do conhecimento, ou seja, para inventividade, criatividade, resolução de problemas, para a cooperação, para flexibilidade, para a capacidade de desenvolver redes e para lidar com a mudança e com o compromisso da aprendizagem para toda vida.

O livro também aponta os custos da economia do conhecimento e algumas conseqüências trazidas por esta. Estas consequências podem ser percebidas em um mundo fragmentado e frenético que fragiliza as comunidades, corrói os relacionamentos, espalha a insegurança e prejudica a vida pública. Tendo em vista estes fatores prejudiciais, fruto deste tipo de economia, os professores devem ter como meta a preservação e fortalecimento dos relacionamentos.

Ensinar para além da economia do conhecimento significa acrescentar à agenda da reforma valores que construam comunidade, desenvolvam capital social e uma identidade cosmopolita.

As reformas educacionais têm visado à padronização insensível, o que torna quase impossível para muitos professores lecionar para a sociedade do conhecimento e além desta.

A proposta, apontada neste livro, é que se estabeleçam estratégias mais sofisticadas para a melhoria na sociedade do conhecimento, que combinem elementos de treinamento para o desempenho e de comunidade profissional em quase todas as escolas, possibilitando um diálogo crítico desde o início para impedir que o treinamento se torne seita complacente.

Uma das grandes tarefas dos educadores é ajudar a construir um movimento social dinâmico e includente de educação pública na sociedade do conhecimento, visando às seguintes propostas:

• Reacender seus próprios propósitos e missões morais em um sistema que começou a perdê-los de vista.
• Abrir suas ações e mentes a pais e comunidades e também se envolver com suas missões.
• Trabalhar com seus sindicatos para que se tornem agentes de sua própria mudança.
• Levantar-se corajosamente contra a injustiça e a exclusão, onde quer que a vejam.
• Reconhecer que têm uma responsabilidade profissional com todos, demonstrando isto por meio de redes de cuidado de solidariedade.

Para que tais propostas sejam efetivas, cinco tarefas são exigidas de nós:

• Precisaremos reviver e reinventar o ensino como uma missão social apaixonada, vinculada à criação de uma sociedade do conhecimento includente, inventiva e cosmopolita, à transformação do mundo dos professores tanto quanto do seu trabalho. Todos, inclusive os governos, terão que ajudar nisto.
• Precisaremos ajudar a construir um movimento social que lute a favor do investimento em um sistema educacional e em uma sociedade de inventivos e includentes, que beneficiem a todos.
• Precisaremos desenvolver estratégias mais sofisticadas de melhoria escolar, que reconheçam as diferenças entre professores e escolas e construam caminhos distintos de desenvolvimentos para todos eles.
• Precisaremos reconhecer que a inventividade, a experimentação e a flexibilidade mais elevadas não deveriam ser oferecidas apenas como recompensa a escolas afluentes e seus professores com desempenho superior, mas como incentivos poderosos aos melhores professores e líderes, para que assumam o desafio do trabalho transformador com crianças e escolas em comunidades pobres nos níveis inferiores.
• Precisaremos demonstrar coragem política e integridade, reconectando a agenda da melhoria educacional a um combate renovado ao empobrecimento social.

A inventividade, o investimento e a integridade, assim como a identidade cosmopolita, são exigidas de todos nós. De outra maneira, a insegurança e o pior serão tudo o que teremos, e não menos do que merecemos.


10.HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001.


Para Hoffmann, o trajeto a ser percorri¬do, quando praticamos a avaliação, é impulsionado pelo inusitado, pelo so¬nho, pelo desejo de superação, pela vontade de chegar ao objetivo/destino que vai sendo traçado, assim como quando realizamos o caminho a San¬tiago de Compostela, na Espanha. Da mesma forma, avaliar necessita da conversa uns com os outros, para com¬partilhar dos sentimentos de conquis¬ta, da compreensão das setas.

A ousadia do ato de avaliar, neste caminho, tem o sentido de avançar sempre: promover e a autora nos apresenta as setas do caminho.
Buscando Caminhos
A avaliação, compreendida como a avaliação da aprendizagem escolar, deve servir à promoção, isto é, acesso a um nível superior de aprendizagem por meio de uma educação digna e de direito de todos os seres humanos.

Hoffmann é contrária à ideia de que primeiro é preciso mudar a escola e a sociedade para depois mudar a avaliação. Pelo contrário, a avaliação, por ser uma atividade de reflexão sobre os pró¬prios atos, interagidos com o meio fí¬sico e social, influi e sofre a influência desse próprio ato de pensar e agir. As¬sim, é a avaliação reflexiva que pode transformar a realidade avaliada.

Para transformar a escola, lugar em que ocorre a gestão educacional de um trabalho coletivo, é necessário que ocorra uma reflexão conjunta de professores, alunos e comunidade, pois a partir disso desencadeiam-se processos de mudança muito mais amplos do que a simples modificação das práticas de ensino.

Esse processo, assim como no caminho a Santiago de Compostela, gera inquietação e incertezas para os professores, as quais devem ser respeitadas, por meio de oportunidades de expressão desses sentimentos, de compreensão de outras perspectivas e de reflexão sobre as próprias crenças. É no confronto de ideias que a avaliação vai se construindo para cada um dos professores à medida que discutem, em conjunto, valores, princípios e metodologias.
Rumos da Avaliação neste século
O problema da avaliação da aprendizagem tem sido discutido intensamente neste último século. Nas últimas décadas, adquiriu um enfoque político e social, que intensificou a pesquisa sobre o assunto.

A tendência, dentre os principais estudiosos do assunto, é a de procurar superar a concepção positivista e classificatória das práticas avaliativas escolares (baseada em verdades absolutas, critérios objetivos, medidas padronizadas e estatísticas) em favor de uma ação consciente e reflexiva sobre o valor do objeto avaliado, as situações avaliadas e do exercício do diálogo entre os envolvidos.

Dessa maneira, assume-se conscientemente o papel do avaliador no processo, dentro de um dado contexto, que confere ao educador uma grande responsabilidade por seu compromisso com o objeto avaliado e com sua própria aprendizagem - a de como ocorre o processo avaliativo.

Essa reflexão envolve os próprios princípios da democracia, cidadania e direito à educação, que se contrapõem às concepções avaliativas classificatórias, que se fundamentam na competição, no individualismo, no poder, na arbitrariedade, que acabam enlaçando tanto os professores quanto os alunos em suas relações pessoais verti¬cais e horizontais.

A avaliação a serviço da ação

A contraposição básica estabelecida por este princípio é estabelecida entre uma concepção classificatória de avaliação da aprendizagem escolar e a concepção de avaliação mediadora.

A avaliação mediadora, fundada na ação pedagógica reflexiva, implica necessariamente uma ação que promova melhoria na situação avaliada. Em se tratando da avaliação da aprendizagem, sua finalidade não é o registro do de¬sempenho escolar, mas sim a observa¬ção contínua das manifestações de aprendizagem para desenvolver ações educativas que visem à promoção, a melhoria das evoluções individuais.

Da mesma forma, a avaliação de um curso só terá sentido se for ca¬paz de possibilitar a implementação de programas que resultem em melhorias do curso, da escola ou da instituição avaliada.

No entanto, a despeito das inova¬ções propostas pela nova LDB (9394/ 96), observa-se na maioria das esco¬las brasileiras, de todos os níveis, a di¬ficuldade para incorporar e compreen¬der a concepção de avaliação media¬dora. Em seus regimentos escolares enunciam-se objetivos de avaliação contínua, mas, ao mesmo tempo, es¬tabelecem-se normas classificatórias e normativas, o que revela a manutenção das práticas tradicionais e a resis¬tência à implementação de regimes não seriados, ciclos, programas de acele¬ração, evidenciando o caráter burocrá¬tico e seletivo que persiste no país.

É a compreensão e definição da finalidade da avaliação da aprendi¬zagem que deve nortear as metodologias e não o inverso, como se tem observado até agora.

A autora resume os princípios bá¬sicos – as setas do caminho – a seguir, apontando para onde vamos:


DE PARA
Avaliação para classificação, seleção, seriação. Avaliação a serviço da aprendizagem, da formação, da promoção da cidadania.
Atitude reprodutora, alienadora, normativa Mobilização em direção à busca de sentido e significado da ação.
Intenção prognóstica, somativa, explicativa e de desempenho. Intenção de acompanhamento permanente de mediação e intervenção pedagógica favorável a aprendizagem.
Visão centrada no professor e em medidas padronizadas de disciplinas fragmentadas. Visão dialógica, de negociação, referenciada em valores, objetivos e discussão interdisciplinar.
Organização homogeneizada, classificação e competição. Respeito às individualidades, confiança na capacidade de todos, na interação e na socialização.

A finalidade da avaliação mediado¬ra é subsidiar o professor, como instru¬mento de acompanhamento do traba¬lho, e a escola, no processo de melhoria da qualidade de ensino, para que pos¬sam compreender os limites e as pos¬sibilidades dos alunos e delinear ações que possam favorecer seu desenvolvi¬mento, isto é, a finalidade da avaliação é promover a evolução da aprendiza¬gem dos educandos e a promoção da qualidade do trabalho educativo.
Regimes seriados versus regimes não-seriados
Uma das maiores dificuldades de compreensão das propostas educacio¬nais contemporâneas reside no proble¬ma da organização do regime escolar em ciclos e outras formas não seriadas. A razão dessa dificuldade reside justa¬mente no apego às ideias tradicionais às quais se vinculam o processo de avaliação classificatória e seletiva.

Os regimes seriados estabelecem oficialmente uma série de obstáculos aos alunos, por meio de critérios pré-definidos arbitrariamente como requi¬sitos para a passagem à série seguin¬te. Os desempenhos individuais dos alunos são utilizados para se compa¬rar uns com os outros, promovendo os "melhores" e retendo os "piores". As diferenças individuais são reconhecidas, não como riqueza, mas como instrumento de dominação de uns poucos sobre muitos.

Os regimes não seriados, ao con¬trário, fundamentam-se em concep¬ções desenvolvimentistas e democrá¬ticas, focalizando o processo de apren¬dizagem, e não o produto. O trabalho do aluno, a aprendizagem, é compa¬rado com ele próprio, sendo possível observar sua evolução de diversas formas ao longo do processo de ensino-aprendizagem, reconhecer suas pos¬sibilidades e respeitá-las. Dessa for¬ma, a avaliação contínua adquire o sig¬nificado de avaliação mediadora do processo de desenvolvimento e da aprendizagem de cada aluno, de acor¬do com suas possibilidades e da pro-moção da qualidade na escola.


Isso está longe de ser menos exi¬gente, rigorosa e mais permissiva. Pelo contrário, essa organização de trabalho escolar exige a realização de uma prática pedagógica que assuma a diversidade humana como riqueza, as facilidades e dificuldades de cada um como parte das características humanas, que devem ser respeitadas e, ao fazê-lo, novas formas de rela¬ções educativas se constituem a partir da cooperação e não da competição.

Deste modo, se torna possível aco¬lher a todos os alunos, porque não há melhores nem piores, sendo que, num processo de avaliação classificatória, estes últimos, "os piores" estarão pre¬destinados ao fracasso e à exclusão.

Provas de recuperação versus estudos paralelos

A ideia de recuperação vem sendo concebida como retrocesso, retomo. As provas de recuperação se confundem com a recuperação das notas já alcançadas, com repetição de conteúdos.

Estudos paralelos de recuperação são próprios a uma prática de avali¬ação mediadora. Neste processo o conhecimento é construído entre des¬cobertas e dúvidas, retomadas, obs¬táculos e avanços. A progressão da aprendizagem, nos estudos paralelos, está direcionada ao futuro do desen-volvimento do aluno.

Os estudos paralelos precisam acompanhar os percursos individuais de formação dos alunos e considerar os princípios da pedagogia diferenci¬ada, para a qual nos chama a aten¬ção Perrenoud (2000), que alerta:

“o que caracteriza a individualização dos percursos não é a solidão no trabalho, mas o caráter único da trajetória de cada aluno no conjun¬to de sua escolaridade”.

Nesse sentido, o reforço e a recu¬peração (nas suas modalidades con¬tínua, paralela ou final) são consi¬derados parte integrante do proces¬so de ensino e de aprendizagem para atendimento à diversidade das características, das necessidades e dos ritmos dos alunos.

Alertamos para o fato de que Hoffman defende que o termo para¬lelo pressupõe estudos desenvolvi-dos pelo professor em sua classe e no decorrer natural do processo. Cada professor estabelece uma relação diferenciada de saber com seus alunos. É compromisso seu orientá-los na resolução de dúvidas, no aprofundamento das noções, e a melhor forma de fazê-lo é no dia-a-dia da sala de aula, contando com a cooperação de toda a turma. (1)
Conselhos de classe versus "conselhos de classe"

Os conselhos de classe vem sendo realizados, em grande parte das esco¬las, orientados por modelos avaliativos classificatórios e com caráter sentencitivo - se propondo a deferir uma sen¬tença ao aluno. Nestas sessões, o pri¬vilégio ao passado é evidente.

Hoffman defende que esta deve ser uma ação voltada para o futuro, de caráter interativo e reflexivo, deliberadora de novas ações que garantam a aquisição de competências necessá¬rias à aprendizagem dos alunos.

Os momentos do conselho de clas¬se precisam ser repensados pelas es¬colas e serem utilizados para a amplia¬ção das perspectivas acerca dos dife¬rentes jeitos de ser e de aprender do educando que interage com outros edu¬cadores e com outros conhecimentos. As questões atitudinais não devem ocu¬par um tempo enorme em detrimento das questões do ensino-aprendizagem.

Para Hoffman...projetar a avalia¬ção no futuro dos alunos significa reforçar as setas dos seus caminhos: confiar, apoiar, sugerir e, principal¬mente, desafiá-los a prosseguir por meio de provocações significativas.

Uma atividade ética

Não basta desenvolver a avaliação educacional a serviço de uma ação com perspectiva par o futuro, mas torná-la referência para decisões educativas pautadas por valores, por posturas políticas, fundamentos filo¬sóficos e considerações sociais.

Os protagonistas da avaliação pre¬cisam ser levados a refletir sobre o que fazem e por que fazem. As práti¬cas educacionais exigem, além de co¬nhecimento, metodologia, trabalho científico, a inclusão da dimensão ética e sensível. Nesse sentido pro¬gramas e projetos desenvolvidos para dar conta de problemas apresenta¬dos para o estudo de uma área de conhecimento ou para resolver ques¬tões de determinadas escolas, esta¬riam respondendo às dimensões ético-políticas neste contexto avaliativo.

As reformas educacionais

Oriundas de posturas políticas que não devem se sobrepujar aos atos educativos, as novas medidas em ava¬liação educacional afetam os senti¬mentos dos atores envolvidos, por se tratar de uma atividade prática, ética em seu sentido mais original, porque está embasada em juízo de valor.

Não concordamos que deva haver regra única em avaliação, ainda que elencada no bojo de diretrizes unificadoras das reformas educacionais, porque cada situação envolve a singularidade dos participantes do proces¬so educativo.

Não encontramos mecanismos únicos, classificatórios que dêem conta da complexidade do ato avaliativo. É preciso considerar, como alerta Morin, a complexidade inerente a tal finalidade.

A participação das famílias
Os pais devem participar da escolaridade de seus filhos, considerando, entretanto, a natureza do envolvimento; a realidade social destes pais; a constituição de suas famílias; a luta pela so¬brevivência, etc., nos faz ponderar que as dificuldades de aprendizagem dos alunos não podem ser atribuídas às famílias, muito menos o trabalho de superação destas dificuldades não pode recair sob a responsabilidade destes, mas dos profissionais que atuam nas escolas, bem como são de sua responsabilidade a aquisição de atitudes e ha¬bilidades que favoreçam o enriqueci¬mento das relações interpessoais no ambiente escolar.

É compromisso dos pais acom¬panhar o processo vivido pelos filhos, dialogar com a escola, assumir o que lhes é de responsabilidade. (34)

Promover o diálogo entre os pais e os professores é função da escola, que não significa atribuir a eles a ta¬refa da escola.

A educação inclusiva
Num processo de avaliação me¬diadora, a promoção se baseia na evo¬lução alcançada pelo aluno, na sua singularidade e de acordo com suas possibilidades, desde que se tenha garantido as melhores oportunidades possíveis à aprendizagem e ao desen¬volvimento de todos e de cada um.

Nesse contexto, a responsabilida¬de pelo fracasso não pode ser atribuí¬da ao aluno, às suas dificuldades ou à sua incapacidade. A responsabilidade pelo desenvolvimento da aprendizagem contínua do aluno recai sobre os edu¬cadores e sobre a comunidade.

Dessa compreensão decorre o princípio da educação inclusiva: oferecer ao aluno oportunidade máxima de aprendizagem e de inserção social, em condições de igualdade educativa, isto é, oferece ao aluno condições adequadas de aprendizagem de acordo com suas características, suas possibilidades. Isso significa encontrar meios para favorecer aprendizagem de todos os alunos.

Assim, são professores e escolas que precisam adequar-se aos alunos e não os alunos que devem adequar¬-se às escolas e aos professores.

A, dimensão da exclusão de muitos alunos da escola pode ser medida:

• pela constatação das práticas reprovativas baseadas em parâmetros de maturidade e de normalidade;

• pela ocorrência dos encaminha¬mentos de alunos para classes e escolas especiais por erros na avaliação pedagógica.

A inclusão nas classes regulares de alunos que necessitam de atendi¬mento especializado, sem que haja a preparação do professor no desempenho de seu papel, priva os alunos com necessidades especiais de uma escolaridade digna.


Para Hoffman, um sério compromisso irá mobilizar a escola brasileira deste século: formar e qualificar profissionais conscientes de sua responsabilidade ética frente à inclusão.

Se incluir é fundamental e singular,como no caminho de Santiago, é necessário valorizar cada passo do processo, sem pressa, vivendo cada dia o inusitado.

Capítulo 2 - Outra concepção de tempo em avaliação
O tempo é um tema recorrente nas discussões sobre avaliação, prin¬cipalmente nas séries finais do Ensi¬no Fundamental e do Ensino Médio.
Os professores do Ensino Médio, premidos pelo vestibular, desaguam os conteúdos que têm que dar conta, no afã de estarem sempre concluindo caminhos que, na verdade, são inconclusos.

A trajetória a ser percorrida pela avaliação requer diálogo, abertura e interação, não havendo como delimitar tempos fixos. Na última década, as trajetórias da avaliação se propõem a respeitar os tempos e percursos individuais de formação, no sistema de ensino e na sala de aula.

O aprendiz determina o próprio tempo da aprendizagem
É preciso conhecer o aluno en¬quanto aprendiz, enquanto pessoa, membro de uma família, de uma comunidade, com o qual interage ativa e continuamente.

O aprendiz é sujeito de sua histó¬ria. É preciso respeitar seu tempo de aprender e de ser, o que implica de¬sagregar-se do tempo determinado para aprender dado conteúdo.

Tendo oportunidade de confrontar suas ideias com as dos colegas, ou em textos, vivendo situações problema, o aluno irá progressivamente compreen¬der e evoluir conceitualmente. Desta for¬ma, o ensino não está centrado no pro¬fessor, nas aulas frontais, pois cada par¬ticipante do processo pode colaborar com a aprendizagem dos outros. Sen¬do assim, o tempo é determinado pelo aprendiz e o conteúdo pode ser proposto e explorado de diversas formas, tanto pelo professor, como pela turma.
Cada passo é uma grande conquista
A autora oferece sugestões e exemplos de oportunidades de apren¬dizagem que podem ser oferecidas, mesmo em condições limitantes (classes superlotadas, escassez de materiais e outras situações aponta¬das por muitos como justificativa para a má qualidade do ensino):

Avaliação mediadora significa: bus¬ca de significado para todas as dimen¬sões do processo por meio de uma investigação séria sobre as caracterís¬ticas próprias dos aprendizes; conhe¬cer para promover e não para julgar e classificar; convicção de que as incer¬tezas são parte da educação porque esta é fruto de relações humanas, fun¬damentalmente qualitativas.

Outro problema passa a se consti¬tuir aqui, quando não se compreende que o processo de aquisição de conhe¬cimentos é não-linear e infinito, além de impossível de se determinar a priori: a questão dos conteúdos acadêmicos e do tempo. Sobre isso, a autora afir¬ma que uma pedagogia diferenciada pode se desenvolver na experiência coletiva da sala de aula... desde que haja a clareza de que o aluno apren¬de na relação com os outros, interativamente, mas aprende ao seu tem¬po e de forma única e singular.
Todo o aprendiz está sempre a caminho
Constatamos, no caminho, que há um conjunto de variações de respostas dos alunos de todo os níveis de ensino. Esta variabilidade de manifestações nos aponta que muitas tentativas de acerto são feitas por meio de ensaios e erros. Essas estratégias são desenhadas por meio de respostas que chamamos de erro, são comuns e o professor precisa compreender que trata-se de:

uma resposta incorreta, mas indicadora de progresso, de avan¬ço em relação a uma fase anterior do aprendizado, dizendo muito so¬bre "qualidade".

É preciso reconhecer que nas prá¬ticas atuais, a padronização dos per¬cursos incorre em sérios prejuízos para os alunos, porque:

Notas e conceitos são superficiais e genéricos em relação à qualidade das tarefas e manifestação dos alunos.

Notas e conceitos classificatórios padronizam o que é diferente, desper¬sonalizando as dificuldades de avan¬ços de cada aluno.

Superficializam e adulteram a visão da progressão das aprendizagens e do seu conjunto tanto em uma única ta¬refa, quanto em um ao letivo, pelo caráter somativo que anula o processo.

Baseiam-se, arbitrariamente, em certos e errados absolutos, negando a relativização desses parâmetros em diferentes condições de aprendizagem.

Produzem a ficção de um ensino ho¬mogêneo pela impossibilidade de acom¬panhar a heterogeneidade do grupo.

Reforçam o valor mercadológico das aprendizagens e das relações de autoritarismo em sala de aula.

Privilegiam a classificação e a com¬petição em detrimento da aprendizagem.

Entravam o diálogo entre os pro¬fessores, entre professores e alunos e da escola com os pais, em termos de avaliação, pela superficialidade do acompanhamento.

Qualidade significa intensidade, profundidade, criação, perfeição.

Como tal, sua magnitude não pode ser medida em "escalas métricas" ou por recursos de "conversão entre sis¬tema de mensuração",
É importante refletir a cada passo
Mediar é aproximar, dialogar, acom¬panhar, ajudar, sem interferir no direito de escolha do aprendiz sobre os rumos de sua trajetória de conhecimento.

Classes numerosas podem dificul¬tar essa aproximação, mas umas das alternativas é justamente o trabalho em equipe por parte dos professo¬res, que podem dividir entre si a ta¬refa de acompanhar mais de perto um grupo de alunos (tutoria).

O trabalho em equipe de profes¬sores envolve o compromisso de compartilhamento das experiências, favorecendo a abordagem interdisciplinar, a ampliação das perspectivas acerca da aprendizagem dos alunos.
A auto-avaliação como processo contínuo

A auto-avaliação é um processo con¬tínuo que só se justifica quando se cons¬titui como oportunidade de reflexão, tomada de consciência sobre a própria aprendizagem e sobre a própria conduta, para ampliar suas possibilidades e fa¬vorecer a superação de dificuldades. Ao ser solicitado a explicar como chegou a uma dada solução de uma situação, o aluno é levado a pensar e explicitar suas próprias estratégias de aprendizagem, ampliando sua consciência sobre seu próprio fazer e pensar, sobre o seu apren¬der a aprender.

O mesmo processo se aplica aos próprios professores, no processo de orientação e apoio de colegas, super¬visor e demais profissionais de supor¬te pedagógico.
Capítulo 3-As múltiplas dimensões do olhar avaliativo

Avaliar, em sua totalidade, impli¬ca em prestar atenção aos seus fun¬damentos. Como um grande iceberg do qual só se percebem os registros, precisamos construir olhares mais profundos, para poder ter acesso às suas dimensões sobre:

Os registros obtidos;

O processo de avaliação;

As concepções de avaliação;

Os valores sociais e éticos.

Avaliação é controle. No âmbito es¬colar, isso reverte o compromisso do pro¬fissional do educador: quais os princípi¬os e valores morais, sociais, educacio¬nais que fundamentam as tomadas de decisões com base nos processos de ava¬liação realizados; quais os critérios utili¬zados, até que ponto são claros e trans¬parentes para todas a comunidade (es¬cola, família, os próprios alunos); quais os benefícios ou prejuízos que podem advir desse processo de controle outor¬gado à escola e aos professores. Daí o compromisso ético implícito no proces¬so de avaliação mediadora.

Avaliar para reprovar não é indi¬cador da qualidade da escola ou do professor. Isso só tem sentido dentro de uma perspectiva classificatória e seletiva.

A finalidade do controle deve ser entendida a favor do aluno e não como obrigação imposta pelo sistema. Os trajetos de cada aprendiz são únicos, obedecem a ritmos e interes¬ses diversos, mesmo vivendo a mes¬ma experiência, cada um a experi¬menta de uma forma singular, o que implica em aprendizagens diferentes dentro de um mesmo contexto.
Delineando objetivos
Definir os rumos, delinear o nor¬te, o destino essencial das ações educativas precisa ser o compromis-so fundamental do educador no pro¬cesso de avaliação da aprendizagem. Entretanto este trabalho se dá em um contexto escolar concreto em que

"a escola enfrenta muitos limites nesse sentido: behaviorismo, taxionomias intermináveis, excessivo fracionamento dos objetivos, e permanen¬te tensão no ambiente escolar entre os que querem transmitir conheci¬mentos e os que querem desenvolver práticas sociais".(Perrenoud, 2000).

Metas e objetivos não se consti¬tuem em pontos de chegada abso¬lutos, mas pontos de passagem, no¬vos rumos para a continuidade do trabalho educativo.

Avaliar segundo esses princípios im¬plica refletir sobre as crenças, intenções, ideias, estratégias, a quem se destinam, quais as condições existentes, quais possibilidades e alternativas que pode ser citadas em favor do aprendiz.
O plano epistemológico

A intervenção pedagógica é determinada pela compreensão dos proces¬sos realizados pelo aprendiz em sua re¬lação com o objeto de conhecimento.

Aprender exige engajamento do aprendiz na construção de sentidos o que implica busca de informações pertinentes momentos diversificados de aprendizagem contínua. Isso re¬sulta em que o trabalho do profes¬sor acerca dos conceitos que pre¬tende ensinar consiste em provocar gradativamente os aprendizes, ofe¬recendo oportunidade para que es¬tabeleçam relações entre conceitos e entre as várias áreas do conhecimento. Assim, interdisciplinaridade e transversalidade são inerentes ao processo educativo. A compreensão que o aluno tem de uma dada disci¬plina interfere em sua aprendizagem em outras disciplinas.

Os conteúdos
Cabe ao professor:
• atentar às concepções prévi¬as dos alunos e seus modos de ex¬pressarem-se sobre elas para poder organizar situações de aprendizagem capazes de envolver esses alunos;
• estar alerta aos desdobramen¬tos dos objetivos traçados inicialmen¬te, que constituirão diversos rumos de prolongamento dos temas em es¬tudo, dentro de uma visão interdisciplinar, e diversificação dos pro¬cedimentos de aprendizagem;
• organizar momentos de estru¬turação do pensamento, favorecendo aos alunos oportunidades para objetivação de suas ideias e a consolidação dos conceitos e noções desenvolvidas.

O planejamento pedagógico revela múltiplos direcionamentos e está diretamente vinculado ao processo avaliatório, uma vez que as decisões metodo¬lógicas estabelecem as condições de aprendizagem ampliando ou restringin¬do o processo de conhecimento.

A intervenção pedagógica deve estar comprometida com a supera¬ção de desafios que possam ser enfrentados pelos alunos, favorecendo-os avançar sempre.

Perguntar mais do que responder

Avaliar é questionar, formular perguntas, propor tarefas desafiadoras em processo consecutivo/contínuo.

A avaliação contínua significa acompanhamento da construção do conhecimento por parte do aprendiz, exigindo alterações qualitativas nas formas registro e tomadas de decisão sobre aprovação. Cabe ao professor perguntar mais do que responder, oferecendo ao aluno múltiplas oportunidades ¬de pensar, buscar conhecimentos, engajar-se na solução de problemas, repensar, comprometer-se com seus próprios avanços e dificuldades.
Transformar respostas em novas perguntas
1. Cada resposta deve suscitar mais perguntas, tanto por parte dos aprendizes como do próprio professor. A continuidade da ação pedagógica condiciona-se aos processos vividos, interesses, avançados e necessidades dos alunos. Assim:

Experências coletivas resultam em construções individuais (cada aluno aprenderá a seu jeito, a seu tempo, responderá a sua maneira).

A interpretação das respostas dos alunos possibilita ao professor perceber necessidades e interesses individuais de múltiplas dimensões (análise qualitativa)

Novas experiências educativas, enriquecedoras e complementares, articuladas às observações feitas, são propostas e/ou negociadas com os alunos (explicações do professor, atividades que podem ser para todo o grupo, em pequenos grupos ou específicas para determinados alunos).

Novas tarefas e/ou atividades são propostas para acompanham o aluno em sua evolução (preferencialmente tarefas avaliativas individuais).(p.74)

Capítulo 4 - Avaliação e mediação
... os melhores guias são os pró¬prios peregrinos, que percorrem o ca¬minho conosco, enfrentando as mes¬mas dificuldades e provocando-nos a andar mais depressa.

Avaliação mediadora é um proces¬so interativo, de troca de mensagens e de significados, de confronto.

A mediação, conforme Vygotsky e Piaget, é essencial na construção do conhecimento.

Para Vygotsky a reconstrução é importante porque, no processo de internalização o aluno atribui sentido à informação criando e recriando sig¬nificados com o uso e a audição/lei¬tura da língua falada e escrita.

Para Vygotsky e Piaget, a lingua¬gem é a mediação do pensamento.

Note-se ainda que a interação so¬cial é fundamental, pois nela se dará a aprendizagem.

A avaliação é um processo dinâmi¬co e espiralado que acompanha o pro¬cesso de construção do conhecimen¬to, sendo uma interpretação que assu¬me diferentes significados e dimensões ao longo do processo educacional, tanto por parte do professor como do aluno.
A dinâmica do processo avaliativo
A dinâmica da avaliação é comple¬xa, uma vez que o processo de apren¬dizagem, entendido como construção do conhecimento, é ao mesmo tempo individual e coletivo, pois resulta da ação do aprendiz sobre o objeto de conhecimento e da interação social, que o leva a uma interpretação que necessita, e pode ser reformulada, ampliada progressivamente, tornando-o capaz de pensar sobre seus própri¬os pensamentos elaborando seus conceitos e reelaborando outros.

Pela mobilização chegamos à ex¬pressão do conhecimento, realizamos a experiência educativa, o que nos possibilita mobilizar novas competências adquiridas no processo.
Mediando a mobilização
A expressão/construção da "apren¬dizagem significativa" pode se realizar de múltiplas formas e em diferentes níveis de compreensão.

A avaliação mediadora destina-se a mobilizar, favorecer a experiência educativa e a expressão do conheci¬mento e a abertura a novas possibilidades por parte do aprendiz.

Não há sentido em avaliar tarefas coletivas atribuindo valores individu¬ais ou somar pontos por participação e outras atividades, uma vez que essas atividades são oportunidades de interação em meio ao processo e não pontos de chegada.

Para Charlot, o conceito de mobilização impli¬ca a ideia do movimento.
Qual o papel do educador/ avaliador?
É o papel de mediador, exigindo-lhe manter-se flexível, atento, crítico sobre seu planejamento. É preciso que ele seja propositivo, sem delimitar, con¬siga questionar e provocar, sem ante¬cipar respostas prontas; articular no¬vas perguntas a um processo contínuo de construção do conhecimento.

O papel do educador ao desen¬cadear processos de aprendizagem é o de mediador da mobilização para o aprender.
A investigação de concepções prévias
A análise das concepções prévias dos alunos não pode ser confundida com as condições prévias do aluno. O que o aluno já sabe é baseado em elaborações intuitivas sobre dados da realidade, que necessita ser aperfei¬çoado. As condições prévias referem-se a história escolar e de vida de cada aluno, que devem ser conhecidas em favor do alunos e não para fortalecer pré-conceitos sobre ele.

A finalidade da avaliação no que se refere à mobilização é de adequar as propostas e as situações às neces¬sidades e possibilidades dos alunos, para poder fornecer-lhes a aprendi¬zagem significativa.

Conhecer as concepções prévias do aluno favorece o planejamento em termos de pontos de partida, e os possíveis rumos a seguir, mas estes necessitam ser redimensionados continuamente ao longo do processo. Conhecer as condições prévias permite planejar tempos de desco¬bertas, de diálogos, de encontros, de interação de trocas, de expressão, ao longo do período letivo.

Os processos de educação e de avaliação exigem do professor a postura investigativa durante todo o
percurso educativo.
Como mediar o desejo e a necessidade de aprender?
O trabalho do professor consiste em:
• mediar o desejo e a necessi¬dade de aprender;
• mediar as experiências educativas;
• mediar as estratégias de apren¬dizagem no meio de atividades diver¬sificadas e diferenciadas;
• mediar a expressão do conhe¬cimento ao longo de tarefas grada¬tivas e articuladas.

]Mediar a mobilização significa sus¬citar o envolvimento do aluno no pro¬cesso de aprendizagem, criando pergun¬tas mobilizadoras, experiências interativas e oportunidades de expressão do pensamento individual, mesmo que as respostas não sejam ainda corretas.

Mediando a experiência educativa

Mediar as experiências educativas significa acompanhar o aluno em ação-reflexão-ação, nos processos si¬multâneos de busca informações, refletir sobre seus procedimentos de aprendizagem, interagir com os ou¬tros, refletir sobre si próprio enquanto aprendiz (p.94).

Duas perguntas se tornam essen¬ciais na mediação:

Qual a dimensão do envolvimento do aluno com a atividade de aprender?

Como ele interage com os outros?

As estratégias de aprendizagem

Mediar as estratégias de aprendiza¬gem significa intervir no processo de aprendizagem provocando no apren¬diz, e no próprio professor, diferentes graus de compreensão, levando a refletirem sobre seus entendimentos no diálogo educativo. Significa oferecer aos aprendizes: experiências necessá¬rias e complementares (diversificadas no tempo), com diversos graus de di¬ficuldades, de forma individual, em par¬cerias, em pequenos grupos, em gran¬des grupos para promover confronto de ideias entre aprendizes e entre es¬tes e o professor, por meio de diversos recursos didáticos e de diversas formas de expressão do conhecimento, por meio de diferentes linguagens.

Os desafios propostos durante a atividade educativa são observados por Hoffmann:
• Nem sempre o que o profes¬sor diz ao estudante é entendido como ele gostaria;
• A estratégia utilizada pelo aluno, ao fazer algo, só pode ser intuída pelo professor e ajudá-lo ou confundi-lo;
• O professor sabe onde o alu¬no poderá chegar, mas não deverá dizê-lo assim suas orientações serão sempre incompletas.
• O aluno nem sempre expressa suas dúvidas ou as expressa claramen¬te, uma vez que "são dúvidas" - o pro¬fessor precisa interpretar perguntas.
• Ouvir o aluno antes de inter¬vir assegura melhores interpretações sobre suas estratégias.
• Posturas afetivas, nessas in¬tervenções, minimizam a pressão exercida pelo questionamento do professor.

Esses desafios possibilitam a aqui¬sição de competências necessárias aos professores/profissionais reflexivos.
Atividades diversificadas ou diferenciadas?
Diversificar experiências educativas representa alguns princípios importan¬tes em avaliação mediadora: diversifi¬cá-las em tempo, graus de dificulda¬de, termos de realização individual, termos dos recursos didáticos e termos da expressão do conhecimento.

Diferenciar experiências educati¬vas atende aos pressupostos básicos da ação docente:
• Aprender sobre o aprender;
• Reconhecer que o processo de conhecimento é qualitativamente di¬ferente;
• Mediar o desenvolvimento de aprendizagens coletivas e de atendimento individual;
• Valorizar a heterogeneidade os grupo no processo de formação a diversidade;
• Oferecer ajuda específica se discriminar; sem desrespeitar; sem subestimar.
Mediando a expressão do conhecimento

Mediar a expressão do conhecimento implica a reutilização de ins¬trumentos de avaliação como desencadeadores da continuidade da ação pedagógica, sendo o desempe¬nho do aluno considerado como pro¬visório, uma vez que está em proces¬so de aprendizagem.

Nesse sentido, notas ou conceitos não podem ser consideradas definiti¬vas, mas apenas relativas ao conjunto de aprendizagens ocorridas em um dado período. Implica também refletir sobre as condições oferecidas para que tal conjunto de aprendizagem ocorra.
Tarefas gradativas e articuladas
Para Hoffmann, a avaliação me¬diadora é mais exigente e rigorosa para alunos e professores porque sus¬cita a permanente análise do pen¬samento em construção, o que sig¬nifica muitas tarefas individuais e análise imediata do professor.

O que o aluno fala, escreve ou faz não é seu pensamento, mas sua ex¬pressão, que também evolui e se apri¬mora progressivamente e necessita ser trabalhada. Os instrumentos de avali¬ação devem respeitar as diferentes for¬mas de expressão do aluno, ao mes¬mo tempo em que definem a dimen¬são do diálogo entre alunos e profes¬sor. A interpretação que o professor faz das expressões do aluno está sem¬pre sujeita a ambiguidades, inseguran¬ças, indefinições, daí a necessidade do diálogo, da troca de ideias que fa¬voreça a convergência de significados.

Na perspectiva mediadora, toda avaliação, desde um simples comen¬tário do professor até o uso de ins¬trumentos formais, tem por finalida¬de a evolução do aluno em termos de postura reflexiva sobre o que aprende, as estratégias que utiliza e sua interação com os outros. Isso só ocorre mediante a postura igualmente reflexiva do educador.
Respeito às diferentes formas de expressão
Os instrumentos de avaliação, em termos do planejamento e análise, definirão a dimensão do diálogo entre alunos e professor.

O principio fundamental da ex¬pressão do conhecimento: o que ou¬vimos, vemos ou lemos não é o pen¬samento do aluno, mas a sua expres¬são, que também evolui, se aprimora e precisa ser trabalhada.

Os limites no diálogo entre pro¬fessores e alunos devem ser consi¬derados como positivos na busca de sintonia. A interpretação dos senti¬dos, expressos por ambos, está sem¬pre sujeita a ambiguidade, inseguranças e indefinições.
Uma postura reflexiva do aluno e do professor
As tarefas avaliativas operam fun¬ções de reflexão que possibilitam:
• para o professor: elemento de reflexão sobre os conhecimentos ex¬pressos pelos alunos x elemento de reflexão sobre o sentido da sua ação pedagógica;

• para o aluno: oportunidade de reorganização e expressão de conhe¬cimentos x elemento de reflexão so¬bre os conhecimentos construídos e procedimentos de aprendizagem.

Mediar a aprendizagem significa, favorecera tomada de consciência do aluno sobre limites e possibilidades no processo de conhecimento, pos¬sibilitando ao educando refletir sobre sua apropria aprendizagem, a partir de ações do cotidiano, originando sig¬nificativas práticas de auto-avaliação.
Capítulo 5 - Registros em avaliação mediadora

...Se estivermos contando uma história, precisamos agir como histo¬riadores, registrando e organizando dados da nossa memória, para não cairmos no erro do esquecimento...

Os registros em avaliação media¬dora envolvem desde o uso de instru¬mentos comumente utilizados, tais como: provas (objetivas e dissertativas) exercícios, preenchimento de lacunas, escolha de afirmações verdadeiras ou falsas, itens de múltipla escolha, ques¬tões combinadas, etc., pois o que verdadeiramente importa é a clareza da tarefa para o aluno e a reflexão do pro¬fessor sobre a interpretação que será dada as expressões dos alunos em ter¬mos de encaminhamentos pedagógi¬cos a serem realizados a seguir.

A organização de dossiês dos alu¬nos, portfólios, relatórios de avaliação envolve meios de registro de um con¬junto de aprendizagem do aluno que permitam ao professor, ao próprio alu¬no e a suas famílias uma visão evolutiva do processo. Esses instrumentos tor¬nam-se mediadores na medida em que contribuem para entender a evolução do aluno e apontar ao professor novos rumos para sua intervenção pedagó¬gica sempre o mais favorável possível à aprendizagem do aluno, de todos os alunos, de acordo com suas necessi¬dades e possibilidades.

Os registros escolares precisam refletir com clareza os princípios de avaliação mediadora delineados, de tal forma que registros classificatórios sejam superados em favor de regis¬tros que assumam o caráter de ex¬periências em construção, confian¬tes em sua perspectiva ética e humanizadora. Nada, em avaliação, serve como regra geral, ou vale para todas as situações, em termos de procedimento.

O processo de avaliação precisa ser coerente com todo o processo de aprendizagem, desde sua concepção, definição de sua finalidade, planeja¬mento de estratégias de intervenção, compreensão do processo de cons¬trução está atrelado às concepções sobre a finalidade de educação, as quais determinam as estratégias metodológicas de ensino.

Instrumentos a serviço das metodologias
Quando a autora se refere a ins¬trumentos de avaliação, está falan¬do sobre testes, trabalhos e todas as formas de expressão do aluno que me permitam acompanhar o seu pro¬cesso de aprendizagem - tarefas avaliativas.

Instrumentos de avaliação são registros de diferentes naturezas. Ora é o aluno que é levado a fazer os próprios registros, expressando o seu conhecimento em tarefas, tes¬tes, desenhos, trabalhos e outros instrumentos, ora é o professor quem registra o que observou do aluno, fazendo anotações e outros apontamentos.
Critérios de correção de tarefas

Critérios de avaliação podem, se¬rem entendidos por orientações didáticas de execução de uma tarefa, por seus aspectos formais: número de páginas, organização no papel, itens de resposta, normas de redação técnica, etc.

Tarefas avaliativas, numa visão mediadora, são planejadas tendo como referencia principal a sua finalidade, a clareza de intenções do professor sobre o uso que fará dos seus resultados, muito mais do que embasados em normas de ela¬boração.
O significado dos registros para os professores
A prática classificatória assumiu "status" de precisão, objetividade e cientificidade, sendo necessário, para sua superação, a reflexão em ação e a reflexão sobre a ação (trocando idei¬as com outros colegas).

Os registros não necessitam ser genéricos, nem de ordem atitudinal, nem devem ser centrados em cum¬primento de tarefas quantitativos ou organização de cadernos e materiais.





11.LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o possível, o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Introdução

Embora seja difícil e demande tempo, a escola necessita de trans¬formações profundas no que concer¬ne ao aprendizado da leitura e da es¬crita, que só serão alcançadas atra¬vés da compreensão profunda de seus problemas e necessidades, para que então seja possível falar de suas pos¬sibilidades.

Capítulo 1
Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário

Aprender a ler e escrever na esco¬la deve transcender a decodificação do código escrito, deve fazer sentido e estar vinculado à vida do sujeito, deve possibilitar a sua inserção no meio cultural a qual pertence, tornando-o capaz de produzir e interpretar textos que fazem parte de seu entorno.

Torna-se, então, necessário reconceitualizar o objeto de ensino toman¬do por base as práticas sociais de lei¬tura e escrita, ressignificando seu aprendizado para que os alunos se apropriem dele 'como práticas vivas e vitais, em que ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitam repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, e em que interpre¬tar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir'.

Para tornar real o que compreen¬demos ser necessário, é preciso co¬nhecer as dificuldades que a escola apresenta, distinguindo as legítimas das que fazem parte de 'resistências sociais' para que então se possa pro¬por soluções e possibilidades.

A tarefa é difícil porque, a própria especificidade do aprendizado da lei¬tura e da escrita que se constituem em construções individuais dos sujei¬tos agindo sobre o objeto (leitura e escrita) torna a sua escolarização difí¬cil, já que não são passíveis de se sub¬meterem a uma programação sequencial. Por outro lado, trata-se de práticas sociais que historicamen¬te foram, e de certo modo continuam sendo, patrimônio de certos grupos, mais que de outros, o que nos leva a enfrentar e tentar buscar caminhos para resolver as tensões existentes na instituição escolar entre a tendência à mudança (democratização do ensino) e a tendência à conservação (repro¬dução da ordem social estabelecida).

É difícil ainda, porque o ato de ensinar a ler e escrever na escola tem finalidade puramente didática: a de possibilitar a transmissão de saberes e comportamentos culturais, ou seja, a de preservar a ordem pre¬estabelecida, o que o distancia da função social que pressupõe ler para se comunicar com o mundo, para conhecer outras possibilidades e refletir sobre uma nova perspectiva.

É difícil também, porque a estruturação do ensino conforme um eixo temporal único, segundo uma pro¬gressão linear acumulativa e irreversível entra em contradição com a própria natureza da aprendizagem da leitura e da escrita que, como vimos, ocorre por meio de aproximações do sujeito com o objeto, provocando coordenações e reorganizações cognitivas que lhe per¬mite atribuir um novo significado aos conteúdos aprendidos.

E, finalmente, a necessidade da escola em controlar a aprendizagem da leitura faz com que se privilegie mais o aspecto ortográfico do que os interpretativos do ato de ler, e o siste¬ma de avaliação, no qual cabe somente ao docente o direito e o poder de ava¬liar, não propicia ao aluno a oportuni¬dade de autocorreção e reflexão sobre o seu trabalho escrito, e conseqüentemente, não contribui para a construção da sua autonomia intelectual.
Diante desses fatos, o que é pos¬sível fazer para que se possa concili¬ar as necessidades inerentes à insti¬tuição escolar e, ao mesmo tempo, atender as necessidades de formar leitores e escritores competentes ao exercício pleno da cidadania?

Em primeiro lugar devem se tor¬nar explícitos aos profissionais da edu¬cação os aspectos implícitos nas prá¬ticas educativas que estão acessíveis graças aos estudos sociolinguísticos, psicolinguísticos, antropológicos e históricos, ou seja, aqueles que nos mostram como a criança aprende a ser leitora e escritora; o que facilita ou quais são as prerrogativas essen¬ciais a esse aprendizado.

Em segundo lugar, é preciso que se trabalhe com projetos como fer¬ramenta capaz de articular os propó¬sitos didáticos com os comunicativos, já que permitem uma articulação dos saberes sociais e os escolares. Além disso, o trabalho com projetos esti¬mula a aprendizagem, favorece a au¬tonomia, pois envolve toda a clas¬se, e evita o parcelamento do tempo e do saber, já que tem uma aborda¬gem multidisciplinar.
"É assim que se torna possí¬vel evitar a justaposição de atividades sem conexão - que abordam aspectos também sem conexão com os conteúdos -, e as crianças tem oportunidade de ter acesso a um trabalho sufici¬entemente duradouro para resolver problemas desafiantes, construindo os conhecimentos necessários para isso, para estabelecer relações entre diferen¬tes situações e saberes, para consolidar o aprendido e reutilizá-lo... ".(p.23).
Finalmente, é possível repensar a avaliação, sabendo que esta é neces¬sária, mas que não pode prevalecer sobre a aprendizagem. Segundo a au¬tora, 'ao diminuir a pressão do con-trole, torna-se-se possível avaliar aprendi¬zagens que antes não ocorriam [...]' porqueno trabalho com projetos, os alu¬nos discutem suas opiniões, buscam informações que possam auxiliá-los e procuram diferentes soluções, fatores importantíssimos a formação de cida-dãos praticantes da cultura escrita.

Capítulo 2 - Para Transformar o Ensino da Leitura e da Escrita

"O desafio [...] é formar se¬res humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explicita ou implicitamente, pe¬los autores dos textos com os quais interagem em vez de per¬sistir em formar indivíduos de¬pendentes da letra do texto e da autoridade dos outros", (p.27)
Para que haja uma transformação verdadeira do ensino da leitura e da escrita, a escola precisa favorecer a aprendizagem significativa, abandonan¬do as atividades mecânicas, e sem sen¬tido, que levam o aluno a compreender a escrita como uma atividade pura e unicamente escolar. Para isso, a esco¬la necessita propiciar a formação de pessoas capazes de apreciar a literatu¬ra e de mergulhar em seu mundo de significados, formando escritores e não meros copistas, formando produtores de escrita conscientes de sua função e poder social. Precisa, também, prepa¬rar as crianças para a interpretação e produção dos diversos tipos de texto existentes na sociedade, fazendo com que a escrita deixe de ser apenas um objeto de avaliação e passe a ser um objeto de ensino, capaz não apenas de reproduzir pensamentos alheios, mas de refletir sobre o seu próprio pensa¬mento, enfim, promovendo a desco¬berta da escrita como instrumento de criação e não apenas de reprodução. Para realmente transformar o en¬sino da leitura e da escrita na escola, é preciso, ainda, acabar com a discri¬minação que produz fracasso e abandono na escola, assegurando a todos o direito de 'se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essen¬ciais de progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal'.
É possível a mudança na escola?
Ensinar e ler e escrever faz parte do núcleo fundamental da instituição escolar, está nas suas raízes, consti¬tui a sua missão alfabetizadora e sua função social, portanto, é a que mais apresenta resistência a mudanças. Além disso, nos últimos anos, foi a área de que mais sofreu com a inva¬são de inovações baseadas apenas em modismos.
"... O sistema de ensino continua sendo o terreno pri¬vilegiado de todos os voluntarismos - dos quais talvez seja o último refúgio. Hoje, mais de que ontem, deve suportar o peso de todas as expectativas, dos fantasmas, das exigências de toda uma sociedade para a qual a educação é o ultimo portador de ilusões"2.

Sendo assim, para que seja pos¬sível uma mudança profunda da prá¬tica didática, vigente hoje nas institui¬ções de ensino, capaz de tornar pos¬sível a leitura na escola, é preciso que esta esteja fundamentada na evolu¬ção histórica do pensamento peda¬gógico, sabendo que muito do que se propõe pode ser encontrado nas ideias de Freinet, Dewey, Decroly e outros pensadores e educadores, o que significa estarem baseadas no avanço do conhecimento científico dessa área, que como em outras áre¬as do conhecimento científico, teve suas hipóteses testadas com o objetivo de desvendar a gênese do conhe¬cimento humano - como os estudos realizados por Jean Piaget. É preciso compreender também, que essas mudanças não dependem apenas da capacitação adequada de seus pro¬fissionais, já que esta é condição ne¬cessária, mas não suficiente, é preci¬so conhecer o cotidiano escolar em sua essência, buscando descobrir os mecanismos ou fenômenos que per¬mitem ou atravancam a apropriação da leitura e da escrita por todas as crianças que ali estão inseridas.

O que vimos até hoje, por meio dos trabalhos e pesquisas que temos realizado no campo da leitura e da escrita, é que existe um abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita - lê-se na escola trechos sem sentido de uma realidade desconhecida para a crian¬ça, já que foram produzidos sistematica¬mente para serem usados no espaço es-colar - a fragmentação do ensino da língua (primeiro sílabas simples, de¬pois complexas, palavras, frases...) não permite um espaço para que o aluno possa pensar no que aprendeu dentro de um contexto que lhe faça sentido, e ainda, fazem com que esta perca a sua identidade.
"Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilân¬cia epistemológica que garan¬ta uma semelhança fundamen¬tal entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos apren¬dam. A versão escolar da leitura e da escrita não deve afas¬tar-se demasiado da versão social não-escolar". (p.35)
O "Contrato Didático"
O Contrato Didático aqui é consi¬derado como as relações implícitas estabelecidas entre professor e alu¬no, sobretudo porque estas exercem influência sobre o aprendizado da lei-tura e da escrita, já que o aluno deve concentrar-se em perceber ou des¬cobrir o que o professor deseja que ele 'saiba' sobre aquele texto que o professor escolheu para que ele leia e não em suas próprias interpreta¬ções: "A 'cláusula' referente à inter¬pretação de textos parece estabelecer [...] que o direito de decidir so¬bre a validade da interpretação é privativo do professor...".

Se o objetivo da escola é formar cidadãos praticantes da leitura e da escrita, capazes de realizar escolhas e de opinar sobre o que leem e veem em seu entorno social, é preciso que seja revisto o Contrato Didático, prin¬cipalmente no âmbito da leitura e da escrita, e essa revisão é encargo dos pesquisadores de didática - divulgan¬do os resultados obtidos bem como os elementos que podem contribuir para as mudanças necessárias -, é responsabilidade dos organismos que regem a educação - que devem levar em conta esses resultados -, é encar¬go dos formadores de professores e de todas as instituições capazes de comunicar à comunidade, e particu¬larmente aos pais, da importância que tem a análise, escolha e exercício de opinião de seus filhos quando do exer¬cício da leitura e da escrita.



Ferramentas para transformar o ensino
Vimos que transformar o ensino vai além da capacitação dos profes¬sores, passa pela sua revalorização pessoal e profissional; requer uma mudança de concepção da relação ensino-aprendizagem para que se possa conceber o estabelecimento de objetivos por ciclos que abrangem os conhecimentos - objeto de ensino - de forma interdisciplinar, visando diminuir a pressão do tempo didático e da fragmentação do conhecimento.
Requer que não se percam de vista os objetivos gerais e de prioridade absoluta, aqueles que são essenciais à educação e lhe conferem significa¬do. Requer, ainda, que se compreenda a alfabetização como um processo de desenvolvimento da leitura e da escrita, e que, portanto, não pode ser desprovido de significado.
Essa compreensão só será alcançada na medida em que forem conhecidos e compreendidos os es¬tudos científicos realizados na área, e que nos levaram a descobrir a impor¬tância da atividade mental construti¬va do sujeito no processo de constru¬ção de sua aprendizagem, ressignificando o papel da escola. Colocando em destaque o aprendizado da leitura e da escrita, consideramos fundamen¬tal que sejam divulgados os resulta¬dos apresentados pelos estudos psicogenéticos e psicolingüísticos, não apenas a professores ou profissionais ligados à educação, mas a toda soci¬edade, objetivando conscientizá-los da sua validade e importância, levando-os a perceber as vantagens das estra¬tégias didáticas baseadas nesses es-tudos, e, sobretudo, conscientizando-os de que educação também é objeto da ciência.

Voltando à capacitação, enfati¬zando sua necessidade, é preciso que se criem espaços de discussão e tro¬ca de experiências e informações, que dentre outros aspectos, servirão para levar o(a) professor(a) a perceber que a di¬versidade cultural não acontece ape¬nas em sua sala de aula, que ela faz parte da realidade social na qual estamos inseridos, e que sendo assim, não poderia estar fora da escola e, ain¬da, que esta diversidade tem muito a contribuir se o nosso objetivo educa¬cional consistir em preparar nossos alunos para a vida em sociedade. No que concerne a leitura e escrita, pare¬ce-nos essencial ter corno prioritária a formação dos professores como lei¬tores e produtores de texto, capazes de aprofundar e atualizar seus saberes de forma permanente'.

Nossa experiência nos levou a considerar que a capacitação dos professores em serviço apresenta melhores resultados quando é realizada por meio de oficinas, sustentadas por bibliografias capazes de dar conta das interrogações a respeito da prática que forem surgindo durante os encontros, que devem se estender durante todo o ano letivo, e que contam com a participação dos coordenadores também em sala de aula, mas que, a longo prazo, capacitem oprofessor a seguir autonomamente, sem que seja necessário o acompanhamento em sala de aula.
Capítulo 3 – Apontamentos a partir da Perspectiva Curricular
É importante que, ao propor uma transformação didática para uma instituição de ensino, seja considerada a sua particularidade, o que se dá por meio do conhecimento de suas neces¬sidades e obstáculos, implícitos ou explícitos, que caberá a proposta su¬prir ou superar. É imperativo que a elaboração de documentos curricula¬res esteja fortemente amparada na pesquisa didática, já que será neces¬sário selecionar os conteúdos que serão ensinados, o que pressupõe uma hierarquização, já que privilegi¬ará alguns em detrimento de outros.

"Prescrever é possível quan¬do se está certo daquilo que se prescreve, e se está tanto mais seguro quanto mais investigada está a questão do ponto de vista didático".(p. 55).
As escolhas de conteúdos devem ter como fundamento os propósitos educativos', ou seja, se o propósito educativo do ensino da leitura e da escrita é o de formar os alunos como cidadãos da cultura escrita, então o objeto de ensino a ser selecionado deve ter como referência fundamental as práticas sociais de leitura e es¬crita utilizadas pela comunidade, o que supõe enfatizar as funções da leitura e da escrita nas diversas situações e razões que levam as pessoas a ler e escrever, favorecendo seu ingresso na escola como objeto de ensino.

Os estudos em torno das práticas de leitura existentes, ou preponderan¬tes, no decorrer da história da huma¬nidade mostraram que, em determi¬nados momentos históricos, privilegia-vam-se leituras intensas e profun¬das de poucos textos, como por exemplo, os pensadores clássicos, se¬guidos de profundas reflexões reali¬zadas por meio de debates ou con¬versas entre pequenos grupos de pes¬soas ou comunidades, se tomarmos como exemplo a leitura da Bíblia.

Com o avanço das ciências e o aumento da diversidade literária dis¬ponível - nas sociedades mais abas¬tadas - as práticas de leitura passa¬ram a se alternar entre intensivas ou extensivas (leitura de vários textos com menor profundidade), mas sempre mantendo um fator comum: elas, lei¬tura e escrita, sempre estiveram inseridas nas relações com as outras pessoas, discutindo hipóteses, ideias, pontos de vista, ou apartes indicando a leitura de algum título ou autor.

O aspecto mais importante que podemos tirar acerca dos estudos históricos é que aprende-se a ler, len¬do (ou a escrever, escrevendo), por¬tanto, é preciso que os alunos tenham contato com todos os tipos de texto que são veiculados na sociedade, que eles tenham acesso a eles, que esses materiais deixem de ser privilégio de alguns, passando a ser patrimônio de todos. Didaticamente, isto significa que os alunos precisam se apropriar destes textos pelas práticas de leitura significativas que propiciem reflexões individuais e grupais que, embora demandem tempo, são es¬senciais para que o sujeito possa, no futuro, ser um praticante da leitura e da escrita.
"...É preciso assinalar que, ao exercer comportamentos de leitor e de escritor, os alunos têm também a oportunidade de entrar no mundo dos textos, de se apropriar dos traços distintivos[...] de certos gêne¬ros, de ir detectando matizes que distinguem a 'linguagem que se escreve' e a diferenci¬am da oralidade coloquial, de pôr em ação [...] recursos linguísticos aos quais é neces¬sário apelar para resolver os diversos problemas que se apresentam ao produzir ou in¬terpretar textos [...[é assim que as práticas de leitura e escrita, progressivamente, se transfor¬mam em fonte de reflexão metalingüística". (p. 64).
Capítulo 4
E possível ler na escola?
"Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do tex¬to e assumir uma postura crí¬tica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...".(p.73).
Ensinar a ler e escrever foi, e ain¬da é, a principal missão da escola, no entanto, dois fatores parecem contribuir para que a escola não ob¬tenha sucesso:
1. A tendência de supor que existe uma única interpretação pos¬sível a cada texto;
2. A crença - como diria Piaget - de que a maneira como as crianças aprendem difere da dos adultos e que, portanto, basta ensinar-lhes o que julga¬rem pertinente, sem que haja preocupação com o sentido ou significado que tais conteúdos tem para as crianças, o que, além de tudo, facilita o controle da aprendizagem, já que essa concepção permite uma padronização do ensino.

Para que seja possível ler na es¬cola, é necessário que ocorra uma mudança nessas crenças, é preciso, como já vimos, que sejam conside¬rados os resultados dos trabalhos científicos em torno de como ocorre o processo de aprendizagem nas crian¬ças: que ele se dá através da ação da criança sobre os objetos (físicos e sociais), sendo a partir dessa ação que ela (a criança) lhe atribuirá um valor e um significado.

Sabendo que a leitura é, antes de tudo, um objeto de ensino que na escola deverá se transformar em um objeto de aprendizagem, é importante não perder de vista que sua apropri¬ação só será possível se houver sen¬tido e significado para o sujeito que aprende, que esse sentido varia de acordo com as experiências prévias do sujeito e que, portanto, não são suscetíveis a uma única interpretação ou significado e que o caminho para a manutenção desse sentido na es¬cola está em não dissociar o objeto de ensino de sua função social.

O trabalho com projetos de leitu¬ra e escrita cujos temas são dirigidos à realização de algum propósito so¬cial vem apresentando resultados positivos. Os temas propostos visam atender alguma necessidade da co¬munidade em questão e são estru¬turados da seguinte forma:

a) Proposta do projeto às crian¬ças e discussão do plano do trabalho;
b) Curso de capacitação para as crianças, visando prepará-las para a busca e consulta autônoma dos materiais a serem utilizados quando da realização das etapas do projeto;
c) Pesquisa e seleção do materi¬al a ser utilizado e/ou lugares a serem visitados;
d) Divisão das tarefas em peque¬nos grupos;
e) Participação dos pais e da co¬munidade;
f) Discussão dos resultados en¬contrados pelos grupos;
g) Elaboração escrita dos resul¬tados encontrados pelos gru¬pos (que passará pela revisão de outro grupo e depois pelo professor);
h) Redação coletiva do trabalho final;
i) Apresentação do projeto à co¬munidade interessada.
j) Avaliação dos resultados.
Nesses projetos tem-se a oportu¬nidade de levar a criança a extrair in¬formações de diversas fontes, inclu¬sive de textos que não foram escritos exclusivamente para elas e que apresentam um grau maior de dificuldade. A discussão coletiva das informações que vão sendo coletadas propicia a troca de ideias e a verifica¬ção de diferentes pontos de vista, como acontece na vida real, e, ain¬da, durante a realização desses pro¬jetos, as crianças não leem e escre¬vem só para 'aprender'. A leitura as¬sume um propósito, um significado, que atende também aos propósitos do docente - de inseri-las no mundo de leitores e escritores. Os projetos permitem, ainda, uma administração mais flexível do tempo, porque pro¬piciam o rompimento com a organização linear dos conteúdos, já que costumam trabalhar com os temas selecionados de forma interdisciplinar, o que possibilita a retomada dos pró¬prios conteúdos em outras situações e, ainda, a análise destes a partir de um referencial diferente.

Acontecem concomitantemente e em articulação com a realização dos projetos, atividades habituais, como 'a hora do conto' semanal ou momen¬tos de leitura de outros gêneros, como o de curiosidades científicas e ativi¬dades independentes que podem ter caráter ocasional, como a leitura de um texto que tenha relevância pon¬tual ou fazer parte de situações de sistematização: passar a limpo uma reflexão sobre uma leitura realizada durante uma atividade habitual ou pontual. Todas essas atividades con¬tribuem com o objetivo primordial de 'criar condições que favoreçam a formação de leitores autônomos e críticos e de produtores de textos adequados à situação comunicati¬va que os torna necessário' já que em todos elas observam-se os esfor¬ços por produzir na escola as condi¬ções sociais da leitura e da escrita.
"É assim que a organização baseada em projetos permite coordenar os propósitos do docente com os dos alunos e contribui tanto para preservar o sentido social da leitura como para dotá-la de um sentido pessoal para as crianças". (p.87).
Ainda, o trabalho com projetos, por envolver grupos de trabalho e abrir espaço para discussão e troca de opiniões, permite o estabelecimen¬to de um novo contrato didático, ou seja, um novo olhar sobre a avalia¬ção, porque admite novas formas de controle sobre a aprendizagem, nas quais todos os sujeitos envolvidos tomam parte, o que contribui para a formação de leitores autônomos, uma vez que estes devem justificar, perante o grupo, as conclusões ou opiniões que defendem. É importante ressaltar que essa modalidade de trabalho torna ainda mais importante o papel das intervenções do professor - fazendo perguntas que levem a ser conside¬rados outros aspectos que ainda não tenham sido levantados pelo grupo, ou a outras interpretações possíveis do assunto em questão. Em suma, é importante que a necessidade de con¬trole, inerente à instituição escolar, não sufoque ou descaracterize a sua missão principal que são os propósi¬tos referentes à aprendizagem.
O professor: um ator no papel de leitor
É muito importante que o profes¬sor assuma o papel de leitor dentro da sala de aula.
Com esta atitude ele estará propiciando à criança a opor¬tunidade de participar de atos de leitura. Assumir o papel de leitor consiste em ler para os alunos sem a preocupação de interrogá-los sobre o lido, mas de conseguir com que eles vivenciem o prazer da leitura, a experiência de seguir a trama criada pelo autor exatamente para este fim e, ao terminar, que o professor comente as suas im¬pressões a respeito do lido, abrindo espaço para o debate sobre o texto - seus personagens, suas atitudes.

Assumir o papel de leitor é fator ne¬cessário, mas não suficiente, cabe ao professor ainda mais; cabe-lhe propor estratégias de leitura que aproximem cada vez mais os alunos dos textos.
A Instituição e o sentido da leitura
Quando os projetos de leitura atingem toda a instituição educacional, cria-se um clima leitor que atinge também os pais, e que envolvem os professores numa situação de traba¬lho conjunta que tem um novo valor: o de possibilitar uma reflexão entre os docentes a respeito das ferramen¬tas de análise que podem contribuir para a resolução dos problemas didáticos que por ventura eles possam estar vivendo.

As propostas de trabalho e as reflexões aqui apresentadas mostram que é possível sim! Ler e escrever na escola, desde que se promova uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, reconsiderando as formas de avaliação, não deixando que estas interfiram ou atrapalhem o propósito essencial do ensino e da aprendizagem. Desde que se elabo¬rem projetos onde a leitura tenha sen¬tido e finalidade social imediata, trans¬formando a escola em uma 'micros-sociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pais e professores...". (p. 101).


Capítulo 5
O Papel do Conhecimento Didático na Formação do Professor
"O saber didático é cons¬truído para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, é o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino; é produto da análise das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico; é elaborado através da investiga¬ção rigorosa do funcionamen¬to das situações didáticas". (p. 105).
É importante considerar que o saber didático, como qualquer outro objeto de conhecimento, é construído através da interação do sujeito com o objeto, ele se encontra, portanto, dentro da sala de aula, e não é exclu¬sividade dos professores que traba¬lham com crianças, ele está presen¬te também em nossas oficinas de capacitação. Então, para apropriar-se desse saber, é preciso estar em sala de aula, buscando conhecer a sua realidade e as suas especificidades.
A atividade na aula como objeto de análise

O registro de classe apresenta-se como principal instrumento de aná¬lise do que ocorre em sala de aula. Esses registros podem ser utilizados durante a capacitação, objetivando um aprofundamento do conhecimento didático, já que as situações nele apre¬sentadas permitem uma reflexão con¬junta a respeito das situações didáti¬cas requeridas para o ensino da lei¬tura e escrita.

Optamos por utilizar, a princípio, os registros das 'situações boas' ocor¬ridas em sala de aula, porque perce¬bemos, por meio da experiência, que a ênfase nas 'situações más' distanci¬ava capacitadores e educadores, e para além, criavam um clima de in¬certeza, por enfatizar o que não se deve fazer, sem apresentar direções do que poderia ser feito; - em suma, quando enfatizamos 'situações boas´ estamos mostrando o que é possível realizar em sala de aula, o que por si só, já é motivador.

É importante destacar que as 'si¬tuações boas' não se constituem em situações perfeitas, elas apresentam erros que, ao serem analisados, en¬riquecem a prática docente, pois são considerados como importantes ins¬trumentos de análise da prática didática - ponto de partida de uma nova reflexão - sendo vistos como parte integrante do processo de constru-ção do conhecimento.
"... a análise de registros de classe opera como coluna ver¬tebral no processo de capacitação, porque é um recurso insubstituível para a comunica¬ção do conhecimento didático e porque é a partir da análise dos problemas, propostas e in¬tervenções didáticas que adqui¬re sentido para os docentes se aprofundarem no conhecimen¬to do objeto de ensino e de processos de aprendizagem desse objeto por parte das crianças", (p. 116).
Palavras Finais

Quanto mais os profissionais capacitadores conhecerem a prática pedagógica e os que exercitam essa prática no dia-a-dia: as crenças que os sustentam e os mecanismos que utilizam; quanto mais conhecerem como se dá o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola, mais estarão em condições de ajudar o professor em sua prática docente.



12. MARZANO, Robert J.; PICKERING, Debra J.; POLLOCK, Jane E. Ensino que funciona: estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos alunos. Porto Alegre: Artmed, 2008.


APLICANDO A PESQUISA AO ENSINO:
É HORA DE UTILIZAR ESSA IDÉIA

Nós, educadores, encontramo-nos em um ponto especial no tempo. Não porque começaram uma nova década, um novo século ou um novo milênio, mas porque a arte do ensino está rapidamente se tornando a “ciência” do ensino, fenômeno relativamente novo. Até cerca de 30 anos atrás, o ensino não era estudado de uma maneira científica. Isso não quer dizer que não havia estratégias de ensino eficientes. A partir do início da década de 1970, surgiram pesquisas visando o ensino na aprendizagem do aluno. A década anterior foi marcada pela crença de que a escola faz pouca diferença no desempenho dos alunos. Esta afirmação foi fruto de uma pesquisa denominada Relatório Coleman, publicado em 1966, em que se concluiu que a qualidade do ensino que um aluno recebe é responsável por apenas 10% na variação do desempenho dele. O Relatório aponta que ir para uma escola melhor, em oposição a uma pior vai alterar apenas em 10% para melhor no desempenho do aluno. Essa pesquisa foi corroborada pelo pesquisador de Harvard, Christopher Jencks (1972), destacando que a escola faz pouca diferença. Diz o pesquisador: “A maior parte das diferenças... nas notas dos testes deve-se a fatores que estão fora da alçada das escolas”. Coleman e Jencks apontavam dados sombrios sobre os educadores e a educação. Porém, vendo os dados anos depois de seus apontamentos, chega-se a dois dados otimistas. Primeiro, porque os dados concentravam-se nas porcentagens das diferenças. Segundo, porque os dados mostraram que o professor individualmente pode ter um efeito poderoso em seus alunos, mesmo que a escola não o tenha. Em uma mesma escola, há muita variação na qualidade do ensino de um professor para outro.
A primeira vez em que se chegou a essa conclusão foi na década de 1970, quando os pesquisadores Jere Brophy e Thomas Good (1986) comentaram: “Foi contestado o mito de que os professores não fazem diferença na aprendizagem do aluno”. Mais recentemente, William Sanders e seus colaboradores (1994) declararam que o professor tem efeito maior do que anteriormente se pensava no desempenho do aluno. O estudo concluiu:
1 .o fator mais importante que afeta a aprendizagem do aluno é o professor;
2. uma ampla variação na eficácia dos professores;
3. mais coisas podem ser feitas para modificar a educação, melhorando a eficácia dos professores do que qualquer outra coisa.
4. Professores eficazes parecem ser eficazes com alunos de todos os níveis de desempenho.
Para preparar este livro, foram analisados estudos de pesquisa selecionados sobre estratégias de ensino, que poderiam ser usadas por professores, em sala de aula, da educação infantil ao ensino médio.
Nesta obra serão apresentadas as nove categorias de estratégias de ensino, objeto desse livro.








ESTRATÉGIAS BASEADAS NA PESQUISA


1. Identificar semelhanças e diferenças

Esta categoria é considerada o centro da aprendizagem e pode ser destacada em quatro generalizações:
I - Apresentar aos alunos uma orientação explícita, para a identificação das semelhanças e diferenças, melhora o seu entendimento e sua habilidade para usar o conhecimento;
II - Pedir aos alunos para identificarem, de forma independente, as semelhanças e diferenças melhora sua compreensão sobre estas e sua habilidade para usar o conhecimento;
III - Representar as semelhanças e diferenças, de forma gráfica ou simbólica, melhora o entendimento dos alunos e sua capacidade para usar o conhecimento;
IV - A identificação das semelhanças e diferenças pode ser realizada de várias maneiras. A identificação de semelhanças e diferenças é uma atividade extremamente vigorosa. Quatro diferentes “formas” dessa atividade são extremamente eficazes:
a. Comparação
Definição: identificação de semelhanças e diferenças entre coisas e idéias.
Essa atividade pode ser dirigida pelo professor, pela qual ele estabelece aos alunos o que e como deve ser feito, com base em parâmetros previamente definidos.
Também pode ser dirigida pelos próprios alunos, que estabelecem as regras de como e o que vai ser comparado. Para ilustrar essas atividades se faz o uso de dois gráficos de fácil visualização:

O Diagrama de Venn











A Matriz de Comparação


b. Classificação
Definição: agrupamento de coisas que são semelhantes tendo como base suas características.


Organizadores gráficos para classificação

Categorias


























c. Criação de metáforas
Definição: identificação de um padrão geral ou básico de um tema específico e, em seguida, de descoberta de um outro tópico que parece ser bastante diferente daquele, mas que tem o mesmo padrão geral.
O fundamental para construir metáforas é entender que os dois itens da metáfora estão conectados por um relacionamento abstrato ou não-literal. Exemplo: “o amor é uma rosa” é uma metáfora. Aparentemente o amor e uma rosa não têm um relacionamento óbvio. Em um nível abstrato, no entanto, eles têm. É apenas no nível abstrato que amor e rosa parecem relacionados. As estratégias de ensino que envolvem metáforas devem sempre lidar com o relacionamento abstrato entre os elementos.
Metáforas dirigidas pelo professor são aquelas em que o professor proporciona o primeiro elemento da metáfora e do relacionamento abstrato. Exemplo: em ciências, a extinção do pássaro Dodô.
II. Algo que vive em um ambiente específico.
II. Essa coisa mudou com o tempo devido a mudanças no seu ambiente que o limitou de alguma maneira.
III. Outra influência surgiu e pôs fim ao que ele precisava para sobreviver e destruiu o local onde ele costumava viver. Devido às suas limitações, não conseguiu mudar para outro lugar.
IV. A coisa não existe mais.

Os desenhos abaixo são de artista desconhecido, ambos mostram o dodô, cujo nome científico é Raphus cucullatus [Linnaeus, 1758].



Esse pássaro simpático e gorducho desapareceu no século 17 com a chegada dos colonizadores ao seu hábitat, a ilha Maurício, a 1 900 quilômetros da costa africana, no oceano Índico. Pouco maior que um peru e pesando cerca de 23 quilos, o dodô era um pombo gigante da família Raphidae. Como tinha asas curtas e frágeis, não conseguia voar. Nem precisava. "A ave era muito mansa e inofensiva, porque a ilha não tinha nenhum mamífero predador", afirma o biólogo Manuel Martins, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A vida boa do bicho durou só até os europeus aportarem em Maurício. Primeiro foram os portugueses, em 1507. Mas a ação mais cruel foi a dos holandeses, que colonizaram o lugar a partir de 1598. Com a pouca alimentação nos navios, os marinheiros desembarcavam famintos e logo elegeram o dócil - e saboroso - dodô como seu prato preferido. "As aves foram mortas aos milhares, até mesmo a pauladas", diz Manuel.
Para piorar, animais como cães, gatos e ratos trazidos pelas caravelas atacavam os ovos nos ninhos, escondidos nos recantos do lugar. Com toda a matança, a espécie foi sumindo aos poucos. Em 1681, menos de 100 anos depois da chegada dos holandeses à ilha, o dodô foi declarado oficialmente extinto. Hoje, tudo o que resta do animal são esqueletos em museus na Europa, nos Estados Unidos e também em Maurício.
http://mundoestranho.abril.com.br/ambiente/pergunta_286436.shtml

Metáforas dirigidas pelos próprios alunos são aquelas pelas quais lhes é apresentado um elemento de uma metáfora e eles são solicitados a identificar o segundo elemento e descrever o relacionamento abstrato. O exemplo foi relacionar uma célula à nave Enterprise (de Jornada nas Estrelas)


d. Criação de analogias
Definição: identificação de relacionamento entre pares de conceitos, ou seja, identificar relações entre os relacionamentos.
As analogias nos ajudam a ver como as coisas aparentemente diferentes são semelhantes. Tipicamente as analogias assumem a forma A:B::C:D. Por exemplo: quente:frio::noite;dia - “quente está para frio assim como noite está para dia”.

Organizador gráfico para analogias em uso
Outro exemplo




está para



Medidas de alteração incremental em algo
Relacionamento




assim como está para



2. Resumir e fazer anotações

Para resumir, efetivamente, os alunos precisam eliminar algumas informações, substituir algumas e manter outras. Em síntese: 1) eliminar coisas; 2) substituir coisas e 3) manter coisas.
Para isso, os alunos precisam analisar as informações profundamente, e estar conscientes de que a estrutura explícita da informação ajuda no resumo da informação.
Exercício de resumo:
A
O processo fotográfico
A palavra fotografia vem da palavra grega que significa “desenhar com luz”... A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. Quase todas as formas de fotografia são baseadas no fato de que alguns produtos químicos são fotossensíveis – ou seja, eles mudam de alguma maneira quando expostos à luz. Os materiais fotossensíveis são abundantes na natureza; as plantas que fecham suas flores à noite são exemplos. Os filmes usados na fotografia dependem de um número limitado de compostos químicos que escurecem quando expostos à luz. Os compostos mais usados hoje em dia são a prata e substâncias químicas chamadas halógenos (em geral bromo, cloro ou iodo)

B
Macro estrutura do processo fotográfico
A palavra fotografia vem da palavra grega que significa “desenhar com luz”... A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. Quase todas as formas de fotografia são baseadas no fato de que alguns produtos químicos são fotossensíveis – ou seja, eles mudam de alguma maneira quando expostos à luz. Os materiais fotossensíveis são abundantes na natureza; as plantas que fecham suas flores à noite são um exemplo. A fotografia depende de cristais químicos que Os filmes usados na fotografia dependem de um número limitado de compostos químicos que escurecem quando expostos à luz. Os compostos mais usados hoje em dia são a prata e substâncias químicas chamadas halógenos (em geral bromo, cloro ou iodo)

A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. A fotografia depende de cristais químicos que escurecem quando expostos à luz.

A estratégia do resumo deve seguir algumas regras:
- eliminar o material trivial desnecessário ao entendimento.
- eliminar material redundante.
- substituir termos mais abrangentes para termos mais definidos. Ex. “flores” por rosas ou tulipas.
- selecionar uma sentença principal, ou inventar uma, caso não exista no texto.
O professor deve mostrar como se faz um resumo para que seus alunos vejam como é feito. Pode-se trabalhar dentro de qualquer área.

O resumo apresenta estruturas que são aplicações diretas da generalização. Há seis tipos de estruturas de resumo:
I. A estrutura narrativa é encontrada na ficção e contém os seguintes elementos: personagens, ambiente, evento inicial, resposta interna, objetivo, conseqüência e resolução.
II. A estrutura tema-restrição-ilustração: encontrado em material expositivo e contém os seguintes elementos: Tema (T), Restrição (R) e Ilustração (I). O padrão T-R-I pode ter várias restrições e ilustrações adicionais.
III. A estrutura da definição: o propósito é descrever um conceito particular e identificar conceitos subordinados. Contém os seguintes elementos: Termo – o tema a ser definido, Conjunto – a categoria a qual o termo pertence, características gerais e diferenças minúsculas – que estão imediatamente abaixo do termo.
IV. A estrutura da argumentação: contém informações destinadas a apoiar uma declaração. Elas contêm a evidência - informação que conduz a uma declaração; a declaração - a afirmação de que algo é verdade; apoio – exemplos e explicações e qualificador – uma restrição à declaração ou à evidência para a declaração;
V. A estrutura do problema e da solução: introduzem um problema e depois identificam uma ou mais soluções. Contém o problema – declaração que algo aconteceu; solução – uma solução possível; outra solução possível, uma terceira solução possível e a solução com maior chance de sucesso.
VI. A estrutura da conversa: intercâmbio verbal entre duas ou mais pessoas. Elementos: Saudação – encontro após algum tempo; inquirição – pergunta sobre um tema geral ou específico e discussão – análise do tema.

O ensino recíproco também é uma estratégia interessante e disponível para os professores. Envolve quatro componentes:
a- Resumo: após leitura silenciosa, pedir para um aluno resumir o que foi lido e os demais podem fazer adições ao resumo e o professor pode indicar sugestões que ajudem na construção de bons resumos.
b- Questionamento: perguntas são feitas pelos alunos para identificar informações importantes no texto.
c- Esclarecimento: dos pontos confusos do texto.
d- Previsão: sobre o que vai acontecer durante a leitura do texto.

Fazer anotações está intimamente relacionado a resumir.
Generalizações que podem ser usadas para orientar sobre fazer anotações.
- Anotar palavra por palavra é a maneira menos eficiente de fazer anotações;
- As anotações devem ser consideradas trabalho em andamento;
- As anotações devem ser usadas como guia de estudo para testes;
- Quanto mais anotações são feitas, melhor é o desempenho do aluno.
A prática de fazer anotações em sala de aula pelo professor dá aos alunos uma clara noção do que o professor considera importante e proporciona aos alunos um modelo de como fazer anotações.
Não há uma forma definida de fazer anotações. A mais comum é o esboço informal que é anotado nas margens do papel onde está o texto. A estratégia do entrelaçamento consiste em fazer anotações em círculos de diferentes tamanhos para indicar a importância das idéias e das linhas para indicar relacionamentos. As idéias mais importantes estão nos círculos maiores e assim por diante do maior para o menor.
Anotações do aluno: entrelaçamento















3. Reforçar o esforço e proporcionar reconhecimento

Esse conjunto de estratégias trata das atitudes e das crenças dos alunos.
Está subdividida em duas partes: reforçar o esforço e proporcionar reconhecimento.

Reforçar o esforço.
A maioria das pessoas atribui alguns fenômenos ao sucesso: 1) capacidade; 2) esforço; 3) outras pessoas e 4) sorte.
Pesquisa sobre esse tema concluiu:
- Nem todos os alunos entendem a importância de acreditar no esforço. Daí a necessidade de exemplificar a crença no esforço;
- Os alunos podem aprender a mudar suas crenças para uma ênfase no esforço, partindo do princípio de que o esforço vai melhorar seu desempenho. Há uma relação importante entre esforço e desempenho, e que isso pode ser medido por meio de uma tabela criada a partir dos dias da semana em que o aluno realizou, ou deixou de realizar, atividades, atribuindo ao esforço e ao desempenho um valor que pode variar de 0 a 100. Os testes realizados utilizando essa estratégia motivaram os alunos.

Proporcionar reconhecimento
Com uma das categorias pode ser a mais mal compreendida de todas. Pode ser chamada de “elogio” ou “recompensa”. Pesquisa realizada concluiu:
I - As recompensas não têm necessariamente um efeito negativo sobre a motivação intrínseca, depende das circunstâncias e da forma como se conduz a motivação.
II - A recompensa é mais eficaz quando depende de se atingir algum padrão de desempenho. Premiar um aluno pelo simples fato de ter feito uma atividade não melhora sua motivação intrínseca.
III. O reconhecimento simbólico abstrato é mais eficaz do que recompensas tangíveis. Quanto mais abstratas e simbólicas forem as recompensas, maior será sua eficácia.
O reconhecimento deve ser personalizado, abstrato e concreto, dependendo da circunstância e da ocasião em que o trabalho está sendo ou foi realizado com sucesso.



4. Lição de casa e prática

Prática bastante comum e de largo conhecimento dos professores e que proporciona oportunidade de aprofundar seu entendimento e as habilidades relativas ao conteúdo apresentado. Quatro generalizações podem guiar os professores no uso da lição de casa:
I. A quantidade de lição de casa designada aos alunos, dos diferentes níveis do ensino fundamental e do ensino médio, deve ser diferente. Nas séries iniciais, o desempenho dos alunos é menor em relação aos alunos de ensino médio.
II. O envolvimento dos pais na lição de casa deve ser mantido no mínimo possível. Os pais não devem “facilitar” a lição de casa.
III. O propósito da lição de casa deve ser identificado e articulado. Dois propósitos são comuns:
- prática: quando tem por finalidade treinar uma atividade com a qual o aluno já tenha familiaridade;
- preparação ou elaboração: preparar o aluno para um novo conteúdo que será oportunamente apresentado e trabalhado.
IV. Se a lição de casa foi designada, ela deve ser comentada; deve ser medida em conceitos e anotada pelo professor. O grau de desempenho dos alunos aumenta nesta proporção. É baixa quando não comentada, alta quando lhe é dada uma nota, e é muito alta quando é comentada por escrito pelo professor.
O professor deve estabelecer uma política de comunicação de lição de casa para evitar tensão entre pais, alunos e professores. Deve também planejar lições de casa que articulem claramente o propósito e o resultado. Deve também variar as abordagens para proporcionar feedback.
Da pesquisa e teoria relacionadas à prática foram extraídas duas generalizações:
I - Dominar uma habilidade requer uma boa quantidade de prática específica.
O gráfico abaixo mostra esta tendência

Linha de aprendizagem



















5. Representações não-linguísticas
Quanto mais usamos os dois sistemas de representação, mais somos capazes de pensar sobre e lembrar o conhecimento.
Duas generalizações ajudam o professor na sala de aula:
- Várias atividades produzem representações não-linguísticas: criar representações gráficas, fazer modelos físicos, gerar imagens mentais, fazer desenhos e pictografias e envolver-se em atividade sinestésica.
- As representações não-linguísticas devem elaborar sobre o conhecimento.
Criação de organizadores gráficos nos ajudam a compreender melhor esta estratégia de ensino.









Padrão descritivo


















Padrões de seqüência de tempo










Padrões de processo/causa-efeito






Padrões de episódio

















6. Aprendizagem cooperativa

Cinco elementos definem a aprendizagem cooperativa:
- Interdependência positiva, a sensação de trabalho coletivo;
- Interação estimuladora face a face, quando ajuda e aplaude o sucesso;
- Responsabilidade individual e de grupo, a contribuição individual no sentido de melhorar o grupo.
- habilidades interpessoais e de pequeno grupo, comunicação, confiança, liderança, tomada de decisão e resolução de conflitos;
- Processamento em grupo, refletir sobre a competência e a possibilidade de melhorar;
Três generalizações para guiar o uso da aprendizagem cooperativa:

I- O organização de grupos com base nos níveis de competência deve ser feita com moderação por conta da homogeneidade ou da heterogeneidade que se reflete no desempenho individual e no do grupo;
II-Os grupos cooperativos devem ser mantidos em grupos pequenos, pois se revelaram mais eficazes.
III-Aprendizagem cooperativa deve ser aplicada consistente e sistematicamente, porém sem excesso.
Os grupos para aprendizagem cooperativa podem ser organizados por vários critérios: idade, habilidade, interesse, cores das roupas etc.
Os grupos podem ser informais, quando a formação dele é por pouco tempo; formal, quando são formados para durar mais tempo (uma semana, um mês etc.), e os grupos de base, quando são formados para um tempo bem maior (um semestre, um ano, a duração do curso etc.).
Os grupos podem ser manejados de acordo com a necessidade do trabalho a ser realizado a critério do professor. Pode também ser combinado com outras estratégias de ensino para evitar o excesso.


7. Estabelecer objetivos e fornecer feedback

O estabelecimento de objetivos é o processo de apontar uma direção para a aprendizagem a curto, médio e longo prazo. Os objetivos apresentam três generalizações importantes:
I- Os objetivos do ensino estreitam o foco dos alunos, pois induzem-no a focar no objetivo e deixar informações relacionadas de fora do processo;
II- Os objetivos do ensino não devem ser demasiadamente específicos, uma vez que seu formato não ajuda na condução das atividades relacionadas de uma atividade. Os objetivos devem ser elaborados num formato mais geral.
III- Os alunos devem ser encorajados a personalizar os objetivos do professor, dando um caráter pessoal a ele. Estudos têm demonstrado resultados positivos no desempenho dos alunos quando eles personalizam seus objetivos.
É importante estabelecer objetivos para os alunos, porém estes devem ser gerais o suficiente para proporcionar flexibilidade.

Quanto ao feedback, é o melhor meio de perceber o desempenho dos alunos e pesquisas apontam algumas generalizações para guiar seu uso:
I- O feedback de ser “corretivo” em sua natureza, isto é, deve proporcionar ao aluno uma explicação do que se está fazendo é correto ou não é correto;
II- O feedback deve ser oportuno, ou seja, o momento do feedback é fundamental para sua eficácia. O feedback, dado logo após uma atividade, é mais eficaz no desempenho do aluno do que dado após um tempo maior;
III- O feedback deve ser específico a um critério, isto é, deve ser referenciado pelo critério, com um nível específico de habilidade ou de conhecimento;
IV- Os alunos podem proporcionar, efetivamente, parte do seu próprio feedback monitorando seu próprio desempenho pelo acompanhamento enquanto ocorre a aprendizagem.
O feedback pode ser realizado através de roteiros genéricos que proporcionam formas de se prover uma resposta para determinada habilidade ou conhecimento.


8. Gerar e testar hipóteses

Por definição, o processo de gerar e testar hipóteses envolve a aplicação de conhecimento. É algo que fazemos muito naturalmente em muitas situações. Duas generalizações podem ajudar a guiar o uso da geração e o teste de hipóteses em sala de aula:

I- A geração e o teste de hipóteses podem ser abordados de uma maneira mais indutiva ou dedutiva. O pensamento dedutivo é o processo de uso de uma regra geral para fazer uma previsão sobre uma ação ou evento futuro. Já o pensamento indutivo é o processo de extrair novas conclusões baseadas em informações que conhecemos ou que nos são apresentadas. Pesquisas indicam o pensamento dedutivo como de maior uso.

II- Os professores devem pedir aos alunos para explicar claramente suas hipóteses e conclusões. Pesquisas indicam que pedir aos alunos que explicitem seus pensamentos, de preferência em relatórios escritos, ajuda na compreensão do que estão fazendo ou pensando.

Os processos de gerar e testar hipóteses podem ser usados em todas as disciplinas. As seis tarefas a seguir empregam a testagem de hipóteses:

I- Análise de sistemas (econômico, de transportes etc.):
Estrutura para análise:
1) O propósito do sistema;
2) Descrever como as partes afetam uma a outra;
3) Identificar uma parte do sistema, descrever uma mudança nessa parte e formular hipótese do que aconteceria como resultado dessa mudança.
4) Quando possível, testar sua hipótese.

II- Resolução de problemas:
Por definição, problemas envolvem obstáculos e restrições.
Estrutura para análise:
1) Identificar o objetivo que está se tentando atingir;
2) Descrever as barreiras ou restrições que estão impedindo de atingir seu objetivo;
3) Identificar diferentes soluções para superar as barreiras ou restrições e formular a hipótese de qual solução tem maior probabilidade de funcionar;
4) Experimentar uma solução – real ou através de uma simulação;
5) Explicar se sua hipótese estava correta ou testar outra hipótese usando uma solução diferente.

III- Investigação histórica:
Construção de eventos plausíveis para eventos do passado.
Estrutura para análise:
1) Descrever claramente o evento histórico a ser examinado;
2) Identificar o que é conhecido ou acordado a respeito e o que não é conhecido ou não há desacordo;
3) Apresentar um critério hipotético;
4) Buscar e analisar evidências para determinar se seu cenário hipotético é plausível.

IV- Invenção:
Geralmente para essa modalidade se exigem muitas testagens de hipóteses.
Estrutura:
1) Descrever uma situação ou necessidade que se quer satisfazer;
2) Identificar padrões específicos para a invenção que melhorem a situação ou satisfaçam a necessidade;
3) Pensar em uma série de idéias e formular hipóteses sobre a probabilidade de que elas funcionem;
4) Quando sua hipótese sugerir que uma idéia específica pode funcionar, crie a invenção;
5) Desenvolver sua invenção até o ponto de poder testar sua hipótese;
5) Reveja sua invenção até que ela atinja os padrões que você estabeleceu.

V- Investigação experimental:
Pode ser usada em todas as disciplinas.
Estratégia geral:
1) Observar algo de seu interesse e descrever o que observa;
2) Aplicar teorias e regras para explicar o que você observou;
3) Gerar uma hipótese para prever o que aconteceria se você aplicasse as teorias ou regras ao que você observou ou a uma situação relacionada com o que você observou;
4) Determine um experimento ou se envolva numa atividade para testar sua hipótese;
5) Explicar os resultados da sua experiência ou atividade. Decidir se sua hipótese estava correta e se você precisa conduzir experiências ou atividades adicionais ou se precisa gerar e testar uma hipótese alternativa.

VI- Tomada de decisão:
Ajuda na seleção do que tem de mais ou de menos de algo ou qual é o melhor ou pior exemplo de alguma coisa. Requer reflexão e uso de conhecimentos relacionados ao assunto exposto.
Estrutura:
1) Descrever a decisão e as alternativas que está considerando;
2) Identificar os critérios e a importância deles através de uma escala de valores (de 1 a 4; de 10 a 100 etc.).
3) Avaliar cada alternativa para indicar a satisfação de cada uma delas;
4) Para cada alternativa atribuir uma pontuação;
5) Determinar a alternativa de pontuação mais elevada;
6. Determinar se é necessário mudar as pontuações, acrescentar ou tirar algum critério.
Certifique-se de que seus alunos podem explicar suas hipóteses e suas conclusões. Para isso o professor pode ajudar em vários aspectos:
- gabaritos para relato de trabalho;
- escrever inícios de frases, especialmente para os alunos menores;
- pedir registro de áudio ou vídeo em que explicam suas hipóteses e conclusões;
- desenvolver roteiros para que saibam os critérios pelos quais serão avaliados;
- proporcionar eventos para que os pais e a comunidade peçam aos alunos para que expliquem seu pensamento.


9. Pistas, perguntas e organizadores avançados

As pistas e perguntas são maneiras de um professor ajudar os alunos a usar o que já sabem sobre um tema. As pistas envolvem “dicas” sobre o que os alunos estão prestes a experimentar. As perguntas desempenham mais ou menos a mesma função. Dar pistas e questionar está no centro do trabalho em sala de aula. Quatro generalizações ajudam o professor no uso de pistas e perguntas:
1) As pistas e perguntas devem se concentrar no que é importante, em oposição ao que é incomum. O que mais interessa são as perguntas fundamentais para o entendimento de determinado tema;
2) Perguntas de “nível superior” produzem uma aprendizagem mais profunda do que perguntas de “nível inferior”.
3) “Esperar” um pouco antes de aceitar as respostas dos alunos tem o efeito de aumentar a profundidade de suas respostas. O “tempo de espera” é fundamental para uma boa aprendizagem, pois permite maior interação entre os alunos e mais elocução na sua exposição.
4) As perguntas são instrumentos de aprendizagem eficientes quando formuladas antes de uma experiência de aprendizagem, pois ajudam na estrutura mental com que os alunos processam a experiência da aprendizagem.

As pistas são maneiras diretas de ativar o conhecimento prévio. São denominadas pistas explícitas porque vão direto ao tema que está sendo ou foi tratado.
As perguntas, por sua vez, são:
- as que suscitam inferências, isto é aquelas que irão ajudar no sentido de “completar” as informações que estão faltando (coisas, pessoas, eventos, condições de vida e outras formas);
- perguntas analíticas, requerem análise e crítica das informações que lhe são apresentadas.
Para isso, convém ter uma lista de habilidades analíticas que são:
I- Analisando erros – identificar e articular erros na lógica das informações;
II- Construindo apoio – construir um sistema de apoio ou prova para uma afirmação;
III- Analisando perspectivas – identificar e articular perspectivas pessoais sobre as questões

Outra forma de ajudar os alunos a usar seu conhecimento prévio para aprender novas informações são os organizadores avançados que são, por definição, materiais introdutórios, adequadamente relevantes, apresentados antes da aprendizagem, destinados a suprir uma lacuna entre o que o aprendiz já sabe e o que ele precisa saber antes de aprender com sucesso.
As generalizações que se aplicam em pistas e perguntas, também se aplicam nos organizadores avançados. Assim temos:
1) As pistas e perguntas devem se concentrar no que é importante, em oposição ao que é incomum. O que mais interessa são as perguntas fundamentais para o entendimento de determinado tema;
2) Perguntas de “nível superior” produzem uma aprendizagem mais profunda do que perguntas de “nível inferior”.
3) Os organizadores avançados são mais úteis com informação que não está bem organizada;
4) Diferentes tipos de organizadores avançados produzem resultados distintos.

Há quatro tipos gerais de organizadores avançados:
- Organizadores avançados expositivos, são aqueles que simplesmente descrevem o novo conteúdo ao qual os alunos serão expostos.
- Organizadores avançados narrativos, são aqueles que apresentam informações aos alunos na forma de histórias;
- Skimming como uma forma de organizador avançado

Skimming
“Skim” em inglês é deslizar à superfície, desnatar (daí skimmed milk = leite desnatado), passar os olhos por. A técnica de “skimming” nos leva a ler um texto superficialmente. Utilizar esta técnica significa que precisamos ler cada sentença, mas sim passarmos os olhos por sobre o texto, lendo algumas frases aqui e ali, procurando reconhecer certas palavras e expressões que sirvam como ‘dicas’ na obtenção de informações sobre o texto. Às vezes não é necessário ler o texto em detalhes.
Fonte: http://www.inglescurso.net.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1058&Itemid=148

- Organizadores avançados gráficos. Representação não-linguística também utilizada como organizadores avançados

Organizador gráfico: aula de francês























APLICAÇOES ESPECÍFICAS

Ensinando tipos específicos de conhecimento
Sobre termos e expressões do vocabulário é forte o seu relacionamento com a inteligência, com a capacidade de compreender novas informações e o nível de renda. Pode-se dizer que o ensino sistemático do vocabulário é aspecto fundamental do ensino em praticamente toda a escola.
As generalizações que seguem podem ser usadas para orientar o ensino:
1) Para aprender as palavras, os alunos devem encontrá-las mais de uma vez no contexto;
2) O ensino de novas palavras melhora a aprendizagem dessas palavras no contexto;
3) Uma das melhores maneiras de aprender uma palavra nova é associá-la a uma imagem.
4) O ensino direto do vocabulário funciona.
5. O ensino direto de palavras que são fundamentais para um novo conteúdo produz um ensino mais eficaz.

Um processo para ensinar novos termos e expressões:
Passo 1 – Dar aos alunos uma breve explicação ou descrição do novo termo ou expressão;
Passo 2 – Apresentar aos alunos uma representação não-linguística do novo termo ou expressão;
Passo 3 - Pedir aos alunos para gerarem suas próprias explicações ou descrições do termo ou expressão;
Passo 4 – Pedir aos alunos para criarem suas próprias representações não-linguísticas do termo ou expressão;
Passo 5 – Pedir periodicamente aos alunos que revejam a precisão de suas explicações e representações.

Outro tipo específico de conhecimento são os detalhes. Duas generalizações podem ser usadas pelos professores:
I- Os alunos devem ter exposições sistemáticas e múltiplas aos detalhes;
II- Os detalhes são extremamente sensíveis ao ensino dramático.

Os alunos devem ser expostos a exposições múltiplas em tempo relativamente curto e também à representação dramática de detalhes fundamentais. Essa técnica deve ser planejada pelo professor e se espera um bom resultado no desempenho do aluno.

As organizações das ideias, juntamente com as generalizações e os princípios, são o tipo mais geral de conhecimento declarativo. Duas generalizações podem ajudar no ensino da organização de ideias:
I- Inicialmente, os alunos em geral têm concepções equivocadas sobre a organização de ideias.
II - Devem ser dadas oportunidades aos alunos para aplicarem a organização de ideias.

Quanto às habilidades, elas aparecem de duas formas diferentes;
- Táticas: regras gerais que governam um fluxo geral de execução;
- Algoritmos: habilidades mentais que têm resultados e passos específicos.
Generalizações que ajudam a orientar o ensino de habilidades:
I-É difícil alcançar as habilidades por meio da aprendizagem pela descoberta;
II-Quando os professores usam a aprendizagem pela descoberta, eles devem organizar os exemplos em categorias que representem as diferentes abordagens da habilidade.
III- As habilidades são mais úteis quando aprendidas até o nível da automacidade.

Quanto aos processos, que são semelhantes às habilidades, duas generalizações que os professores podem usar para orientar o ensino com processos:
I- Os alunos devem praticar as partes de um processo no contexto do processo geral;
II- Os professores devem enfatizar o controle metacognitivo dos processos, ou seja, o aluno deve ter dominado as habilidades e ter controle das interações entre os elementos.


O ensino que funciona – questões e gabarito

1. O Relatório Coleman é um estudo aprofundado sobre as práticas de ensino nas escolas dos Estados Unidos que chegou à seguinte conclusão:
a. a qualidade de ensino tem tudo a ver com o desempenho dos alunos e alunas.
b. as condições de trabalho dos funcionários de uma escola fazem toda a diferença na aprendizagem.
c. o grupo gestão da escola faz muita diferença no desempenho do aluno.
d. a qualidade de ensino tem pouco a ver com o aprendizado do aluno.
e. a origem e o perfil econômico do aluno fazem a diferença na aprendizagem.

2. Dentro da estratégia identificar semelhanças e diferenças, o quadro abaixo refere-se:


está para



Medidas de alteração incremental em algo
Relacionamento




assim como está para


a. criação de gráficos de parâmetros;
b. criação de analogias;
c. criação de esquemas de identificação;
d. identificação de trabalho eficiente;
e. formas diferenciadas de trabalhos eficientes.


3. Dentro da prática de proporcionar reconhecimento, assinale a alternativa que indica maior eficiência nesse processo:
a. O reconhecimento simbólico abstrato;
b. A recompensa em espécie e tangível;
c. O reconhecimento através de parâmetros de comportamento;
d. A recompensa depois da atividade ajuda a estimular o aluno
e. A recompensa durante o ano letivo.










4. Assinale a alternativa que indica a categoria na qual se enquadra o esquema abaixo:

Padrão descritivo






















a. Anotações feitas com caráter de eliminação;
b. Pictogramas de transição linguísticas;
c. Representações não-linguísticas;
d. Representações de caráter linguística e moral;
e. As questões “a” “b” e “d” estão corretas.

5. O gráfico abaixo se refere a:



















a. Tabela de exercícios de forma adequada;
b. Organizador avançado gráfico;
c, Esquema de medir cooperação
c, Forma diferenciada em função do andamento das aulas.





Gabarito
1. d
2. b
3. a
4. c
5.b




13. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2006..

Síntese elaborada por Carlos R. Paiva: Publicada na Revista de Educação nº 15

Em relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors, estabeleceram-se os quatro pilares da educação contemporânea: aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer. Ela só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano.
Com o objetivo de aprofundar a visão transdisciplinar da educação, a UNESCO solicitou a Edgar Morin que expusesse suas idéias sobre a educação do amanhã.
Este texto apóia-se sobre o saber científico, provisório, para situar a condição humana, mas também desemboca em profundos mistérios referentes à vida, ao ser humano, ao universo...

Capítulo I: AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: O ERRO E A ILUSÃO
A educação que visa a transmitir conhecimentos é cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupa em fazer conhecer o que é conhecer. O conhecimento não é uma ferramenta ready made, utilizada sem que sua natureza seja examinada. O conhecimento do conhecimento deve ser uma necessidade primeira, uma preparação para enfrentar os riscos permanentes de erro e de ilusão, que não cessam de parasitar a mente humana. Trata-se de armar cada mente no combate vital à lucidez.
É necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais do conhecimento humano, seus processos e modalidades, o estudo das disposições psíquicas e culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. A educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja ameaçado por tais riscos.
Todas as percepções são traduções, reconstruções cerebrais com base em estímulos captados e codificados pelos sentidos. Ao erro da percepção acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e está sujeito a erro.
A projeção dos desejos ou medos e as perturbações mentais trazidas pelas emoções multiplicam os riscos de erro. O desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. Não há um estágio superior da razão dominante da emoção, mas um eixo intelecto x afeto e, de certa maneira, a capacidade de emoções é indispensável ao estabelecimento de comportamentos racionais.
A educação deve dedicar-se, por conseguinte, à identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras.
Os erros mentais
Nenhum dispositivo cerebral distingue a alucinação da percepção, o imaginário do real, o subjetivo do objetivo. É grande a importância do imaginário no ser humano - as vias do sistema neurocerebral, que colocam o organismo em conexão com o mundo exterior, representam 2%, enquanto 98% se referem ao funcionamento interno. Tal fato constitui um mundo psíquico relativamente independente, em que fermentam sonhos, desejos, imagens, fantasias, e esse mundo infiltra-se em nossa visão ou concepção do mundo.
A mente é dotada de potencial de mentira para si próprio (self-deception). O egocentrismo, a necessidade de autojustificativa, a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada um minta para si próprio, sem detectar a mentira da qual é autor. A memória é também fonte de erros - não regenerada pela rememoração, tende a degradar-se. A mente, inconscientemente, tende a selecionar as lembranças que convêm e a recalcar ou apagar as que incomodam. Tende a deformar as recordações por projeções ou confusões inconscientes. Existem falsas lembranças.
Os erros intelectuais
Teorias, doutrinas, ideologias estão sujeitas ao erro, que é protegido por esses sistemas de idéias. As teorias resistem à agressão das teorias inimigas ou dos argumentos contrários. As doutrinas (teorias fechadas sobre elas mesmas e absolutamente convencidas de sua verdade) são invulneráveis a qualquer crítica que denuncie seus erros.
Os erros da razão
A racionalidade é corretiva. Ela é a melhor proteção contra o erro e a ilusão.
Existe a racionalidade construtiva, que deve manter-se aberta ao que a contesta para evitar que se feche em doutrina e se converta em racionalização; por outro lado, há a racionalidade crítica exercida, particularmente, sobre os erros e ilusões das crenças, doutrinas e teorias. A racionalidade traz a possibilidade de erro e de ilusão quando se perverte em racionalização, que é fechada. O racionalismo ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida; é irracional. A verdadeira racionalidade negocia com a irracionalidade. É não só crítica, mas autocrítica.
A racionalidade não é uma qualidade da qual são dotadas todas as mentes. É possível ser sábio em uma área de competência e irracional em outra. Da mesma forma, a racionalidade não é uma qualidade exclusiva da civilização ocidental. Em qualquer sociedade, mesmo arcaica, há racionalidade na elaboração de ferramentas, na estratégia da caça, no conhecimento das plantas, dos animais, do solo, ao mesmo tempo em que há mitos, magia e religião.
Começamos a nos tornar racionais quando reconhecemos a racionalização até em nossa racionalidade e reconhecemos os próprios mitos. Daí decorre a necessidade de reconhecer na educação do futuro um princípio de incerteza racional.
As cegueiras paradigmáticas
O paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto; determina a dupla visão do mundo: sujeito/objeto, alma/corpo, espírito/matéria, qualidade/ quantidade, finalidade/causalidade, sentimento/razão. Ao determinismo de paradigmas e modelos explicativos associa-se o determinismo de convicções e crenças, que impõem a todos a força do sagrado, do dogma e do tabu. O poder imperativo e proibitivo dos paradigmas, crenças oficiais, doutrinas reinantes e verdades estabelecidas, determina os estereótipos cognitivos, as idéias recebidas sem exame, as crenças estúpidas não-contestadas, os absurdos triunfantes, a rejeição de evidências em nome da evidência, e faz reinar em toda parte os conformismos cognitivos e intelectuais.
O imprinting cultural (marca indelével imposta pelas primeiras experiências do recém-nascido) inscreve o conformismo a fundo, e a normalização elimina o que poderia contestá-lo.
A noologia: possessão
As crenças e as idéias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e poder. Podem possuir-nos. Desde o alvorecer da humanidade, encontra-se a noção de noosfera (a esfera das coisas do espírito) com o surgimento dos mitos, dos deuses e dos seres espirituais, que impulsionou e arrastou o Homo sapiens a delírios, massacres, adorações e sublimidades desconhecidas do mundo animal. Produto de nossa alma e mente, a noosfera está em nós e nós estamos na noosfera. Os mitos tomaram forma e realidade com base nos sonhos e na imaginação. As ideias, com base nos símbolos e nos pensamentos de nossa inteligência. Mitos e ideias invadiram-nos, deram-nos emoção. Os humanos possuídos são capazes de morrer ou de matar por um deus, por uma ideia. As ideias existem pelo homem e para ele, mas o homem existe também pelas ideias e para elas.
A idealidade (modo de existência necessário à ideia para traduzir o real) e o idealismo (possessão do real pela ideia), a racionalidade (diálogo entre a ideia e o real) e a racionalização (que impede o diálogo) são oriundos da mesma fonte. Entretanto, são as ideias que nos permitem conceber as carências e os perigos da ideia. Daí resulta este paradoxo: devemos manter uma luta crucial contra as ideias, mas somente podemos fazê-lo com a ajuda de ideias.
A incerteza do conhecimento
O conhecimento do conhecimento deve ser, para a educação, um princípio e uma necessidade permanentes. Existem condições bioantropológicas, socioculturais e noológicas que permitem interrogações sobre o mundo, o homem e sobre o próprio conhecimento. A procura da verdade pede a busca e a elaboração de metapontos de vista. Devemos jogar com as duplas possessões, a das ideias por nossa mente, a de nossa mente pelas ideias. Instaurar a convivialidade entre ideias e mitos.
É preciso evitar idealismo e racionalização. Necessitamos de que se cristalize e se enraíze um paradigma que permita o conhecimento complexo. O problema cognitivo é de importância antropológica, política, social e histórica. As pessoas não podem mais ser brinquedos inconscientes de suas próprias mentiras.

Capítulo II: OS PRINCÍPIOS DO CONHECIMENTO PERTINENTE
O conhecimento fragmentado em disciplinas impede o vínculo entre as partes e a totalidade e deve ser substituído por um modo capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. É necessário desenvolver a aptidão humana para situar as informações em um contexto de um mundo complexo. A contextualização é condição essencial da eficácia do funcionamento cognitivo.
O conhecimento do mundo é uma necessidade intelectual e vital. É o problema atual de todo cidadão: como ter acesso às informações e poder articulá-las e organizá-las? Para tal, é necessária a reforma do pensamento, que deve ser paradigmática, e não programática. A esse problema confronta-se a educação do futuro, que existe entre os saberes desunidos, divididos, compartimentados e as realidades/ problemas multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. Para que o conhecimento seja pertinente, a educação deverá tornar evidente o contexto, o global; o multidimensional e o complexo. A educação do futuro deverá inspirar-se no princípio de Pascal: "sendo todas as coisas causadas e causadoras, mediatas e imediatas... considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tão pouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes".
Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais. O ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa. Não se pode isolar uma parte do todo, mas as partes umas das outras.
Complexus significa o que foi tecido junto. Há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo, e há um tecido interdependente, interativo e interretroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.
Em conseqüência, a educação deve promover a "inteligência geral" apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global.
A inteligência geral
Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar de problemas especiais e particulares. O conhecimento, ao buscar construir-se com referência ao contexto e ao global, deve mobilizar o que o conhecedor sabe do mundo.
A educação deve favorecer a aptidão da mente para formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Esse uso pede o exercício da curiosidade. As especializações disciplinares estão dispersas, desunidas. Os sistemas de ensino provocam a disjunção entre as humanidades e as ciências, assim como a separação das ciências em disciplinas hiper-especializadas, fechadas em si mesmas. Os problemas fundamentais e os problemas globais estão ausentes das ciências disciplinares. São salvaguardados apenas na filosofia, que, por sua vez, tornou-se um campo fechado sobre si mesmo.
As mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes, do mesmo modo que para integrá-los em seus conjuntos naturais. O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos).
A hiper-especialização impede a percepção do global (fragmentado em parcelas), a percepção do essencial, o tratamento dos problemas particulares (que só podem ser propostos e pensados em seu contexto) e o tratamento dos problemas essenciais (que nunca são parcelados). O princípio de redução leva a restringir o complexo ao simples. A lógica mecânica e determinista da máquina artificial conduz a excluir tudo aquilo que não seja quantificável e mensurável, eliminando o elemento humano do humano, isto é, paixões, emoções...
Como a educação ensinou a compartimentar, e não a unir os conhecimentos, o conjunto deles constitui um quebra-cabeça ininteligível. A incapacidade de organizar o saber compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar. A inteligência compartimentada torna unidimensional o multidimensional. Por isso, incapaz de considerar o contexto e o complexo, a inteligência torna-se inconsciente e irresponsável. O problema dos humanos é beneficiar-se das técnicas, mas não se submeter a elas. Contudo as inteligências artificiais estão instaladas nas mentes sob forma de pensamento tecnocrático, pertinente para tudo que se relaciona com as máquinas artificiais e incapaz de compreender o vivo e o humano aos quais se aplica, acreditando-se o único racional. A pseudo-racionalidade, isto é, a racionalização abstrata e unidimensional, triunfa. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso conjugá-las.

Capítulo III: ENSINAR A CONDIÇÃO HUMANA
O ser humano é uma unidade complexa, que adquiriu um caráter desintegrado na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. Desse modo, a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino. É possível, com base nas disciplinas atuais, reconhecer a unidade e a complexidade humanas, reunindo e organizando conhecimentos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia. Enraizamento/desenraizamento do ser humano. Devemos reconhecer nosso duplo enraizamento no cosmos físico e na esfera viva e, ao mesmo tempo, nosso desenraizamento propriamente humano. Estamos simultaneamente dentro e fora da natureza. Encontramo-nos no gigantesco cosmos em expansão, constituído de bilhões de estrelas e galáxias. Essas macromoléculas associaram-se em turbilhões dos quais um, cada vez mais rico em diversidade molecular, metamorfoseou-se em organização de novo tipo, em relação à organização estritamente química: uma auto-organização viva. Uma porção de substâncias físicas organizou-se de maneira termodinâmica sobre a Terra; por meio de imersão marinha, banhos químicos e descargas elétricas, adquiriu vida.
A vida é solar: todos os seus elementos foram forjados em um sol e reunidos em um planeta. Nós, os seres vivos, somos um elemento da diáspora cósmica, algumas migalhas da existência solar, um diminuto broto da existência terrena. Pertencemos ao destino cósmico; estamos, porém, marginalizados: a Terra é o terceiro satélite de um sol errante entre bilhões de estrelas em uma galáxia periférica de um universo em expansão. Somos seres cósmicos e terrestres. Como seres vivos, dependemos, vitalmente, da biosfera terrestre.
A importância da hominização é primordial à educação voltada para a condição humana, porque nos mostra como a animalidade e a humanidade constituem, juntas, a condição humana. O hominídeo humaniza-se. O conceito de homem tem duplo princípio: biofísico e
psico-sócio-cultural, um remetendo ao outro.
O circuito cérebro/mente/cultura
O homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e na cultura. Não há cultura sem cérebro humano, nem mente sem cultura - é uma tríade entre cérebro/mente/cultura, em que cada um dos termos é necessário ao outro. A mente é o surgimento do cérebro que suscita a cultura, que não existiria sem o cérebro.
O circuito razão/afeto/pulsão
As relações entre as três instâncias são complementares e também antagônicas, comportando conflitos entre a pulsão, o coração e a razão. Correlativamente, a relação triúnica não obedece à hierarquia razão/afetividade/pulsão; há uma relação instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias. A racionalidade não dispõe, portanto, de poder supremo; é concorrente e antagônica às outras instâncias de uma tríade inseparável.
O circuito indivíduo/sociedade/espécie
Os indivíduos são produtos do processo reprodutor da espécie humana, que deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos. Tais interações produzem a sociedade, que testemunha o surgimento da cultura e retroage sobre os indivíduos pela cultura.
A plenitude e a livre expressão dos indivíduos constituem nosso propósito ético e político, sem, entretanto, constituírem a própria finalidade da tríade indivíduo/sociedade/espécie. Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana.
Unitas multiplex: unidade e diversidade humana
Cabe à educação do futuro cuidar para que a idéia de unidade da espécie humana não apague a idéia de diversidade e vice-versa. A educação deverá ilustrar o principio unidade/diversidade em todas as esferas.
Na esfera individual, existe unidade/diversidade genética. Todo ser humano traz geneticamente em si a espécie humana e compreende geneticamente a própria singularidade anatômica, fisiológica. Há unidade/diversidade cerebral, mental, psicológica, afetiva, intelectual, subjetiva.
Na esfera da sociedade, existe a unidade/diversidade das línguas (que nos torna gêmeos pela linguagem e separados pelas línguas), das organizações sociais e das culturas.
A cultura é o conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos que se transmite de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Assim, sempre existe a cultura nas culturas. Mas a cultura existe apenas por meio das culturas.
O duplo fenômeno da unidade/diversidade das culturas é crucial. A cultura mantém a identidade humana naquilo que tem de específico; as culturas mantêm as identidades sociais naquilo que têm de específico.
As culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na realidade, são também abertas: integram nelas saberes e técnicas, e também idéias, costumes, alimentos, indivíduos vindos de fora.
O ser humano é complexo e traz em si caracteres antagonistas: sapiens e demens (sábio e louco), faber e ludens (trabalhador e lúdico), empiricus e imaginarius (empírico e imaginário), economicus e consumans (econômico e consumista), prosaicus e poeticus (prosaico e poético). O homem da racionalidade é também o da afetividade, do mito, do delírio (demens). O homem do trabalho é também o do jogo (ludens). O homem empírico é também o imaginário (imaginarius). O homem da economia é também o do consumismo (consumans). Existem, ao mesmo tempo, unidade e dualidade no ser humano; o desenvolvimento do conhecimento racional-empírico-técnico jamais anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético.
O ser humano é um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; nutre-se dos conhecimentos comprovados, mas também de ilusões e de quimeras. A loucura é também um problema central do homem e não apenas dejeto ou doença. A demência não levou a espécie humana à extinção (só as energias nucleares liberadas pela razão científica e só o desenvolvimento da racionalidade técnica dependente da biosfera poderão conduzi-la ao desaparecimento). Isso significa que os progressos da complexidade se fazem, ao mesmo tempo, com a loucura humana, apesar dela e por causa dela.
A educação deveria mostrar e ilustrar o destino multifacetado do humano: o destino da espécie humana, o individual, o social, o histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Isso conduziria à tomada de conhecimento e de consciência da condição comum a todos os humanos, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra...
Capítulo IV: ENSINAR A IDENTIDADE TERRENA
O destino planetário do gênero humano é outra realidade-chave até agora ignorada pela educação. Convém ensinar a história da era planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, e mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem, contudo, ocultar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram. Será preciso indicar a crise que marca o século XX, mostrando que todos os seres humanos, confrontados de agora em diante com os mesmos problemas de vida e morte, partilham um destino comum.
Na era das telecomunicações, da informação, da Internet, estamos submersos na complexidade do mundo. As incontáveis informações sufocam as possibilidades de inteligibilidade. É a complexidade que apresenta problema. O planeta exige um pensamento policêntrico, capaz de apontar o universalismo, não abstraio, mas consciente da unidade/ diversidade da condição humana.
A era planetária
A história humana começou por uma diáspora que afetou todos os continentes não produziu nenhuma cisão genética: pigmeus, negros, amarelos, índios, brancos vêm da mesma espécie, possuem os mesmos caracteres fundamentais de humanidade. Contudo, levou à extraordinária diversidade de línguas, culturas, destinos. A riqueza da humanidade reside na sua diversidade criadora, mas a fonte de sua criatividade está em sua unidade geradora.
A partir de 1492, Espanha, Portugal, França e Inglaterra se lançam à conquista do globo e, por meio de aventuras, guerras e morte, engendram a era planetária que, desde então, leva os cinco continentes à comunicação. A planetarização provoca, no século XX, duas guerras mundiais, duas crises econômicas mundiais e, após 1989, a generalização da economia liberal denominada mundialização. A economia mundial é cada vez mais interdependente: cada uma de suas partes tornou-se dependente do todo e, reciprocamente, o todo sofre as perturbações e imprevistos que afetam as partes. Tudo está instantaneamente presente, de um ponto do planeta ao outro, pela televisão, telefone, fax, Internet. O indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo. Enquanto o europeu está num circuito planetário de conforto, grande número de africanos, asiáticos e sul-americanos acha-se em um circuito de miséria. Sofrem, no cotidiano, as flutuações do mercado mundial, que afetam as ações das matérias-primas que seus países produzem. Foram expulsos do campo por causa dos processos mundializados, provenientes do Ocidente, como a monocultura industrial. Camponeses auto-suficientes tornaram-se suburbanos em busca de salário; suas necessidades agora são traduzidas em termos monetários. Dessa maneira, cada ser humano traz em si, sem saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente. Ela é unificadora, mas também conflituosa em sua essência. A unificação mundializante faz-se acompanhar cada vez mais pelo próprio negativo que ela suscita, pelo efeito contrário: a balcanização. Dessa maneira, o século XX criou e dividiu um tecido planetário único; seus fragmentos ficaram isolados, eriçados e intercombatentes. O século XX não saiu da idade de ferro planetária; mergulhou nela.
O legado do século XX
O século XX foi o da aliança entre duas barbáries: a primeira traz guerra, massacre, deportação, fanatismo. A segunda só conhece o cálculo, ignora o indivíduo, seu corpo, seus sentimentos, sua alma e multiplica o poderio da morte e da servidão técnico-industriais. As forças autodestrutivas foram particularmente ativadas: o vírus da AIDS, as drogas pesadas como a heroína. A possibilidade de extinção global de toda a humanidade pelas armas nucleares não foi dissipada; ao contrário, cresce com a disseminação e a miniaturização da bomba. O potencial de auto-aniquilamento acompanha a marcha da humanidade. Desde os anos 70, descobrimos que os dejetos, as emanações; as exalações de nosso desenvolvimento técnico-industrial urbano degradam a biosfera e ameaçam envenenar irremediavelmente o meio vivo ao qual pertencemos: a dominação desenfreada da natureza pela técnica conduz a humanidade ao suicídio.
Se a modernidade é definida como fé incondicional no progresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, então esta modernidade está morta.
A esperança
A educação, que é ao mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para receber o novo, encontra-se no cerne dessa nova missão. O século XX deixou, como herança, contracorrentes regeneradoras, em reação às correntes dominantes. Devemos considerar:
• a contracorrente ecológica que, com o crescimento das degradações e o surgimento de catástrofes técnicas/industriais, só tende a aumentar;
• a contracorrente qualitativa que, em reação à invasão do quantitativo e da uniformização generalizada, apega-se à qualidade em todos os campos, a começar pela qualidade de vida;
• a contracorrente de resistência à vida prosaica puramente utilitária, que se manifesta pela busca da vida poética, dedicada ao amor, à admiração, à paixão, à festa;
• a contracorrente de resistência à primazia do consumo padronizado, que se manifesta pela busca da intensidade vivida ("consumismo") e pela busca da frugalidade e da temperança;
• a contracorrente de emancipação em relação à tirania onipresente do dinheiro, que, ainda tímida, busca contrabalançar-se por relações humanas e solidárias, fazendo retroceder o reino do lucro;
• a contracorrente em reação ao desencadeamento da violência, que, também tímida, nutre éticas de pacificação das almas e das mentes.
Todas essas correntes prometem intensificar-se ao longo do século XXI e constituir focos de transformação. Mas a verdadeira transformação só poderia ocorrer com a intertransformação de todos, operando assim uma transformação global, que retroagiria sobre as transformações individuais.
Uma das condições fundamentais para a evolução positiva seria as forças emancipadoras inerentes à ciência e à técnica poderem superar as forças de morte e de servidão. As possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento das biotecnologias são igualmente prodigiosas para o melhor e para o pior. Aquilo que porta o pior perigo traz também as melhores esperanças: é a própria mente humana, e é por isso que o problema da reforma do pensamento tornou-se vital.
A identidade e a consciência terrena
A união planetária pede a consciência e um sentimento de pertencimento mútuo que nos una à Terra, considerada como primeira e última pátria. É necessário aprender a estar no planeta, o que significa aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar; não mais somente pertencer a uma cultura, mas também ser terrenos. Devemos dedicar-nos não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender. Devemos inscrever em nós:
• a consciência antropológica, que reconhece a unidade na diversidade;
• a consciência ecológica, isto é, a consciência de habitar, com todos os seres mortais, a mesma esfera viva (biosfera);
• a consciência cívica terrena, isto é, da responsabilidade e da solidariedade para com os filhos da Terra;
• a consciência espiritual da condição humana que decorre do exercício complexo do pensamento, e que permite criticar-nos mutuamente, autocriticar-nos e compreender-nos mutuamente.
De toda maneira, a era de fecundidade dos Estados-nações, dotados de poder absoluto está encerrada. O mundo confederado deve ser policêntrico e acêntrico, não apenas política, mas também culturalmente. O Ocidente que se provincializa sente a necessidade do Oriente, enquanto o Oriente quer permanecer ocidentalizando-se. A unidade, a mestiçagem e a diversidade devem desenvolver-se contra a homogeneização e o fechamento.
O imperativo antropológico impõe-se salvar a unidade e a diversidade humanas. Desenvolver identidades concêntricas e plurais: de etnia, de pátria, de comunidade, de civilização, enfim, de cidadãos terrestres. A educação do futuro deverá ensinar a ética da compreensão planetária.

Capítulo V: ENFRENTAR AS INCERTEZAS
O século XX descobriu a imprevisibilidade do futuro. O abandono das concepções deterministas da história humana que acreditavam poder predizê-lo, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres, o caráter doravante desconhecido da aventura humana devem incitar as mentes para esperar e enfrentar o inesperado. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísicas, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza.
O universo é o jogo entre a ordem, a desordem e a organização. A Terra, provavelmente, em sua origem se auto-organizou na dialógica entre ordem/desordem/organização, erupções e terremotos. A história avança, não como um rio, mas por desvios que decorrem de inovações ou de criações internas, de acontecimentos ou acidentes externos. O futuro chama-se incerteza. Toda evolução é fruto do desvio bem-sucedido, cujo desenvolvimento transforma o sistema em que nasceu: desorganiza, reorganizando-o. Não existem apenas inovações e criações. Existem também destruições. Estas podem trazer novos desenvolvimentos (avanços da técnica, da indústria e do capitalismo levaram à destruição de civilizações tradicionais, por exemplo). A história obedece, ao mesmo tempo, a determinismos e a acasos. Ela tem sempre duas faces opostas: civilização/barbárie, criação/destruição, gênese/morte. Os despotismos e totalitarismos sabem que os indivíduos diferentes constituem um desvio potencial; por isso eles os eliminam e aniquilam.
É preciso aprender a enfrentar a incerteza, já que vivemos em uma época em que os valores são ambivalentes e tudo é ligado. É por isso que a educação do futuro deve voltar-se para as incertezas ligadas ao conhecimento, pois existem princípios:
• de incerteza cérebro-mental, que decorrem do processo de tradução/ reconstrução próprio a todo conhecimento.
• de incerteza lógica: como dizia Pascal, "nem a contradição é sinal de falsidade, nem a não-contradição é sinal de verdade".
• de incerteza racional, já que a racionalidade, se não mantém autocrítica vigilante, cai na racionalização.
• da incerteza psicológica: é impossível ser totalmente consciente do que se passa em nossa mente, que conserva algo de fundamentalmente inconsciente. Existe, portanto, a dificuldade do auto-exame crítico, para o qual nossa sinceridade não é garantia de certeza, existindo limites para qualquer autoconhecimento.
As ideias e teorias podem traduzir a realidade de maneira errônea. Nossa realidade não é outra senão nossa ideia da realidade. Importa compreender a incerteza do real. É preciso saber interpretar a realidade antes de reconhecer onde está o realismo.
O conhecimento é uma aventura incerta, que comporta em si mesmo o risco de ilusão e de erro. É nas certezas doutrinárias, dogmáticas e intolerantes que se encontram as piores ilusões. A ação é decisão, escolha, mas também aposta. A ecologia da ação deve levar em consideração a complexidade que ela supõe, através do aleatório, da iniciativa, do imprevisto. Ela compreende três princípios: o circuito risco/precaução; o circuito fins/meios e o circuito ação/ contexto. Toda ação escapa à vontade de seu autor quando entra no jogo das inter-retro-ações do meio em que intervém.
A ação pode ter três tipos de conseqüências: o efeito perverso, a inanição da inovação e a colocação das conquistas em perigo.
A imprevisibilidade em longo prazo
Os efeitos de uma ação em longo prazo são imprevisíveis. Nenhuma ação está segura de ocorrer no sentido de sua intenção. Há dois meios para enfrentar tal incerteza:
• uma vez efetuada a escolha, a consciência da incerteza torna-se consciência de uma aposta. A noção de aposta deve ser generalizada quanto a qualquer fé: a fé em um mundo melhor, na justiça etc.;
• a estratégia deve prevalecer sobre o programa (que estabelece uma seqüência de ações, que devem ser executadas sem variação em um ambiente estável). Se houver modificação das condições externas, bloqueia-se o programa. A estratégia elabora um cenário de ação que examina as certezas e as incertezas da situação.
Tudo que comporta oportunidade comporta risco, e o pensamento deve reconhecer as oportunidades de riscos como os riscos das oportunidades.

Capítulo VI: ENSINAR A COMPREENSÃO
A compreensão é meio e fim da comunicação humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente do ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. O desenvolvimento desta qualidade pede a reforma das mentalidades.
Essa deve ser a obra para a educação do futuro. A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos ou estranhos, é, daqui para frente, vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão.
Daí decorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes, modalidades e efeitos. Esse estudo é necessário porque enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo.
Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação.
Educar para compreender uma disciplina é uma coisa; educar para compreensão humana é outra - ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade.
O problema da compreensão é duplamente polarizado:
• Um pólo, agora planetário, é o da compreensão entre humanos, os encontros e relações que se multiplicam entre pessoas, culturas, povos de diferentes origens culturais.
• Um pólo individual é o das relações particulares entre próximos.
Estas estão cada vez mais ameaçadas pela incompreensão (como será indicado mais adiante).
As duas compreensões
A comunicação não garante a compreensão. A informação, se bem transmitida e compreendida, traz inteligibilidade, condição necessária, mas não suficiente para a compreensão.
Há duas formas de compreensão: a intelectual ou objetiva e a humana intersubjetiva. A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação. Explicar é considerar o que é preciso conhecer como objeto e aplicar-lhe todos os meios objetivos de conhecimento. A explicação é necessária para a compreensão intelectual, mas é insuficiente para a compreensão humana. Esta comporta um conhecimento de sujeito a sujeito e inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade.
Educação para os obstáculos à compreensão
A compreensão do sentido das palavras de outro, de suas idéias, de sua visão do mundo está sempre ameaçada por todos os lados:
• Existe o "ruído" que parasita a transmissão da informação, cria o mal-entendido ou não-entendido.
• Existe a polissemia de uma noção que, enunciada em um sentido, é entendida de outra forma; assim, a palavra "cultura", verdadeiro camaleão conceptual, pode significar tudo que não é naturalmente inato.
• Existe a ignorância dos ritos e costumes do outro.
• Existe a incompreensão dos valores de outra cultura.
• Existe a incompreensão dos imperativos éticos próprios a uma cultura.
• Existe a impossibilidade de compreender as ideias ou os argumentos de outra visão do mundo.
• Existe a impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental em relação à outra.
Egocentrismo, etnocentrismo e sociocentrismo
A incompreensão de si é fonte importante da incompreensão de outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros.
O egocentrismo amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das obrigações que, anteriormente, levavam à renúncia aos desejos individuais, quando se opunham à vontade dos pais ou cônjuges. Hoje, a incompreensão deteriora as relações. O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e de glória.
O etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos e podem até despojar o estrangeiro da qualidade de ser humano. Por isso, a verdadeira luta contra os racismos se operaria mais contra suas raízes ,ego-sócio-cêntricas do que contra seus sintomas.
A ética da compreensão
A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda compreender de modo desinteressado, com grande esforço, pois não pode esperar nenhuma reciprocidade. E compreender a incompreensão - se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas. O que favorece a compreensão é:
• O "bem pensar": apreender o texto e o contexto, o ser e seu meio, o local e o global.
• A introspecção (auto-exame crítico permanente).
• A consciência da complexidade humana: não se deve reduzir o ser à menor parte dele próprio, nem mesmo ao pior fragmento de seu passado.
• A abertura subjetiva (simpática) em relação ao outro.
• A interiorização da tolerância.
• Compreensão, ética e cultura planetárias: a mundialização deveria estar a serviço do gênero humano, através da compreensão, da solidariedade intelectual e moral da humanidade. Dada a importância da educação para a compreensão, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades que deve ser a tarefa da educação do futuro.
Capítulo VII - A ÉTICA DO GÊNERO HUMANO
A concepção do gênero humano comporta a tríade indivíduo/sociedade/ espécie. A cultura, no sentido genérico, emerge dessas interações, reúne-as e confere-lhes valor. Assim, essa tríade é inseparável e seus elementos são co-produtores um do outro; cada um deles é, ao mesmo tempo,meio e fim dos outros.
A antropo-ética (ética propriamente humana) deve ser considerada como a ética da qual emerge a consciência e o espírito propriamente humanos. É a base para ensinar a ética do futuro. Supõe a decisão consciente e esclarecida de:
• assumir a condição humana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do ser;
• alcançar a humanidade na consciência pessoal;
• assumir o destino humano em suas antinomias e plenitude;
A antropo-ética instrui-nos a assumir a missão antropológica do milênio:
• trabalhar para a humanização da humanidade;
• efetuar a dupla pilotagem do planeta: obedecer à vida, guiar a vida;
• alcançar a unidade planetária na diversidade;
• respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo;
• desenvolver a ética da solidariedade e da compreensão;
• ensinar a ética do gênero humano.

A antropo-ética compreende a esperança na completude da humanidade, como consciência e cidadania planetária, mas também aposta no incerto. Ela é consciência individual além da individualidade.
O circuito indivíduo/sociedade: ensinar a democracia
A democracia favorece a relação rica e complexa entre indivíduo e sociedade. Fundamenta-se no controle da máquina do poder pelos controlados. É a regeneração contínua de uma cadeia complexa e retroativa: os cidadãos produzem a democracia que produz cidadãos. A soberania do povo cidadão comporta, ao mesmo tempo, a auto-limitação desta soberania pela obediência às leis e a transferência da soberania aos eleitos. Necessita do consenso da maioria e do respeito às regras democráticas. Contudo, necessita de diversidade. A experiência do totalitarismo enfatizou o caráter-chave da democracia: seu elo vital com a diversidade.
A democracia constitui, portanto, um sistema político complexo, no sentido de que vive de pluralidade, concorrências e antagonismo, permanecendo como comunidade. O desenvolvimento das complexidades políticas, econômicas e sociais nutre os avanços da individualidade. Esta se afirma em seus direitos (do homem e do cidadão) e adquire liberdades existenciais (escolha autônoma do cônjuge, da residência, do lazer).
A democracia une, de modo complementar, termos antagônicos: consenso/ conflito, liberdade/fraternidade, comunidade nacional/antagonismos sociais e ideológicos. Enfim, ela depende das condições que dependem de seu exercício (espírito cívico, aceitação da regra do jogo democrático). As democracias do século XXI serão cada vez mais confrontadas ao gigantesco problema decorrente do desenvolvimento da enorme máquina em que ciência, técnica e burocracia estão intimamente associadas. Nessas condições, o cidadão tem o direito de adquirir saber especializado, mas é despojado de qualquer ponto de vista global e pertinente. Quanto mais a política se torna técnica, mais a competência democrática regride.
Impõe-se às sociedades, reputadas como democráticas, a necessidade de regenerar a democracia, enquanto que, em grande parte do mundo, se apresenta o problema de gerar democracia, ao mesmo tempo em que as necessidades planetárias nos reclamam gerar nova possibilidade democrática nesta escala. A regeneração democrática supõe a regeneração do civismo, a regeneração do civismo supõe a regeneração da solidariedade e da responsabilidade, ou seja, o desenvolvimento da antropo-ética.
O circuito indivíduo/espécie: ensinar a cidadania terrestre
A partir do século XX, a comunidade de destino terrestre impõe de modo vital a solidariedade: "Sou homem, nada do que é humano me é estranho".
A humanidade como destino planetário
A comunidade de destino planetário permite assumir e cumprir esta parte de antropo-ética, que se refere à relação entre indivíduo singular e espécie humana como todo. A humanidade está enraizada em uma "pátria", a terra. Sós, e em conjunto com a política do homem, a política de civilização, a reforma do pensamento, a antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da Terra-Pátria reduziriam a ignomínia no mundo. Não conhecemos o caminho: "El camino se hace al andar".



14. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

“A noção de competência designará aqui uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação”. p. 15
Essa definição insiste em quatro aspectos segundo Perrenoud:
- as competências não são elas mesmas saberes, savoir-faire ou atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais recursos;
- essa mobilização só é pertinente em situação, sendo cada situação singular, mesmo que se possa tratá-la em analogia com outras, já encontradas;
- o exercício da competência passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamento, que permitem determinar (mais ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação relativamente adaptada à situação;
- as competências profissionais constroem-se, em formação, mas também ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à outra.

Capítulo 1
Organizar e dirigir situações de aprendizagem

“... é manter um espaço justo para tais procedimentos. É, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas encaram como situações amplas, abertas, carregadas de sentido e de regulação, as quais requerem um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas”. p. 25
- Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem.
Relacionar os conteúdos a objetivos e esses a situações de aprendizagem. Hoje esses objetivos não podem ser estáticos, de maneira mecânica e obsessiva, e sim:
“- do planejamento didático, não para ditar situações de aprendizagem próprias a cada objetivo, mas para identificar os objetivos trabalhados nas situações em questão, de modo a escolhê-los e dirigi-los com conhecimento de causa;
- da análise posterior das situações e das atividades, quando se trata de delimitar o que se desenvolveu realmente e de modificar a seqüência das atividades propostas;
- da avaliação, quando se trata de controlar os conhecimentos adquiridos pelos alunos”. p. 27
- Trabalhar a partir das representações dos alunos.
Não consiste em fazê-las expressarem-se, para desvalorizá-las imediatamente. O importante é dar-lhes regularmente direitos na aula, interessar-se por elas, tentar compreender suas raízes e sua forma de coerência, não se surpreender se elas surgirem novamente, quando as julgávamos ultrapassadas. Assim, deve-se abrir um espaço de discussão, não censurar imediatamente as analogias falaciosas, as explicações animistas e os raciocínios espontâneos, sob pretexto de que levam a conclusões errôneas.
O professor que trabalha a partir das representações dos alunos, tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar dos alunos, lembrar-se de que, se não compreendem, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os alunos. – A competência do professor é, então, essencialmente didática.
- Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem.
Reestruturar seu sistema de compreensão de mundo – uma verdadeira situação problema obriga a transpor um obstáculo graças a uma aprendizagem inédita.
Quando se depara com um obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à impressão de que jamais se conseguirá alcançar soluções. Se ocorre a devolução do problema, ou seja, se os alunos apropriam-se dele, suas mentes põem-se em movimento, constroem hipóteses, procedem a explorações, propõem tentativas. No trabalho coletivo, inicia-se a discussão, o choque das representações obriga cada um a precisar seu pensamento e a levar em conta o dos outros.
- Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas
Sequências e dispositivos didáticos fazem parte de um contrato pedagógico e didático, regras de funcionamento e instituições internas à classe.
“Uma situação de aprendizagem não ocorre ao acaso e é engendrada por um dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa a ser realizada, um projeto a fazer, um problema a resolver”. p. 33
A construção do conhecimento é uma trajetória coletiva que o professor orienta, criando situações e dando auxílio, sem ser o especialista que transmite o saber, nem o guia que propõe a solução para o problema.
“A competência profissional consiste na busca de um amplo repertório de dispositivos e de sequências na sua adaptação ou construção, bem como na identificação, com tanta perspicácia quanto possível, que eles mobilizam e ensinam”. p. 36
- Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento
Capacidade fundamental do professor: tornar acessível e desejável sua própria relação com o saber e com a pesquisa. O professor deve estabelecer uma cumplicidade e uma solidariedade na busca do conhecimento.
Para que os alunos aprendam, é preciso envolvê-los em uma atividade de uma certa importância e de uma certa duração, garantindo ao mesmo tempo uma progressão visível e mudanças de paisagem.
Problemas – suspensão do procedimento para retomá-lo (mais tarde, no dia seguinte, etc) – podem ser benéficas ou desastrosas – às vezes, elas quebram o direcionamento das pessoas ou do grupo para o saber; em outros momentos, permitem a reflexão, deixando as coisas evoluírem em um canto da mente e retomando-as com novas idéias e uma energia renovada.


Capítulo 2
Administrar a progressão das aprendizagens
Na escola não se podem programar as aprendizagens humanas como a produção de objetos industriais. O professor também precisa pensar na totalidade do processo.
- Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos.
1 – situação problema – organizada em torno da resolução de um obstáculo (previamente identificado) pela classe;
2 – trabalhar em torno de uma situação concreta;
3 – tornar a situação um verdadeiro enigma a ser resolvido;
4 – os alunos não dispõem, no início, dos meios da solução buscada, devido à existência do obstáculo a transpor para chegar a ela. É a necessidade de resolver que leva o aluno a elaborar ou a se apropriar coletivamente dos instrumentos intelectuais necessários à construção de uma solução;
5 – trabalhar de acordo com a zona próxima – trabalhar com situações problemas não problemáticas, mas sim de acordo com o nível intelectual de seu aluno.
- Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino.
“Essa visão longitudinal também exige um bom conhecimento das fases de desenvolvimento intelectual da criança e do adolescente, de maneira a poder articular aprendizagem e desenvolvimento e julgar se as dificuldades de aprendizagem se devem a uma má apreciação da fase de desenvolvimento e da zona próxima, ou se há outras causas”. p. 47
- Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.
“Escolher e modular as atividades de aprendizagem é uma competência profissional essencial, que supõe não apenas um bom conhecimento dos mecanismos gerais de desenvolvimento e de aprendizagem, mas também um domínio das didáticas das disciplinas”. p. 48
Ex: Dar um ditado, dizer que valor é atribuído a essa atividade, evocando apenas a tradição pedagógica ou o senso comum, pode-se pensar que o professor não domina nenhuma teoria da aprendizagem da ortografia. Esta lhe permitiria situar o ditado no conjunto das atividades possíveis e escolhê-lo conscientemente, por seu valor tático e estratégico na progressão das aprendizagens, e não por falta de algo melhor.
- Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa.
Utilizar a observação contínua - sua primeira intenção é formativa que significa que considera tudo o que pode auxiliar o aluno a aprender melhor: suas aquisições, as quais condicionam as tarefas que lhe podem ser propostas, assim como sua maneira de aprender e de raciocinar, sua relação com o saber, suas angústias e bloqueios eventuais diante de certos tipos de tarefas, o que faz sentido para ele e o mobiliza, seus interesses, seus projetos, sua auto-imagem como sujeito mais ou menos capaz de aprender seu ambiente escolar e familiar.
- Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.
“A formação escolar obriga, em certos momentos, a tomada de decisões de seleção ou de orientação. É o que acontece no final de cada ano letivo, ou no final de cada ciclo. Participar dessas decisões, negociá-las com o aluno, seus pais e outros profissionais, bem como encontrar o acordo perfeito entre os projetos e as exigências da instituição escolar são elementos que fazem partes das competências básicas de um professor”. p.51
- Rumo a ciclos de aprendizagem
A gestão da progressão dos alunos depende das representações dos professores (responsabilidade); convicção preliminar de que cada aluno é capaz de alcançar os objetivos mínimos; a progressão é gerada no âmbito de um ciclo de aprendizagem; questionamento da organização escolar atual; operacionalização de várias formas de reagrupamento e de trabalho; questionamento dos modos de ensino e de aprendizagem articulados à busca de um máximo de sentido dos saberes e do trabalho escolar para o aluno; remanejamento das práticas de avaliação; equipe docente que assuma coletivamente a responsabilidade de toda decisão relativa ao percurso dos alunos; progressão dos alunos, tanto em nível individual quanto coletivo, a aquisição de novas competências pelos professores no âmbito de um plano progressivo de reflexão e de formação.

Capitulo 3
Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
“Diante de oito, três, ou até mesmo um só aluno, um professor não sabe necessariamente propor a cada um deles uma situação de aprendizagem ótima. Não basta mostrar-se totalmente disponível para um aluno: é preciso também compreender o motivo de suas dificuldades de aprendizagem e saber como superá-las. Todos os professores que tiveram a experiência do apoio pedagógico, ou que deram aulas particulares sabem a que ponto pode-se ficar despreparado em uma situação de atendimento individual, ainda que, aparentemente, ela seja ideal;
Certas aprendizagens só ocorrem graças a interações sociais, seja porque se visa ao desenvolvimento de competências de comunicação ou de coordenação, seja porque a interação é indispensável para provocar aprendizagens que passem por conflitos cognitivos ou por formas de cooperação”. p. 56
- Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.
O sistema escolar tenta homogeneizar cada turma nela agrupando alunos com a mesma idade, isso resulta a homogeneidade muito relativa, devida às disparidades, da mesma idade, dos níveis de desenvolvimento e dos tipos de socialização familiar. Melhora-se isso com:
- jogo das dispensas de idade, integrando alunos mais jovens que demonstram certa precocidade; - jogo das reprovações, graças às quais os alunos que não têm a maturidade ou o nível requerido não passam de ano e repetem o programa na companhia de alunos mais jovens.
- Abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto.
A organização oficial da escola em ciclos de aprendizagem plurianuais facilita a cooperação, mas não é suficiente: em certos sistemas formalmente estruturados em ciclos, cada professor trabalha como antes, a portas fechadas, sozinho com sua turma.
“A gestão de uma classe tradicional é objeto da formação inicial e consolida-se no decorrer da experiência. O trabalho em espaços mais amplos exige novas competências. Algumas delas giram em torno da cooperação profissional”. p. 59
Com o trabalho docente realizado, esses espaços-tempos de formação proporcionam mais tempo, recursos e forças, imaginação, continuidade e competências para que se construam dispositivos didáticos eficazes, com vistas a combater o fracasso escolar.
- Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades
Saber observar uma criança na situação; dominar um procedimento clínico (observar, agir, corrigir, entre outros); construir situações didáticas sob medida; fazer um contrato didático personalizado; praticar uma abordagem sistêmica; acostumar-se com a supervisão; respeitar um código explícito de deontologia mais do que apelar para o amor pelas crianças e para o senso comum; estar familiarizado com uma abordagem ampla da pessoa, da comunicação, da observação, da intervenção e da regulação, entre outros.
- Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo
“O ensino mútuo não é uma ideia nova, já florescia no século passado na pedagogia inspirada por Lancaster. O professor tinha 100 ou 200 alunos de todas as idades sob sua responsabilidade e, evidentemente, não podia ocupar-se de todos, nem propor uma única lição a um público tão vasto e heterogêneo”. p. 62
Organiza-se subconjuntos.
“Toda pedagogia diferenciada exige a cooperação ativa dos alunos e de seus pais. Esse é um recurso, assim como uma condição, para que uma discriminação positiva não seja vivenciada e denunciada com uma injustiça pelos alunos mais favorecidos. Portanto, é importante que o professor dê todas as explicações necessárias para conseguir a adesão dos alunos, sem a qual suas tentativas serão todas sabotadas por uma parte da turma”. p.64

Capítulo 4
Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho
Como trabalhar com a motivação dos alunos?
O prazer de aprender é uma delas, o desejo de saber é outra.
- Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliação
O desejo é múltiplo – deve-se saber para compreender, para agir de modo eficaz, para passar em um exame, para ser amado ou admirado, para seduzir, para exercer um poder.O desejo de saber não é uniforme.
“Os mais alheios ao próprio conteúdo do saber em jogo oferecem, inevitavelmente, menores garantias de uma construção ativa, pessoal e duradoura dos conhecimentos. Todavia, diante de tantos alunos que não manifestam nenhuma vontade de saber, uma vontade de aprender, mesmo frágil e superficial, já é um consolo”. p. 70
- Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos
Os direitos imprescritíveis do aprendiz:
O direito de não estar constantemente atento; o direito de só aprender o que tem sentido; o direito de não obedecer durante seis a oito horas por dia; o direito de se movimentar; o direito de não manter todas as promessas; o direito de não gostar da escola e de dizê-lo; o direito de escolher com quem quer trabalhar; o direito de não cooperar para seu próprio processo; o direito de existir como pessoa.
- Oferecer atividades opcionais de formação
Quanto a atividade , seu sentido depende da possibilidade de escolher o método, os recursos, as etapas de realização, o local de trabalho, os prazos e os parceiros. Quando a atividade não tem nenhum item escolhido pelo aluno, esta tem poucas chances de envolvê-lo.
- Favorecer a definição de um modo pessoal do aluno
“Meu pai lia diariamente o Neue Freie Presse, e era um grande momento quando ele desdobrava lentamente seu jornal. Depois que começava a ler, não tinha mais olhos para mim, eu sabia que ele não me responderia de modo algum, minha própria mãe não lhe perguntava nada nesse momento, nem mesmo em alemão. Eu procurava saber o que esse jornal podia ter de tão atraente; no início, pensava que era seu odor; quando estava sozinho e ninguém me via, eu subia na cadeira e cheirava ativamente o jornal. Apenas mais tarde, percebi que a cabeça de meu pai não parava de se mexer ao longo de todo o jornal; fiz o mesmo, nas suas costas, enquanto brincava no chão, sem nem mesmo ter sob os olhos, portanto, o jornal que ele segurava com as duas mãos sobre a mesa. Um visitante entrou uma vez de imprevisto e chamou meu pai, que se voltou e me surpreendeu lendo um jornal imaginário. Ele falou então comigo, antes mesmo de atender o visitante, explicando-me que se tratava das letras, todas as letrinhas, ali, e bateu em cima delas com o indicador. Vou ensiná-las eu mesmo para você, logo, acrescentou, despertando em mim uma curiosidade insaciável pelas letras”. p. 76

Capítulo 5
Trabalhar em equipe

Saber trabalhar eficazmente em equipe; saber discernir os problemas que requerem uma cooperação intensiva, participar de uma cultura de cooperação, estar aberto para ela, saber encontrar e negociar as modalidades ótimas de trabalho em função dos problemas a serem resolvidos; saber perceber, analisar e combater resistências, obstáculos, paradoxos e impasses ligados à cooperação, saber se auto-avaliar, lançar um olhar compreensivo sobre um aspecto da profissão que jamais será evidente, haja vista sua complexidade.
- Elaborar um projeto de equipe, representações comuns
Os projetos que se organizam em torno de uma atividade pedagógica (montagem de um espetáculo em conjunto, organização de um campeonato, criação de oficinas abertas, etc.); necessitam de cooperação, e esta é, então, o meio para realizar um empreendimento que ninguém tem a força ou a vontade de fazer sozinho; ela se encerra no momento em que o projeto é concluído.
O desafio é a própria cooperação que não tem prazos precisos, já que visa a instaurar uma forma de atividade profissional interativa que se assemelha mais a um modo de vida e de trabalho do que a um desvio para alcançar um objetivo preciso.
- Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões
Queixas freqüentes – todo mundo fala ao mesmo tempo, interrompe e não se escuta mais o outro; ninguém fala, todo mundo parece perguntar-se, embaraçado: o que estou fazendo aqui?; conversas começam em vários cantos, paralelamente à discussão geral, não se sabe mais quem escuta quem; os participantes não sabem mais muito bem por que se reuniram; a discussão toma diversos rumos; uma ou duas pessoas falam sem parar, contam sua vida; outras não dizem nada, não demonstram nenhuma vontade de se expressar; alguns chegam atrasados; entre outros.
- Formar e renovar uma equipe pedagógica
Renovar uma equipe pedagógica requer ainda outras competências. Trata-se de saber administrar, ao mesmo tempo, as partidas e as chegadas das pessoas.
- Enfrentar e analisar ,em conjunto, situações complexas, práticas e problemas profissionais
“O verdadeiro trabalho de equipe começa quando os membros se afastam do ‘muro de lamentações’ para agir, utilizando toda a zona de autonomia disponível e toda a capacidade de negociação de um ator coletivo que está determinado, para realizar seu projeto, a afastar as restrições institucionais e a obter os recursos e os apoios necessários”. p. 89
- Administrar crises ou conflitos interpessoais
Em todos os grupos existem pessoas que são mediadores e que antecipam e atenuam os confrontos. “Viver com as neuroses dos outros exige não apenas uma certa tolerância e uma forma de afeição, mas também competências de regulação que evitam o pior”. p. 91

Capítulo 6
Participar da Administração da Escola


- Elaborar, negociar um projeto da instituição.
Formar um projeto é dizer “Eu”, é considerar-se como um forte, que possui direitos e competências para modificar o curso das coisas. Portanto, é complicado exigir de um aluno, cuja herança cultural não predisponha a se conceber como um sujeito autônomo, que tenha imediatamente um projeto. O desafio da educação escolar é, ao contrário, proporcionar a todos os meios para conceber e fazer projetos, sem fazer disso um pré-requisito.

- administrar os recursos da escola

“Administrar os recursos de uma escola é fazer escolhas, ou seja, é tomar decisões coletivamente” p. 103

- Coordenar, Dirigir uma escola com todos os seus parceiros
O diretor na instituição tem como papel principal facilitar a cooperação desses diversos profissionais, apesar das diferenças de atribuições, de formação, de estatuto.
“Coordenar o tratamento dos casos que requerem intervenções conjuntas será tanto mais fácil se as pessoas se conhecerem, se falarem, se estimarem reciprocamente e tiverem uma boa representação de suas tarefas e métodos respectivos de trabalho. Isso supõe atitudes e competências da parte de todos e é ainda mais necessário quando a organização escolar não prevê um chefe, ninguém tendo explicitamente a tarefa e a autoridade de favorecer a coexistência e a cooperação de todos” p. 104

- Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.
Vemos a participação dos alunos, por um duplo ponto de vista:
- é o exercício de um direito do ser humano, o direito de participar, assim que tiver condições para isso, das decisões que lhe dizem respeito, direito da criança e do adolescente, antes de ser direito do adulto;
- é uma forma de educação para a cidadania, pela prática.
Sendo assim:
- a capacidade do sistema educativo de dar, aos estabelecimentos e às equipes pedagógicas, uma verdadeira autonomia de gestão;
- a capacidade dos professores de não monopolizarem esse poder delegado e de partilhá-lo, por sua vez, com seus alunos.

- Competências para trabalhar em ciclos de aprendizagem
“Uma nova organização do trabalho, pela introdução, por exemplo, de ciclos de aprendizagem, modifica o equilíbrio entre responsabilidades individuais e responsabilidades coletivas e torna necessário, não somente um trabalho em equipe, mas também uma cooperação da totalidade do estabelecimento, de preferência baseada em um projeto” p. 107

Capítulo 7
Informar e Envolver os pais

Informar e envolver os pais é uma palavra de ordem e, ao mesmo tempo, uma competência.

- Dirigir reuniões de informação e de debate
“Esta é uma das dificuldades do professor: decodificar, em declarações aparentemente gerais, preocupações particulares e tratá-las como tal, se não justificarem um debate global” p. 115
A competência dos professores consiste em aceitar os pais como eles são, em sua diversidade.

- Fazer entrevistas

A competência consiste, amplamente, em não abusar de uma posição dominante, em controlar a tentação de culpar e de julgar os pais.
As competências de um profissional consistem em não gastar toda sua energia para se defender, para afastar o outro, mas, ao contrário, aceitar negociar, ouvir e compreender o que os pais têm a dizer, sem renunciar a defender suas próprias convicções.

- Envolver os Pais na Construção dos Saberes

“É mais difícil compreender como os pais, desejosos que seu filho tenha êxito, poderiam obstaculizar diretamente suas aprendizagens. No entanto, é o que acontece, em geral involuntariamente, e preocupa uma parte dos professores. Assim, inúmeros pais ainda pensam que, para adquirir conhecimentos, é preciso sofrer, trabalhar duro, aprender de cor, repetir palavras e seu manual, em suma, aliar esforço e memória, atenção e disciplina, submissão e precisão. Os professores que partilham dessa maneira de ver não têm muitos problemas com esses pais. Eles podem dar mais deveres de casa, multiplicar as provas, segurar as crianças depois da hora, punir e até mesmo bater nas crianças que não trabalham, fazer o terror reinar, dramatizar as notas baixas: terão o apoio incondicional daqueles pais que pensam que só se aprende sob imposição e dor. Os professores que praticam os métodos ativos e os procedimentos de projeto suscitam, ao contrário, a adesão dos pais partidários dessa abordagem e a desconfiança dos outros” p. 120

Capítulo 8
Utilizar Novas Tecnologias

- utilizar editores de textos;
- explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino;
- comunicar-se à distância por meio da telemática;
- utilizar as ferramentas multimídia no ensino.
Competências Fundamentais em uma Cultura Tecnológica – “A verdadeira incógnita é saber se os professores irão apossar-se das tecnologias como um auxílio ao ensino, para dar aulas cada vez mais bem ilustradas por apresentações multimídia, ou para mudar de paradigma e concentrar-se na criação, na gestão e na regulação de situações de aprendizagem” p. 139

Capítulo 9
Enfrentar os Deveres e os Dilemas Éticos da Profissão

- Prevenir a violência na escola e fora dela

“A escola sabe que agora está condenada a negociar, a não usar mais a violência institucional sem se preocupar com as reações. Os professores dos estabelecimentos de alto risco não ignoram isso: hoje em dia, uma punição provoca represálias mais ou menos diretas. Se, par a um professor, aplicar uma punição de duas horas retendo o aluno – mesmo que plenamente justificada – tem como preço pneus furados, a escalada da violência não é mais a solução. Importa, portanto, que a escola se torne, segundo a expressão de Ballion (1993), uma cidade a construir, na qual a ordem não está adquirida no momento em que se entra nela, mas deve ser permanentemente renegociada e conquistada” p. 146

- Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais.
“Se um jovem sai de uma escola obrigatória, persuadido de que as moças, os negros ou os mulçumanos são categorias inferiores, pouco importa que saiba gramática, álgebra ou uma língua estrangeira. A escola terá falhado drasticamente, porque nenhum dos professores que pode intervir em diversos estágios do curso terá considerado que isso era prioritário” p. 149


- Participar da criação de regras da vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta.
Saber como negociar, saber como agir – faz parte do seu ofício.

- Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula.
“Sua competência é saber o que faz, o que supõe idealmente um trabalho regular de desenvolvimento pessoal e de análise das práticas” p. 152

- Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

“A solidariedade e o senso de responsabilidade são estreitamente dependentes do sentimento de justiça. Não se pode ser solidário com aqueles que se julga infinitamente privilegiados e mobilizar-se em seu favor quando sua sorte muda. Ainda aqui, os princípios de formação disputam com as lógicas de ação. Até um professor indiferente ao desenvolvimento do sentimento de justiça fora da escola não pode ignorá-lo... porque seu trabalho cotidiano depende disto. Quando se pergunta aos alunos do mundo inteiro o que eles esperam dos professores, eles dizem grosso modo: um certo calor e senso de justiça. O preferido do professor (...)é uma figura abominada pelo universo escolar” p. 153

Capítulo 10
Administrar sua própria formação contínua

Segundo o autor administrar sua própria formação contínua é uma coisa, administrar o sistema de formação contínua é outra. Este último esteve durante muito tempo na dependência das administrações escolares ou de centros de formação independentes, principalmente as universidades. A profissionalização do ofício de professor recruta parceiros entre os poderes organizadores da escola, dos centros independentes de formação e das associações profissionais de professores.
“Seria importante que cada vez mais professores se sentissem responsáveis pela política de formação contínua e interviessem individual ou coletivamente nos processos de decisão” p. 169


15. PIAGET, Jean. Para onde vai a educação?. Rio de Janeiro: José Olimpio, 2007.

“Afirmar o direito da pessoa humana à educação é assumir uma responsabilidade muito mais pesada do que assegurar a cada um a capacidade de ler, escrever e contar. É garantir a toda criança o inteiro desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição de conhecimentos e valores morais correspondentes ao exercício de suas funções, até adaptação à vida social atual”.

Essa obra de Jean Piaget trata de compreender a forma como a criança adquire o conhecimento lógico-matemático. Piaget lecionou nas Universidades de Genebra e de Paris. Preocupava-se com vários temas voltados ao ensino das Ciências, inclusive o da gratuidade do ensino e de uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, levando em consideração a diversidade dos povos. Essa obra está dividida em duas partes.. A primeira parte é uma retrospectiva da educação, que tem a finalidade de mostrar a necessidade da transformação no modo de ensinar, a partir da compreensão da forma lógica de aprender dos alunos.
“Qualitativo e quantitativo”
Piaget demonstra as diferenças individuais de aptidão do aluno para determinados saberes, enfatizando que o fracasso escolar está muito mais ligado à rápida passagem que os professores fazem do aspecto qualitativo (lógico) para o quantitativo (numérico). Ele mostra que a prática do ensino deveria utilizar o método ativo, por meio do qual a criança vai reconstruir e reinventar, não somente transmitir informações ao aluno. Portanto, o professor não deve se limitar ao conteúdo específico de sua disciplina, mas deve conhecer como ocorre o desenvolvimento psicológico da inteligência humana.
Experimentação:
O problema geral da Educação está focado na formação dos professores, que é o aspecto de real mudança em qualquer reforma pedagógica.
Na segunda parte, ele aborda a questão dos direitos expressos na “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, em que lhe é assegurado o pleno direito à educação e na qual os pais podem escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos. Piaget advoga que esse direito não se restringe ao "pleno direito à educação" mas que esta seja uma educação de qualidade e voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, levando em consideração a paz entre as várias nações. Para o desenvolvimento do ser humano é preciso atentar para os dois fatores que o condicionam: os fatores da hereditariedade e adaptação biológicas, e os fatores de transmissão ou de interação sociais. O autor ressalta a diferença entre as sociedades humanas e as sociedades animais, sendo que as principais condições sociais humanas são as técnicas de produção e a linguagem, que possibilita gerar os costumes e as regras. A concepção de que a lógica do conhecimento seria inata no indivíduo foi quebrada com as pesquisas piagetianas, cujos resultados apontaram que essa lógica se constrói na interação do sujeito com o meio, como um processo de desenvolvimento natural. Assim, a educação passa a ser vista como fundamental para a formação do desenvolvimento natural do indivíduo.
O autor reflete sobre como a criança, até seus sete anos, e conforme sua nacionalidade, tem como responsável pela sua educação a família e não a escola. Com isso, o autor quer nos lembrar que a família não deve ter somente o papel formador e a escola o papel de informar o aluno, mas que a escola, que também é responsável em educar, não fosse separada da vida.
Discutindo o direito à educação, de acordo com o autor, na página 36,
"... é preciso não se deixar iludir: tal situação de direito não poderia ainda corresponder a uma aplicação universal da lei, já que o número de escolas e de professores permanece insuficiente relativamente à população em idade escolar...".
Piaget vem mostrar que o direito por si só não é o bastante, e que a gratuidade somente do ensino de primeiro grau, com um olhar de justiça social, não passa de uma mera afirmação social. Entretanto, para ele, não basta ampliar o ensino de primeiro grau e implantar o segundo com caráter gratuito, mas é preciso também implementar uma relação aluno/escola/aprendizagem, em que haja tarefas que levem o aluno a compreender e participar ativamente da vida social.
Com relação aos pais, o autor reflete sobre como a família vem perdendo seu poder de escolha e controle para o Estado; há famílias constituídas por bons pais e outros nem tanto. Ao lidar com os pais, principalmente quando da aplicação dos métodos ativos, deve-se levar em consideração que é mais fácil a estes compreenderem os métodos antigos do que uma nova proposta.
A educação não deve se prestar a moldar o aluno de acordo com um modelo condizente com as gerações anteriores, mas em formar-lhe a personalidade.
A respeito da educação moral, unicamente a vida social entre os próprios alunos, isto é, um autogoverno levado tão longe quanto possível e paralelo ao trabalho intelectual em comum, poderá conduzir a esse duplo desenvolvimento de personalidades, donas de si mesmas e de respeito mútuo.
Mostra ainda que a questão da educação internacional é muito delicada, pois deve levar em consideração as variadas culturas. O intercâmbio intercultural entre as sociedades faz-se principalmente pelo respeito aos diferentes grupos étnicos que a formam, de forma a conduzir a humanidade a uma paz mundial. Para isso é preciso levar em conta qual método deve ser aplicado para fazer de um indivíduo um bom cidadão. As ciências mostram o quão profundamente está enraizada a atitude egocêntrica no ser humano, e o quanto é difícil dela se desfazer, tanto pelo cérebro quanto pelo coração.
O pensamento de Piaget, expresso nesse livro, leva-nos a refletir sobre a forma como a escola e a sociedade vêm lidando com a educação dos indivíduos, na qual, muitas vezes, não se leva em consideração a forma como estes desenvolvem sua inteligência. Mais grave ainda é a formação dos professores, que não foram desenvolvidos dentro de um processo ativo. Como esse docente, assim formado, poderá ensinar seus alunos se ele mesmo não sabe como acontece a passagem do processo quantitativo para o qualitativo?
Esta obra é indicada para todos os profissionais da educação que buscam entender um pouco mais sobre como se desenvolve o pensamento humano e refletir sobre como se poderá agir dentro de um processo educacional voltado ao desenvolvimento pleno da pessoa e da sociedade.


Questões
1) “Afirmar o direito da pessoa humana à educação é assumir uma responsabilidade muito mais pesada do que assegurar a cada um a capacidade de ler, escrever e contar. É garantir a toda criança o inteiro desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição de conhecimentos e valores morais correspondentes ao exercício de suas funções, até adaptação à vida social atual”.
Assinale a alternativa correta:


a) Piaget defende que esse direito não se restringe ao "pleno direito à educação", mas que esta seja uma educação de qualidade, e voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, levando em consideração a paz entre as várias nações.
b) Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, é assegurado o pleno direito à educação e também é assegurado que os pais podem escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos.
c) As alternativas A e B se completam e estão corretas
d) As alternativas A e B estão se completando mas não refletem o pensamento de Piaget
e) N.D.A.


2. No livro “Para onde vai a educação, Jean PIAGET incentiva a :
a) a prática do ensino deveria utilizar o método ativo, por meio do qual a criança vai reconstruir e reinventar,
b) ao método tradicional, onde os exercícios são feitos de maneira lógica e ordenada
c) não somente transmitir informações ao aluno, mas utilizar-se da prática dos métodos anglo-saxões, principalmente dos EUA, pelos quais a criança vai construir e reinventar
d) Imaginação da criança por meio do ensino quantitativo e da ginástica pedagógica

3. A educação não deve se prestar a moldar o aluno de acordo com um modelo condizente com as gerações anteriores, mas em formar-lhe a personalidade. Assim:
I a vida social entre os alunos, um autogoverno, onde eles próprios estabeleçam critérios
II o autogoverno, pode ser levado tão longe quanto possível e paralelo ao trabalho intelectual em comum,
III o autogoverno poderá conduzir a esse duplo desenvolvimento de personalidades, donas de si mesmas e de respeito mútuo.
IV verificou-se uma carência de professores, e a consequente necessidade de recorrer às suplências, daí resultando um problema de nível, nem sempre ainda resolvido.

a) somente a alternativa I está correta
b) somente a alternativa II está correta
c) a alternativa III está incorreta
d) a alternativa IV não fala de autogoverno, mas está dentro das preocupações do autor
e) todas as alternativas estão corretas

4. “Os métodos da escola tradicional conseguem formar com êxito, na criança e no adolescente, um raciocínio ativo e autônomo?
a) Sim: ao quantificar conteúdos programáticos, os métodos da E.T. levam a uma compreensão do todo pedagógico. Não importa se for esquecido depois de 20 anos, o que importa é que num determinado momento, ele aprendeu aquele conteúdo.
b) Não: Os partidários da escola ativa argumentam que conquistar por si mesmo certo saber com a realização de pesquisas livres, e por meio de um esforço espontâneo, possibilitará ao aluno a aquisição de um método que lhe será útil por toda a vida e aumentará permanentemente a sua curiosidade, sem o risco de estancá-la;
c) Não: Os partidários da escola ativa argumentam que conquistar por si mesmo um certo saber com a realização de pesquisas orientadas por meio de questionários
d) Todas as alternativas estão corretas
e) Todas as alternativas estão erradas

5) “A escola tradicional oferece ao aluno uma quantidade considerável de conhecimentos e lhe proporciona a ocasião de aplicá-los em problemas ou exercícios variados: Ela” enriquece” assim o pensamento e o submete como se costuma dizer, a uma” ginástica intelectual”, à qual caberia consolidá-lo e desenvolvê-lo.”
Qual a contraposição oferecida por PIAGET ao método da escola tradicional
a. a introdução de “roteiro de estudos” com questionários e interpretações de textos orientadas por questões objetivas de múltipla escolha.
b. a facilitação dos estudos por meio de questões objetivas, leitura e resumos de obras segundo roteiro pré-estabelecido.
c. pesquisa de temas variados, aulas expositivas e o estímulo para criação e elaboração de programa próprio de estudo.
d. pelo método ativo, onde a criança participa, elabora seu método, aguça sua criatividade e sua curiosidade.
e. as alternativas C e D estão corretas


6) Piaget recorda as velhas tradições anglo-saxônicas em matéria de aplicação pedagógica, reduzindo todo o conhecimento a uma aquisição exógena, baseada nos processos verbais e audiovisuais dirigidos pelo adulto.
Assim podemos afirmar:
a) para os pais é melhor uma educação tradicional.
b) os pais não compreendem uma educação ativa.
c) os pais não admitem autogoverno.
d) cabe aos professores mostrar a diferença e a produtividade dos alunos com a educação ativa. Como eles interagem entre si com o autogoverno. Os pais têm maior dificuldade em assimilar, mas isso não quer dizer que são contrários

16.PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia: a resposta do grande psicólogo aos problemas do ensino. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.


Para Piaget, o verdadeiro terror é tentar julgar o desenvolvimento da educação e da instrução no decorrer dos últimos trinta anos, diante da despreocupação que como em 1935, ainda hoje subsiste entre a extensão dos esforços realizados e a ausência de uma renovação fundamental dos métodos, dos programas, da própria posição dos problemas e por assim dizer da pedagogia tomada em seu conjunto como disciplina. Chega-se a á década de 40 ainda com a convicção de que a pedagogia irá alcançar, definitivamente, um estatuto científico mediante a integração das contribuições da psicologia.
A psicologia da educação, entendida basicamente pelos três núcleos de conteúdos citados: as teorias da aprendizagem, o estudo e a medida das diferenças individuais e a psicologia da criança aparece nesta época como a “Rainha das Ciências”. Até 1960, respira-se um notável otimismo nos meios educacionais, existe a opinião generalizada de que as reformas empreendidas serão um instrumento eficaz para o desenvolvimento cientifico e para mudança social. O interesse generalizado pelos temas educacionais e o desenvolvimento considerável dos meios econômicos concedidos á pesquisa e ás reformas neste campo vão imprimir um grande impulso nas ciências da educação, entre estas a psicologia educacional.
Traçando o desenvolvimento da educação e da instrução desde 1935 até aos nossos dias, constatamos um imenso progresso quantitativo da instrução pública e um determinado número de progresso qualitativos locais, principalmente nos pontos em que mais foram favorecidos pelas múltiplas transformações políticas e sociais. Mas não podemos deixar de indagar pó que a ciência da educação tem avançado tão pouco em suas posições em comparação com as renovações profundas ocorridas na psicologia infantil e na própria sociologia, não que não seja merecido. E ainda compreender a razão por que a imensa corte de educadores que trabalhavam e trabalham no mundo inteiro com tanta dedicação, e na maioria dos casos, competência, não foi capaz de produzir uma elite de pesquisadores que fizessem da pedagogia uma disciplina, ao mesmo tempo cientifica e viva, como ocorre com todas as disciplinas aplicadas que participam simultaneamente da arte e da ciência, fica aí um questionamento.
Apesar desses problemas que ocorreu a partir de 1935, mas a questão atual è a situação do corpo docente com relação a pesquisa e aos obstáculos sociais que os impedem de dedicarem á pesquisa de conhecimentos elementares. São eles:

Primeiro, que a pedagogia é, entre outras, uma ciência e das mais difíceis, devido á complexidade dos fatores em jogo. Em segundo, o mestre-escola deve limitar-se a um programa e aplicar os métodos que lhe são ditados pelo Estado, não restando duvida que os ministérios de educação são sobretudo, constituídos por educadores, mas que apenas administram, não lhes restando tempo para á pesquisa e freqüentemente recorrem a consultar os Institutos de Pesquisas. Em terceiro comparam as sociedades pedagógicas com as sociedades médicas ou jurídicas, com as sociedades de engenheiros ou de arquitetos e por final , em quarto lugar sem duvida o essencial, a preparação de mestres não tem qualquer relação com as faculdades universitárias, só os mestres secundários se formam na universidade.
A obra de Piaget sempre causa grande repercussão social, uma se destaca com a tendência universal do homem se apropriar de condutas progressivamente mais autônomas e, portanto livres. Para ele as normas adquirem a força de uma verdade moral, uma realidade externa que se impõe ao sujeito de modo coercitivo,independente de sua consciência. Esses fatores explicariam porque os fenômenos da natureza ou os fenômenos sociais adquirem uma conotação mágica e fatalista para os sujeitos.
E ai, perguntamos o autoritarismo é incompatível como desenvolvimento humano? O construtivismo piagetiano vê o desenvolvimento da inteligência enquanto uma construção progressiva de estruturas cada vez mais amplas e diferenciadas. O desenvolvimento do conhecimento evidencia que ele não se reduz a estruturas inatas, nem á estimulação do meio,mas é uma construção do próprio sujeito. Essa construção é de caráter dialético, pois o Homem transforma a realidade agindo diretamente sobre ela e, ao agir também se modifica: é o aspecto interacionista da sua teoria. Pressupondo, uma concepção de que a inteligência e a liberdade são dois pólos do mesmo processo: um é função do outro.
Se no inicio esta ação, como o quer Piaget, é preciso liberdade para agir a fim de que a inteligência se desenvolva e esta precisa se sentir livre de impedimentos para por em pratica os procedimentos de ação. A liberdade, enquanto uma conquista que um numa dialética constante a ação e a cognição, será uma das marcas do desenvolvimento. Extrapolando esses conceitos para o contexto escolar, não estaríamos inconscientemente impedindo que o aluno desenvolva sua criatividade quando o proibimos de transgredir as formas pré-estabelecidas de conhecimento aceitas como únicas verdadeiras na escola?
Em condições nas quais o aluno é respeitado, portanto isentas de autoritarismo, observa-se a forma como ele vai se apropriando dos mecanismo necessários à autonomia, que irão caracterizar no futuro seu comportamento de cidadão. Nota-se no inicio do desenvolvimento (período pré-operatório) que o real se impõe de forma absoluta. Assim, as limitações (restrições) do real são vistas com necessárias (pseudonecessárias) e as transformações como impossíveis (pseudoimpossibilidade). No período operatório-concreto, a aquisição das primeiras operações, graças à reversibilidade do pensamento, produzem mudanças significativas.Algumas possibilidades de transformação do real já podem ser vislumbradas,mas são ainda de caráter limitado, pois tem como referencia o real concreto imediato. A inversão completa de sentido entre o real e o possível só ocorrerá no período correspondente ao pensamento operatório formal.
O raciocínio hipotético dedutivo que caracteriza essa fase permite que as deduções superem o plano da realidade concreta e se realizem a partir de enunciados hipotéticos. Portanto, esse tipo de pensamento que caracteriza o adolescente e o adulto, mergulha o real do universo das possibilidades ilimitadas. O real passa a significar não mais do que uma fonte de proposições (pensamento proporcional) as quais ligadas logicamente entre si permitem que uma hipótese seja deduzida de outra, sem referencia obrigatória ao real concreto (operações sobre operações), podendo estas proposições serem combinadas de varias formas (sistema combinatório). Sendo assim, a autonomia se impõe como uma necessidade a todos as formas de conduta humana, porque todas as categorias serão conhecimento serão englobadas num único sistema.
O momento no qual ocorre a inserção do jovem na sociedade adulta corresponde, pelo menos é o que se espera teoricamente, à aquisição das estruturas formais de inteligência. A reversibilidade o faz sentir-se em condições de igualdade em relação aos adultos, desejando participar dos processos de tomadas de decisões e assumir responsabilidades individuais e sociais. O pensamento hipotético-dedutivo lhe permite afastar-se da situação concreta atual, projetar-se ara o futuro e através da reflexão,elaborar uma hipótese a partir da outra. Em razão dessas características que levam o pensamento formal a não tolerar contradições,o adolescente torna-se essencialmente um teórico,atribuindo ao seu pensamento um poder messiânico capaz de transformar a sociedade por si só , ele se sente como que convocado a desempenhar o papel de salvador da sociedade. Esse entusiasmo excessivo pela capacidade emergente de “teorizar” a realidade gera um tipo superior de egocentrismo, mas que será superado a medida que a participação nos grupos sociais se apresentar como necessária , o que provocará a desconcentração do adolescente.



No Brasil, segundo estudos, o surgimento do pensamento operatório-formal é um processo mais lento, apresentando uma defasagem que pode chegar a dez anos, e segundo Piaget, é de que a escolarização pode praticamente eliminar essa defasagem. Tais colocações talvez possam despertar a atenção, principalmente dos professores, para a necessidade de uma revisão das expectativas em relação aos alunos , também retomar a função social da escola que deve refletir sobre o seu compromisso com o desenvolvimento Maximo dos alunos e coma construção de uma sociedade justa e democrática.
Piaget coloca, “se quisermos atingir os objetivos traçados para a educação quer seja de 1º ou de 2º graus, precisamos construir uma escola onde o aluno possa apropriar ativamente do conhecimento,sem as restrições autoritárias tão comuns nas normas disciplinares, nas avaliações, na crença (ou descrença) sobre a capacidade do aluno, nas relações interpessoais estabelecidas na escola”. Para concluir, uma questão em que em vários países, se traduziu numa reformulação que é o ensino profissional, com exigências como uma ampliação dessa forma de englobar essa preparação escolar,teórica e sobretudo pratica, compreendendo o maior numero de profissões possíveis e não somente aquelas cuja especialização técnica exigisse desde longo tempo uma formação escolarizada, de outro lado, um enriquecimento interno dos programas concebidos, de maneira a fornecer aos futuros profissionais uma cultura geral aumentada, tendendo mesmo a reunir um vasto fundo comum a todas as formas de ensino de nível secundário.











17. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL



Em Saberes Docentes e Formação Profissional, o autor pode-se conhecer as pesquisas feitas nessa área nos países mencionados e conhecer as discussões referente à formação profissional dos professores.
O autor apresenta um panorama das pesquisas educacionais a partir de 90; destaca a avaliação das reformas implantadas até a virada do século com ênfase à formação profissional dos professores e à visão dos saberes; traz ao palco das discussões as experiências existentes na prática pedagógica no mundo anglo saxão e, mais recentemente, nos países europeus.
Até a década de 80, as pesquisas não levavam em conta a experiência da sala de aula e existia uma cisão entre os conhecimentos oriundos da universidade e a realidade do cotidiano escolar. Na época, os pesquisadores revelavam suas pesquisas nas descobertas de teorias encontradas nas bibliotecas de universidades.
Tardif em suas pesquisas não desconsidera, em hipótese alguma, a relação dos conhecimentos oriundos das universidades com os saberes extraídos e produzidos na prática docente. Como pesquisador, seus estudos defendem essa prática interativa entre saber profissional e os saberes das ciências da educação. De acordo com o autor, o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e, com os outros atores escolares na escola. Eis a razão do título do livro, Saberes docentes e formação profissional.
O livro divide-se em duas partes inter complementares: o saber dos professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua formação. Na introdução Tardif nos interpela com vários questionamentos e nos deixa inquietos e curiosos para conhecer as respostas. Quais os saberes que servem de base ao ofício de professor? Quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? Como esses saberes são adquiridos? Esses são alguns exemplos dentre tantos questionamentos apresentados. Na primeira parte encontram-se capítulos que esclarecem vários aspectos referentes aos saberes dos professores e a segunda parte constituída de três capítulos realiza uma análise dos resultados das pesquisas sobre os investimentos financeiros e das diretrizes para a formação do professor.
No primeiro capítulo “Os professores diante do saber: esboço de uma
problemática do saber docente”, o autor realiza a interlocução entre saberes
sociais e educação, é dado ênfase que o professor é aquele que sabe alguma coisa e o ensina a alguém. É com muita propriedade, que Tardif apresenta os quatro saberes que constroem a profissão docente: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), os saberes disciplinares,os saberes curriculares e os saberes experienciais. É dada toda a ênfase aos saberes experienciais como aquele que surge na e pela prática, validados pelo professor e acoplados na constituição de seu profissionalismo. Nesse capítulo, também é
feita toda uma revisão histórica, definindo os vários papéis exercidos pelo
professor até a “conquista” da autonomia que começa a exigir do professor
novas definições políticas e sociais na profissão.
“Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério” é o segundo capítulo do livro e trata das questões de ordem da transformação que ocorre com a identidade profissional do professor ao longo dos anos. Os anos de profissão mudam a identidade profissional, assim como, a maneira de trabalhar. Nesse sentido, Tardif compactua com Schön, quando aponta que as aprendizagens profissionais são temporais e, que à medida que o tempo passa, novas ações surgem a partir das experiências interiorizadas e reavaliadas. Tem-se o social como ferramenta de construção do profissionalismo docente. Para comprovar esse fato as pesquisas dos autores Raymond, Butt e Yamagishi (1993), de Lessard e Tardif (1996), de Tardif e Lessard (2000) são apresentadas para exemplificar a construção do profissionalismo através do coletivo e, várias falas de professores (sujeitos da pesquisa) ilustram as fases iniciais da carreira e as transformações oriundas da experiência que se acumula com o passar dos anos. Ou seja, o professor aprende a trabalhar trabalhando. Vários aspectos significativos dos saberes experienciais são apresentados e discutidos ao término do capítulo.
O terceiro capítulo do livro, “O trabalho docente, a pedagogia e o ensino:
interações humanas, tecnologias e dilemas”, apresenta uma discussão muito
interessante do papel da pedagogia como instrumento de trabalho do professor.
Discute as várias interações que se estabelecem no cotidiano pedagógico e as ferramentas utilizadas para essa interação. A coerção, a autoridade e a persuasão fazem parte das tecnologias da interação e são utilizadas pelo professor no processo pedagógico. O autor enfatiza que não tem sentido pensar conceitos como Pedagogia, Didática, Aprendizagem, dentre outros, sem integrá-los às situações concretas do trabalho docente. Outra observação realizada com precisão pelo autor, é a diferenciação entre o trabalho do professor e o trabalho industrial.
Entre o trabalho pedagógico e o trabalho industrial a diferença reside na
possibilidade de materialização, ou seja, no processo produtivo industrial a
visualização dos resultados é desvelada com mais rapidez que no trabalho
pedagógico.
“Elementos para uma prática educativa” e “O professor enquanto ‘ator racional’” são o quarto e quinto capítulos. No quarto capítulo, o saber do professor é relacionado a alguns estereótipos designados à profissão docente. O ofício de professor é historiado desde a Grécia antiga. Na linha histórica do tempo, são apresentados autores como Platão, Aristóteles e Rousseau. Tardif retrocede na história e apresente a educação como arte, a educação enquanto técnica guiada de valores e a educação enquanto interação. No entanto, esses três aspectos da revisão histórica realizada por ele não esgotam a discussão e mais oito modelos recentes que integram a prática pedagógica são apresentados.
No último capítulo da primeira parte, Tardif apresenta porque se distancia da teoria de Schön, visão cognitivista, pois centraliza seus estudos na racionalidade docente, partindo das vivências/experiências que constroem seus saberes profissionais.
A segunda parte do livro “O saber dos professores e sua formação“ é construída a partir do capítulo seis “Os professores enquanto sujeitos do conhecimento”, do capítulo sete “Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários” e do capítulo oito “Ambigüidade do Saber docente”.
Nesses três últimos capítulos o autor discute os trabalhos de pesquisa (dos
professores universitários), juntamente com o trabalho do professor (professor de ofício). Tardif é enfático ao apontar que não se pode mais cindir o trabalho do professor da pessoa do professor. Neste sentido, as universidades, que representam os grandes centros de pesquisa, precisam considerar o professor como o principal agente do sistema escolar. É nos ombros do professor que se encontra a estrutura responsável pela missão educativa. Portanto, é imprescindível que as pesquisas científicas de educação considerem o saber-fazer dos professores.
Tanto na América do Norte quanto na maioria dos outros países de cultura
anglo-saxônica (Austrália, Inglaterra, dentre outros) e de forma mais recente em parte da Europa (Bélgica, França, Suíça) a preocupação com o resgate ao valor profissional dos agentes educativos, mas especificamente do professor, tem sido alvo de discussões para fundamentar novas epistemologias ao ofício.
Diante desse fato, Tardif discute a questão da inclusão dos saberes do professor de ofício (aquele que atua na sala de aula) nas pesquisas realizadas pelos professores universitários (pesquisadores). O saber-fazer existente na prática do cotidiano escolar e, representado naquilo que o autor denomina de subjetividade do trabalho docente, deve ser incorporado à pesquisa universitária e aproveitado para a formação de futuros professores. Desta forma, o autor apresenta alguns modelos implantados em outros países na formação de futuros professores, como no caso do modelo inglês, que desde 1992 dois terços da formação inicial foi transferida para o meio escolar. Talvez utopia para a realidade brasileira, mas vale a pena observar os resultados dessa iniciativa.
Nas considerações finais, Tardif apresenta a discussão das reformas implantadas no sistema educacional norte-americano e canadense e a diferença entre o real e o ideal para a consolidação de uma formação docente almejada. Mesmo nos países desenvolvidos os investimentos financeiros não são suficientes para atender ao desejo da reforma, assim como, proporcionar aos professores das universidades as devidas horas para que pudessem acompanhar os alunos da formação inicial nos projetos e pesquisas no interior dos muros escolares.


CONCLUSÃO

Fica o desafio para superar ou amenizar aquilo que o
próprio autor apresenta em um dos capítulos: existe a forte disputa e divisão na profissão docente e que fere a si mesma. Na profissão docente os professores se criticam entre si; os professores do ensino médio criticam as competências dos professores do ensino fundamental, estes reclamam dos professores da educação infantil e dos professores da universidade alegando que estes últimos vivem em redomas de vidro (mas precisamente em redomas de livros e teorias). Para enaltecer e resgatar o valor da docência faz-se necessário à coesão entre as diferentes categorias de ensino, para juntas discutir e melhorar o ofício que se tem em
comum.
É um livro que os interessados nos debates Saberes Docentes e Formação
Profissional não podem deixar de conhecer. Essa leitura nos aproxima dos dilemas educacionais da profissão docente apresentando várias reflexões e alternativas para a realidade pedagógica e para as pesquisas universitárias.


18. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 2001.

Apresentação (Walter E. Garcia)

O autor é diretor da Oficina Inter¬nacional de Educação da UNESCO (Genebra), e este livro traz temas recorrentes na literatura pedagógica uni¬versal: competitividade, cidadania, crise e reforma dos sistemas educativos, qualidade, novas tecnologias, etc. Os temas da globalização e da abertura econômica só começaram a ter um debate mais intenso, no Brasil, na década de 90. O grande tema sempre foi a dívida soci¬al, com seus desdobramentos. (9)

Inúmeros fatores tornaram irrelevante a postura histórica da for¬mação dos sistemas tradicionais de educação, de que a qualificação das pessoas era feita para atender deman-das. A reorganização dos sistemas de produção coloca em relevo novas atribuições, e exigem novas posturas dos atores educacionais: o aparecimento de novas necessidades educativas que se agreguem às fun¬ções tradicionais da escola. (10)

Esperamos que estas mudanças não se transformem em cortina de fu¬maça para abandonar velhos dogmas da educação pública, gratuita, univer¬sal e obrigatória. A substituição des¬se paradigma por duvidosas políticas compensatórias pode representar um retrocesso inominável e uma traição para com o futuro do país. (10)

Introdução
A queda do muro de Berlim sim¬boliza a crise dos parâmetros tradicio¬nais de definição das identidades políticas e ideológicas. Os movimentos educacionais não estão alheios a essa crise, e as certezas do passado desapa¬receram. A realidade contém parado¬xos que são incompreensíveis nos ter¬mos das categorias tradicionais. (11)

Ninguém sabe mais onde está si¬tuado. As respostas simples do passa¬do não são mais suficientes para definir uma orientação político-educacional que responda aos objetivos de democracia e equidade na distribuição do conhecimento. (12)

Este livro busca refletir sobre o papel da educação neste novo cenário social, e tenta definir uma alternativa, tanto às tendências neoliberais como às tendências antimodernas fundamentalistas. (12)

O olhar para o passado não tem nenhuma pretensão de análise histó¬rica. Tenta ser um instrumento para entender aquilo que está mudando. O olhar para o futuro tampouco preten¬de anunciar o que virá, mas chamar atenção sobre para onde deveríamos orientar nossas ações. (12)

Capítulo l - Vivemos uma revolução
Crise e Educação são termos frequentemente associados. Por con¬sequência, o sistema educacional tem sido uma das áreas das políticas pú¬blicas mais recorrente e sistematica-mente "reformadas". (15)

A crise da educação não é mais a mesma.

A crise da educação já não se apre¬senta como um fenômeno de insatis¬fação no cumprimento de demandas relativamente estabelecidas, mas como uma expressão particular da cri¬se do conjunto das instâncias da estrutura social: desde o mercado de tra-balho e o sistema administrativo até o sistema político, a família e o sistema de valores e crenças. (15)

A crise já não provém da forma deficiente de a educação cumprir os objetivos sociais que lhe são atribuí¬dos, mas do fato de não sabermos que finalidades ela deve cumprir e para onde deve efetivamente orientar suas
ações. Agora a crise implica em modifi¬car orientações e comportamentos. (15)

Estamos vivendo um processo de profunda transformação social. Não estamos diante de mais uma crise conjuntural do modelo capitalista, mas diante do surgimento de novas formas de organização social, econômica e política (sociedade da in¬formação, sociedade pós-capitalista, sociedade pós-industrial, terceira onda, etc.) (16)

Antes, os críticos encontravam-se entre os próprios educadores, pesqui¬sadores e acadêmicos. Agora se encontram, especialmente, entre atores externos ao processo pedagógico e às instituições educacionais. Os portado¬res do discurso 'revolucionário' são agora pessoas vinculadas às tecnologias de ponta, aos setores mais modernos da economia. (16)

Em que consiste esta nova revolução
Há algumas características cen¬trais que prefiguram a sociedade do futuro, e escolhemos três áreas para descrever os processos de transforma¬ção: o modo de produção, as tecnologias da comunicação e a democracia política. (17)

A competição exacerbada pela conquista de mercados está modifi¬cando os padrões de produção e organização do trabalho: estamos passan¬do de um sistema de produção dirigi¬do ao consumo de massas para um sis¬tema de produção dirigido a um con¬sumo diversificado - as novas tecnologias baseadas na informática permitem a produção de pequenas quantidades de artigos cada vez mais adaptados aos diferentes clientes. (17)

A flexibilidade na produção se expressa: nas noções de polivalência, nas equipes multitarefa, nas plantas multiprodutos, em que se valoriza a capacidade da pessoa para trabalhar em equipe e adaptar-se a condições e exigências de mudança. (18)

Além da flexibilidade, a produ¬ção moderna requer uma distribui¬ção diferente da inteligência. O taylorismo e o fordismo da produ¬ção em massa requeriam uma orga¬nização do trabalho hierarquizada de forma piramidal, na qual a criatividade e a inteligência concen-travam-se na cúpula, enquanto o restante das pessoas devia executar meca¬nicamente as instruções recebidas. (18)

As novas formas de produção ne¬cessitam de uma organização mais plana e aberta, com amplos poderes de decisão nas unidades locais e com a inteligência distribuída de forma mais homogênea. O conceito de 'qualidade total' expressa essa ne¬cessidade. (18)

A inovação e a melhora contínua tornaram-se uma necessidade. Os ci¬clos de vida dos produtos encurtam-se cada vez mais, obrigando a uma renovação constante dos projetos, o que estimula a capacitação permanente e a criatividade, assim como o tra¬balho em equipe e a associação com outros setores. Por outro lado, a reno¬vação constante gera uma forte insta¬bilidade interna. (18)

As novas condições de produção, baseadas no uso intensivo de conhe¬cimentos, têm um potencial de exclusão muito significativo - só pode as¬segurar condições de plena realização a uma minoria de trabalhadores. (19)

As novas tecnologias da informa¬ção têm um impacto não só na produ¬ção de bens e serviços, mas também no conjunto das relações sociais. A acumulação de informação, a veloci¬dade na transmissão, a superação das limitações espaciais, a utilização si¬multânea de múltiplos meios (ima¬gem, som, texto) são, entre outros, ele¬mentos que explicam o enorme poten-cial de mudança que essas novas tecnologias apresentam. (19)

As mudanças nas tecnologias da comunicação alteram a estrutura de interesses (as coisas nas quais pensamos), mudam o caráter dos símbolos (as coisas com as quais pensamos) e modificam a natureza da comunidade (a área na qual se desenvolvem os pen¬samentos). A invenção da imprensa e seus impactos são muito parecidos, não só a atitude dos autores mudou, como também a dos leitores: antes, a leitura dos livros era um ato coletivo. Embora se tenha ampliado o acesso ao conhecimento, também se criou uma exigência do domínio do código de leitura. (19)

Por fim, as mudanças provocadas no processo produtivo e nas relações sociais pelo uso das tecnologias da informação têm impacto direto sobre a vida política. Qual será a fórmula política por meio da qual se expressará esta nova realidade? (20)

A educação diante da nova realidade social
O que há de novo é o papel que desempenham o conhecimento e a in¬formação tanto na própria produção como no consumo. É consenso que o conhecimento constitui a variável mais importante na explicação das novas formas de organização social e econômica. (20)

A educação, entendida como a atividade por meio da qual se produz e se distribui o conhecimento, assume, portanto, uma importância inédita em, pelo menos, dois sentidos:

• Do ponto de vista político-social os 'detentores do conhecimento' desem¬penham um papel muito importante, tan¬to na geração de conflitos como em sua solução. As disputas pelos lugares onde se produz e se distribui o conhecimento constituem o centro dos conflitos soci¬ais do futuro - o respeito e a proteção aos direitos de propriedade intelectual, a negociação sobre o controle da circu¬lação de produtos culturais, como os fil¬mes e os vídeos. Os conflitos sociais e políticos também começam a ter uma maior densidade de informação, de co¬nhecimentos e de utilização dos instru¬mentos tecnológicos: a manifestação através da Internet permite a participa¬ção, independentemente do lugar físico e da posição de cada um na hierarquia das organizações; (20/21)

• Do ponto de vista dos conteú¬dos da educação, o desenvolvi¬mento das tecnologias da informa¬ção cria a necessidade de evitar que se produza a separação defini¬tiva entre conhecimento e pensa¬mento. As tecnologias possuem uma enorme capacidade de acúmulo e processamento de infor¬mação. Esse processo, levado a seu extremo, suporia que fôssemos in¬capazes de entender, de pensar e de falar aquilo que, no entanto, podemos fazer. (21/22)

Nesse contexto, a reflexão sobre o papel da educação na sociedade e em seu desenvolvimento implica definir os conhecimentos e as capacidades que a formação do cidadão exige e a forma institucional pela qual esse pro¬cesso de formação deve ocorrer. As instituições escolares não criam o con¬teúdo do processo de socialização. Ao contrário, é o conteúdo da socializa¬ção que define o desenho das institui¬ções escolares. (22)

Mas é preciso perguntar, primei¬ro, se a escola será a instituição socializadora do futuro e se a forma¬ção das gerações futuras exigirá esse mesmo desenho institucional. A soci¬edade do futuro deverá ser dotada de instituições capazes de manejar a in¬certeza. A experimentação começará a ser admitida na reflexão teórica e na prática política. (23)

A reflexão filosófica volta a ter importância
Trata-se de colocar as análises téc¬nicas e operacionais no quadro global de uma concepção que dê sentido a nossas ações, e a discussão dos fins da educação em suas expressões téc¬nicas, senão seriam não só estéreis do ponto de vista da ação, mas também pouco férteis teoricamente. (23)

Capítulo 2 - A crise do sistema tradicional

Nas sociedades ocidentais, o sis¬tema educacional respondeu, original¬mente (final do séc. XIX), às exigên¬cias políticas do processo de constru¬ção da democracia e dos Estados na¬cionais e às exigências econômicas de construção do mercado. (24)

Expandiu-se, com a estratégia de criar um sistema educacional articu¬lado em níveis (primário, secundário e superior), correspondentes às idades e ao lugar que cada classe ocuparia na hierarquia social. Sequencialidade e hierarquização foram as duas catego¬rias associadas, em torno das quais organizou-se a atividade educativa escolar. A ascensão implicava o aces¬so a estágios cada vez mais comple¬xos de compreensão da realidade e a posições sociais de maior prestígio e poder. (25/26)

A crise do sistema tradicional ma¬nifesta-se na impossibilidade de man¬ter a vigência dessas categorias. A sequencialidade de acesso ao conhe¬cimento é questionada pela necessi¬dade da aprendizagem e da formação permanente, e pela difusão da infor¬mação geral sem discriminação de idades que os meios de comunicação de massa realizam. A hierarquização é questionada pelo acesso universal à educação, pela ruptura dos víncu¬los de autoridade e pela dissociação entre ascensão educacional e ascen¬são social. (26)

A formação do cidadão: nação e democracia
A história da educação ociden¬tal está relacionada à história da construção da nação, da democracia e do mercado. A partir do surgimento do Estado-nação, a legi¬timidade política passou a basear-se na soberania popular. A educação, entendida como processo de socia-lização, teve enorme importância na consolidação da nação; foi o instru¬mento por meio do qual se deu a integração política. A formação da cidadania implicou a adesão à na¬ção acima de qualquer outro vínculo - religioso, cultural ou étnico. (26)

A nação e a democracia são cons¬truções sociais e, portanto, devem ser ensinadas e aprendidas. O que houve de peculiar na formação do cidadão foi a adesão a determinadas entida¬des socialmente encarregadas de di¬fundir as normas de coesão social e de aceitação das regras de disciplina social. (26/27)

A coesão social expressa-se pela aceitação de uma concepção comum do mundo e da sociedade e pela incorporação a um sistema que teorica¬mente seja capaz de abranger todos [todos o quê?]. A coesão promovida pelo processo de socialização escolar teve um forte caráter hierárquico, numa escala de níveis crescentes de complexidade, autoridade e hierarquia das posições sociais. A atividade edu¬cacional foi percebida e conceitualizada em termos da ordem social dominante. (27)

A socialização escolar promovia o respeito à autoridade, o valor da dis¬ciplina, a aceitação de papéis e visões do mundo predefinidos, que domina¬vam a formação da família. A escola pública representava os valores e os saberes universais, aspectos que se colocavam acima das normas culturais particulares dos diversos grupos que compõem a sociedade; foi projetada como uma instituição que assu¬me a representação da vontade e dos interesses gerais, cuja responsabilida¬de era do Estado. (28/29)

O projeto educacional caracteri¬zou-se por uma articulação entre seu componente quantitativo (acesso universal e obrigatório) e qualitativo (laicismo, lealdade à nação, língua oficial, etc.). A confiança na educa¬ção das pessoas foi um elemento fun¬damental do êxito na construção do Estado-nação. Estava baseada na projeção da possibilidade de um futuro sempre melhor, de uma ampliação progressiva dos espaços de participa¬ção, liberdade e justiça. (29)

O "déficit de socialização" da so¬ciedade contemporânea

As duas ideias básicas que defini¬ram a formação do cidadão - demo¬cracia e nação - acham-se em proces¬so de revisão. O desaparecimento do antagonismo entre Capitalismo e So¬cialismo provocou a obsolescência do sistema de representação. A ideia de cidadania associada à nação começa a perder significado. Em seu lugar aparece uma adesão a entidades supranacionais e uma retomada do comunitarismo local, no qual a integração define-se fundamental¬mente como integração cultural, e não política. (29/30)

Vivemos um período no qual as ins¬tituições educativas tradicionais, par¬ticularmente a escola e a família, estão perdendo capacidade para transmitir com eficácia valores e normas cultu¬rais de coesão social, o que caracteriza o "déficit de socialização". (30)

Os novos agentes de socialização, os meios de comunicação de massa, não foram projetados como entidades encar¬regadas da formação moral e cultural das pessoas. Ao contrário, seu projeto su¬põe que essa formação já esteja adqui¬rida e, por isso, a tendência dos meios é atribuir aos próprios cidadãos a responsabilidade pela escolha das mensagens que querem receber. (30/31)

Família e socialização
A socialização primária, que nor¬malmente se dá no seio da família, é a fase que o indivíduo atravessa na infância e mediante a qual se transforma em membro da sociedade; é a mais importante para o indivíduo, com ela ele adquire a linguagem, os esquemas básicos de interpretação da realidade e os rudimentos do aparato legitimador. (31)

As duas características mais im¬portantes da socialização primária são a carga afetiva e a identificação absoluta com o mundo tal como os adul¬tos o apresentam. Nesse sentido, é importante perceber que a socialização primária implica mais do que uma aprendizagem puramente cognitiva. Ela se realiza em circunstâncias de enorme carga emocional. (31)

A socialização secundária é todo o processo posterior, que incorpora o indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo de sua so¬ciedade. (31)

Na sociedade atual, os conteúdos da socialização primária são transmi¬tidos com uma carga afetiva diferente da do passado. Os grupos e as opções às quais uma criança é exposta ten-dem a diferenciar-se, a multiplicar-se e a modificar-se com uma velocidade sem precedentes. (31/32)

A evolução do individualismo
O credo do século XX é que cada pessoa é única, cada pessoa é ou de¬veria ser livre, cada um de nós tem ou deveria ter o direito de criar ou cons¬truir uma forma de vida para si, e de fazê-lo por meio de uma escolha livre, aberta e sem restrições. Essa am¬pliação das possibilidades de escolha tem consequências: (32/33)

• na composição e no funcionamen¬to da família: a incorporação da mu¬lher no mercado de trabalho, a tendência a reduzir o número de filhos, o au¬mento das separações e do número de filhos que vivem sozinhos ou com um dos pais. Além disso, o direito de cada um a definir sua própria vida supõe que os pais adotem uma conduta menos 'autoritária', menos impositiva; (33/34)
• produz-se uma diminuição do tempo real que os adultos significati¬vos passam com seus filhos; esse tem¬po é agora ocupado por outras insti¬tuições - escolas, creches, etc., ou pela exposição a meios de comunicação (quando a criança está só diante das mensagens que recebe). Os adultos significativos para a formação das
novas gerações tendem a diferenciar-se. O ingresso nas instituições é cada vez mais precoce; (34)
• os adultos perderam a segurança e a capacidade de definir o que que¬rem oferecer como modelo às novas gerações. (34)

Num sentido mais geral e profun¬do, a socialização primária começa a ser transmitida com uma carga afetiva diferente da do passado. (34)

A televisão: o desaparecimento da infância
A ausência de escolha supõe a au¬sência de informação sobre as opções possíveis. Ampliar o acesso à informação implica aumentar a possibili¬dade de escolha, revelar o segredo que existia, a perda do tabu, a incorpora¬ção da incerteza. (34)

A televisão, particularmente, está revelando segredos da sexualidade, da violência e da capacidade dos adultos para dirigir o mundo. A televisão faz a criança ver o mundo tal como ele é. Na socialização tradicional, essa rea¬lidade era negada; para obter informa¬ções era necessário dominar os códi¬gos de acesso da leitura e da escrita, e estar presente nos cenários onde essa realidade se produzia. (35/36)

A televisão suprimiu a barreira que a leitura impunha ao acesso à infor¬mação. A programação, por ser geral - dirigir-se a um público indiferenciado - evidencia todos os segredos da vida sem respeitar idades nem sensibilidades; não discrimina momentos nem sequências na difusão da informação. (36)

Ver televisão não requer nem de¬senvolve habilidade especial; estabe¬lece as condições de comunicação que existiam antes da imprensa, e desfaz as linhas de separação entre crianças e adultos; suprime as exigências para o acesso à informação. (36)

À medida que a informação adul¬ta chega às crianças, a curiosidade delas se enfraquece, assim como a autoridade dos adultos. (36)

A socialização familiar tradicional baseava-se na existência da infância como categoria especial, diferente. A distinção entre infância e vida adulta apoiava-se na existência de âmbitos desconhecidos, de segredos e da ideia de 'vergonha'. (36)

Os segredos (vida sexual, dinhei¬ro, violência, morte, doenças) eram mantidos e iam sendo revelados de forma progressiva, à medida que a cri¬ança estava em condições de ter aces¬so a esse conhecimento. A identidade infantil definia-se pela ignorância des¬ses segredos, a dos adultos pelo co¬nhecimento e capacidade de controle sobre eles. (36)

Essas mudanças afetam as rela¬ções entre a família e a escola. As crianças chegam à escola com um núcleo básico de desenvolvimento da personalidade caracterizado pela de-bilidade dos quadros de referência, ou com quadros de referência que dife¬rem dos que a escola supõe e para os quais se preparou. (37)

A escola era uma continuação da família. Mas na família estabeleceu-se a diferenciação, o respeito à diversidade, a ampliação dos espaços de escolha e a personalização. Na esco¬la, manteve-se a indiferenciação, a resistência à diversidade. As opções clássicas transformaram-se em puro formalismo, baseado em funciona¬mentos burocráticos, que debilitam a autoridade e a legitimidade da men¬sagem da escola. (37)

Escola e socialização: o desapa¬recimento do professor
As causas da perda da capacidade socializadora da escola vão desde a massificação da educação, a perda de prestígio dos docentes e a rigidez dos sistemas educacionais, até o dinamis¬mo e a rapidez da criação de conheci¬mentos e o aparecimento dos meios de comunicação de massa. (37)

A maior evidência é a deteriora¬ção do professor como agente de so¬cialização. Produziu-se um proces¬so de desaparecimento das distin¬ções entre professor e aluno, acom¬panhado por um processo de perda de significação social das experiên¬cias de aprendizagem que se reali¬zam na escola. (38)

A crise da autoridade adquire sua expressão máxima quando chega às áreas pré-políticas de exercício da autoridade, como são as relações entre professores e alunos e entre pais e filhos. (38)

Os docentes, em consequência, tenderam a alhear-se do que lhes era próprio e específico. A ampliação dos saberes nos processos de formação docente esteve vinculada a regras de hierarquia, de critério e de seleção: avaliação, currículo, orientação, soci¬ologia e política da educação, pesqui¬sa, etc. A ampliação desses saberes teve um forte efeito desestabilizador, na medida em que gerou um alheamento da prática da aula. (39/40)

A ausência de sentido
A socialização atual enfrenta a perda de ideais, a ausência de utopia, a falta de sentido. A perda de finalidades faz desaparecer a promessa so¬cial ou política de um 'futuro melhor'. O fim da utopia provocou a sacralização da urgência, erigida em categoria central da política. A perda de sentido deixa os educadores sem pontos de referência. (41/42)

Capítulo 3 - Qualidade para todos
A crise se localiza mais no víncu¬lo entre qualidade e quantidade do que na qualidade da educação em si mes¬ma. No modelo tradicional, esse vín¬culo era direto e linear: níveis mais altos de complexidade qualitativa es¬tavam associados a menor quantida¬de de indivíduos capazes de ter aces¬so a eles. (45)

A expansão da matrícula escolar em todos os níveis rompeu o equilí¬brio tradicional, provocando um "ex¬cesso de certificação" educacional em relação à hierarquia social, o que ex¬plica a desvalorização geral dos diplo¬mas e a crescente falta de correspon¬dência entre nível educacional e pos¬tos de trabalho. (45)

A definição do que se ensina e de quem tem acesso a essa aprendiza¬gem tornou-se fator central da definição sobre a distribuição do poder e da riqueza. (46)

Competitividade e cidadania
O que mais chama atenção nos debates acerca do futuro é a impor¬tância que os não-educadores (empresários dos setores tecnologicamente mais avançados da economia, profis¬sionais da comunicação) conferem à educação, ao papel do conhecimento, da informação e da inteligência no processo produtivo. (46)

O conhecimento tem virtudes de¬mocráticas intrínsecas como fonte de poder; diferentemente das fontes tradicionais de poder (força, dinheiro, terra), o conhecimento é sempre ampliável. Um mesmo conhecimento pode ser utilizado por diferentes pes¬soas, e sua utilização pode produzir mais conhecimento. (46/47)

As empresas se classificarão em categorias vinculadas à intensidade de conhecimento que utilizem. A estru¬tura ocupacional será baseada em três categorias: (47)

• serviços rotineiros, que implicam a execução de tarefas repetitivas;
• serviços pessoais, que supõem a realização de tarefas rotineiras e repetitivas oferecidas cara a cara (servente, babá, taxista, mecânico, etc.);
• serviços simbólicos, que se refe¬rem à identificação e solução de pro¬blemas, e definição de estratégias. Dependem da abstração, do pensamento sistêmico, da experimentação e da ca-pacidade de trabalhar em equipe. (48)

O conceito de 'inteligente' inclui ca¬pacidades não-cognitivas: afetos, emo¬ções, imaginação e criatividade. (48)

Redefinição da relação educação-mercado de trabalho
As capacidades requeridas para o exercício da cidadania e para a atividade produtiva abrem novas perspectivas ao papel da educação. (51)

Segmentação e exclusão são os dois fenômenos que acompanham a expan¬são da economia baseada no conheci¬mento. A incapacidade do novo modo de produção para incorporar a popula¬ção, de maneira estável, tem como con¬sequência o desemprego, a pobreza, a violência, a intolerância. (52/53)

A flexibilidade leva à subcontratação de partes do processo produtivo e à polivalência de seu pes¬soal, que deve adaptar-se a condições de trabalho em mudança. Esta exigên¬cia de polivalência e de adaptação permanente, unida às exigências de trabalho em equipe e de criatividade, gera um clima desestabilizador muito forte, tanto no plano individual como no institucional. (53)

Uma das formas de resolver esta instabilidade é dotar as pessoas que ocupam esses postos de trabalho de condições de seguridade muito altas, como contrapartida a uma entrega to¬tal às exigências da empresa. Cada vez é mais importante a formação no pró¬prio processo de trabalho. Essa ten¬dência pode derivar num cenário que se assemelharia à situação corporativa medieval: o setor 'dominante' seria o grupo de trabalhadores que possui os conhecimentos; os excluídos seriam quase 'inúteis'. (54/55)

Do ponto de vista político, esses níveis tão altos de exclusão só poderi¬am manter-se com níveis igualmente altos de autoritarismo. As alternativas a esse cenário baseiam-se na definição de estratégias para manter a coesão social. O postulado central é evitar que o trabalho seja monopolizado por uma elite da sociedade. Esse cenário prenun¬cia o eixo de debates sobre as orienta¬ções educativas do futuro. (56)

O conflito e a tensão transferem-se de novo para o âmbito quantitativo: definir quantos e quais terão acesso a essa formação. É por isso que a deman¬da de qualidade para todos, baseada no pressuposto de que todos os seres hu¬manos são capazes de aprender, cons-titui a alternativa mais legítima. (57)

Capítulo 4 - As novas tecnologias
As mudanças no modo de produ¬ção estão ligadas à utilização das tecnologias da comunicação e infor¬mação. Alguns tendem a crer que são as tecnologias que provocam as mu¬danças nas relações sociais, quando, na verdade, a evolução das tecnologias responde às exigências das relações sociais. (59)

As tecnologias da comunicação e da informação respondem tanto às exigên¬cias do individualismo como às exigên¬cias de integração social. A discussão sobre as relações entre educação e tecnologias abrange os processos de socialização e de aprendizagem. (59/60)

Do ponto de vista da socialização, as tecnologias não devem ser perce¬bidas como uma ameaça à democracia e à formação das novas gerações. Do ponto de vista do processo de aprendizagem não devem ser perce¬bidas, utopicamente, como a solução para todos os problemas de qualidade e cobertura da educação. (60)

Televisão e aprendizagem
Os meios de comunicação são acu¬sados de ser um dos elementos respon¬sáveis pelos desvios morais da infân¬cia e da juventude. Mais tempo na frente da televisão acarreta diminui¬ção no interesse pela leitura, maiores possibilidades de obesidade e passi¬vidade psíquica, índices mais altos de violência, agressividade e medo da violência real. Atribui-se esse proble¬ma à lógica puramente comercial da programação. (60/61)

É preciso reconhecer que os fenô¬menos mais graves de violência, xe¬nofobia e intolerância cultural que ocorrem, não estão ligados a uma ex¬posição muito significativa da popu¬lação à televisão. (61)

A televisão mudou a natureza da opinião pública, que deixou de base¬ar-se na avaliação intelectual das proposições para converter-se numa res¬posta intuitiva e emocional à apresen¬tação de imagens. A imagem mobili¬za particularmente as emoções, os sen¬timentos, a afetividade, enquanto a leitura estimula a racionalidade e a reflexão. A publicidade supõe intro¬duzir um comportamento não-racional na economia. (62)
A multiplicação dos canais de tele¬visão e a ampliação dos circuitos de distribuição de conhecimentos, valores e padrões culturais pela imagem afetam profundamente os conteúdos do processo de socialização. Na socieda¬de contemporânea, na qual os vínculos primários se enfraquecem e a família já não transmite seus conteúdos com a força afetiva com que fazia no passa¬do, a socialização secundária começa a encarregar-se da afetividade. (63/64)

A socialização através da imagem e não da língua escrita assume essa função e o faz não tanto através dos conteúdos, mas da forma que utiliza. Desse ponto de vista, a televisão ten¬de a reproduzir os mecanismos de so¬cialização primária empregados na família e pela Igreja: socializa através de gestos, de climas afetivos, de tona¬lidades de voz, e promove crenças, emoções e adesões totais. (64)

Na tradição intelectual do Ocidente a imagem foi sempre subvalorizada em relação ao texto escrito. Uma socializa¬ção apoiada maciçamente na imagem im¬plica que devemos aprender, e, portanto, ensinar, a defender-nos da manipulação induzida pela imagem. (64)

Agora é necessário que se ensine a usar os meios para evitar que a ima¬gem nos manipule, o que abre a porta para toda uma linha de ação educativa futura baseada em formar para o uso crítico dos meios. Mas o que significa isso? Muitos educadores sustentam a hipótese de que é necessário introdu¬zir a comunicação como conteúdo de ensino, e, em consequência, enfatizam a necessidade de ensinar como se pro¬duz um jornal ou um programa de rá¬dio ou de televisão. Conhecer os me¬canismos de produção implicaria ad¬quirir os elementos para defender-se da manipulação. (64)

Essa posição nos desvia do centro do problema, que passa pelos quadros de referência, tanto culturais como cognitivos, com os quais cada pessoa processa as mensagens que recebe. (64)

O espectador realiza uma série de operações de identificação, reconhe¬cimento, diferenciação, que supõe a existência de um núcleo cultural a partir do qual são selecionados e pro¬cessados os conteúdos dessas mensa¬gens. Quando esse núcleo não está construído ou o está muito debilmente, os riscos de alienação e dependên¬cia aumentam. (65)

Os meios tomam como pressupos¬to que cada indivíduo já desenvolveu o seu quadro de referência, e a tendência é incrementar a diversidade da oferta para permitir que cada um es¬colha o programa que preferir.

Os meios supõem que os espectadores já têm as categorias e as capacidades de observação, classificação, compara¬ção, etc. necessárias para processar e interpretar dados que eles põem à nos¬sa disposição. (65)

A evolução dos meios de comuni¬cação tende a reproduzir a evolução das outras formas de democratização cul¬tural. O interesse em dispor de uma te¬levisão de caráter geral, pública e de boa qualidade, é um dos temas de qual¬quer política educativa do futuro. Ne¬cessitamos de uma estratégia destina¬da a reforçar as ações comunicativas através da leitura e da escrita. (65/66)

Informática e educação
O computador e o telefone, dife¬rentemente da televisão, não se baseiam na imagem nem no domínio da afetividade. No computador a inteligência está distribuída de maneira inversa à da televisão: na televisão a inteligência está localizada no centro e os termi¬nais são passivos; no computador, a inteligência está nos terminais e o cen¬tro é passivo. O telefone destina-se a assegurar a circulação da informação, sem implicar nenhuma concentração de inteligência nem no centro nem nos terminais. (67)

No essencial, não há dúvida de que a utilização dessas tecnologias pode tornar-se um instrumento importante no processo de aprendizagem. A ima¬gem, o texto e o som tendem cada vez mais a ser associados - aparatos multimídias. (68)

A educação deve formar as capa¬cidades que conformam um compor¬tamento inteligente, e, em relação ao acesso às tecnologias, coloca-se o pro¬blema do custo: uma educação de boa qualidade não poderá mais ser de bai¬xo custo. (68)

As tecnologias são 'máquinas relacionais' que permitem pôr em contato uma quantidade cada vez maior de pessoas, mas também servem para proteger-nos dos outros e da realida-de do exterior. Esse problema implica identificar as demandas sociais capa¬zes de estimular o desenvolvimento de tecnologias voltadas para o reforço dos vínculos sociais, e não para sua ruptura. (69)

As tecnologias supõem a liberação do tempo ocupado em tarefas rotinei¬ras e contribuem significativamente para aumentar nosso acesso à infor¬mação. Mas a informação por si só não acarreta conhecimento, e a mera exis¬tência de comunicação não implica a existência de uma comunidade. A construção do conhecimento e da co¬munidade é tarefa das pessoas. (69)

É aqui que se situa, precisamente, o papel das novas tecnologias em edu¬cação: seu uso deve liberar o tempo que agora é utilizado para transmitir ou comunicar informação, e permitir que ele seja dedicado à construção de conhecimentos e vínculos, sociais e pessoais, mais profundos. (70)

Capítulo 5 - A construção da identidade

A especificidade da atual situação educacional é que se perdeu a articu¬lação entre a socialização primária e a socialização secundária. Não se tra¬ta, em consequência, de definir técni¬cas de aprendizagem ou projetos curriculares. As definições da atividade educativa não podem ser elabora¬das à margem do processo de sociali¬zação, sem uma ideia clara de articu¬lação com as demais ações e institui¬ções socializadoras. No contexto de instabilidade e incerteza, ocorrem fe¬nômenos sejam de regressão aos pon¬tos de referência tradicionais, sejam de adesão a novos valores. (71)

Assim, o que há de peculiar no atu¬al período histórico é a importância que assume a atividade do sujeito na construção de sua identidade. As iden¬tidades não são mais impostas total¬mente do exterior, mas é preciso cons¬truí-las de forma individual. Esse enfoque permite que se explique a pluralidade das identidades. (72)

A existência de sistemas de senti¬do (culturas) é cada vez menos sepa¬rável das inúmeras ações individuais que as questionam. O indivíduo incor¬porava 'sistemas' que existiam de for¬ma independente, agora é a pessoa que deve reconstruir o sistema. (72)

Se, por uma lado, a maior partici¬pação das pessoas na construção de suas identidades supõe a libertação dos limites impostos por crenças, precon¬ceitos, visões pré-formadas da vida, por outro, priva os indivíduos da proteção que a posse de uma identidade fixa outorgava, na qual a responsabilidade pelo desenvolvimento das condutas era determinada de fora. (72/73)

Essa ambiguidade constitui uma das fontes da atual reflexão filosófica e educacional: 'minha sorte não depende senão de mim mesmo'. (73)

Essas mudanças no processo de construção da identidade afetam o papel e as modalidades da atividade educativa, em particular a educação formal, que foi organizada sobre dois pressupostos: que o núcleo básico da socialização já está dado pela famí¬lia; que há um modelo cultural domi¬nante, hegemônico, que a escola deve transmitir. (73)

Quando a família socializava, a escola podia ocupar-se de ensinar. Agora, a escola começa a ser objeto de novas demandas para as quais não está preparada. Diante dessas mudan-ças na base do processo de socializa¬ção, a socialização secundária não permanece inalterada. Há uma espé¬cie de secundarização da socialização primária e de primarização da socia¬lização secundária. (73/74)

A secundarização da socialização primária expressa-se pelo ingresso cada vez mais precoce em instituições escolares, pelo menor tempo passado com os adultos mais significativos (pais e mães) e pelo contato com os meios de comunicação. A primarização da socialização secundá¬ria se caracteriza pela incorporação de maior carga afetiva. (74)

A crise das grandes estruturas e a tendência a operar com unidades pe¬quenas, autônomas e flexíveis, supõem o desaparecimento dos mecanis¬mos impessoais das grandes burocra-cias, substituídos pelos contatos cara-a-cara, em que a integração, o traba¬lho em equipe, a solidariedade cons¬tituem elementos-chave. (75)

Isso implica, na atividade profis¬sional, a tendência a incluir cada vez mais todas as dimensões da personalidade e não só a competência técni¬ca, e, na necessidade de regular pela lei, aspectos que tradicionalmente eram auto-regulados por mecanismos culturais. O intenso personalismo é acompanhado por uma expansão da lei como instrumento de controle social, uma espécie de sucedâneo da autori¬dade tradicional. (76)

Numa socialização mais flexível e aberta, a formação ética, dos valo¬res e comportamentos básicos, passa a depender de instituições e agentes secundários. Supõe articulações entre o básico e o mutável. (77)

A articulação entre o estável e o dinâmico
No plano da ética, a construção da identidade supõe a articulação entre um núcleo básico, obrigató¬rio, estável e um conjunto mutável de valores e regras de conduta. No plano social, a identidade também se define pela articulação entre o desenvolvimento da individualida¬de e o desenvolvimento da sociabi¬lidade, entre o obrigatório e o eletivo, entre a continuidade e a transformação. (77)

A crise da modernidade parece ha¬ver reduzido ao mínimo o âmbito do estável. A fragilidade dos quadros de referência está associado à insegurança econômica, à perda de confiança, e pode provocar o reforço irracional da deman¬da de limites e padrões fixos. (77)

A primeira manifestação desse re¬trocesso consiste em pessoas pensa¬rem sistematicamente como vítimas, e não como responsáveis por seu pró¬prio destino. Expandiu-se de forma significativa o traço cultural de bus¬car sempre um responsável pelo que não anda bem em nossa vida. (78)

A segunda manifestação consiste em pensar e atuar não como indiví¬duo, mas como membro de um grupo - mulher pensa como mulher e só pode ser representada por mulher. O corolário desse esquema de pensamento é a fobia à mescla. (78)

Assim, tendemos a pensar que, se o objetivo é conseguir o desenvolvi¬mento da tolerância, será necessário ser tolerante em todas as situações. Ao contrário, a obtenção de certos resul¬tados requer, em determinadas etapas do desenvolvimento, que se passe pela experiência oposta. (78)

Nesse sentido, uma das críticas mais sérias às práticas educativas é que a educação tentou superar o problema da violência eliminando-a como tema das atividades. Nossa cultura tem essa especificidade: estimula o espírito com¬petitivo, favorece os sentimentos agres¬sivos que excitam a rivalidade, mas transforma em tabu a própria agressividade. Estamos habituados a condenar os atos de violência, porém o que nos faz falta é a promoção de modos satisfatórios de comportamen¬to em relação à violência. (78/79)

A ausência total de quadros de re¬ferência gera atitudes de criatividade, de tolerância, mas também gera atitudes de anomia, de dissociação e desvinculação social, e a busca de pro-teção na recriação de vínculos tradi¬cionais. Reside aqui o primeiro desa¬fio para a pedagogia: definir quais são os componentes do núcleo básico da personalidade e da inteligência e as modalidades de sua formação. (79)

A articulação entre o próprio e o alheio: identificação da fronteira

A construção da identidade impli¬ca a identificação de uma fronteira. O ideal de tolerância e compreensão supõe não o desaparecimento das fron¬teiras, mas o desaparecimento da con-cepção do 'diferente' como um inimi¬go. O debate acerca de um conceito de cidadania alicerçado numa comunida¬de de nações (ex.: União Européia) permitiu que se percebesse a importân¬cia da 'ruptura cognitiva' que a supe¬ração do conceito de cidadania basea¬do no Estado-nação implica. (79/80)

Parece oportuno evitar que se caia na demonização do nacionalismo. A integração numa unidade maior só será possível a partir da uma sólida e segura identidade cultural própria. A confian¬ça em si mesmo constitui o fundamento inicial de qualquer estratégia de integração e compreensão do 'outro'. (81)

Formação para o exercício res¬ponsável da cidadania e redefinição do vínculo entre cidadania e nação são dois aspectos fundamentais da atividade educativa. (81)
Individualismo e interesses gerais
A crise das identidades e da repre¬sentação políticas trouxe consigo a crise do Estado e de todas as formas de expressão dos 'interesses gerais'. No capitalismo tradicional, os interes¬ses particulares de cada setor social eram apresentados como interesses gerais, e o êxito definia precisamente o caráter hegemônico de uma deter¬minada classe social. (81)

A tensão entre interesses individu¬ais e gerais assume novos significa¬dos e manifestações. A tendência de dar maior poder de decisão aos cida¬dãos responde ao processo de demo¬cratização da sociedade, mas esse maior poder implica a existência de um alto nível de responsabilidade in¬dividual. O tema da responsabilidade constitui um tema central nas refle¬xões sobre o futuro. (82)

A formação ética torna-se, então, um requisito central da formação ci¬dadã. A responsabilidade das empre¬sas pelo problema do emprego e do meio ambiente, a responsabilidade dos meios de comunicação pela formação das pessoas, a responsabilidade dos educadores pela aprendizagem dos alunos, a responsabilidade dos alunos pelo seu próprio processo de aprendi¬zagem. Formar com responsabilidade implica aprender e aceitar que temos uma história comum, valores comuns, um destino comum. Reconhecer o outro como sujeito. (82)
Identidade e capacidade de escolher
A escolha é uma conduta que ocor¬re cada vez mais cedo no processo de formação da personalidade. Os jovens são convocados a escolher, a tomar decisões que há pouco eram definidas por autoridades externas: o Estado, a família, a Igreja. (83)

O desenvolvimento da capacidade de escolher constitui, por isso, uma ta¬refa importante da educação, o que su¬põe uma pedagogia diferente: o traba¬lho em equipe, a solidariedade ativa entre os membros do grupo e o desen¬volvimento da capacidade de escutar constituem os elementos centrais dessa pedagogia, que devemos desenvolver do ponto de vista teórico e prático. (84)

O conflito e a construção da identidade
Estas questões remetem ao papel do conflito, da oposição e da dificul¬dade na construção da identidade. A escola trabalhava sobre o universal, sobre o comum e, assim, apresenta¬va-se como neutra diante de importantes fatores de diferenciação cultu¬ral. Os fatores de diferenciação cultu¬ral pertenciam ou à família, ou à con¬dição de estrangeiro. (84)

Os padrões entendidos como uni¬versais definiam-se por sua neutralida¬de em relação aos particularismos. O desafio de romper os particularismos conferia à neutralidade relativa da es¬cola um caráter ativo. (84/85)

A crise do Estado-nação, as dificul¬dades cada vez mais sérias para garan¬tir mobilidade social e as mudanças culturais associadas ao processo de modernização esgotaram a vigência desse esquema de neutralidade. (85)
Capítulo 6 - A escola total
Quatro ambiguidades se apresen¬tam no campo da educação: (87)

• estratégia de dar prioridade à ex¬pansão da cobertura da educação pri¬mária: para alguns, uma consigna democrática e equitativa, para outros representa que só se quer oferecer aos setores populares a educação de base, monopolizando o acesso ao ensino superior para a elite: (87)
• prioridade conferida à acão pú¬blica estatal: para alguns o setor pú¬blico é a garantia de equidade na oferta educacional; outras análises, no entan¬to, mostram que o Estado não é, por si só, uma garantia de equidade e que, ao contrário, pode exercer sua ação como aparato de dominação; (87)
• a expansão das novas tecnologias: para alguns é promessa de realização de todas as utopias; para outros, constitui uma ameaça destina¬da a reforçar as desigualdades e os controles sobre os cidadãos; (88)
• os objetivos da educação como atividade destinada à formação inte¬gral da personalidade são agora reivindicados não só pelos progressistas, mas também por atores que, no pas-sado, eram identificados como fortes opositores a essas propostas. (88)
O esgotamento do paradigma da modernização
A crise da educação está associa¬da ao esgotamento da organização social baseada na 'modernização'. Historicamente, a modernidade este¬ve associada quase exclusivamente ao aspecto da racionalidade. (88/89)

A educação constitui, hoje, um dos fatores mais importantes na luta entre racionalidade e subjetividade. Os sen¬timentos e as paixões só eram promo¬vidos e permitidos nas áreas que cum¬priam um forte papel integrador - na¬ção, pátria. A socialização escolar es¬tava destinada a promover comporta¬mentos ajustados às exigências de um sistema baseado em regras impesso¬ais e comuns a todos. (89)

A família é a responsável pela che¬gada do aluno à escola em condições de educabilidade, tanto materiais como psicológicas. Só sobre essa base a es¬cola pode assumir sua tarefa especi¬alizada e parcial, ou seja, racional. (89)

As pedagogias que davam ênfase à formação para a liberdade e para a criatividade foram condenadas a desenvolver-se fora dos limites da esco¬la pública. (90)

A crise atual é a crise das concep¬ções unidimensionais da modernidade: a racionalidade que nega a subjetivi¬dade e o valor da liberdade levou ao autoritarismo; a mera subjetividade, sem a racionalidade da ciência, conduz, da mesma forma, ao autoritarismo. O desafio da educação é encontrar a arti¬culação entre racionalidade e subjetividade no plano de uma ação social. (91)
Os fins da educação
Uma das características do proces¬so de modernização foi a ruptura com a ideia de 'fins últimos', os quais toda ação humana deveria tender a alcan¬çar. A educação organizou-se para cumprir sua função de integração so¬cial. A carência de 'fins últimos' põe em crise a crença de que temos algo a transmitir às novas gerações. (91/92)

Devemos, então, discutir o senti¬do da atividade educativa, pois a au¬sência de sentido leva a propostas que representam um retorno à ideia de 'fins últimos e sagrados', que não se discutem e são impostos às pessoas, ou a propostas neoliberais, que se tra¬duzem no desenvolvimento de um in¬dividualismo anti-social, na busca de interesses individuais independente¬mente de suas consequências para o equilíbrio social. (93)
A escola total
A escola definia-se por seu caráter de instituição de socialização se¬cundária: pressupunha que o núcleo básico da personalidade e da incorpo¬ração à sociedade já estava adquirido, e sua função concentrava-se na pre¬paração para a integração social. Esse modelo esgotou suas possibilidades, e a função da escola deve ser redefinida. (93)

As mudanças mais importantes sus¬citadas pelas novas demandas à edu¬cação: que esta incorpore, de forma sis¬temática, a tarefa de formação da per¬sonalidade, além do desenvolvimento cognitivo; que rompa com a neutrali¬dade em relação às diferenças (uma tentativa de suprimir as desigualdades ou a tentativa de uniformizar e enqua¬drar todos num modelo cultural domi¬nante e/ou legitimar as desigualdades através do diferencial de sucesso no rendimento educacional). (94/95)

Sabemos que, para que se supri¬mam as desigualdades, é preciso le¬var em conta as diferenças, e, além disso, o desenvolvimento da persona¬lidade supõe que se ensine a assumir a escolha das identidades de gênero, religião e cultura. A tarefa de formação da personalidade afeta todas as dimensões da instituição escolar: cur¬rículo, critérios de avaliação, corpo docente, etc. (95)

Assumir a formação da personali¬dade implica que a escola não poderá mais deixar de lado certos temas, mas deverá assumi-los, promovendo seu conhecimento e sua discussão. O de¬bate sobre a compreensão do fenôme¬no religioso e suas diferentes expres¬sões, por exemplo, é fundamental na formação de uma cultura cidadã. (96)

É muito importante, ainda, refor¬çar a formação ética, na qual valores como responsabilidade, tolerância, justiça e solidariedade constituem o corpo central da formação do cidadão, e que se rechacem tanto a negação da subjetividade, como a ideia de um modelo único de pessoa ao qual todos devemos tender. (96)

É preciso promover o vínculo en¬tre os diferentes, promover a discus¬são, o diálogo e a troca. Definir formas de promover o 'desejo de saber' e de formar os quadros de referência para processar a informação disponí¬vel que circula na sociedade. (96/97)

A função de integração social de¬verá ser redefinida a partir da prepa¬ração para o trabalho em equipe, o exercício da solidariedade, o reconhe¬cimento e o respeito às diferenças. Essa formação exige, também, uma articulação entre o grupo e o indiví¬duo. Ser membro de uma equipe im¬plica dispor de algo para contribuir. A excelência individual não é contradi¬tória com o trabalho coletivo. (97)

As novas tecnologias permitem que se libere o tempo aplicado a tare¬fas rotineiras, para liberar o professor da tarefa de fornecer informações ou de preencher formulários administra¬tivos, para permitir que ele reforce a atenção personalizada, conforme o rit¬mo de cada aluno, e para o trabalho em equipe. Formar as capacidades de análise e síntese, e de criatividade. A base do novo trabalho é a motivação para o esforço que o processo de aprendizagem requer. (97/98)

O simplismo do entretenimento e a ausência de perspectivas de traba¬lho são fatores muito poderosos de desmotivação para o esforço de apren¬dizagem. A promoção de estratégias para o tempo de lazer baseadas em atividades de grupo constitui o ponto de partida para tornar a distração um fator educativo. (99)

A escola deve assumir a tarefa de promover estratégias baseadas na supe¬ração da passividade e do individualis¬mo. O desafio é promover condutas nas quais a equipe, e não o indivíduo isola¬do, seja o fator de êxito, e o triunfo não signifique a eliminação dos outros, sem os quais não existe a possibilidade de continuar competindo. (99)
Escola e sociedade
O modelo de desenvolvimento ca¬pitalista implica alto grau de dissociação entre as capacidades para a atividade produtiva e as capacida¬des requeridas pelo desenvolvimento da personalidade. (99/100)

Durante as últimas décadas a expan¬são educacional produziu o seguinte fe¬nômeno: os egressos do ensino superi¬or começaram a ter acesso a postos tra¬dicionalmente ocupados por pessoas formadas no ensino médio; estas, por sua vez, ocuparam os postos para os quais antes só se exigia educação básica; e os que só possuem educação bási¬ca tendem a ser os candidatos mais cer¬tos ao desemprego. Não obstante, já se percebe que o desemprego afeta tam¬bém os mais preparados. (100)

Um dos desafios futuros é a articu¬lação de uma proposta baseada na desvinculação entre educação e mobili¬dade social. A dificuldade é que ela per¬de um dos aspectos mais dinamizadores da expansão educacional. (101)

Outro desafio é promover o prestí¬gio e a importância da formação básica, que implica romper com uma das diretrizes mais arraigadas no funcionamen¬to de nossos sistemas educacionais: su¬por que quanto mais básico é o conteú¬do, menores são os recursos necessári¬os. Os professores tendem a abandonar os postos dos primeiros graus. Os re¬cursos econômicos também são distri¬buídos da mesma maneira. Inverter essa tendência será uma das tarefas mais im¬portantes do futuro. (102)

As tendências demográficas indi¬cam uma progressiva diminuição da demanda de acesso à educação bási-ca, acompanhada de maiores deman¬das de educação permanente. Essa mudança implicará uma reformulação do conceito de obrigatoriedade do en¬sino. (102)

Capítulo 7 - Sistema ou instituição
A tendência à personalização dos serviços e a ênfase no desenvolvimen¬to integral da personalidade colocam exigências incompatíveis com algu¬mas das diretrizes dos modelos tradi¬cionais de organização e gestão das atividades educativas. (103)

O Construtivismo ofereceu os fun¬damentos para a proposta de atribuir aos estabelecimentos e aos próprios docentes boa parte das decisões em ter¬mos curriculares, permitindo um pro¬cesso de aprendizagem baseado na ex¬periência acumulada tanto pelos alu¬nos como pela equipe docente. (103)

A tendência agora é transformar as grandes organizações burocráticas em redes planas de instituições menores, destinadas a melhorar a eficiência da pro¬dução e a ajustar-se às necessidades dos clientes, e combater os problemas gera¬dos pelos sistemas centralizados: inefi¬ciência, pouca responsabilidade pelos resultados, isolamento, corporativismo, rigidez e imobilismo. (103) Isso pressupõe passar de um siste¬ma para uma instituição. (104)
Desenho institucional e justiça
Organizar a atividade educativa em função de um sistema significa, da perspectiva conservadora, a ideia de integração, de incorporação de todos a um sistema hierarquizado e aos va¬lores desse sistema; da perspectiva democrática, que o sistema garante a equidade, a igualdade em termos da utilização do principal mecanismo de ascensão social. (104)

A educação, de acordo com esse pres¬suposto, foi organizada com base na ig¬norância de uma série de característi¬cas que definem a condição e as possibi¬lidades de cada um em relação à apren¬dizagem, ao desenvolvimento da inteli¬gência e das capacidades pessoais.

A ignorância desses fatores foi entendida como uma condição da jus¬tiça. Tratar todos da mesma maneira foi o princípio básico. (105)

A avaliação de resultados de aprendizagem fez emergir a reivindi¬cação das diferenças, que resiste à ideia de tratamento homogêneo, e per¬mitiu tratar cada um segundo suas necessidades. O conhecimento da 'especificidade' gera um novo princípio de vida social no qual a tolerância substitui a solidariedade e a imparci¬alidade substitui a igualdade e a equi-dade. A transparência gera, portanto, maior instabilidade. (105/106)

É imprescindível dotar de maior autonomia os estabelecimentos, e adequá-los a traços particulares. Mas não se pode deixar que a adequação às diferenças torne-se uma adequação à desigualdade e se rompa a coesão social mínima indispensável à vida em comum. (106)
O debate sobre a educação privada
De uma perspectiva neoliberal, a autonomia dos estabelecimentos e a introdução de uma lógica de funcionamento baseada nas instituições es¬tão associadas à ideia de desregular o sistema educacional, atribuindo mai¬or espaço à atividade privada. (107)

A controvérsia entre ensino públi¬co e ensino privado girou em torno de um eixo ideológico: ao Estado competia, com outras instituições, o con¬trole da socialização da população. Atualmente, a controvérsia gira em torno das demandas pelo direito à edu¬cação, e aparecem argumentos de tipo financeiro-administrativo.

Em síntese, os principais argumentos para justifi¬car a necessidade de expandir o ensi¬no privado são: (107)
a) a pressão de determinados grupos para manter seus padrões culturais; (107)
b) o desafio de melhorar a qualidade da educação em contextos de restri¬ção orçamentária; (108)
c) a necessidade de dinamizar o fun¬cionamento das instituições educaci¬onais; (108)
d) o maior interesse privado pela educação, em virtude da revalorização do conhecimento como fator de produção. (108)
Há ideias que permitem clarifi¬car o debate. A primeira é que não há uma associação unívoca entre privatização da educação, moderni¬zação e desenvolvimento social. A segunda é que não há uma associa¬ção unívoca entre privatização e desregulamentação do funciona¬mento das instituições educacio¬nais. A terceira é que não há uma associação unívoca entre privatização e melhores resultados de aprendizagem. (108)

Público/privado e desenvolvi¬mento social
No que diz respeito ao ensino pré-primário, o setor privado atende mais da metade das matrículas. Nos últimos anos, no entanto, houve uma expan¬são significativa da matrícula públi¬ca, particularmente para setores tra¬dicionalmente excluídos. (108)

A análise do ensino primário indi¬ca que o setor privado tem absorvido entre 10% e 15% das matrículas. No caso do ensino secundário, nos países em desenvolvimento, alcançam qua¬se 30%, com declínio nos últimos anos. (109)

Em termos gerais há dois padrões de desenvolvimento:

• um, que se expressa numa con¬centração do esforço público no ensi¬no primário, deixando um papel mais ativo para a atividade privada no en¬sino médio e superior; e

• outro, em que o setor privado as¬sume maiores cotas no ensino primá¬rio e um papel menos ativo nos níveis posteriores.

Esses padrões refletem estruturas distintas de demanda educacional e, o que é mais importante, diferentes modelos de distribuição social dos re¬cursos públicos. (109)

O Japão representa um modelo 'público/elitista': forte atuação do Estado na garantia da educação bási¬ca para toda a população e ensino su¬perior de alta qualidade. O setor pri¬vado é muito importante no nível secundário. (110)

A experiência japonesa indica que a redução das exigências acadêmicas para permitir o ingresso massivo nas universidades privadas não gera mai¬or equidade, mas, ao contrário, con¬fere à educação pública a possibilida¬de de tornar-se um segmento de alta qualidade e prestígio. (110)

Outro exemplo é o Brasil: os da¬dos indicam que, embora os esforços públicos sejam maiores na educação básica que na superior, existe uma porcentagem importante de matrícula primária privada. No entanto, as uni¬versidades públicas, como no Japão, são as que gozam de maior prestígio e nível de qualidade. (110)

Os filhos das famílias de classe alta frequentam escolas privadas primárias e secundárias de boa qualidade, onde obtêm o preparo que lhes per¬mite ser aprovados nos exames de in-gresso às universidades públicas gratuitas. Os filhos das famílias de pou¬cos recursos, ao contrário, recebem uma educação primária e secundária pública, de baixa qualidade, que não os habilita nas provas de acesso à uni¬versidade pública e, portanto, têm de pagar por uma educação superior, ge¬ralmente de baixa qualidade. (110/111)

A grande diferença entre os dois casos reside nos níveis de equidade existentes na base do sistema educativo. Os mesmos resultados no nível de ensino superior têm significa¬dos muito diferentes quando se analisa o conjunto do sistema educativo. (111)
Escola privada e controle público
Existe uma diversidade de formas de regulamentação pública da atividade educativa privada. Na Holanda o Estado oferece subsídio e mantém for¬tes regulamentações em aspectos-chave: currículo, sistema nacional de exa¬mes ao final da escola elementar e da escola secundária, e controle dos cri¬térios de seleção de estudantes. (112)
O Estado limita a possibilidade de pagamentos adicionais; paga os salári¬os dos professores - do setor público e privado - mas não permite complementações salariais; fornece os edifícios - às instituições públicas e privadas - através dos municípios, mas com reembolso pelo governo central. O resultado é que as escolas privadas não recrutam alunos de origens sociais dis¬tintas dos das escolas públicas. (112)
Privatização e qualidade da educação
Em geral, o ensino privado recru¬ta seu alunado em setores médios e altos, criando dessa forma um fenômeno circular: os alunos dotados de melhores antecedentes familiares re-cebem uma oferta escolar caracteriza¬da pela disponibilidade de equipamen¬to e de pessoal adequado, e obtêm re¬sultados mais altos que os produzidos pela escola pública. (112)

Há casos em que a oferta privada estendeu-se aos setores populares com base em subsídios estatais. Argumen¬ta-se que ficaria mais barato financiar um estabelecimento privado que ofereça educação gratuita, do que finan¬ciar uma escola pública. (112)
A identidade institucional como explicação para os bons resultados
Os dados indicam que a explica¬ção de bons resultados em aprendiza¬gem está muito mais na dinâmica institucional, do que no caráter pú¬blico ou privado. Os melhores rendi¬mentos estão associados à possibilidade de elaborar um projeto educativo do estabelecimento escolar, definido por objetivos claros, metodologias de trabalho compartilhadas, espírito de equipe e responsabilidade diante dos resultados. (114)

Políticas de fórmulas mistas, que concentrem o gasto educativo nas populações com maiores carências, revelam-se muito mais equitativas que um serviço público-estatal que trate de forma homogênea populações di¬ferentes. A dicotomia entre eficiência e dinamismo como patrimônio do se¬tor privado e rigidez e ineficiência como patrimônio do setor público não é mais sustentável. (115)

A autonomia dos estabelecimentos constitui uma via promissora para nos aproximarmos desses objetivos, desde que sejam definidos mecanismos de articulação que evitem a atomização e garantam uma efetiva coesão. (115)

O desafio consiste em promover a coesão entre as instituições educaci¬onais a partir de elementos comuns, presentes no projeto de cada institui¬ção. Para isso, o conceito que pode permitir uma nova articulação entre a autonomia dos estabelecimentos e a necessária coesão entre eles é o con¬ceito de rede. (115)
Redes educativas
É preciso distinguir duas dimen¬sões que aludem às diferenças que precisam ser superadas para que uma rede funcione: a dimensão tecnológica e a dimensão social. (115)

A dimensão tecnológica compre¬ende as infraestruturas materiais que constituem o suporte da rede e asseguram a comunicação e os fluxos de informação. A dimensão social com-preende tanto o sistema de relações entre os indivíduos, ligados ou vincu¬lados por algum interesse comum, como a cultura, que regula de forma não-explícita os contatos entre os membros da rede. (115/116)

Participar de uma rede implica entrar em contato (pela voz, pelo ges¬to, pela escrita, etc.), e ter capacida¬de de entender-se, em torno de um projeto comum. Mas a característica fundamental é que uma rede pode ser mobilizada pelas iniciativas de cada um dos participantes e usuários. (116) A rede é o tipo de dinâmica que permite desenvolver o estímulo ao contato e ao intercâmbio entre os es¬tabelecimentos, que compartilham estratégias comuns, que se associam para beneficiar-se de economias de escala, que partilham informações, análises e recursos, etc. O desafio é tornar essa prática uma prática legí¬tima e estimulada. (118)

O papel do Estado consiste em defi¬nir os objetivos, avaliar os resultados e intervir onde eles não forem satisfatórios. Em países em desenvolvi¬mento, algumas experiências de municipalização da oferta educacional evidenciam que as características do poder local podem ser um fator de rigi¬dez tão forte quanto à oferta centraliza¬da. Assim, o dilema que as políticas de descentralização e de atribuição de maior autonomia às instituições enfren¬tam é sua operacionalização. (118/119)

Convém ressaltar que a autonomia institucional implica autonomia profis¬sional por parte do corpo docente. (119)



Capítulo 8 - Os docentes: profis¬sionais, técnicos ou militantes?
As modificações que a atividade educativa está sofrendo afetam diretamente o corpo docente. Na maior par¬te dos casos, são percebidas mais como ameaça do que como novas oportuni¬dades. Provocam sentimentos de inse¬gurança, de desconfiança. (121)

Esse comportamento tem raízes profundas. É preciso reconhecer que nas últimas décadas ocorreu um processo claro de deterioração das con¬dições de trabalho e de profissionalismo dos docentes. Por outro lado, os processos de descentralização foram motivados pelo desejo de romper a unidade sin¬dical ou diminuir os gastos em educa¬ção, e não de melhorar a qualidade, sua eficiência ou a democratização do ensino. (121/122)
Profissionalizar ou desprofissionalizar?
O novo papel da educação e do conhecimento pressupõe a redefinição do papel dos educadores, pois implica níveis mais altos de profissionalização. Mas pode impli¬car, também, na desprofissionalização da atividade educativa. (122)

É preciso distinguir entre a melhoria das condições de trabalho e o desenvolvimento da 'capacidade profissional', isto é, das aptidões ne¬cessárias ao desenvolvimento da ati¬vidade profissional. Os estudos revelam que as melhorias introduzidas no processo de formação dos professo¬res a fim de favorecer o 'status' não causaram um impacto significativo; e a melhoria da capacidade profissional não conseguiu neutralizar os efeitos de outras variáveis, tais como a ori¬gem social dos docentes e a alta pro¬porção de mulheres. (123)

Muitos sustentam que a educação é uma atividade na qual a profissionalização não seria possível nem conveniente, visto que tem como objetivo determinar mudanças nas pessoas, e as decisões que o docente tem de assumir baseiam-se em opções éticas, em determinações culturais, em avaliações subjetivas e em teorias com escassa corroboração empírica, que não fazem utilização sistemática de um aparato teórico. (124)
Equipe docente versus docentes isolados
Um dos traços mais significativos da atividade profissional dos docen¬tes é seu caráter individual. O esque¬ma tradicional não estimula a discus¬são nem a co-responsabilização pelos resultados e obriga o docente a enfren¬tar sozinho a solução dos problemas que sua atividade coloca. Aqui reside um dos obstáculos mais importantes para o desenvolvimento de uma cul¬tura técnica comum. (124)

A autonomia dos estabelecimen¬tos permite a definição de um projeto pedagógico, que exige trabalho em equipe e acúmulo de experiências; os quais, por sua vez, permitem enfrentar com tranquilidade os diferentes aspectos do trabalho: ensino, avalia¬ção, pesquisa, etc., além de ter impli¬cações na gestão e nas condições de trabalho. (125)
Promover a inovação
Além do trabalho individual iso¬lado, a cultura profissional do docen¬te caracteriza-se por um forte ceticismo diante das inovações. Mas as aná¬lises mostram que o êxito das inova¬ções depende do compromisso e da participação dos docentes. (125)

A inovação requer, também, lu¬gares de encontro, formação e pes¬quisa para os professores e diretores, onde seja possível discutir os proble¬mas de maneira menos corporativa. Requer, ainda, a instalação de uma rede que permita que interajam, par¬tilhem experiências, e que os estimu¬le e apoie. (126)
Prioridade aos lugares onde se dá a formação básica
Só com uma boa formação básica será possível desenvolver as capaci¬dades requeridas para a atividade pro¬dutiva e cidadã. (126)

Nesse contexto as maiores deman¬das de profissionalismo aparecerão nos âmbitos em que a tarefa educativa foi mais desprofissionalizada: a for¬mação básica. (126/127)

A formação básica é a que deman¬da níveis mais altos de profissionalização pedagógica. Ensi¬nar a ler e escrever implica um conhe¬cimento técnico muito específico. Colocar os melhores docentes nesses lugares deve ser uma das demandas democráticas mais importantes. (127)
Novos docentes
A diversificação dos lugares de produção de conhecimentos e a neces¬sidade da educação permanente provocaram uma expansão, no âmbito da formação e nos tipos de educadores. Num contexto de evolução acelerada do conhecimento, só as pessoas vin¬culadas às atividades nas quais se pro¬duz e se utiliza o conhecimento serão capazes de dominá-lo de modo a po¬der transmiti-lo. (127)

Em consequência, teremos os do¬centes básicos, encarregados da for¬mação do núcleo 'duro' da estrutura cognitiva e pessoal, e os docentes especializados, responsáveis pela for¬mação em campos sujeitos a revisão e renovação permanentes. A articu¬lação entre ambos será absolutamen¬te necessária. (128)

A reação das corporações de do¬centes a qualquer iniciativa que ten¬da a romper o monopólio da função docente, se torna contraproducente se a dissociação entre os que têm o conhecimento e a informação e os que são responsáveis pelo ensino au¬mentar. Uma política de incorpora¬ção dos 'novos docentes' pode ser um fator de enriquecimento político e profissional. (128)
Docentes e militantes
Haverá um aumento significativo das exigências de compromisso pes¬soal do docente com os objetivos da tarefa educativa. A adesão a um pro¬jeto de equipe e a tarefa de formação da personalidade dos alunos implicam assumir de forma ativa os valores da democracia. (128)

Uma das dificuldades mais impor¬tantes para avaliar o trabalho docen¬te, e orientar sua formação, é o pressuposto de que deve possuir as quali¬dades que vai formar nos alunos, ou, no mínimo, ter uma atitude que esti¬mule essas qualidades. Nesse aspec¬to, é preciso destacar a importância do trabalho de equipe. (129)

A recuperação da paixão, do entu¬siasmo, é uma exigência, assim como a convicção de que todos podem aprender. As pesquisas mostram que as expectativas do docente cumprem um papel decisivo para o êxito dos alunos. (129/130)
Capítulo 9 - A reforma educacional
A crise não é uma crise parcial, e as mudanças não podem ser reduzi¬das a meros ajustes. As estratégias de mudança radical, originadas fora das instituições, fracassam porque provo¬cam fortes resistências dos atores in¬ternos. As estratégias baseadas na ca¬pacidade interna são muito lentas, e acabam cedendo às pressões para satisfazer as demandas corporativas. As metodologias das reformas e a capa¬cidade para implementá-las de forma efetiva são tão importantes como os conteúdos das propostas. (131/132)
O acordo educativo como base da reforma
Uma estratégia de transformação por consenso, por contrato entre os diferentes atores sociais, permite, por um lado, superar a concepção de que a educação é responsabilidade de um único setor e, por outro, organizar o nível de continuidade que a aplicação de estratégias, de médio e longo pra¬zo, exige. (133)

À medida que o conhecimento e as capacidades das pessoas são re¬conhecidos como fundamentais para o crescimento econômico e a demo¬cracia, a definição da participação de cada setor passa a ser aspecto central. (133)

O consenso pressupõe o reconhe¬cimento do outro e a negociação. Não elimina o conflito, não signifi¬ca uniformidade. Mas a busca de conciliação, mediante o diálogo e os acordos para a ação, cria um meca¬nismo pelo qual esses conflitos são resolvidos. (134)

São responsabilidades do Estado a determinação de objetivos e priori¬dades; a avaliação dos resultados; o respeito às regras do jogo; a criação e implementação dos mecanismos que permitam compensar as diferenças. Essa ação requer a disponibilidade de diagnósticos precisos, de um alto grau de informação, e mecanismos de ava¬liação que permitam efetuar mudan¬ças antes que certos resultados se con¬solidem. (135/136)
Reforma ou inovação institucional?
Promover acordos para estratégi¬as de longo prazo pode parecer con¬traditório com uma situação que muda constante e rapidamente. No entanto, os índices mais altos de dinamismo ocorrem em sistemas que mantêm um alto grau de estabilidade em determi-nados núcleos básicos de sua estrutu¬ra. (136)

Uma mudança educacional baseada nas inovações implica que se pas¬se de um enfoque de mudança centrado na oferta para um enfoque baseado no papel ativo da demanda. Nesse sentido, oferecer mais e melho¬res informações aos usuários do sis¬tema constitui a linha de ação mais promissora. (137)
As estratégias de mudança educa¬cional têm um caráter sistêmico
As mudanças dependem da interação de múltiplos fatores, que devem atuar de forma sistêmica: ações de capacitação, reforma dos conteúdos, da estrutura salarial, etc. O problema central é estabelecer a sequência e a medida em que deve mudar cada um dos componentes do sistema. (138)



19. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da Aprendizagem - Práticas de Mudança: por uma práxis transformadora. São Paulo: Libertad, 2003.


Avaliar aprendizagens é um sério problema educacional há muito tempo. Desde a década de 60, no entanto, a grande crítica são os enormes estragos da prática classificatória e excludente: os elevadíssimos índices de reprovação e evasão, aliados a um baixíssimo nível da qualidade da educação escolar, em termos de apropriação do conhecimento ou de formação de uma cidadania ativa e crítica. Recentemente, a avaliação está também em pauta como decorrência das várias iniciativas tomadas por mantenedoras, públicas ou privadas, no sentido de reverter este quadro de fracasso escolar. A discussão sobre avaliação não deve ser feita de forma isolada de um projeto político-pedagógico, inserido num projeto social mais amplo.
Ultimamente, tem se analisado o papel político da avaliação, tem se criticado muito as práticas avaliativas dos professores, tem se indicado uma alternativa mais instrumental, mas não se apontaram caminhos mais concretos na perspectiva crítica. Marcados pelo medo de cair no tecnicismo, deixamos para um plano secundário a dimensão técnica de nosso trabalho. O professor quer sugestões, propostas, orientações para tão desafiadora prática; muitos gostariam até de algumas "receitas"; sabemos que estas não existem, dada a dinâmica e complexidade da tarefa educativa. Nós temos clareza da não existência de "modelitos prontos e acabados", entendemos que é necessário ao educador desenvolver um método de trabalho para não ficar apenas nos modismos.
Ao trabalharmos com a dimensão das mediações visamos, de um lado, a apresentar algumas possibilidades, tiradas da própria prática das instituições de ensino e dos educadores que estão buscando uma forma de superação da avaliação seletiva, e, de outro, refletir sobre possíveis equívocos que se incorre na tentativa de mudar ações tradicionais.
Fazendo uma análise das dificuldades observadas para a mudança da avaliação, parece que o que tem mais força na prática da escola são coisas que não estão escritas em lugar algum (currículo oculto), quase que uma espécie de tradição pedagógica disseminada em costumes, rituais, discursos, formas de organização; dá-se a impressão que isto determina mais a prática do que as infindáveis manifestações teóricas já feitas.
Ao indicar mudanças, remete-nos à necessidade de envolvimento de todos com tal processo; para haver mudança, é preciso compromisso com uma causa, que pede tanto a reflexão, a elaboração teórica, quanto a disposição afetiva, o querer. No entanto tão logo emerge esta compreensão, vem também a ponderação de que a mudança não depende apenas do indivíduo, dado que os sujeitos vivem em contextos históricos que limitam suas ações em vários aspectos.
Mudança é criar possibilidades: numa sociedade tão seletiva, num sistema educacional marcado pelo autoritarismo, seria possível avaliar de outra forma num contexto social assim contraditório e competitivo? A resposta a estas perguntas, antes de ser uma questão lógica ou teórica, é histórica: objetivamente, "apesar do sistema", ou seja, constatamos que os educadores estão fazendo. Como veremos no decorrer deste trabalho, o que visamos não é simplesmente fazer uma ou outra mudança, mas construir uma autêntica práxis transformadora. A tarefa que se coloca, a partir disso, aponta para três direções:
- Fortalecimento: valorizar as práticas inovadoras existentes para que não sejam efêmeras.
- Avanço: criar novas práticas.
- Crítica: não baixar a guarda em relação à presença e influência da avaliação tradicional.
No cotidiano escolar, muitas vezes, nosso empenho se concentra na mudança das idéias (nossas e dos colegas) a respeito da avaliação. Esta estratégia, embora importante, é insuficiente se não atentarmos para as estruturas de percepção e de pensamento: pode haver simples mudança de conteúdos num arcabouço equivocado. Nossa grande preocupação é a mudança da prática do professor. Toda ação humana consciente, toda prática é pautada por algum nível de reflexão. As idéias que nos habitam - assim como a maneira como operamos com elas - têm conseqüências práticas; a forma corno agimos sobre o mundo, seja o mundo educacional, político ou econômico, é em parte determinada pela forma como o percebemos (Apple, 1989:84). Qualquer inovação, antes de existir na realidade, configura-se na imaginação do sujeito. Fica claro, pois, o desafio de sermos criativos para imaginar novas formas de arranjo da prática educativa em geral, e da avaliativa em particular, e delas tirarmos transformação, aliada à fruição e alegria.
As formas de mediação que traremos representam a sistematização de iniciativas que já vêm ocorrendo. Nossa contribuição vai no sentido de:
a) Aprender com as práticas de mudança, procurar tirar lições e princípios;
b) Ajudar a socializar, valorizar, validar práticas;
c) Criticar, superar contradições;
d) Explorar possibilidades ainda encobertas.
O que está em pauta não é a mera existência de um rol de sugestões ou opções de o que fazer. O caminho para se chegar a uma prática transformadora é bem mais complexo: é a criação de um novo plano de ação do sujeito, que é fruto tanto da percepção de uma necessidade quanto da clareza de uma finalidade (dialética necessidade - finalidade - plano de ação). O problema não é apenas “ter o que fazer”, “saber” o que deve ser feito, e sim, interiorizar, entrar no movimento conceitual e no movimento histórico da atividade educativa. Por isto enfatizamos a questão do método de trabalho para o professor.
Para mudar a avaliação, precisamos, obviamente, mudar seus elementos constituintes (exemplo: conteúdo e forma). Contudo,, embora necessário, isto não é suficiente, uma vez que a prática avaliativa não depende apenas dela mesma. Ora, no caso da avaliação, a partir do trabalho de análise sobre o material empírico, registrado dos discursos dos educadores e da observação da prática, nestas duas classes - Avaliação e Relações - emergem seis grandes categorias:
- Avaliação: intencionalidade; forma; conteúdo.
- Relações: prática pedagógica; instituição; sistema.
Isto significa que a mudança da avaliação, para ser efetiva, deverá estar atenta a estes seis vetores; para se criar uma nova ecologia avaliativa, um novo ambiente cultural no campo da avaliação será preciso se dar conta, em alguma medida, destas seis dimensões.

1) AVALIAÇÃO COMO COMPROMISSO COM A APRENDIZAGEM DE TODOS - POR UMA NOVA INTENCIONALIDADE
A avaliação, para assumir o caráter transformador, antes de tudo deve estar comprometida com a aprendizagem da totalidade dos alunos. Este é o seu sentido mais radical, é o que justifica sua existência no processo educativo. A observação mais atenta aponta que as mudanças na avaliação têm ocorrido, mas não no fundamental, que é a postura de compromisso em superar as dificuldades percebidas. A questão principal não é a mudança de técnicas, mas é a mudança de paradigma, posicionamento, visão de mundo e valores.
Neste primeiro capítulo, estaremos refletindo sobre esta mudança essencial no sentido da avaliação, analisada do ponto de vista de sua tradução em práticas concretas na escola. O que estará em pauta aqui é a intencionalidade que o professor atribui à avaliação no seu cotidiano.
Aprendemos que o homem é um ser racional. Todavia, quando analisamos o conjunto de sua obra, bate uma séria dúvida, face às enormes contradições por ele produzidas. Sucede que, se olharmos com mais cuidado, percebemos que é racional, não necessariamente no sentido do bom senso, do bem, do belo, mas por ter uma razão, um porquê para sua ação. A intencionalidade é a marca humana por excelência; no longo processo filogenético, tornamo-nos homo sapiens porque intencionados, porque projetamos, não nos conformamos com as condições dadas. Notem que neste processo, naturalmente, a avaliação também teve um papel decisivo.
Muitas têm sido as tentativas de mudança da avaliação. No entanto, muda-se, muda-se, e não se consegue transformar a prática. Onde estaria o núcleo do problema da avaliação?
- No seu conteúdo (abrangência?).
- Na sua forma (exigência quantitativa?).
- Na sua intencionalidade (finalidade, objetivo?).
- Nas suas relações (com a metodologia, com as condições de trabaIho, com o sistema de ensino, com a condição de vida dos alunos?).
O acompanhamento de processes de mudança da avaliação em escolas e redes de ensino têm demonstrado o seguinte:
1. A mudança em outros aspectos da avaliação (conteúdo, forma, relações) sem a mudança na sua intencionalidade não tem levado a alterações mais substanciais.
2. A mudança na intencionalidade da avaliação, mesmo sem maiores mudanças em outros aspectos num primeiro momento, tem possibilitado avanços significativos do trabalho.
Pode haver mudança no conteúdo e na forma de avaliar, pode haver mudança na metodologia de trabalho em sala de aula e até na estrutura da escola, e, no entanto, não se tocar no que é decisivo: intervir na realidade a fim de transformar. Se não houver um re-enfoque da própria intencionalidade da avaliação, de pouco adiantara. A intencionalidade é o problema nuclear da avaliação, portanto alguns cuidados devem ser reforçados:
- não tomá-la como absoluta, definitiva.
- não reduzi-la a um campo por demais particular ou especifico.
- não confundi-la com a realidade.
- não usá-la como refugio dos conflitos, para encobrir as contradições da prática.
- não deixar de perceber seu enraizamento na realidade.
A concretização de uma nova intencionalidade é, a nosso ver, o maior desafio contemporâneo da avaliação da aprendizagem. Ao analisarmos as condições para a mudança da intencionalidade da avaliação, encontramos muitos obstáculos; contudo, um dos maiores e a tradição avaliativa já existente: há a assimilação, por parte do professor, de uma verdadeira cultura da repetência, uma estranha indiferença para com a lógica classificatória, bem como para com os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar.
No processo de mudança, visamos à incorporação da nova intencionalidade; porém, não há como “garantir” em termos absolutos, não há uma atividade que seja intrinsecamente emancipatória; exige-se atenção, espírito crítico, reflexão o tempo todo. Contudo, a busca de sua tradução em práticas concretas, coerentes com o princípio, é imprescindível e ajuda o enraizamento da nova concepção nos sujeitos e, no limite, na própria instituição. É preciso ousar, investigar, procurar caminhos para assegurar a aprendizagem. Existem soluções relativamente simples, que estão no espaço da autonomia do professor e da escola (abertura a novos possíveis!).
A situação do professor, com muita frequência, está difícil; mas se internamente se fecha a possibilidade, se já não acredita que o aluno possa aprender, se já não tenta, com certeza ficará mais difícil ainda, tanto para ele quanto para o aluno. Esperar pouco do outro é uma forma de profundo desrespeito! O professor não pode desistir do aluno! Todo ser humano é capaz de aprender.

2) CONTEÚDO E FORMA DA AVALIAÇÃO
Conteúdo e forma são duas dimensões essenciais na concretização da avaliação da aprendizagem. O conteúdo da avaliação diz respeito ao o que é tornado como objetivo de análise. A forma refere-se ao “como “ esta avaliação ocorre. Muitos professores expressam a percepção da necessidade de mudança tanto na forma quanto no conteúdo da avaliação por eles praticada. Do ponto de vista do processo de mudança, isto é importante por tratar-se de algo que constitui o cotidiano mesmo da avaliação, sua realização na sala de aula e que, em grande medida, está ao seu alcance por não depender tanto de fatores externos.
Falar do conteúdo da avaliação e, antes de tudo, refletir sobre o campo sobre o qual irá incidir. A avaliação pode se dar sobre diferentes aspectos da realidade: indivíduo, sala de aula, instituição de ensino, sistema de ensino ou sociedade como um todo. Dependendo do foco, teremos suas varias modalidades: auto-avaliação, avaliação do processo de ensino-aprendizagem, avaliação institucional, avaliação do sistema educacional e avaliação do sistema social, que se articulam intrinsecamente. “Avaliar o aluno como um todo” é uma das representações mais fortes entre os professores quando tratam de suas práticas avaliativas: expressam isto tanto em relação ao que estão realizando, quanto ao que é idealizado.
Quando vamos discutir com os professores alguma questão concreta de um instrumento de avaliação, não raramente vem certa decepção ou um sério questionamento. Percebe-se que o problema não está no instrumento em si - que pode variar, naturalmente, de qualidade -, mas naquilo que está sendo ensinado. Um dos grandes problemas da educação escolar é a falta de articulação entre o que se quer e a prática pedagógica, a intenção declarada e a enraizada. Assim temos dois aspectos essenciais na elaboração da proposta de trabalho:
- O que o aluno precisa aprender (para definir o que ensinar)
- Como o aluno conhece (para saber o que ensinar)
A prática avaliativa, obviamente, se dará em cima disto, enquanto processo e enquanto produto:
- O que se está ensinando, até que ponto é relevante?
- Em que medida está se ensinando da forma adequada?
A avaliação reflete aquilo que o professor julga ser o fundamental, “o que vale”.
- mais ou menos consciente - Devemos atentar para o possível descompasso entre o que se pensa ser o mais importante e aquilo que efetivamente está se solicitando nas avaliações. A pergunta sobre o conteúdo da avaliação, sobre o que deve ser avaliado, resgata, pois, de imediato o questionamento: o que vale a pena ensinar?
A forma de avaliar diz respeito ao “como”, a maneira concreta com que a avaliação se dará no cotidiano das instituições de ensino; envolve os rituais, as rotinas, o desdobramento das diretrizes e normas, enfim, as maneiras de fazer e de expressar os resultados da avaliação da aprendizagem.
Quando interrogamos os professores sobre o como deve ser a avaliação, a perspectiva da avaliação como processo costuma ser outra representação das mais presentes e enfatizadas. Entendemos que avaliação processual, contínua, é essa atenção e ocupação permanente do professor com a apropriação efetiva do conhecimento por parte do aluno, com a interação aluno-objeto do conhecimento-realidade; é uma postura, um compromisso durante todo o processo de ensino-aprendizagem, e não o multiplicar “provinhas” - embora não prescinda de instrumentos e atividades variadas.
Nossa preocupação fundamental se centra em relação à avaliação e à mudança de postura, visando superar sua abominável ênfase seletiva. Até que ponto o instrumento influi? Entendemos que os instrumentos não são neutros, embora tenham uma autonomia relativa. É claro que o como avaliar, a qualidade do instrumento também é importante, pois a própria transformação da postura do professor pode ficar comprometida se ele se prender a instrumentos e formas de avaliar tradicionais. Ocorre que este como está ligado à concepção (arraigada) de educação que o professor/escola tem. Se não mudarem as finalidades, de nada adiantara sofisticar o instrumento. São, portanto, desafios que se implicam: a mudança de postura em relação às finalidades (da educação e da avaliação) e a busca de mediações adequadas (de ensinar e de avaliar).
O que vislumbramos é que os professores tenham uma tecnologia educacional incorporada, qual seja, que precisem cada vez menos de artefatos, mas que possam desenvolver mentefatos avaliativos (nele e nos alunos). Almeja-se que com o tempo o professor incorpore uma nova tecnologia de avaliação, de maneira que confie na sua experiência, na sua intuição e fique mais livre de instrumentos formais - embora estes não possam ser eliminados -. Como esta intuição não é nata, tem de ser trabalhada, construída, e constantemente criticada. Cabe lembrar, para que venham a se constituir em práxis transformadora, que as várias iniciativas avaliativas devem estar articuladas com a nova intencionalidade, bem como a outras dimensões do processo educativo.

3) AVALIAÇÃO E VÍNCULO PEDAGÓGICO
Historicamente, a avaliação tendeu a se automatizar, a se tornar um fim em si mesma. Corrigir esta distorção implica reconhecer que a avaliação da aprendizagem se dá no campo pedagógico que, antes de mais nada, precisa ser resgatado, configurado e valorizado. Se a finalidade da escola pode ser assumida como a educação através do ensino, ao abordarmos o vínculo pedagógico, estamos diante do que é essencial na tarefa educativa escolar, sua atividade-fim. Todavia, esta finalidade não vem se realizando a contento, de tal forma que, na atualidade, o problema central da escola, do ponto de vista político, e a não totalidade dos alunos que por ela passa. Já da ótica pedagógica, compreendemos que o problema nuclear reside na proposta de trabalho equivocada.
O grande desafio pedagógico em sala de aula é a questão da formação humana através do trabalho com o conhecimento baseado no relacionamento interpessoal e na organização da coletividade. Quando nos referimos ao vínculo pedagógico, queremos abarcar o conjunto do trabalho que o docente desencadeia em sala de aula e, particularmente, seu elemento fulcral que é a gestão mesma do processo de conhecimento (necessidades, objetivos, conteúdos, metodologia, relacionamentos, recursos, interfaces, além da avaliação).
O trabalho de construção do conhecimento na escola está baseado no trabalho de gerações passadas e presentes; não realizar uma atividade significativa traz como consequência contribuir para a reprodução do sistema de alienação da organização social, na medida em que colabora para a formação de sujeitos passivos, acríticos.
A avaliação deveria ser uma mediação para a qualificação da prática escolar. No entanto, não é isto que vem ocorrendo, dado que, quando surgem dificuldades em sala, procura-se resolver pela pressão da nota, e as questões pedagógicas fundamentais não são devidamente enfocadas. A existência da reprovação desde as séries iniciais introduz a alienação na relação pedagógica: ao invés de o professor investir na mobilização do aluno para o estudo, para a proposta de trabalho, passa a usar a avaliação como arma. No fundo, a questão seria muito simples: o professor resgatar o seu papel essencial que é ensinar. Embora isto pareça elementar, com frequência, a preocupação maior do professor, como analisamos acima, não está sendo ensinar, mas “sobreviver”, seja pela sedução, seja pelo controle.
É necessário reconhecer que, no contexto da escola brasileira contemporânea, está muito difícil ser professor. Neste quadro, a avaliação tradicional tende a ser uma forma de alívio, uma vez que:
- Do ponto de vista subjetivo, canaliza a culpa para alguém (aluno/família);
- Do ponto de vista objetivo, das condições de trabalho (controle disciplinar).
Mas o que colocar no lugar da pressão da nota? Duas perspectivas são fundamentais: o sentido para o estudo para o trabalho pedagógico e a forma adequada de trabalho em sala de aula. Estes dois elementos se combinam no processo pedagógico, de maneira que quando falta um, e o outro está presente, há uma espécie de compensação, mas quando os dois estão em baixo nível, o trabalho em sala fica quase impossível. O que se vislumbra, pois, em termos de superação é o poder de o professor estar centrado na proposta pedagógica, e não mais na nota.
Os educadores, que estão inovando a prática pedagógica, apontam, como forma de superação do vínculo alienado, o resgate da significação do estudo e dos conteúdos, e a busca de uma metodologia participativa em sala, para que eles não precisem da nota a fim de controlar os alunos, ganhar o aluno pela proposta pedagógica e não pela "muleta" das ameaças. Por meio de novas atividades, professores e alunos redescobrem o gosto pelo conhecimento que vem da compreensão, do entendimento, da percepção do aumento da capacidade de intervir no mundo. Assim, a avaliação – como regulagem das aprendizagens – é tomada como base para reorientar a organização do trabalho pedagógico (replanejamento). O preparo adequado do curso, da segurança, firmeza, é que permite o melhor aproveitamento.
A atividade do professor numa perspectiva dialética implica basicamente: conhecer a realidade, ter clareza de objetivos e traçar mediações significativas, agir de acordo com o planejado e avaliar sua prática (Methodos). E a tarefa fundamental é, a partir de um Projeto político Libertador, construir um vínculo pedagógico coerente com o compromisso com a aprendizagem efetiva de todos os alunos.

4) AVALIAÇÃO E MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E SOCIAIS
No processo de mudança, as manifestações dos educadores em relação à avaliação não se limitam a ela; muito pelo contrario, remetem a outros aspectos, inclusive a organização escolar e social. É importante percebermos este contexto maior e termos dele uma leitura crítica. A mudança avaliativa não pode ficar restrita à mudança de mentalidade e práticas dos professores; embora isto seja absolutamente fundamental, precisa ser articulada com mudanças estruturais da própria escola, do sistema educacional e da sociedade, sob pena de se comprometer qualquer esforço na direção de uma nova concepção dos atores sociais.
A transformação na avaliação não se restringe a um esforço isolado do professor, mas é fruto de um trabalho coletivo; por outro lado, objetiva-se em estruturas: construção de novas formas de organização, rotinas, rituais, regras etc., a fim de que não seja preciso, a cada instante, a tomada de consciência e a boa vontade de cada um. As estruturas sintetizam o desejo do grupo num determinado momento, e certo que devemos estar atentos ao risco de se fossilizarem; portanto, pedem abertura à superação, mas nem por isso são dispensáveis; ao contrário, é a sua explicação e concretização que fornecerá o patamar para novas mudanças.
A instituição deve ter uma forma de organização que seja inclusiva, que busque, de todas as maneiras, romper com qualquer subterfúgio que leve à exclusão. Este desejo, este comprometimento dos educadores, todavia, deve se traduzir em práticas concretas, em iniciativas, negociações, regras, leis, ritos, vale dizer, numa nova cultura institucional. O envolvimento da escola como um todo (também as estruturas administrativas e comunitárias) é condição para a consolidação da mudança da avaliação.
Uma queixa recorrente entre os educadores diz respeito à carga horária das disciplinas. Muitas vezes, ouve-se a pergunta: “Como posso conhecer melhor os alunos, se pouco convivo com eles?" Ora, antes de ser uma questão de avaliação da aprendizagem, trata-se de avaliação curricular. O que se espera é a adequação da carga horária à proposta de ensino: para quem não sabe o que quer, solicitar aumento de aulas semanais sugere mais oportunismo corporativo do que zelo pedagógico.
O individualismo está muito enraizado na sociedade e, em particular, no professor: são anos e anos de trabalho isolado; cada um busca a sua saída. Apesar de a participação individual ser fundamental, não podemos ficar limitados a isto. Uma coisa é um professor fazer algo inovador; isto tem seu valor. Mas quando a escola assume aquilo enquanto proposta coletiva, o significado é bem diferente em termos de processo de mudança.
Reside aí a importância do Projeto político pedagógico, que é o piano global da instituição. É entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. Trata-se de um importante caminho para a construção da identidade da escola. É um instrumento teórico-metodológico de transformação da realidade. Visa ajudar a enfrentar os desafios cotidianos, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica, científica, e, o que é essencial, participativa. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação, na medida em que expressa o compromisso do grupo com uma caminhada. Tornar vivo o projeto, não deixar que fique engavetado, fazê-lo advir, incorporá-lo na prática, não é tarefa especifica de um ou outro membro da instituição, e sim de todos que o construíram. O processo de elaboração participativa do projeto é um espaço privilegiado de construção do coletivo escolar.
Uma das maiores tarefas colocadas para a sociedade no seu conjunto é conseguir articular uma efetiva visão de futuro positiva para a juventude. O ser humano gosta de desafios; a tarefa que está posta é a de superar sua formulação alienada - ser melhor, conseguir nota, passar de ano - e apontar novas tarefas para os alunos: aprender mais e melhor; não deixar ninguém pelo caminho, avançar juntos; refletir, desfrutar o prazer de conhecer; pensar com a própria cabeça; descobrir novas possibilidades de organização do real, ser capaz de intervir, abrir novos horizontes dentro e fora da escola.
Concluímos, enfatizando a importância absolutamente essencial da participação do professor no processo de mudança na condição de sujeito (e não de objeto), caminhando de uma prática imitativa (cultura da reprovação) ou reativa (mera aprovação) a práxis transformadora (ensino de qualidade democrática para todos)!




20. Zabala, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998
Maria Angélica Cardoso
O livro de Antoni Zabala objetiva “oferecer determinados instrumentos que ajudem [os professores] a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge às suas possibilidades; saber que medidas podem tomar para recuperar o que funciona e generalizá-lo, assim como para revisar o que não está tão claro” (p.24).
1 A Prática Educativa: unidades de análise
O autor inicia o primeiro capítulo afirmando que “um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofício” (p. 13). Esta competência é adquirida mediante o conhecimento e a experiência.
Para Zabala a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas. Conhecer essas variáveis permitirá ao professor, previamente, planejar o processo educativo, e, posteriormente, realizar a avaliação do que aconteceu. Portanto, em um modelo de percepção da realidade da aula estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e a avaliação.
Para analisar a prática educativa, Zabala elege como unidade de análise básica a atividade ou tarefa – exposição, debate, leitura, pesquisa bibliográfica, observação, exercícios, estudo, etc. – pois ela possui, em seu conjunto, todas as variáveis que incidem nos processos de ensino/aprendizagem. A outra unidade eleita são as sequências de atividades ou sequências didáticas: “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18). Ou seja, a sequência didática engloba as atividades.
Apoiando em Joyce e Weil (1985), em Tann (1990) e em Hans Aebli (1988) Zabala determina as variáveis que utilizará para a análise da prática educativa, quais sejam: as sequências de atividades de ensino/aprendizagem ou sequências didáticas; o papel do professor e dos alunos; a organização social da aula; a maneira de organizar os conteúdos; a existência, as características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos; o sentido e o papel da avaliação.
Considerando a função social do ensino e o conhecimento do como se aprende como os instrumentos teóricos que fazem com que a análise da prática seja realmente reflexiva, Zabala utiliza dois grandes referenciais: o primeiro está ligado ao sentido e o papel da educação. As fontes utilizadas são a sócio-antropológica, que está determinada pela concepção ideológica da resposta à pergunta “para que educar?”; e a fonte epistemológica, que define a função do saber, dos conhecimentos e das disciplinas. Este referencial busca o sentido e a função social que se atribui ao ensino. O outro referencial engloba as fontes psicológica e didática. Dificilmente pode se responder à pergunta “como ensinar?”, objeto da didática, se não se sabe sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos e as estratégias de aprendizagem. Este busca a concepção dos processos de ensino/aprendizagem.
2 A Função Social do Ensino e a Concepção sobre os Processos de Aprendizagem: instrumentos de análise
Com base no ensino público da Espanha, Zabala afirma que, além das grandes declarações de princípios, sua função social “tem sido selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido” (p. 27), subvalorando o valor informativo dos processos que os alunos/as seguem ao longo da escolarização.
Uma forma de determinar os objetivos da educação é analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Contudo, existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano. Zabala utiliza a classificação proposta por Coll – capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social. Mas quais os tipos de capacidade que o sistema educativo deve levar em conta?
Diretamente relacionados aos objetivos da educação estão os conteúdos de aprendizagem. Coll (1986) os agrupa em conteúdos conceituais – fatos, conceitos e princípios – procedimentais – procedimentos, técnicas e métodos – ou atitudinais – valores, atitudes e normas. Classificação que corresponde, respectivamente, às perguntas: “O que se deve saber?”, “O que se deve saber fazer?” e “Como se deve ser?”. Assim, no ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdo estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica e universitária priorizará os conceituais.
Quanto ao segundo referencial de análise – a concepção dos processos da aprendizagem – Zabala afirma que não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como as aprendizagens se produzem. As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes. Daí decorre que um enfoque pedagógico deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. Assim, o critério para estabelecer o nível de aprendizagem serão as capacidades e os conhecimentos prévios de cada aluno/a. Esta proposição marcará também a forma de ensinar.
Zabala defende a concepção construtivista como aquela que permite compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem. Para esta concepção “o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação” (p. 38). Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel também ativo do educador. A natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. Nesse processo intervêm, junto à capacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.
Após expor, em condições gerais, o processo de aprendizagem segundo a concepção construtivista, o autor passa a expor sobre a aprendizagem dos conteúdos conforme sua tipologia.
Os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. São conhecimentos indispensáveis para a compreensão da maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Considera-se que o aluno/a aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, portanto, a compreensão não é necessária. Diz-se que o aluno/a aprendeu quando é capaz de recordar e expressar de maneira exata o original. Quando se referem a acontecimentos pede-se uma lembrança o mais fiel possível. Se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal, listas e agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas e representações gráficas, associações, etc. Para fazer estes exercícios de caráter rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável.
Os conteúdos conceituais abrangem os conceitos e princípios. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que, normalmente, descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Considera-se que o aluno/a aprendeu quando este é capaz não apenas repetir sua definição, mas também utilizá-la para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui.
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortado, saltar, inferir, espetar, etc. Em termos gerais aprendem-se os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. O segundo passo é que a exercitação múltipla – fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias – é o elemento imprescindível para o domínio competente do conteúdo. A reflexão sobre a própria atividade é o terceiro passo e permite que se tome consciência da atuação. O quarto e último passo é a aplicação em contextos diferenciados que se baseia no fato de que aquilo que se aprende será mais útil na medida em que se pode utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis.
O termo conteúdo atitudinal engloba valores, atitudes e normas. Cada grupo apresentando uma natureza suficientemente diferenciada. Considera-se que o aluno adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo. Que aprendeu uma atitude quando pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto para quem dirige esta atitude. E que aprendeu uma norma, considerando três graus: o primeiro quando se trata de uma simples aceitação; o segundo quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma; e o último grau quando interioriza a norma e aceita como regra básica de funcionamento da coletividade que a rege.
Concluindo, Zabala identifica e diferencia a concepção tradicional da concepção construtivista, a partir dos dois referenciais básicos para a análise da prática. Na concepção tradicional a sequência de ensino/aprendizagem deve ser a aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da aprendizagem como um processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. As relações interativas são de caráter diretivo: professor → aluno; os tipos de agrupamentos se circunscrevem às atividades de grande grupo. A distribuição do espaço reduz-se ao convencional. Quanto ao tempo, estabelece-se um módulo fixo para cada área com uma duração de uma hora. O caráter propedêutico do ensino faz com que a organização dos conteúdos respeite unicamente a lógica das matérias. O livro didático é o melhor meio para resumir os conhecimentos e, finalmente, a avaliação tem um caráter sancionador centrado exclusivamente nos resultados.
A concepção construtivista apresenta uma proposta de compreensividade e de formação integral, impulsionando a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de conteúdo. O ensino atende à diversidade dos alunos, portanto a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Conforme Zabala (p. 51) “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surge constantemente”. O objetivo será a melhoria da prática. Nesta concepção, o conhecimento e o uso de alguns marcos teóricos levarão a uma verdadeira reflexão sobre a prática, fazendo com que a intervenção pedagógica seja o menos rotineira possível.
3 As Sequências Didáticas e as Sequências de Conteúdo
Neste capítulo o autor apresenta o estudo da primeira variável que incide sobre as práticas educativas: a sequência didática. Ele apresenta quatro unidades didáticas como exemplo e as analisa sob os aspectos do conteúdo, da aprendizagem, da atenção à diversidade e da sequência e tipologia dos conteúdos.
O autor conclui que nestas propostas de trabalho aparecem para os alunos diferentes oportunidades de aprender diversas coisas, e para os professores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliar. Que os diferentes conteúdos que os professores apresentam aos alunos exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas.
Refletir sobre o processo ensino/aprendizagem implica apreender o que está sendo proposto de maneira significativa. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário do que exige um trabalho mais continuado pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e a nós mesmos. As diferentes propostas didáticas analisadas têm diferentes potencialidades quanto à organização do ensino. Portanto, “mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um outro modo de organizar o ensino devemos dispor de critérios que nos permitem considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidade. Utilizar esses critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la” (p.86).

4 As Relações Interativas em Sala de Aula: o papel dos professores e dos alunos
Para Zabala (p. 89) as relações de que se estabelecem entre os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem constituem a chave de todo o ensino e definem os diferentes papéis dos professores e dos alunos.
A concepção tradicional atribui ao professor o papel de transmissor de conhecimentos e controlador dos resultados obtidos. Ao aluno cabe interiorizar o conhecimento que lhe é apresentado. A aprendizagem consiste na reprodução da informação. Esta maneira de entender a aprendizagem configura uma determinada forma que relacionar-se em classe.
Na concepção construtivista ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações pessoais sobre o conteúdo. Trata-se de um ensino adaptativo, isto é, um ensino com capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam. Portanto, os professores podem assumir desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a atenção para a diversidade dos alunos e de situações à posição de desafiar, dirigir, propor, comparar. Tudo isso sugere uma interação direta entre alunos e professores, favorecendo a possibilidade de observar e de intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos/as.
Do conjunto de relações necessárias para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que Zabala (p. 92-104) caracteriza da seguinte maneira:
a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente flexível para permitir adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/aprendizagem. Por um lado, uma proposta de intervenção suficientemente elaborada; e por outro, com uma aplicação extremamente plástica e livre de rigidez, mas que nunca pode ser o resultado da improvisação. b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no início das atividades como durante sua realização.
c) Ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam o que têm que fazer, sintam que podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.
d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.
e) Oferecer ajudas adequadas, no processo de construção do aluno, para os progressos que experimenta e para enfrentar os obstáculos com os quais se depara.
f) Promover atividade mental auto-estruturante que permita estabelecer o máximo de relações com novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau possível e fomentando os processos de meta-cognição que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a aprendizagem.
g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o autoconceito.
h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de negociação, participação e construção.
i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão aos objetivos e em sua realização e controle, possibilitando que aprendam a aprender.
j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem conhecimentos e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para favorecer as estratégias de controle e regulação da própria atividade.
Concluindo, Zabala afirma que os princípios da concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar a ação didática e que, de maneira específica ajuda a caracterizar as interações educativas que estrutura a vida de uma classe, estabelecendo as bases de um ensino que possa ajudar os alunos a se formarem como pessoas no contexto da instituição escolar.
5 A Organização Social da Classe
Neste capítulo Zabala analisa a organização social da classe. As diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Historicamente a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens para sua integração na coletividade eram os processos individuais. Atualmente são diversas as formas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades às quais o professor pode recorrer.
A primeira configuração considerada pelo autor é o grupo/escola em que toda escola tem uma forma de estrutura social determinada. As características desta organização grupal são determinadas pela organização e pela estrutura de gestão da escola e pelas atividades que toda escola realiza. O grupos/classe fixos é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Além de sua facilidade organizativa, oferece aos alunos um grupo de colegas estável, favorecendo as relações interpessoais e a segurança efetiva. A terceira configuração, os grupos/classes móveis ou flexíveis são agrupamentos em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias. As vantagens são, por um lado, a capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores. Na organização da classe como grande grupo todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo. É uma forma de organização apropriada para o ensino de fatos; no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas. Para os conteúdos procedimentais é impossível atender a diversidade; no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembléia, mas é insuficiente. A organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os alunos em grupos de 5 a 8 componentes, durante um período de tempo. As equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar conteúdos atitudinais. A sexta configuração é a organização da classe em equipes móveis ou flexíveis. Implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. São adequadas para o trabalho de conteúdos procedimentais. Também será apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais. O trabalho individual é especialmente útil para memorização de fatos, para o profundamente da memorização posterior de conceitos e, especialmente, para a maioria dos conteúdos procedimentais. Uma forma de trabalho individual especialmente útil é o denominado por Freinet de “contrato de trabalho”. Nos “contratos de trabalho” cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado. Essa forma trabalho é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada, ou seja, alguns conteúdos factuais e muitos conteúdos procedimentais.
Concluindo: a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que se quer ensinar e de que aluno se quer formar; os trabalhos em grupo não excluem o trabalho e o esforço individuais; os contratos de trabalho podem constituir-se num instrumento eficaz para articulara um trabalho personalizado interessante e pelo qual o aluno sinta responsável; o papel formativo do grupo/escola condiciona o que pode se fazer nos diferentes níveis da escola, educativamente falando, ao mesmo tempo que constitui um bom indicador da coerência entre as intenções formativas e os meios para alcançá-las.
Quanto à distribuição do espaço: na estrutura física das escolas, os espaços de que dispõe e como são utilizados corresponde a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Parece lógica que a distribuição atual das escolas continue a ser um conjunto de salas de aula com um conjunto de cadeiras e mesas enfileiradas e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professor.
A utilização do espaço começa a ser problematizada quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. Criar um clima e um ambiente de convivência que favoreçam as aprendizagens se converte numa necessidade da aprendizagem e num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinam novas necessidades espaciais. Para a aplicação dos conteúdos procedimentais torna-se necessário revisar o tratamento do espaço já que é necessária uma atenção às diferenças. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de espaço dessa atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que constituem a maneira de entender os valores por parte da escola.
Quanto à distribuição do tempo: o tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores.
A estruturação horária em períodos rígidos é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens leva os professores a reconsiderar que estes modelos inflexíveis. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação. O planejamento torna-se necessário para que se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.
6 A Organização dos Conteúdos
As relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas é o que se denomina organização de conteúdos. Existem duas proposições acerca das formas de organizá-los: uma baseada nas disciplinas ou matérias; e a outra, oferecida pelos métodos globalizados, onde os conteúdos das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade.
A diferença básica entre os dois modelos está no fato de que para os métodos globalizados as disciplinas não são a finalidade básica do ensino, senão que tem a função de proporcionar os meios ou instrumentos que deve favorecer a realização dos objetivos educacionais; o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. No caso dos modelos disciplinares a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.
Tomando as disciplinas como organizadoras dos conteúdos têm-se, na escola, as diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matéria de estudo possibilitando estabelecer três graus de relações disciplinares:
1) Multidisciplinaridade: é a mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras.
2) Interdisciplinaridade: é a interação entre duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais, da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.
3) Transdisciplinaridade: supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Nesta concepção pode se situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.
Quanto aos métodos globalizados, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e suas necessidades educacionais. Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Esse método nasce a partir do termo sincretismo introduzido por Claparède e, posteriormente, Decroly com termo globalismo.
Existem vários métodos que podem ser considerados globalizados, dentre eles quatro, por sua vigência atual, são analisados no livro: os centros de interesse de Decroly, o sistema de projetos de kilpatrick, o estudo do meio do MCE e os projetos de trabalho globais. O autor os analisa indicando seus pontos de partida, suas sequências de ensino/aprendizagem e suas justificativas. Zabala conclui que, embora todos priorizem o aluno e o como se aprende, o aspecto que enfatizam na função social é diferente. No centro de interesse a função social consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que sabem fazer; para o método de estudo do meio a formação de cidadãos democráticos e com espírito científico; e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de aprender a aprender. Contudo, apesar das diferenças, o objetivo básico desses métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela.
Concluindo, o autor afirma que inclinar-se por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que vai além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de um instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é que os tornam suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, uma vez que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.
7 Os Materiais Curriculares e os outros Recursos Didáticos
Os materiais curriculares são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e de sua avaliação. Por suas características eles podem ser classificados conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utiliza.
Na sequência o autor analisa o uso dos materiais didáticos conforme a tipologia dos conteúdos, o suporte dos diferentes recursos – sua utilização, vantagens e inconvenientes, elabora propostas de materiais curriculares para a escola e indica alguns critérios para análise e seleção dos materiais, quais sejam: detectar os objetivos educativos subjacente a um determinado material; verificar que conteúdos são trabalhados; verificar a sequência de atividades propostas para cada um dos conteúdos; analisar cada uma das sequência de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa; e estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.
A conclusão do autor: de nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, se bem utilizado, não apenas potencializa o processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional.
8 A Avaliação
Porque avaliar, como avaliar, quem são os sujeitos e quais são os objetos da avaliação são analisados nesse último capítulo. A avaliação é o processo-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Nesse sentido suas possibilidades e potencialidades se vinculam para a forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando as avaliações são homogeneizadoras, duras, fechadas, rotineiras, elas têm pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores; oferece a oportunidade para acompanhar todo o processo e, portanto, assegurar a sua idoneidade.
A presença de opções claras sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/aprendizagem e que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se à necessidade de objetivos com finalidades específicas que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária e mais justa. Ao mesmo tempo exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem para analisar o que acontece e tomar decisões para reorientar a situação quando for necessário. E os professores também devem aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar-se no processo. O melhor caminho para fazer é para ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam auto-avaliar-se combinando e estabelecendo o papel que essa atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação. Finalizando tanto a avaliação quanto a auto-avaliação não pode ser um episódio ou um engano, mas algo que deve ser planejado seriamente.

2 comentários:

Unknown disse...

Tem alguns espaços vazios no meio do texto, tá faltando texto???

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.